Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01315/07.2BEVIS
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/27/2020
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA COMUM; RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL POR FACTO ILÍCITO E RESPONSABILIDADE PRÉ-CONTRATUAL; CONTRATOS DE ADJUDICAÇÃO; JULGAMENTO DE FACTO;
GARANTIA DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO; SENTENÇA-NULIDADE; CUSTAS
Recorrido 1:V., Lda
Recorrido 2:MUNICÍPIO DE (...) e Outra
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
V., S.A. instaurou ação administrativa comum de responsabilidade extracontratual por facto ilícito e responsabilidade pré-contratual, nos termos do disposto nos artigos 37º, nºs 1 e 2, alínea f) do CPTA, 4º, nº 1, alínea h), do ETAF e 227º do Código Civil, contra o MUNICÍPIO DE (...) e a ADMINISTRAÇÃO REGIONAL DE SAÚDE DO CENTRO – SUB REGIÃO DE SAÚDE DE (...), todos melhor identificados nos autos, pedindo …deve a presente acção ser julgada totalmente procedente por provada e:
-ser declarado que a ineficácia dos contratos de adjudicação n.ºs 5-SOM/2007 e 6-SOM/2007, referidos no presente articulado se verificou por conduta culposa dos 1º Réu e 2ª Ré;
-ser o 1º Réu condenado a pagar à Autora a quantia peticionada acrescida de juros legais de mora, desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento.
Pediu ainda que a 2ª Ré seja condenada solidariamente com o 1º Réu a pagar a quantia peticionada e juros legais de mora vincendos até integral e efectivo pagamento,….
Por sentença proferida pelo TAF de Viseu foi decidido assim:
a) declaro a ineficácia dos contratos de adjudicação n.ºs 5-SOM/2007 e 6-SOM/2007, por o Réu ter violado o disposto no art.º 11º do Decreto-Lei n.º 59/99, e excluído ilegalmente do concurso o consórcio “E., S.A. e I., S.A., fundamentos estes que conduziram à recusa de visto aos referidos contratos pelo Tribunal de Contas, ao abrigo do disposto na alínea c) do n.º 3 do art.º 44.º da Lei n.º 98/97, de 26/8.
b) condeno o Réu a pagar à A.:
- o valor correspondente à elaboração do projeto base para os lotes B e C e por referência ao valor global de € 20.000,00 (alínea FF) do probatório);
- € 24.500,00, relativamente à elaboração do projeto de execução do lote B, que foi apresentado pela A. (alínea GG) do probatório);
- € 821,64, relativa às duas cauções que a A. teve que prestar, em virtude dos contratos celebrados, e como garantias da boa execução das obras (alínea II) do probatório);
- € 562,65, relativa à realização de topografia no âmbito da empreitada do Lote B e para apresentação do projeto de execução, que a A. pagou à empresa V. (alínea JJ) do probatório);
- € 302,50, relativa ao transporte de dois contentores no âmbito da empreitada do Lote B e para apoio à elaboração do projeto de execução, que a A. pagou à empresa V. (alínea KK) do probatório);
- o valor despendido com a preparação e elaboração das propostas para os lotes de (...) e (...) (alínea HH) do probatório), para além da quantia que resulta da alínea FF) do probatório para os mesmos lotes.
c) a acrescer à importância devida nos termos da alínea anterior, condeno o Réu a pagar os juros legais de mora, desde a citação e até efetivo e integral pagamento.
d) Absolvo a Ré de tudo o que contra si foi peticionado nesta ação.
Custas a cargo da A. e do Réu, na proporção do respetivo decaimento, que fixo em 35% para a A. e 65% para o Réu.
Desta vem interposto recurso pelo Réu Município.

Alegando, formulou as seguintes conclusões:

1. A sentença ora recorrida padece de vários vícios que a ferem de nulidade e fatalmente conduzirão à sua revogação.
2. Desde logo, considerando a totalidade do pedido indemnizatório formulado na petição inicial e o modo como nesta foi decomposto pela autora, deve ser revogada/reformada na parte em que fixa em 65% o decaimento do réu Município.
3. A elaboração da sentença, conforme supra alegado, no que se refere ao primeiro parágrafo da alínea B do seu segmento decisório, não respeitou igualmente o disposto nos nºs 3, 4 e 5, do artigo 607º do CPC, padecendo de contradição entre a fundamentação entre a fundamentação e a decisão e mesmo de ausência absoluta de fundamentação, de acordo com os artigos 619°, n° 1, b) e c) do mesmo CPC.
4. Ao "remeter para execução de sentença" (sexto parágrafo da alínea B do segmento decisório), a sentença recorrida é ilícita, ilegítima e ilegal, por violar o princípio do dispositivo, indo além do pedido.
Padece de excesso de pronúncia, pelo que é nula (art. 615°, n° 1, d) (2ª parte), do CPC);
Em primeiro lugar, a própria autora nada peticionou no sentido de relegar para execução de sentença qualquer parte dos seus pedidos condenatórios.
A autora não o pediu, mas a sentença concedeu-lho!
Em segundo lugar, a autora não só não o pediu como liquidou tais pedidos. E, se liquidou tais pedidos, caber-lhe-ia, tão só, produzir prova no sentido de provar o alegado.
5. Nos termos do artigo 640°, nºs 1, a), b) e c) e n.º 2, a) e b) do CPC, deve proceder-se à modificação da matéria de facto, nos seguintes termos:
Em função do inequivocamente exposto na alínea antecedente, que o réu entende não ter sido levado em consideração pelo tribunal a quo, nos termos do art. 662º, n.º 1, do CPC, deve ser alterada a matéria de facto, nos termos e com o alcance definidos supra.
Deve ser alterado o ponto HH da fundamentação de facto da sentença recorrida, dele se eliminando o seguinte segmento:
"... (...) e Riu de Loba, para além do valor despendido com a elaboração do projecto base para os mesmos lotes (...),.."
Substituindo pelo seguinte texto:
"... A A. teve despesas com a preparação e elaboração das propostas para o projecto de (...), para além do valor despendido com a elaboração do projecto base para este lote, que resulta da alínea FF supra.".
Do mesmo modo, deve ser aditada a seguinte matéria de facto:
HH.1 - A autora não executou qualquer trabalho relativamente ao projecto, do Lote C, de (...),
HH, 2 - A preparação dos trabalhos respeitantes ao projecto de (...), cessou três dias após a consignação e consumou-se num auto de suspensão dos trabalhos.
HH.3 - O projecto apresentado para (...) foi rejeitado.
HH.4 - O auto de suspensão manteve-se em vigor até à não concessão do visto pelo Tribunal de Contas.
HH.5 - A autora não pagou qualquer quantia respeitante à preparação do projecto de (...)
A consideração e valoração jurídica de toda a matéria de facto assim considerada terá como consequência a revogação da sentença recorrida, com as inerentes consequências legais.
TERMOS EM QUE,
- Deve o presente recurso ser julgado provado e procedente;
- Procedendo-se à sua revogação na parte indicada (primeiro e sexto parágrafos da alínea B do seu segmento decisório) e declarando-se a mesma nula.
- Deve ainda a sentença recorrida ser reformada quanto às custas fixadas, na parte em que fixou em 65% o decaimento do réu recorrente.
- Tudo com as inerentes consequências legais,
ASSIM SE FAZENDO INTEIRA JUSTIÇA

A Autora juntou contra-alegações, concluindo:

1ª - Deve ser negado provimento ao recurso a que se responde, confirmando-se na íntegra a Sentença recorrida.
2ª - Pois que, a Sentença recorrida não padece de quaisquer vícios que gerem a sua nulidade, nomeadamente os apontados no recurso a que se responde.
3ª - A Sentença recorrida cumpre o disposto no artigo 607º do C.P.C., nomeadamente o seus nºs 3, 4 e 5.
4ª - Não incorre nas nulidades do artigo 615º nº 1 b), c) e d) (2ª parte) do C.P.C..
5ª - Os concretos meios probatórios existentes no processo, nomeadamente o depoimento das testemunhas:
- J., Engenheiro Eletrotécnico, ouvido a 04/07/2014, depoimento agravado em suporto digital (cd), desde o registo 00:59:22 ao registo 01:46:06
- N., Engenheiro Eletrotécnico, ouvido a 04/07/2014, depoimento agravado em suporto digital (cd), desde o registo 00:15:25 ao registo 00:59:22;
- P., Engenheira Civil, ouvida a 04/07/2014, depoimento agravado em suporte digital (cd), desde o registo 01:49:20 ao registo 02:32:19;
- J., ouvido a 04/07/2014, depoimento gravado em suporte digital (cd), desde o registo 02:32:20 ao registo 03:08:40;
- Os documentos nºs 1 a 58 carreados para o processo.
6ª - Impunham a decisão de facto e de direito e o dispositivo no sentido da decisão recorrida.
7ª - Não só não há concretos meios probatórios no processo que importassem a modificabilidade da matéria dada como provada em HH), nos termos em que foi dada, devendo por isso manter-se,
8ª - Como também a matéria dada como provada em A), B), D), E), F), G), H), I), J), K), HH), FF) conjugada com a matéria dada como provada em L) M) e W) impunham a decisão no sentido da decisão recorrida.
9ª - A Sentença recorrida dá assim cumprimento ao artigo 609º da C.P.C..
10ª - O mesmo se diga quanto à condenação em custas e decaimento, a Sentença recorrida não merece qualquer censura dando cumprimento ao artigo 527º e seguintes do C.P.C..
11ª - Deve, pois, confirmar-se a decisão recorrida.
Termos em que, e sempre com o suprimento, deve ser negado provimento ao recurso a que se responde, julgando improcedente, com as legais consequências, e confirmada a Sentença recorrida, com as legais consequências, pois que desta feita farão
JUSTIÇA

O MP, notificado nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.

Cumpre apreciar e decidir.

FUNDAMENTOS
DE FACTO

Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
A) O Réu, MUNICÍPIO DE (...), promoveu a abertura de concurso público para adjudicação da empreitada «Concepção/Execução das Unidades de Saúde Familiar de (...), (...) e (...)», através da publicação do anúncio n.º 137, de 18 de Julho de 2006, publicado no DR II série (parte especial);
B) O referido concurso público lançado pelo Réu, destinou-se à concepção/execução de três unidades de saúde familiar em (...) (Lote A), (...) (Lote B) e (...) (Lote C), prevendo-se no seu anúncio e no programa de concurso, a adjudicação da empreitada por lotes e, consequentemente, devendo cada concorrente apresentar uma proposta global e propostas para cada lote a concurso (16.1 do programa do concurso);
C) A empreitada em causa é/era por preço global e com prazo de execução fixado em 60 dias para o projeto e 390 dias para a execução da respetiva obra, sendo a base de licitação de € 2.500.000,00;
D) A autora concorreu ao mencionado concurso e apresentou a proposta pelo preço global de 2.095.982,29, subdividindo esse valor por lotes, a saber: Lote A - € 735.096,15; Lote B – 683.970,39 e Lote C - € 677.915,75, que dou aqui por integralmente reproduzidas.
E) Em 28 de dezembro de 2006, o Réu MUNICÍPIO DE (...), deliberou adjudicar à autora a construção do lote B ((...)) da empreitada pelo valor da proposta no montante de 683.970,39€+Iva, bem como o lote C ((...)) da empreitada em título, pelo valor da proposta no montante de 677.915,75€+Iva;
F) Por carta registada data de 05 de janeiro de 2007, foi a Autora notificada, pelo Réu, para no prazo de 6 dias, relativamente à construção do lote B ((...)) apresentar vários documentos e, bem como, para prestar a caução no valor de 34.198,52€.
G) Por carta registada, datada de 05 de janeiro de 2007, foi a Autora notificada pelo Réu, para no prazo de 6 dias, relativamente à construção do lote C ((...)) apresentar vários documentos e, bem como, para prestar caução no valor de 33.895,79€.
H) Em 10 de janeiro de 2007, a Autora enviou ao Réu os elementos e documentos solicitados, bem como as garantias bancárias, n.º 07/012/44/268, no valor de 34.198,52€ e n.º 07/012/44269 no valor de 33.895,79€.
I) Em 31 de janeiro de 2007, nas instalações do Réu, foram outorgados os contratos n.º5 – SOM/2007 e n.º6 – SOM/2007, em que o Réu adjudicou à Autora, a execução do lote B ((...)) e Lote C ((...)) respetivamente, no âmbito da empreitada «Concepção /Execução das unidades de Saúde Familiar de (...), (...) e (...)»;
J) O prazo de execução fixado para a elaboração do projeto foi de 60 dias, e o prazo fixado para a execução da obra, com início na data de consignação, sem prejuízo do disposto no n.º4 do artigo 12º do D.L. n.º273/2003 de 29 de Outubro, foi de 390 dias;
K) Em 16 de março de 2007, entre o Réu, Ré e Autora, foi feita a consignação da obra, lote B e lote C, nos termos do disposto no artigo 150º do D.L. n.º 59/99 de 02 de Março;
L) Por cartas registadas de 30 de abril de 2007, a Autora é notificada (em 02/05/2007) pelo Tribunal de Contas, do Acórdão n.º 74/07-24.Abr. – 1ªS/SS, que recusou o visto aos contratos de empreitada de «Concepção/Execução da Unidade de Saúde Familiar de (...) Lote B» e ao contrato de empreitada de «Concepção/Execução da Unidade de Saúde Familiar de (...) Lote C», celebrados com Réu, tendo sido proferido o referido acórdão em 24/04/2007;
M) O Tribunal de Contas fundamentou a recusa do “visto” pelo facto de a obra em questão tratar-se “(…) de obras de características correntes. Donde se deve concluir” . Donde se deve concluir, “que a(s) mesma(s) não tem (têm) complexidade, especialização e dimensão que justifique este tipo de empreitada (concepção/construção).”.
“Os argumentos apresentados pela autarquia – redução de prazo para conseguir a obtenção de financiamento comunitário para as obras ainda através do quadro comunitário de apoio 2000-2006 e na funcionalidade dos respectivos centros, sem descurar a necessidade das populações – não se coadunam com o procedimento adoptado pelo serviço dadas as características das presentes obras.
E não tendo cabimento a justificação dada pela autarquia, verificou-se, pois, a violação do disposto no art.º 11º do Decreto-Lei n.º 59/99, já antes invocado.
Pelos meios e conhecimentos acrescidos que exige aos concorrentes, designadamente na área do planeamento e projecto, e ainda pelo facto de o risco por erros e omissões do projecto se transferir para o empreiteiro, tornam a modalidade de empreitada de concepção/construção, por si, limitadora da concorrência. É que, por um lado, nem todos os concorrentes devidamente habilitados para a execução da empreitada mediante projecto fornecido pelo dono da obra estão apetrechados para poderem elaborar um projecto rigoroso. Por outro serão, com certeza, menos os que estão dispostos a assumir riscos que na modalidade normal de empreitada não precisam de correr. Daí que só em casos excepcionais a lei permita o recurso à empreitada na modalidade de concepção/construção.
Assim, a violação do disposto no art.º 11.º do Decreto-Lei 59/99, por limitadora da concorrência é susceptível de alterar o resultado do contrato, ilegalidade que, por isso, constitui, nos termos da al. c) do n.º 3 do art.º 44.º da Lei98/97, de 26 de Agosto, alterada pela Lei n.º 48/2006, de 29 de Agosto fundamento de recusa do vista.”
N) Ao mencionado concurso havia também concorrido o consórcio “E., S.A. e I. S.A.”, tendo sido excluído do mesmo pelo Réu, na fase de qualificação;
O) Aquele mencionado Acórdão do Tribunal de Contas, consta que relativamente à exclusão do referido consórcio concorrente “E., S.A. e I. S.A.”, na fase de qualificação, pelo facto do 1.º membro do consórcio, não atingir os valores mínimos no indicador “liquidez geral”, sendo certo que o 2.º membro do consórcio atingia o valor legalmente estabelecido nesse indicador, bem como, no indicador “autonomia financeira” e, assim, sendo tal exclusão ilegal e apta a provocar restrições à concorrência e, por isso, determinar um agravamento do resultado financeiro do contrato, com o que se acha constituído o fundamento de recusa de visto a que refere a alínea c) do n.º 3 do art.º 44.º da Lei n.º 98/97, de 26/8, tendo o mesmo TC recusado o “visto” com esses fundamentos;
P) Entretanto, o Réu por carta de 31-05-2007 notificou a ora Autora que interpôs recurso para o Plenário da 1ª Secção do Tribunal de Contas das decisões finais da recusa de visto e do efeito suspensivo, nos termos do n.º 4 do artigo 97º da Lei 98/97 de 26 de Agosto, o que efectivamente fez;
Q) Por carta registada com aviso de receção datada de 27/08/2007 e rececionada pela Autora em 28 de Agosto de 2007, o Réu comunicou à Autora que, face à recusa do visto do Tribunal de Contas, que havia recusado definitivamente o visto aos mencionados contratos celebrados com a Autora, por decisão final sobre o recurso ordinário n.º 14/2007-R de que o mesmo Réu havia interposto e, consequentemente, os contratos de empreitada de “ Concepção/Execução das Unidades de Saúde Familiar de (...), (...) e (...)”, lotes B e C, celebrados com a Autora, foram considerados/julgados ineficazes;
R) Anteriormente à recusa do “visto” do Tribunal de Contas referido, o Réu já tinha sido destinatário de uma “recomendação” do mesmo tribunal por violação do artigo 11.º do Dec. Lei n.º 59/99, de 2 de Março, no âmbito de um outro concurso público por si lançado;
S) A Ré colaborou com o Réu no lançamento do concurso em causa com a modalidade, também, de conceção;
T) A mesma Ré interveio no ato público do concurso e, bem assim, na análise das propostas dos diversos concorrentes, através de um seu representante, fazendo inclusive parte da comissão de análise das propostas e assinando o respetivo relatório de análise das propostas;
U) A Ré colaborou sempre no procedimento do concurso com o Réu e interveio, também, através de um seu representante, no auto de consignação das duas obras adjudicadas à Autora;
V) A referida colaboração da Ré e intervenção no procedimento do concurso e, depois, no auto de consignação, deriva do seu interesse nas obras em causa, dado que uma vez construídas as Unidades de Saúde, as mesmas passavam a ser por si administradas por se integrarem no âmbito da sua atividade;
W) A recusa do visto do Tribunal de Contas às empreitadas adjudicadas e celebradas entre o Réu e a Autora, tornaram tais contratos ineficazes;
X) Nos contratos de empreitada celebrados entre o Réu e a Autora, além do mais, ficou estabelecido:
a)”A eficácia financeira do presente contrato é condicionada à emissão do visto ou de declaração de conformidade pelo Tribunal de Contas, nos termos do disposto no artigo 45.º da Lei n.º 98/97, de 26 de Agosto, alterada pela Lei n.º 48/2006, de 29 de Agosto”, e
b) “O prazo de execução é de 60 (sessenta) dias para elaboração do projecto e 390 (trezentos e noventa) dias para execução da obra, com início na data da consignação…”;
Y) E no auto de consignação respeitante às duas obras ou empreitadas, consta, além do mais, o seguinte:
a) “O prazo de 60 (sessenta) dias para a execução do projecto e para aprovação das especialidades tem início no dia da assinatura deste auto”;
b) “O prazo de 390 (trezentos e noventa) dias para a execução da obra, tem início no dia seguinte à recepção da comunicação da aprovação pelo Dono da Obra do projecto de execução”;
c) “Foi ainda dito que para efeitos financeiros a obra só terá início após visto do Tribunal de Contas”;
Z) O Tribunal de Contas apôs o visto ou emitiu declaração de conformidade nos Concursos Públicos conducentes aos Contratos de Empreitada de Concepção/Concurso dos Centros de Saúde de Oleiros, Vila de Rei e Pinhel e, ainda, dos Hospitais de Leiria, Santa Maria da Feira, Tomar e Viseu;
AA) Por carta datada de 19/03/2007 (três dias após a assinatura do auto de consignação das obras adjudicadas), a Autora comunicou ao Réu o seguinte, mas reportando-se à Empreitada “Concepção/Construção das Unidades de Saúde Familiar – Lote C ((...))”:
“…solicitar a execução de um Auto de Suspensão de Trabalhos em virtude de o arruamento previsto e que interfere com o Lote não se encontrar definido, conforme ficou previsto na Acta de Reunião de Preparação para a Execução de Trabalhos do dia 8 de Fevereiro de 2007.
Sem esta definição, e nomeadamente ao nível da altimetria, não nos é possível fazer a implantação da construção e consequentemente preparar as alterações necessárias ao desenvolvimento do projecto”;
BB) Dão-se aqui por reproduzidos os teores dos documentos (34 documentos) junto pela autora com a petição inicial, dos 2 documentos juntos pelo Réu MUNICÍPIO DE (...) juntos com a sua contestação e, bem assim, dos 11 documentos juntos com a contestação da Ré ADMINISTRAÇÃO REGIONAL DE SAÚDE DO CENTRO – SUB REGIÃO DE SAÚDE DE (...).
CC) A modalidade escolhida pelo Réu de conceção/construção foi feita tendo em vista uma resposta mais rápida e eficaz à execução da obra.
DD) E ainda, para possibilitar uma redução do prazo no sentido de poder beneficiar de fundos comunitários disponíveis dentro do quadro comunitário de apoio 2000-2006.
EE) O Réu não se justificou perante o TC que recorreu à opção da modalidade de conceção/construção da empreitada em causa, por se tratar de uma obra cuja complexidade técnica ou especialização assim o justificava, apenas o tendo feito em sede de recurso.
FF) Com a elaboração do projeto base apresentado com a proposta, a A. pagou à M., Lda, a quantia global de € 20.000,00, acrescido de IVA, para os três lotes.
GG) Com a elaboração do projeto de execução do lote B, que foi apresentado, a A. despendeu a quantia de € 24.500,00, acrescido de IVA.
HH) A A. teve despesas com a preparação e elaboração das propostas para os lotes de (...) e (...), para além do valor despendido com a elaboração do projeto base para os mesmos lotes, que resulta da alínea FF) supra.
II) Com duas cauções que teve que prestar, em virtude dos contratos celebrados, e como garantias da boa execução das obras, a A. teve que despender a importância de € 821,64.
JJ) A A. pagou à empresa V. a quantia de € 562,65, pela realização de topografia no âmbito da empreitada do Lote B e para apresentação do projeto de execução.
KK) A A. pagou à empresa V. a quantia de € 302,50, pelo transporte de dois contentores no âmbito da empreitada do Lote B e para apoio à elaboração do projeto de execução.
LL) Desconhecia a Autora a recomendação anteriormente feita pelo TC ao Réu relativamente a uma outra obra na qual conjuntamente com a execução da obra fazia parte do concurso e da adjudicação aí feita a elaboração de um projeto de conceção/execução da mesma obra, no sentido de que tal violava o artigo 11.º do Dec. Lei n.º 59/99, de 2 de Março.
MM) A Autora esperava obter com a execução da obra relativa ao Lote B ((...)) um lucro de € 136.794,00, quantia que corresponde ao montante de 20% do valor da proposta para o lote B.
NN) E com a execução da obra relativa ao Lote C ((...)) um lucro esperado de € 135.583,15, quantia que corresponde ao montante de 20% do valor da proposta para o lote C.
OO) Pelo facto de lhe terem sido adjudicadas as duas obras em causa, a Autora deixou de concorrer a obras cujos concursos foram entretanto publicados.
PP) Deixando a Autora de concorrer a pelo menos vinte (20) outros concursos para empreitadas de obras públicas.
QQ) E só o não fez pelo facto de lhe terem sido adjudicadas as duas obras do concurso aqui em causa, pois a mesmas tinham um prazo de execução de 390 dias.
RR) E deixando de concorrer a essas outras empreitadas sobretudo pelo facto das duas obras aqui em causa ocuparem o seu quadro de pessoal por mais de um (1) ano.
SS) Perdendo assim a oportunidade de lhe serem adjudicadas algumas das obras.
TT) O facto de o Tribunal de Contas ter aposto o visto ou emitido declaração de conformidade nos Concursos Conducentes aos Contratos de Empreitada de Conceção/Construção mencionados/especificados em Z), criaram a convicção nos Réus de que o mesmo tribunal iria apor o visto e/ou declaração de conformidade no concurso e/ou nos contratos aqui em causa e adjudicados e celebrados com a Autora.
UU) Convicção essa dos Réus por aqueles concursos/contratos especificados em Z) serem semelhantes ou configurarem situações idênticas aos aqui em causa.
VV) O projeto de execução do lote B não chegou a ser aprovado pelo Réu.
XX) Quando o visto foi definitivamente recusado pelo TC aos contratos de empreitada, alguns projetos das especialidades ainda careciam de aprovação pelas entidades competentes.
WW) O Réu não pagou à A. o valor do projeto do Lote B, constante da sua proposta ou qualquer outro.
YY) Em 26/05/2006, Réu e Ré celebraram um contrato-programa com o objeto de cooperação técnica e financeira para a “Construção dos Edifícios destinados às Unidades de Saúde Familiares de (...), (...) e (...), sitas no concelho de (...)”.

DE DIREITO
Está posta em causa a sentença que julgou parcialmente procedente a acção.
Atente-se no seu discurso fundamentador:
Cumpre, agora, apreciar a pretensão indemnizatória da A., por via da impossibilidade de execução dos contratos de empreitada que celebrou com o Réu, em consequência da recusa do respetivo visto por parte do Tribunal de Contas.
Como se extrai da matéria de facto provada, em 31/01/2007, a A. e o Réu celebraram os contratos nº 5 – SOM/2007 e nº 6 – SOM/2007 (alínea I) do probatório), para a execução do lote B ((...)), no valor de € 683.970,39, e do lote C ((...)), no valor de € 677.915,75, no âmbito da empreitada “Concepção/Execução das unidades de Saúde Familiar de (...), (...) e (...)” (alínea D) do probatório), cujas obras foram consignadas, em ambos os lotes, em 16/03/2007 (alínea K) do probatório).
Nos contratos de empreitada, além do mais, ficou estabelecido que «a)”A eficácia financeira do presente contrato é condicionada à emissão do visto ou de declaração de conformidade pelo Tribunal de Contas, nos termos do disposto no artigo 45.º da Lei n.º 98/97, de 26 de Agosto, alterada pela Lei n.º 48/2006, de 29 de Agosto”, e b) “O prazo de execução é de 60 (sessenta) dias para elaboração do projecto e 390 (trezentos e noventa) dias para execução da obra, com início na data da consignação…”;» (alínea X) do probatório), e no auto de consignação, além do mais, que «a) “O prazo de 60 (sessenta) dias para a execução do projecto e para aprovação das especialidades tem início no dia da assinatura deste auto”; b) “O prazo de 390 (trezentos e noventa) dias para a execução da obra, tem início no dia seguinte à recepção da comunicação da aprovação pelo Dono da Obra do projecto de execução”; c) “Foi ainda dito que para efeitos financeiros a obra só terá início após visto do Tribunal de Contas”;» (alínea Y) do probatório).
Em 19/03/2007, a A. solicitou ao Réu a execução de um auto de suspensão, no âmbito da empreitada do Lote C, em virtude de um arruamento previsto, e que interferia com o referido lote, não se encontrar definido (alínea AA) do probatório).
Em 28/08/2007, a A. foi notificada da recusa definitiva do visto do Tribunal de Contas aos referidos contratos de empreitada, por decisão final no recurso ordinário nº 14/2007-R (alíneas L), P) e Q) do probatório), com os seguintes fundamentos (alíneas M), N), O), CC), DD) e EE) do probatório) «O Tribunal de Contas fundamentou a recusa do “visto” pelo facto de a obra em questão tratar-se “(…) de obras de características correntes. Donde se deve concluir” . Donde se deve concluir, “que a(s) mesma(s) não tem (têm) complexidade, especialização e dimensão que justifique este tipo de empreitada (concepção/construção).”“Os argumentos apresentados pela autarquia – redução de prazo para conseguir a obtenção de financiamento comunitário para as obras ainda através do quadro comunitário de apoio 2000-2006 e na funcionalidade dos respectivos centros, sem descurar a necessidade das populações – não se coadunam com o procedimento adoptado pelo serviço dadas as características das presentes obras. E não tendo cabimento a justificação dada pela autarquia, verificou-se, pois, a violação do disposto no art.º 11º do Decreto-Lei n.º 59/99, já antes invocado. Pelos meios e conhecimentos acrescidos que exige aos concorrentes, designadamente na área do planeamento e projecto, e ainda pelo facto de o risco por erros e omissões do projecto se transferir para o empreiteiro, tornam a modalidade de empreitada de concepção/construção, por si, limitadora da concorrência. É que, por um lado, nem todos os concorrentes devidamente habilitados para a execução da empreitada mediante projecto fornecido pelo dono da obra estão apetrechados para poderem elaborar um projecto rigoroso. Por outro serão, com certeza, menos os que estão dispostos a assumir riscos que na modalidade normal de empreitada não precisam de correr. Daí que só em casos excepcionais a lei permita o recurso à empreitada na modalidade de concepção/construção. Assim, a violação do disposto no art.º 11.º do Decreto-Lei 59/99, por limitadora da concorrência é susceptível de alterar o resultado do contrato, ilegalidade que, por isso, constitui, nos termos da al. c) do n.º 3 do art.º 44.º da Lei98/97, de 26 de Agosto, alterada pela Lei n.º 48/2006, de 29 de Agosto fundamento de recusa do vista.”…» e, ainda, na exclusão ilegal do consórcio “E., S.A. e I., S.A. «…apta a provocar restrições à concorrência e, por isso, determinar um agravamento do resultado financeiro do contrato, com o que se acha constituído o fundamento de recusa de visto a que refere a alínea c) do n.º 3 do art.º 44.º da Lei n.º 98/97, de 26/8, tendo o mesmo TC recusado o “visto” com esses fundamentos;».
Anteriormente à recusa do visto pelo Tribunal de Contas, o Réu já tinha sido destinatário de uma “recomendação” do mesmo Tribunal por violação do artigo 11.º do Dec. Lei n.º 59/99, de 2 de Março, no âmbito de um outro concurso público por si lançado (alínea R) do probatório), facto que a A. desconhecia (alínea LL) do probatório), tendo-se o Réu convencido que pelo facto do Tribunal de Contas ter aposto o visto ou emitido declaração de conformidade nos Concursos Públicos conducentes aos Contratos de Empreitada de Conceção/Concurso dos Centros de Saúde de Oleiros, Vila de Rei e Pinhel, Hospitais de Leiria, Santa Maria da Feira, Tomar e Viseu (alíneas Z), TT) e UU) do probatório), também iria apor o visto e/ou declaração de conformidade nos contratos em apreço, por os concursos/contratos serem semelhantes ou configurarem situações idênticas às que estão em causa nestes autos.
Vejamos.
Aos contratos de empreitada celebrados entre A. e Réu é aplicável o regime contido no Decreto-Lei nº 59/99, de 02/03.
Vigorava à data da prática dos factos a Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas (doravante LOPTC), aprovada pela Lei nº 98/97, de 26/08, alterada pelas Leis nºs 87-B/98, de 31/12, 1/2001, de 4/01, 55-B/2004, de 30/12 e 48/2006, de 29/08.
Nenhuma das partes colocou em causa, nestes autos, a decisão tomada pelo Tribunal de Contas.
O Tribunal de Contas fundamentou a recusa do visto na violação do disposto no artigo 11º do DL 59/99, e na exclusão ilegal do consórcio E., S.A. e I., S.A., ilegalidades que considerou suscetíveis de alterarem o resultado financeiro dos contratos, nos termos do artigo 44º, nº 3, alínea c), da Lei nº 98/97, de 26/08, alterada pela Lei nº 48/2006, de 29/08.
Estabelecia o artigo 45º da Lei nº 98/97, sob a epígrafe “Efeitos do visto” que:
«1 - Os actos, contratos e demais instrumentos sujeitos à fiscalização prévia do Tribunal de Contas podem produzir todos os seus efeitos antes do visto ou da declaração de conformidade, excepto quanto aos pagamentos a que derem causa e sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
2 - Nos casos previstos no número anterior, a recusa do visto implica apenas ineficácia jurídica dos respectivos actos, contratos e demais instrumentos após a data da notificação da respectiva decisão aos serviços ou organismos interessados.
3 - Os trabalhos realizados ou os bens ou serviços adquiridos após a celebração do contrato e até à data da notificação da recusa do visto poderão ser pagos após esta notificação, desde que o respectivo valor não ultrapasse a programação contratualmente estabelecida para o mesmo período.» (sublinhado da signatária).
Aplicando a citada norma ao caso concreto dos autos, os efeitos financeiros do contrato, tal como expressamente referido nos mesmos (alínea X) do probatório), ficou condicionada à concessão do respetivo visto ou declaração de conformidade pelo Tribunal de Contas.
Após a notificação à A. da recusa definitiva do visto aos contratos de empreitada (alínea Q) do probatório), isto é, após 28/08/2007, o Réu ficou impedido de cumprir a sua obrigação de pagamento, mas sem prejuízo de pagar os «…trabalhos realizados ou os bens ou serviços adquiridos após a celebração do contrato e até à data da notificação da recusa do visto…, desde que o respectivo valor não ultrapasse a programação contratualmente estabelecida para o mesmo período…».
Resulta do probatório (alínea WW)), que o Réu não pagou à A. o valor do projeto de execução do Lote B, que consta da sua proposta ou qualquer outro.
Na esteira do decidido pelo Venerando Tribunal Central Administrativo Norte, em 7/03/2013, no Processo 00236/08.6BEPNF, que com vénia ao seu Relator, passo a citar o seguinte trecho:
«…o visto do «TC» constitui uma decisão de controlo jurídico externo, prévio e preventivo sob atos/contratos da administração, tendo como finalidade essencial a prevenção na realização de despesas públicas em desconformidade com a ordem jurídica financeira [cfr. arts. 209.º, n.º 1, al. c), 214.º, n.º 1, al. d) da CRP, 01.º, 02.º, 05.º, 07.º, 08.º, 44.º e segs., 71.º e segs., 80.º e segs., 96.º e segs. LOPTC] [cfr. José F.F. Tavares in: “O Tribunal de Contas. Do Visto, em especial …”, Almedina, 1998, págs. 37 e segs., 120 e segs., em especial, 157 e segs.; em “A fiscalização prévia do Tribunal de Contas e o recurso contencioso do ato administrativo” in: CJA n.º 18, págs. 17/19; e ainda do mesmo autor em “Extensão e limites dos poderes do Tribunal de Contas” in: CJA n.º 71, pág. 41; e Rui Medeiros em “A proteção processual do adjudicatário em face de uma recusa de visto no âmbito da fiscalização prévia de contratos pelo Tribunal de Contas” in: “Revista dos Contratos Públicos”, n.º 1, 2011, págs. 31 e segs.].
LI. Tal ato constitui uma “conditio iuris” que relativamente aos atos/contratos sobre os quais incide se revela como um requisito da eficácia ou, em certos casos, de manutenção de eficácia do ato (quanto aos efeitos não financeiros), pelo que a recusa do visto não implica ou importa a invalidade do ato/contrato [cfr. José F.F. Tavares in: ob. e loc. citados, págs. 180/181 e pág. 18; Tiago Duarte em “Tribunal de Contas, visto prévio e tutela jurisdicional efetiva? Yes we can” in: CJA n.º 71, pág. 33; Acs. do STA de 16.12.1997 - Proc. n.º 42108 in: Apêndice DR, de 25.09.2001, págs. 9032 e segs., de 18.06.2003 - Proc. n.º 41969 in: Apêndice DR, de 07.07.2004, págs. 5373 e segs., de 31.10.2006 - Proc. n.º 0875/05, de 12.02.2009 - Proc. n.º 01068/08 in: «www.dgsi.pt/jsta»].
LII. O contrato anteriormente celebrado que veja ser-lhe recusado o visto torna-se juridicamente inviável na medida em que sem o visto nunca o mesmo poderá produzir efeitos financeiros e assim legitimar os pagamentos realizados com sua cobertura legal (cfr. Acs. STA de 20.10.2002 - Proc. n.º 0171/02, de 31.10.2006 - Proc. n.º 0875/05, de 18.10.2011 - Proc. n.º 0322/11 in: «www.dgsi.pt/jsta»; Ac. TCAN de 08.10.2010 - Proc. n.º 03003/09.6BEPRT in: «www.dgsi.pt/jtcn»),...».
Os contratos de empreitada vieram a ser declarados ineficazes pelo Réu, após a recusa definitiva do visto do TC (alínea Q) do probatório), nos termos e para os efeitos do artigo 45º da LOPTC.
O Réu praticou, assim, um facto que tornou impossível prosseguir a execução das empreitadas, não lhe restando alternativa que não fosse a de aceitar a ineficácia dos contratos.
Tal ineficácia traduziu-se na impossibilidade de dar continuidade à sua execução.
Todavia, o regime estabelecido artigo 45º da Lei nº 98/97, não tornou inviável que a A. possa ser indemnizada.
A A. tem o direito a ser indemnizada pelos danos efetivamente sofridos e que resultam da ineficácia dos próprios contratos, incorrendo os Réus em responsabilidade civil decorrente de ação ou omissão, que determinou essa ineficácia.
Na esteira do decidido pelo Supremo Tribunal Administrativo, em 18/10/2011, no Processo 0322/11, que com vénia ao seu Relator, passo a citar o seguinte trecho «…Com efeito, conforme pacífica jurisprudência deste Supremo Tribunal, os empreiteiros têm, nestas situações, direito a serem indemnizados pelos danos efectivamente sofridos, danos esses decorrentes não do incumprimento do contrato, que, in casu, não houve na realidade, mas sim da ineficácia deste, incorrendo os adjudicantes em responsabilidade civil decorrente da acção ou omissão determinante dessa ineficácia.
Esta responsabilidade tem, conforme se escreveu no acórdão deste STA de 31/10/2006, recurso n.º 875/05, uma configuração mista de responsabilidade extracontratual por facto ilícito e responsabilidade pré-contratual, derivada da violação da confiança e dos deveres de correcção e colaboração, nos termos do artigo 227.º, n.º1, do C. Civil, sendo de todo irrelevante, para os efeitos de que estamos a tratar, o facto de a fase procedimental do concurso já se encontrar extinta com a adjudicação e subsequente celebração do contrato, pois que, do ponto de vista jurídico, o mesmo nunca adquiriu eficácia.
Estabelece o artigo 227.º, n.º 1, do C. Civil, que: “1. Quem negoceia com outrem para a conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte”.
Com base neste preceito, vem sendo entendido que, na responsabilidade pré-contratual, o lesado tem direito a ser indemnizado apenas pelos danos negativos (dano da confiança), isto é, pelos danos que não teria se não tivesse celebrado o contrato, não se incluindo na medida do dano ressarcível o lucro esperado com o cumprimento do contrato.
Relativamente à medida do dever de indemnizar, escreve-se no referenciado acórdão:
Relativamente à segunda questão – medida do dever de indemnizar – a decisão recorrida, seguindo de perto o acórdão de 23-09-03, Proc. n.º 1527/02, escreve: “… tendo em atenção o disposto no art° 227, 1 do C. Civil, a doutrina e jurisprudência têm maioritariamente entendido que apenas são indemnizáveis os danos resultantes da não celebração do contrato «a responsabilidade em que incorre o faltoso obrigá-lo-á em regra a indemnizar o interesse negativo (ou de confiança) da outra parte, por modo a colocar este na situação em que ela se encontraria, se o negócio se não tivesse efectuado» —Pires de Lima e Antunes Varela, ob. Cit. Pág. 215.
No mesmo sentido indica a RLJ n° 110°, 276 e ainda M. Brito, C. Civil anotado, 1°, 265 e Galvão Teles, Obrigações, 3ª ed. pág. 58. Mais adiante cita jurisprudência do STA no sentido de que: «A responsabilidade civil por lesão da confiança é restrita à reparação do interesse contratual negativo, ou da confiança, isto é, do prejuízo resultante da frustração das expectativas de conclusão do negócio, estando excluída a reparação do interesse positivo, ou seja pelo benefício que a conclusão do negócio traria à parte prejudicada nas suas expectativas».
Já Menezes Cordeiro, in Tratado de Direito Civil, 1 Parte Geral, 1999, pág. 346, nos diz: «Tratando-se da confiança teremos de ver o âmbito desta, designadamente ponderando o círculo do investimento da confiança. Se por via da confiança suscitada, uma parte perdeu uma ocasião de negócio, a indemnização deve abranger o interesse positivo».
Ou seja, como se aceita no douto acórdão que vimos seguindo, o dano indemnizável deve ter a medida da lesão sofrida com o acto ilícito e com a expectativa ou confiança que foi violada.
Mais adiante refere aquele douto acórdão: «… há situações em que, dada a impossibilidade técnica, jurídica ou outra, de tornar válido ou eficaz o contrato, o lesado é colocado na situação anterior à lesão com a indemnização dos gastos com a realização desse contrato e vantagens perdidas (ou seja, danos emergentes e lucros cessantes decorrentes da não celebração do contrato, com exclusão dos ganhos decorrentes do cumprimento do mesmo).»
É precisamente esta a situação dos autos.
A falta de visto do Tribunal de Contas e a impossibilidade de o obter tornaram intransponível o obstáculo à eficácia do contrato. A confiança legítima e merecedora de tutela não compreendia assim a possibilidade de realização do contrato, e, portanto de obter o lucro esperado com tal execução.
A A. sabia da necessidade do “visto” do Tribunal de Contas para que o contrato se tornasse plenamente eficaz.
Antes do “visto” a A. não poderia ter a expectativa do lucro que obteria com a execução da empreitada.
Sufragando em absoluto esta doutrina, as Autoras tinham direito a ser ressarcidas na exacta medida dos danos que sofreram com o acto ilícito e com a sua expectativa ou confiança de executarem o contrato na íntegra que foi violada.
O acto ilícito em causa consistiu no facto de, no objecto do contrato, ter sido incluído Material de Topografia, Equipamento de Segurança à Inspecção, Viaturas e Material Informático cujo valor foi fornecido ao R. pelas AA. [cfr. alínea j) dos factos assentes], pelo que, por si só, autonomamente, não conferiu qualquer prejuízo às Autoras. Os prejuízos que podem ter sofrido, por força desse acto, e pelos quais podem ser ressarcidas, são apenas os decorrentes do não cumprimento do contrato, cuja ineficácia aquele acto originou. Podem, assim e como resulta do expendido, abranger gastos tidos com vista à celebração do contrato ou à sua execução integral (danos emergentes) ou vantagens perdidas com essa não execução (lucros cessantes, com exclusão, porém, dos ganhos que podiam resultar do cumprimento do próprio contrato) …». Vejamos.
Não sendo possível executar os contratos de empreitada, em consequência da sua ineficácia jurídica, cumpre aferir da responsabilidade dos Réus.
Em concreto, a A. não alegou, nem provou, que perdeu uma oportunidade de negócio, isto é, não alegou, nem provou que se não fosse o ilícito praticado ainda seria adjudicatária e cocontratante para executar cada um dos contratos.
Dito de outra forma, desconhece-se se seria a A. a adjudicatária e cocontratante para executar cada um dos contratos, caso o Réu tivesse procedido à abertura de um procedimento concursal sem conceção, com maior abertura à concorrência, e sem incorrer nas ilegalidades apontadas pelo TC.
Só nestas situações é que o interesse contratual positivo da A. seria indemnizável, não sendo assim possível questionar-se, em consequência da inexecução dos contratos, que à A. assistisse o direito a uma indemnização de danos por lucros cessantes.
Conforme jurisprudência assente e reiterada dos tribunais superiores, a A. apenas tem direito a ser indemnizada com base na teoria do interesse contratual negativo ou dano da confiança [Ac. do STA de 31/10/2006, Processo 0875/05; Ac. do STA de 12/02/2009, Processo 01068/08; Ac. do STA de 07/10/2009, Processo 0823/08; Ac. do STA de 18/10/2011, Processo 0322/11; Ac. do TCA Norte de 16/01/2015, Processo 00737/10.6BEPNF].
Segundo Rui Cardona Ferreira (in Cadernos de Justiça Administrativa nº 99, “Responsabilidade civil em caso de recusa de visto do Tribunal de Contas – Ac. do STA de 18.10.2011, P. 322/2011, anotado por Rui Cardona Ferreira”, páginas 16/29):
«…a) Em primeiro lugar, constata-se que o STA, na esteira do Parecer nº 138/79, do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, vem afirmando, de forma constante e reiterada, a sujeição das entidades adjudicantes ao instituto geral da culpa in contrahendo, nos casos de recusa de visto do Tribunal de Contas. Em tais casos, o evento lesivo não é a própria decisão do Tribunal de Contas, nem um suposto incumprimento do contrato pelo contraente público, mas os atos ou omissões praticados pela entidade adjudicante, no âmbito do procedimento pré-contratual, que conduziram à recusa do visto.
b) Em segundo lugar, e na medida em que pode estar diretamente em causa a violação de normas legais, ou de princípios gerais da contratação pública, a par da violação dos deveres pré-contratuais que decorrem da cláusula geral de boa fé, o STA tem entendido que nos deparamos com uma responsabilidade mista, alicerçada não apenas no instituto da culpa in contrahendo, mas também no regime geral da responsabilidade civil extracontratual por atos de gestão pública.
c) Em terceiro lugar, e não obstante esta natureza mista da responsabilidade civil em causa, o STA tem sustentado, em termos aparentemente categoriais ou apriorísticos, que o âmbito da indemnização se acha limitado ao interesse contratual negativo, limitação esta que, tradicionalmente, era associada à culpa in contrahendo e pode considerar-se, em princípio, estranha ao domínio da responsabilidade civil delitual.
d) Em quarto lugar, em linha com a tendência crescente para a objetivização da responsabilidade civil das entidades públicas, o STA nunca exigiu a demonstração autónoma da culpa das entidades adjudicantes, que tende a ser presumida ou considerada desnecessária. Estamos como que perante uma culpa ínsita na própria constatação da ilegalidade e/ou violação de deveres pré-contratuais perpetrada pela entidade adjudicante.
e) Em quinto lugar, o STA tem considerado abrangidos, pelo dever de indemnização, quer os custos com a participação no procedimento pré-contratual – nomeadamente os relacionados com a elaboração da proposta – quer os custos suportados após a celebração do contrato, tendo em vista a execução deste (tanto uns como outros integram, sem margem para dúvidas, o âmbito indemnizatório balizado pelo critério do interesse contratual negativo).
f) Em sexto e último lugar, mas não menos relevante, importa reter que o STA também já teve oportunidade, no acórdão aqui diretamente em apreço, de repudiar a ideia segundo a qual deveria extrair-se, do atual art. 45º, nº 3, da LOPTC – correspondente ao artº 45º, nº 6, na redação originária da Lei nº 98/97, de 26/8-, uma exclusão da indemnização a que o concorrente lesado pudesse ter direito em caso de recusa de visto. Pelo menos, quando essa indemnização se considere confinada ao interesse contratual negativo, como tem entendido o STA, à mencionada disposição legal não poderá atribuir-se qualquer efeito limitativo ou excludente da responsabilidade civil da entidade adjudicante.
….Vamos, pois, limitar-nos a acrescentar aqui duas notas: uma sobre o alcance do atual art. 45º, nº 3, da LOPTC e outra sobre a limitação da indemnização ao interesse contratual negativo.
Assim, e no que concerne ao artº 45º, nº 3, da LOPTC, deve enfatizar-se que essa disposição não tem senão em vista assegurar a remuneração do cocontratante pela execução do contrato, nos termos originariamente programados, até à decisão de recusa do visto, solução esta que é coerente com a eficácia precária ou medio tempore do contrato sujeito a fiscalização prévia.
Como tal, o pagamento devido ao cocontratante, ao abrigo dessa norma legal, não tem a natureza de indemnização, mas de contraprestação, e emerge diretamente do contrato, ainda que seja expressamente reconhecido nessa norma. Dito de outro modo, o artº 45º, nº 3, da LOPTC não é uma norma especial de responsabilidade civil, mas, antes, uma norma reguladora da eficácia do contrato, permitindo que os efeitos financeiros de que ele estava originariamente privado se produzam retroativamente, após a recusa do visto.
Já no que toca ao âmbito da indemnização, deve recordar-se que, no domínio da contratação pública, é hoje inquestionável a existência, em geral, de um dever de celebrar o contrato, ou seja, um dever de prosseguir o procedimento pré-contratual e de escolher a melhor proposta com vista à celebração do contrato, conquanto essa proposta não se situe aquém dos patamares de exigência previamente fixados pela própria entidade adjudicante.
Daqui decorre, como já tivemos oportunidade de sustentar noutros escritos, que o âmbito da indemnização a cargo da entidade adjudicante tenderá a orientar-se, em tese geral, no sentido do interesse contratual positivo.
Em consequência, tendo um determinado contrato público acabado por revelar-se ineficaz, ou de execução juridicamente impossível, em virtude da superveniente recusa de visto do Tribunal de Contas, e desde que a causa ou o fundamento dessa decisão devesse ter sido evitado pela entidade adjudicante – observando os deveres legais e de boa fé que sobre si impendiam -, poderia, igualmente, admitir-se, em princípio, a delimitação do âmbito da indemnização segundo o interesse contratual positivo, aplicando o critério do artº 562º do Código Civil.
Todavia, se não podemos subscrever, do ponto de vista dogmático, a limitação apriorística dos danos indemnizáveis ao interesse contratual negativo, mesmo neste grupo de casos, nem por isso deixamos de compreender a orientação do STA. É que a indemnização pelo interesse contratual positivo depende, logicamente, da alegação e prova, pelo concorrente lesado, de que, não fora o ilícito cometido, o mesmo seria ainda adjudicatário e cocontratante, podendo executar o contrato (cf. art. 562º do Código Civil). Ora, nos vários casos submetidos à apreciação do STA, não parece que este pressuposto tenha sido alegado e provado e, nalguns desses casos, tal seria mesmo manifestamente impossível …».
Perante o exposto e em concreto, a A. não desconhecia que a eficácia financeira dos contratos estava condicionada à emissão do visto ou de declaração de conformidade pelo TC, nos termos do artigo 45º da LOPTC (alínea X) do probatório).
Por outro lado, se o Réu não tivesse incorrido nas ilegalidades apontadas pelo TC, o visto não seria recusado e os contratos celebrados com a A. passariam a ser plenamente eficazes, os seus efeitos financeiros deixariam de estar suspensos e seria permitido ao Réu cumprir a sua obrigação contratual de pagamento em pleno.
Todavia, em consequência da atuação do Réu, a A. sofreu danos na sua esfera jurídica.
Sofreu danos emergentes que derivam das despesas incorridas até à celebração dos contratos (alíneas FF), HH) e II) do probatório) e que receberia com a sua execução e pagamento do preço contratualmente estabelecido, não fosse a ineficácia dos mesmos.
E danos emergentes ocorridos após a celebração dos contratos e até à notificação da recusa do visto (alíneas GG), JJ) e KK) do probatório).
Foi fixado um prazo de 60 dias para a execução do projeto e para aprovação das especialidades, com início no dia da assinatura do auto de consignação, que ocorreu em 16/03/2007 (alíneas K) e Y) do probatório).
Em 2/05/2007, a A. foi notificada, pela primeira vez, da decisão do TC de recusa do visto aos contratos de empreitada (alínea L) do probatório), isto é, antes do decurso do prazo de 60 dias para a execução do projeto, todavia, porque o Réu recorreu da decisão (alínea P) do probatório), só em 28/08/2007 (alínea Q) do probatório) é que a A. foi notificada da decisão definitiva de recusa do visto.
A A. apresentou o projeto de execução para o Lote B (alínea GG) do probatório), que não foi aprovado pelo dono de obra e alguns dos projetos das especialidades não foram aprovados pelas entidades competentes (alíneas VV) e XX do probatório).
Quanto à empreitada do Lote C, o projeto de execução nunca foi entregue ao dono de obra e a obra esteve suspensa pouco tempo após o auto de consignação, pelo que a A. apenas tem direito a ser indemnizada, quanto a esta empreitada, dos danos emergentes derivados das despesas que suportou até à celebração do contrato.
Quanto à empreitada do Lote B, a A. tem direito a ser indemnizada dos danos emergentes derivados das despesas que suportou até à celebração do contrato e das despesas em que incorreu após a celebração do contrato, pois embora não desconhecesse a condição suspensiva dos efeitos financeiros da obra, também estava vinculada ao cumprimento de um prazo de 60 dias, cujo início de contagem ocorreu no dia da assinatura do auto de consignação.
Relativamente à solidariedade da obrigação invocada pela A., face à matéria de facto provada (alíneas S), T), U) e V) do probatório), a Ré colaborou com o Réu ao longo do procedimento, na sequência do contrato-programa (alíneas BB) e YY) do probatório) que celebrou com este, mas não assumiu no procedimento a qualidade de entidade adjudicante ou contraente público.
A solidariedade só existe quando resulte da lei ou da vontade das partes (artigo 513º do CC).
Do contrato-programa celebrado, resulta que a Ré assumiu um dever de cooperação técnica e financeira com o Réu, cabendo a este a obrigação de elaborar o processo de projeto/construção dos edifícios, de acordo com o respetivo programa funcional e com as condições técnicas (incluindo o estudo geotécnico dos terrenos) apresentadas pela Ré, bem como assumir o lançamento de concurso, único para as três USF, adjudicação e execução das obras, assumindo a Ré, no âmbito do seu dever de cooperação técnica e financeira, a participação nas Comissões, no âmbito do DL 59/99, participando no ato público de abertura das propostas e, em fase ulterior, na apreciação das mesmas.
Não resulta, pois, do referido contrato, a solidariedade da obrigação da Ré perante a adjudicatária e, após a celebração do contrato, perante o cocontratante.
Estabelece o artigo 34º da Lei nº 11/93, de 15/01, sob a epígrafe “Contratos-programa”, que «1 - O Ministro da Saúde pode autorizar a celebração de contratos-programa entre ARS e autarquias locais, misericórdias ou outras instituições particulares de solidariedade social, com vista a recuperar e a gerir instituições ou serviços prestadores de cuidados de saúde. 2 - É aplicável a estes contratos o disposto na lei quanto aos contratos-programa de cooperação técnica e financeira entre a administração central e as autarquias, com excepção das disposições referentes às comissões de coordenação regional e aos planos municipais de ordenamento do território.» e o artigo 6º, nº 1, alínea n) do Decreto-Lei nº 335/93, de 29/09, sob a epígrafe “Competência”, que «1-Aos conselhos de administração das ARS compete:…n) Celebrar contratos-programa com as autarquias locais, misericórdias e outras instituições de solidariedade social, com vista a recuperar e a gerir instituições e serviços prestadores de cuidados de saúde, de harmonia com o disposto no artigo 34º do Estatuto do Serviço Nacional de Saúde, aprovado pelo Decreto-Lei Nº 11/1993, de 15 de Janeiro;».
Também das normas legais citadas não resulta a invocada solidariedade da obrigação.
Foi apenas o Réu que assumiu a qualidade de entidade adjudicante na fase pré-contratual e de contraente público/dono de obra na fase contratual.
A Ré apenas colaborou com o Réu, nos termos referidos, pelo que a obrigação de indemnizar recai apenas sobre o Réu, não podendo a Ré ser responsabilizada pelos danos causados à A. e que constam da matéria de facto assente.
Em consequência e quanto aos danos emergentes, vai o Réu ser condenado a pagar à A.:
- o valor correspondente à elaboração do projeto base para os lotes B e C e por referência ao valor global de € 20.000,00 (alínea FF) do probatório);
- € 24.500,00, relativamente à elaboração do projeto de execução do lote B, que foi apresentado pela A. (alínea GG) do probatório);
- € 821,64, relativa às duas cauções que a A. teve que prestar, em virtude dos contratos celebrados, e como garantias da boa execução das obras (alínea II) do probatório);
- € 562,65, relativa à realização de topografia no âmbito da empreitada do Lote B e para apresentação do projeto de execução, que a A. pagou à empresa V. (alínea JJ) do probatório);
- € 302,50, relativa ao transporte de dois contentores no âmbito da empreitada do Lote B e para apoio à elaboração do projeto de execução, que a A. pagou à empresa V. (alínea KK) do probatório);
- o valor despendido com a preparação e elaboração das propostas para os lotes de (...) e (...) (alínea HH) do probatório), para além da quantia que resulta da alínea FF) do probatório para os mesmos lotes.
Remete-se para execução de sentença, o quantum do valor despendido com a preparação e elaboração das propostas para os lotes de (...) e (...) e o quantum despendido com a elaboração do projeto base para os mesmos lotes (alíneas FF) e HH) do probatório), por não ser possível o recurso à equidade, perante a possibilidade de averiguação exata de tais danos.
Relativamente aos danos morais invocados pela A., cumpre apenas referir que não se produziu qualquer prova quanto aos mesmos, inexistindo, assim, quaisquer danos morais a indemnizar.
X
Do erro de julgamento de facto -
Conforme tem sido sistematicamente entendido, quer pela doutrina quer pela jurisprudência, no que respeita à modificação da matéria de facto dada como provada pela 1ª instância, o Tribunal de recurso só deve intervir quando a convicção desse julgador não seja razoável, isto é, quando seja manifesta a desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando-se, assim, a devida relevância aos princípios da oralidade, da imediação e da livre apreciação da prova, bem como à garantia do duplo grau de jurisdição sobre o julgamento da matéria de facto - acórdão do STA, de 19/10/2005, proc. 0394/05. Aí se refere, no que aqui releva, que “o art. 690º-A do CPC impõe ao recorrente o ónus de concretizar quais os pontos de facto que considera incorretamente julgados e de indicar os meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa da recorrida. Este artigo deve ser conjugado com o 655° do CPC que atribui ao tribunal o poder de apreciar livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto. Daí que, dos meios de prova concretamente indicados como fundamento da crítica ao julgamento da matéria de facto deva resultar claramente uma decisão diversa. É por essa razão que a lei utiliza o verbo “impor”, com um sentido diverso de, por exemplo, “permitir”. Esta exigência decorre da circunstância de o tribunal de recurso não ter acesso a todos os elementos que influenciaram a convicção do julgador, só captáveis através da oralidade e imediação e, muitas vezes, decisivos para a credibilidade dos testemunhos. (É pacífico o entendimento dos Tribunais da Relação, neste ponto. Só deve ser alterada a matéria de facto nos casos de manifesta e clamorosa desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando assim prevalência ao princípio da oralidade, da prova livre e da imediação - cfr. Abrantes Geraldes “Temas da Reforma do processo Civil, II vol., 4ª edição, 2004, págs. 266 e 267
Este entendimento tem sido seguido pela generalidade da jurisprudência (...): “A garantia do duplo grau de jurisdição não subverte, nem pode subverter, o princípio da livre apreciação das provas e não se pode perder de vista que na formação da convicção do julgador entram, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova e fatores que não são racionalmente demonstráveis”, de tal modo que a função do Tribunal da 2.ª instância deverá circunscrever-se a “apurar a razoabilidade da convicção probatória do 1.° grau dessa mesma jurisdição face aos elementos que agora lhe são apresentados nos autos” Acórdão de 13/10/2001, em Acórdãos do T. C. vol. 51°, pág. 206 e ss..)”.
Na verdade, decorre do regime legal vertido nos artºs 140º e 149º do CPTA que este Tribunal ad quem conhece de facto e de direito sendo que na apreciação do objeto de recurso jurisdicional que se prende com a impugnação da decisão de facto proferida pelo tribunal a quo se aplica ou deve reger-se, na ausência de regime legal especial, pelo regime que se mostra fixado em sede da legislação processual civil nesta sede. Ora com a revisão do CPC operada pelo DL 329-A/95, de 12/12, e pelo DL 180/96, de 25/09, foi instituído, de forma mais efectiva, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto. Importa, porém, ter presente que o poder de cognição deste Tribunal sobre a matéria de facto ou controlo sobre a decisão de facto prolatada pelo tribunal a quo não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento de facto, sendo certo que da situação elencada (impugnação jurisdicional da decisão de facto - artº 690º-A do CPC) se distinguem os poderes previstos no n.º 2 do artº 149º do CPTA que consagram solução diversa e de maior amplitude da que se mostra consagrada nos artº 712º e 715º do CPC. Assim, pese embora tal regime e situações diversas temos, todavia, que referir que os poderes conferidos no artº 149º/2 do CPTA não afastam os poderes de modificação da decisão de facto por parte deste Tribunal ao abrigo do artº 712º do CPC por força da remissão operada pelos arts. 1º e 140º do CPTA porquanto o TCA mantém os poderes que assistem ao tribunal de apelação no âmbito da fixação da matéria de facto quando esta constitui objeto ou fundamento de recurso jurisdicional. Daí que sobre o Recorrente impenda um especial ónus de alegação quando pretenda efetuar impugnação com aquele âmbito mais vasto, impondo-se-lhe, por conseguinte, dar plena satisfação às regras previstas no artº 690º-A do CPC. É que ao TCA assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal a quo desde que ocorram os pressupostos vertidos no artº 712º/1 do CPC, incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objecto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos.
A este propósito e tal como sustentado pelo Prof. Mário Aroso e pelo Cons. Fernandes Cadilha “(…) é entendimento pacífico que o tribunal de apelação, conhecendo de facto, pode extrair dos factos materiais provados as ilações que deles sejam decorrência lógica (…). Por analogia de situação, o tribunal de recurso pode igualmente sindicar as presunções judiciais tiradas pela primeira instância pelo que respeita a saber se tais ilações alteram ou não os factos provados e se são ou não consequência lógica dos factos apurados. (…) ” (em ob. cit., pág. 743).” (…) “Retomando o que supra fomos referindo sobre a amplitude dos poderes de cognição do tribunal de recurso sobre a matéria de facto temos que os mesmos não implicam um novo julgamento de facto, porquanto, por um lado, tal possibilidade de conhecimento está confinada aos pontos de facto que o Recorrente considere incorretamente julgados e desde que cumpra os pressupostos fixados no artº 690º-A n.ºs 1 e 2 do CPC, e, por outro lado, o controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialeticamente na base da imediação e da oralidade.
Os poderes de modificabilidade da decisão de facto que o artigo 712º do CPC atribui ao tribunal superior envolvem apenas a deteção e correção de pontuais, concretos e excepcionais erros de julgamento e não uma reapreciação sistemática e global de toda a matéria de facto.” “Para que seja alterada a matéria de facto dada como assente é necessário que, de acordo com critérios de razoabilidade, apreciando a prova produzida “salte à vista” do Tribunal de recurso um erro grosseiro da decisão recorrida, aparecendo a convicção formada em 1ª instância como manifestamente infundada”.
E como ressalta ainda do sumário do proc. nº 00242/05.2BEMDL, de 22/02/2013, acolhido por este TCAN em 22/05/2015 no âmbito do proc. 840/05.4BEVIS I. “Como tem sido jurisprudencialmente aceite, a garantia do duplo grau de jurisdição não subverte o princípio da livre apreciação das provas (art. 655º, n.º 1 do CPC) já que o juiz aprecia livremente as provas e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, sendo que na formação dessa convicção não intervêm apenas fatores racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que em caso algum podem ser importados para o registo escrito, para a gravação vídeo ou áudio.
II. Será, portanto, um problema de aferição da razoabilidade, à luz das regras da ciência, da lógica e da experiência da convicção probatória do julgador no tribunal «a quo», aquele que, no essencial, se coloca em sede de sindicabilidade ou fiscalização do julgamento de facto pelo tribunal “ad quem”.
Voltando ao caso concreto, o Recorrente pretende que se proceda à modificação da matéria de facto, nos termos acima assinalados.
Sucede que o Tribunal a quo fundamentou, suficientemente, quer a matéria de facto provada como a não provada, explicando como formou a sua convicção.
Em termos de factualidade não provada exarou:
Não se provaram os demais factos alegados.
O documento 9 (fls. 576/636), junto pela A., não é suscetível de provar, em concreto, o montante global invocado de € 25.486,60, não foi junta prova do pagamento efetivo de tais importâncias às pessoas nele identificadas e a proposta também foi efetuada para o lote A., que não foi adjudicado à A.
Dos documentos nºs 10, 11, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25 e 26 (fls. 576/636) não é possível extrair, em concreto, os montantes efetivamente despendidos com a preparação e elaboração da proposta para os lotes de (...) e (...).
Os documentos nº 12 a 17, 37 e 38, 40 e 41, 56, (fls. 576/636) reportam-se apenas a recibos de vencimento.
O documento nº 18 (fls. 576/636), junto pela A., não é suscetível de provar, em concreto, o montante constante do mesmo, não foi junta prova do pagamento efetivo de tais importâncias ao Engº J. e a proposta também foi efetuada para o lote A., que não foi adjudicado à A.
Dos documentos nºs 27, 28, 32, 33, 34, 35 e 42 (fls. 576/636) não é possível extrair, em concreto, os montantes efetivamente despendidos pela A. e se os mesmos se relacionam com despesas no âmbito da empreitada de (...).
Os documentos nº 29, 30, 31, 36, 39 e 55, não são suscetíveis de provar, em concreto, os montantes constantes dos mesmos, não se fez prova do pagamento efetivo de tais importâncias, para além de no documento 39 se reportar a despesas com a abertura das propostas e correspondente acompanhamento técnico, não se conseguindo distinguir no mesmo o que diz respeito aos lotes B e C e o que diz respeito ao lote A., que não foi adjudicado à A.
Não se provaram, em concreto, quais as obras a que a A. deixou de concorrer enquanto preparou a proposta ao concurso em questão e mesmo após a adjudicação, celebração do contrato, auto de consignação e atos subsequentes até à notificação da recusa do visto pelo Tribunal de Contas.

E, em sede de motivação da factualidade tida por assente, consignou que formou a sua convicção, tomando em consideração todas as provas produzidas.
Foi efetuada uma análise crítica dos documentos que integram o processo administrativo e dos documentos juntos aos presentes autos, bem como da prova testemunhal produzida, por referência aos factos necessitados de prova e com observância das regras gerais sobre o ónus da prova.
O Engenheiro S. referiu que a A. despendeu 20.000,00 € (valores sem IVA) para os três anteprojetos.
Embora na proposta da A. tenha sido referido o valor de € 25.970,00, respeitante ao projeto de (...), foi referido pelo Engº S. que tal valor tinha como pressuposto a execução da obra e que o valor do projeto base não integrava tal valor, por se encontrar diluído no valor da proposta.
O valor efetivamente pago pela A. pelo projeto de execução de (...) é o que consta das faturas e recibos constantes dos documentos 3, 4, 7, e 8, que lhe foram exibidos e confirmados (fls. 576/636).

Temos assim que a convicção do Tribunal se encontra devidamente fundamentada; as provas foram criticamente analisadas e criteriosamente valoradas, designadamente através dos depoimentos prestados e da prova documental junta.
No entanto - quanto à modificação da matéria de facto, reapreciação da prova - sempre se dirá:
O Recorrente pugna pela alteração da matéria dada como provada em HH) “A A. teve despesas com a preparação e elaboração das propostas para os lotes de (...) e (...), para além do valor despendido com a elaboração do projecto base para os mesmos lotes, que resulta da alínea FF) supra.” para não provada.
Sucede que o Recorrente labora em erro.
As despesas que estão em causa e dadas como provadas em HH) são as despesas internas prévias e necessárias à preparação das propostas que a Autora teve para o concurso e o valor despendido com a elaboração do projeto base para os mesmos lotes (...) e (...) e não as despesas que despendeu com a MECH (FF).
Também já não se incluem aqui - na alínea HH) - os gastos com os projetos de execução, sendo que, apenas para o Lote B foi dado como provado o GG) “Com a elaboração do projecto de execução do lote B, que foi apresentado, a A. despendeu a quantia de €24.500,00, acrescido de IVA.”
E que o Recorrente aceitou em sede de recurso.
Também para a Empresa V. e para o Lote B e apresentação do projecto de execução foi dado como provado o pagamento pela Autora da quantia de 562,65€.
Atente-se à matéria dada como provada em JJ) e KK); assim, os excertos transcritos pelo Recorrente das testemunhas em questão referem-se apenas ao projeto de execução de (...), Lote C.
Vejamos:
N., Engenheiro Eletrotécnico, refere:
(…)
Mandatária da Autora: Mas sabe se foi entregue o projeto base de (...)?
Testemunha: O base foram entregues os 3. O projeto de execução de (...) é que não foi entregue…
(…)”
P., Engenheira Civil, refere:
“(…)
Mandatária da Autora: Mas a recusa do visto só veio em Agosto de 2007, e vocês recorreram.
Testemunha: Sim, mas de qualquer maneira sabendo que já havia recusa do visto, penso que já se pode pensar que pode continuar haver recusa.
Mandatária da Autora: Mas houve na Câmara reunião com a Srª Engenheira no sentido que iam tentar que o tribunal de contas…?
Testemunha: A Câmara normalmente pensa sempre interpor recurso do que haja … mas havendo uma intenção começa a correr uma luta que podia não se fazer, não é.
Mandatária da Autora: Pronto, mas o recurso do visto só foi em Agosto…
Testemunha: Sensivelmente em Agosto (…) a V. apresentou com a proposta o projeto base, para cada uma delas (para as 3 obras), documento obrigatório na proposta, o projeto de execução seria apresentado 05 dias após a consignação, mas só apresentou em (...), como disse à bocado, a outra pediu-se suspensão…”
(…)”
Já J. refere:
“(…)
Dra. M.: Sr. Eng. tem noção que depois de V. foi adjudicada a…
Testemunha: Sim a de (...) e de (...)…
Dra. M.: Na base da proposta em si, sabe que projeto apresentou, projeto base…
Testemunha: Os projetos base foram entregues com as propostas, portanto, neste caso a V. apresentou para ser admitida a concurso senão seria excluída automaticamente, apresentou nos 3 lotes A, B, e C, apresentou para (...), (...) e (...) as propostas base que constituíam os elementos da proposta, depois entretanto foi-lhe adjudicada a de (...) e (...) e sei que (...) foi dada indicação de avançar com o projeto, mas (...) não, porque até foi levantada pela própria V.. Porque eu fui nomeado técnico para acompanhar as empreitadas e fui eu, inclusive que assinei o auto de consignação na presença do Eng.º S. da V..
(…)”
Pelo que, em nada importa a modificação da matéria dada como provada em HH).
Aliás, do depoimento daquelas testemunhas resulta que a Autora/Recorrida entregou todos os projetos base e por isso sempre se imporia manter inalterada a matéria dada por assente em HH).
Temos assim que a alteração à matéria de facto pretendida pelo Recorrente nos está vetada.
Aliás, não se detetando qualquer erro, pelo menos, que seja ostensivo, manifesto, palmar, respeitar-se-á a livre convicção do Julgador.
A conjugação da prova testemunhal com os documentos carreados para os autos impunham a decisão de facto e de direito e o dispositivo no sentido da decisão recorrida.
Não só não há concretos meios probatórios no processo que conduzissem à modificação da matéria dada como provada em HH), nos termos em que foi dada, como também a matéria fixada em A), B), D), E), F), G), H), I), J), K), HH), FF) conjugada com a matéria tida por provada em L) M) e W) impunham a decisão no sentido firmado.
Não se bulirá, pois, no probatório.
Em suma:
-Os poderes dados à Relação sobre a alteração da matéria de facto provada em 1ª instância têm que se cingir a casos de flagrante desconformidade entre o que foi produzido em termos de prova e aquilo que foi dado como assente;
-Só em casos extremos é que a Relação poderá alterar a matéria de facto dada como provada pelo julgador da 1ª instância e apenas quando se verifique que as respostas dadas não têm qualquer fundamento face aos elementos de prova trazidos ao processo ou que estão totalmente desapoiadas do que se produziu em audiência de julgamento;
-Decidiu-se no Acórdão do STJ, de 10 de março de 2005, que a plenitude do segundo grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto sofre naturalmente a limitação que a inexistência de imediação necessariamente acarreta, não sendo, por isso, de esperar do tribunal superior mais do que a sindicância de erro manifesto na livre apreciação das provas.
Na verdade, não basta ao recorrente discordar quanto ao julgamento da matéria de facto para o tribunal de recurso fazer “um segundo julgamento”, com base na gravação da prova: o poder de cognição deste tribunal, em matéria de facto, constitui apenas remédio para os vícios do julgamento em 1ª instância, sem assumir a amplitude de um novo julgamento que faça tábua rasa da livre apreciação da prova, da oralidade e da imediação daquela mesma instância.
-É que “Na impugnação da decisão da matéria de facto do tribunal de 1ª instância, o objecto precípuo da cognição do Tribunal da Relação não é a coerência e racionalidade da fundamentação da decisão de facto, mas antes uma apreciação e valoração autónoma da prova produzida, labor que, contudo, se orienta para a detecção de qualquer erro de julgamento naquela decisão da matéria de facto. Por isso, não bastará uma qualquer divergência na apreciação e valoração da prova para determinar a procedência da impugnação, sendo necessário constatar um erro de julgamento” - Acórdão da RC de 28/06/2011, proc. 185/07.5TBANS-B.C1.
-No presente recurso não há lugar à modificação da matéria de facto dada como provada e/ou não provada e, com tal, não pode haver qualquer mexida/revogação dos parágrafos primeiro e sexto da alínea B do segmento decisório da sentença.
Das nulidades da sentença -
Segundo o artigo 615º do NCPC (artigo 668º CPC 1961), ex vi artigo 1º do CPTA, sob a epígrafe “Causas de nulidade da sentença”,
1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
2 -…. .
3 -….. .
4 - As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.
Nos termos das alíneas b)Dos incontáveis arestos dos tribunais superiores que reiteram a mesma doutrina jurisprudencial nesta matéria, retemos o Acórdão do Pleno da Secção do CA do Supremo Tribunal Administrativo, de 15-11-2012, proc. 0450/09, que sumariou: “(…) II - A estrutura da sentença está concebida no artº 659º do CPC, devendo a mesma começar por identificar as partes, o objecto do litígio (fixando as questões que que ao tribunal cumpre solucionar), os fundamentos (de facto e de direito) e concluindo com a decisão. Delineada a estrutura deste acto jurisdicional (por excelência), o desvio ao figurino gizado pelo legislador ocasiona uma patologia na formação e estruturação da decisão susceptível de a inquinar de nulidade (artº 668º nº1 do CPC).

III - Um dos elementos estruturantes da sentença é a fundamentação. Esta tem duas funções: uma função endoprocessual e uma função extraprocessual. A função endoprocessual é aquela que desenvolve a motivação da sentença, entendido como requisito técnico da pronúncia jurisdicional, no interior do processo; a função extraprocessual da motivação está ligada com a natureza garantista da absoluta generalidade e na consequente impossibilidade de a entender como derrogável ad libitum pelo legislador ordinário (e muito menos como derrogável ad libitum pelo juiz ou pelas partes.

IV - A nulidade da sentença por falta de fundamentação só ocorre quando haja ausência absoluta de motivação, ou seja, total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que a decisão assenta. (…)”.

e c) só ocorre nulidade quando falte a fundamentação (de facto/de direito devidamente especificada) ou quando a fundamentação da decisão aponta num sentido e a decisão em si siga caminho oposto, ou seja, as situações em que os fundamentos indicados pelo juiz deveriam conduzir logicamente a um resultado oposto ao que se contém na sentença ou agora, também quando a decisão seja ininteligível por alguma ambiguidade.
Esta nulidade (al. c)) pressupõe um vício real no raciocínio expresso na decisão, consubstanciado na circunstância de a fundamentação explicitada na mesma apontar num determinado sentido, e, por seu turno, a decisão que foi proferida seguir caminho oposto, ou, pelo menos, diferente, ou ainda não ser perceptível face à fundamentação invocada. Isto é, a fundamentação adoptada conduz logicamente a determinada conclusão e, a final, o juiz extrai outra, oposta ou divergente (de sentido contrário).
Não se confunde com o erro de julgamento, seja quanto à apreciação dos factos feita pelas instâncias, seja quanto às consequências jurídicas deles extraídas, por inadequada ter sido a sua subsunção à regra ou regras de direito pertinentes à situação concreta a julgar.
Trata-se, pois, de uma irregularidade lógico-formal e não lógico-jurídica.
Já a omissão de pronúncia está relacionada com o dever que o nº 1 do artº 95º do CPTA impõe ao juiz de decidir todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas, salvo quando a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Nestes termos, a nulidade da decisão por omissão de pronúncia verificar-se-á quando exista uma omissão dos deveres de cognição do tribunal, o que sucederá quando o juiz não tenha resolvido todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e cuja decisão não esteja prejudicada pela solução dada a outras.
E a nulidade por excesso de pronúncia verifica-se quando na decisão se conhece de questão que não foi suscitada por qualquer uma das partes, nem pelo Ministério Público, e não é de conhecimento oficioso.
Retomando o caso dos autos e o que acima se salientou facilmente se extrai que a sentença não cai no âmbito da previsão do artigo 615º, nas suas diversas frentes, razão pela qual se arreda esta argumentação.
Como explanado no despacho de sustentação: no que concerne ao primeiro parágrafo da alínea b) da sentença, a condenação é relativa ao projeto base apresentado com a proposta e não à execução do projeto (alínea Y) do probatório). Quanto à execução do projeto do Lote C, após a consignação da obra, a própria Autora requereu ao Réu a suspensão dos trabalhos pelos motivos que invocou (alíneas Y) e AA) do probatório).
A decisão mostra-se fundamentada de facto e de direito e não existe contradição entre a fundamentação e a sentença proferida.
Já no que concerne ao sexto parágrafo da alínea b) da sentença, o tribunal apenas procedeu à condenação genérica nos termos do artigo 609º, nº 2, do CPC e referiu na fundamentação da decisão que “…Remete-se para execução de sentença, o quantum do valor despendido com a preparação e elaboração das propostas para os lotes de (...) e (...) e o quantum despendido com a elaboração do projeto base para os mesmos lotes (alíneas FF) e HH) do probatório), por não ser possível o recurso à equidade, perante a possibilidade de averiguação exata de tais danos.”. Enquanto nos parágrafos segundo a quinto o tribunal condenou na parte que era líquida, no sexto parágrafo, embora se tenha provado que a Autora teve despesas com a preparação e elaboração das propostas para os lotes em causa (alínea HH) do probatório), não foi possível liquidar exatamente o montante relativo a tais despesas.
De facto, assim é.
O Recorrente Município sindica a condenação no pagamento do valor de 20.000,00€, relativamente à elaboração do projeto base para os lotes B e C, alegando para tanto que a sentença deveria ter diferenciado qual a quantia que corresponde ao lote B e qual a que se refere ao lote C.
Porém, sem razão.
Por um lado, a sentença condenou no valor global de 20.000,00€ (alínea FF) do probatório).
A alínea FF) do probatório dá como provado que com a elaboração do projecto base apresentado com a proposta, a A. pagou à M., Lda. a quantia global de €20.000,00, acrescida de IVA, para os três lotes.
Ora, este projeto base foi apresentado com a proposta.
E para ser elaborado (previamente, obviamente) e para ser junto à proposta, a Autora pagou à M., Lda. o montante global de 20.000,00€ acrescido de IVA, para os três lotes.
A proposta foi apresentada antes da recusa do visto e da sua notificação.
Atente-se à matéria levada ao probatório em A); B); D); E); F); G); H); I); J); K).
E, por cartas registadas de 30 de abril de 2007 a Autora é notificada (em 02/05/2007) pelo Tribunal de Contas da recusa do visto - L).
Ora, com a matéria dada como provada em A); B); D); E); F); G); H); I); J); K), resulta da análise crítica da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, quer testemunhal, quer documental, que os 20.000,00€ despendidos foram para os anteprojetos (projetos base) que acompanharam as propostas; ou seja, tratando-se de concurso de conceção/execução, a matéria dada como provada em A) e B).
As propostas para o Concurso tinham de ser acompanhadas desses projetos (Concurso Público de Empreitada, Conceção, Execução) e, havia dois tipos de projetos para cada lote: o anteprojeto/projeto base que acompanhava a proposta sob pena de ser excluída e o projeto de execução/construção.
Daí que tenha que manter-se inalterada a alínea FF) da sentença.
Aliás, a recusa do visto só foi notificada a 02/05/2007 - alínea L) da matéria dada como provada, logo, muito depois da Autora ter despendido aquele valor global de 20.000,00€.
Mas mais, como bem resulta da fundamentação jurídica da sentença recorrida:
Os contratos de empreitada vieram a ser declarados ineficazes pelo Réu, após a recusa definitiva do visto do TC (alínea Q) do probatório), nos termos e para os efeitos do artigo 45º da LOPTC.
O Réu praticou, assim, um facto que tornou impossível prosseguir a execução das empreitadas, não lhe restando alternativa que não fosse a de aceitar a ineficácia dos contratos.
Tal ineficácia traduziu-se na impossibilidade de dar continuidade à sua execução.
Todavia, o regime estabelecido artigo 45º da Lei nº 98/97, não tornou inviável que a A. possa ser indemnizada.
A A. tem o direito a ser indemnizada pelos danos efetivamente sofridos e que resultam da ineficácia dos próprios contratos, incorrendo os Réus em responsabilidade civil decorrente de ação ou omissão, que determinou essa ineficácia.
E continuou:
Todavia, em consequência da atuação do Réu, a A. sofreu danos na sua esfera jurídica.
Sofreu danos emergentes que derivam das despesas incorridas até à celebração dos contratos (alíneas FF), HH) e II) do probatório) e que receberia com a sua execução e pagamento do preço contratualmente estabelecido, não fosse a ineficácia dos mesmos.
E danos emergentes ocorridos após a celebração dos contratos e até à notificação da recusa do visto (alíneas GG), JJ) e KK) do probatório).
Foi fixado um prazo de 60 dias para a execução do projeto e para aprovação das especialidades, com início no dia da assinatura do auto de consignação, que ocorreu em 16/03/2007 (alíneas K) e Y) do probatório).
Em 2/05/2007, a A. foi notificada, pela primeira vez, da decisão do TC de recusa do visto aos contratos de empreitada (alínea L) do probatório), isto é, antes do decurso do prazo de 60 dias para a execução do projeto, todavia, porque o Réu recorreu da decisão (alínea P) do probatório), só em 28/08/2007 (alínea Q) do probatório) é que a A. foi notificada da decisão definitiva de recusa do visto.
A A. apresentou o projeto de execução para o Lote B (alínea GG) do probatório), que não foi aprovado pelo dono de obra e alguns dos projetos das especialidades não foram aprovados pelas entidades competentes (alíneas VV) e XX do probatório).
Quanto à empreitada do Lote C, o projeto de execução nunca foi entregue ao dono de obra e a obra esteve suspensa pouco tempo após o auto de consignação, pelo que a A. apenas tem direito a ser indemnizada, quanto a esta empreitada, dos danos emergentes derivados das despesas que suportou até à celebração do contrato.
Quanto à empreitada do Lote B, a A. tem direito a ser indemnizada dos danos emergentes derivados das despesas que suportou até à celebração do contrato e das despesas em que incorreu após a celebração do contrato, pois embora não desconhecesse a condição suspensiva dos efeitos financeiros da obra, também estava vinculada ao cumprimento de um prazo de 60 dias, cujo início de contagem ocorreu no dia da assinatura do auto de consignação.
Assim, toda a matéria dada como provada na sentença, mormente a que atrás se transcreveu, impunha a decisão nos moldes em que foi proferida.
Mesmo a matéria de facto dada por assente em L, M e W que o Recorrente invoca, em nada, altera a decisão de mérito sindicada; muito pelo contrário, reforça-a.
Improcede também este segmento.
E o mesmo se diga quanto à alegada inexistência/contradição de fundamentação da sentença.
Como decidimos no processo 00001/02-Porto, 2ª Secção - Contencioso Tributário, de 06/06/2007, segundo o artigo 668.º nº 1 alínea c) do Código de Processo Civil, atual artigo 615.º nº 1 c): é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão. Esta nulidade ocorre quando os fundamentos invocados na decisão deveriam conduzir, num processo lógico, a solução oposta da que nela foi adoptada. Só releva, para este efeito, a contradição entre a decisão e os respectivos fundamentos e não eventuais contradições entre fundamentos de uma mesma decisão, por um lado, ou contradição entre decisões, fundamentadas ou não, por outro. (…) Ao não existir qualquer contradição lógica, não se verifica esta nulidade, porquanto ela reporta-se ao plano interno da sentença, a um vício lógico na construção da decisão, que só existirá se entre esta e os seus motivos houver falta de congruência, em termos tais, que os fundamentos invocados pelo tribunal devessem, naturalmente, conduzir a resultado oposto ao que chegou.
Ora, se por um lado, como supra se disse, a sentença recorrida dá como provada a matéria de facto de FF) - “Com a elaboração do projeto base apresentado com a proposta, a A. pagou à M., Lda. a quantia global de € 20.000,00, acrescida de IVA, para os três lotes”,
por outro, o Tribunal dá ainda como assente a matéria levada às alíneas A), B), D), E), F), G), H), I), J), K), M), que, conjugada com a matéria de facto contida nas alíneas W) e L), torna evidente que o Tribunal deu como provado que a Autora elaborou o projeto base do lote antes da decisão e notificação do Tribunal de Contas, sendo que não há qualquer contradição entre a fundamentação e o dispositivo da sentença.
O Recorrente confunde a sua discordância da fundamentação com a ausência/contradição da mesma fundamentação.
Mas essa não acarreta nulidade, pois que, só haveria contradição entre os fundamentos e o dispositivo se a fundamentação apontasse para uma decisão diferente, nomeadamente caso os fundamentos estivessem em oposição com a decisão, o que não é o caso.
Desatende-se este plano recursivo.
Do artigo 609º/2 do NCPC (artigo 661º/2 CPC 1961) -
Este preceito é claro ao estipular “Se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida.”.
Como aponta o Acórdão do STJ de 15/06/1993, BMJ, 428, 530 “pedida a condenação no pagamento de certa quantia, desde que esta não seja excedida, o juízo sobre a valorização dos danos concretos não contende com o limite do pedido formulado nem com os princípios do processo civil relativos à causa de pedir, pois esta é constituída pelos danos invocados e o maior ou menor valor destes não se traduz em alteração daquela. Assim, na liquidação da quantia exequenda, por indemnização devida ao exequente, o limite legal é o do pedido global, independentemente dos danos considerados e dos seus valores parcelares (art.º 661.º n.º 1 do CPC)”. No mesmo sentido seguiu em 11/05/2005 no âmbito do proc. 05B1234: “deve-se condenar no que se liquidar em execução de sentença quando, formulado pedido específico, não for possível determinar a quantidade da condenação”. O mesmo Supremo Tribunal consagrou, em 07/11/2006, proc. 06A3623: “o art.º 661.º n.º 2 do CPC tanto se aplica ao caso de o autor ter formulado inicialmente pedido genérico e não ter sido possível convertê-lo em pedido específico, como ao de ele ter logo formulado pedido específico, mas não se chegarem a coligir dados suficientes para fixar, com precisão e segurança, o objecto ou a quantidade da condenação, razão pela qual a dedução inicial do pedido líquido não obsta a que a sentença condene em quantia a liquidar em execução de sentença”.
Inexiste, assim, o falado excesso de pronúncia.
Da condenação em custas -
O Réu MUNICÍPIO DE (...) insurge-se ainda quanto à condenação em custas na proporção do decaimento que foi fixada na sentença: 35% para a Autora/ Recorrida e 65% para o Réu/Recorrente, fazendo nas alegações, como bem se observa nas contra-alegações, as contas das custas, como se se tratasse de regra de “somar e subtrair”, ou seja, se a Autora peticiona x e o Réu é condenado em y, faz a percentagem e é nessa percentagem que há o decaimento.
Todavia, carece de razão.
A sentença recorrida deu cumprimento ao n.º 6 do artigo 607.º do C.P.C.
“6 - No final da sentença, deve o juiz condenar os responsáveis pelas custas processuais, indicando a proporção da respetiva responsabilidade”, sendo que, mesmo que fosse pela linha de raciocínio do Recorrente, não se pode ignorar que há valores a pagar à Autora/Recorrida em sede de liquidação de sentença.
Decidiu a Senhora Juíza: “Remete-se para execução de sentença, o quantum do valor despendido com a preparação e elaboração das propostas para os lotes de (...) e (...) e o quantum despendido com a elaboração do projecto base para os mesmos lotes”.
Assim as custas, o vencimento e decaimento devem ser aferidos em face da pretensão formulada ou da posição assumida pela parte relativamente à questão que tenha sido objeto de decisão.
É parte vencida aquela que é objetivamente afetada pela decisão, isto é, a que não tenha obtido a decisão mais favorável aos seus interesses.
O Autor é parte vencida se a sua pretensão for recusada no todo ou em parte, por razões de forma ou de fundo; o Réu quando no todo ou em parte seja prejudicado pela decisão.
Nessa medida, o que sobreleva é o resultado final e não tanto o percurso trilhado pelo Tribunal para o atingir.
Ora, na contestação apresentada pelo MUNICÍPIO DE (...), para além da defesa por exceção, invocou defesa por impugnação, requerendo que a ação fosse julgada não provada e improcedente, e o Réu absolvido de todos os pedidos.
Assim, nos termos do artigo 527º/1 e 2 do CPC:
“1 - A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.
2 - Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.”
Logo, a responsabilidade pelas custas é determinada na proporção do decaimento.
Até porque, também as custas de parte são suportadas pela parte vencida na proporção do seu decaimento - cfr. artigo 533.º/1 do CPC.
É através das custas de parte que se recuperam as taxas de justiça suportadas nos processos.
Assim, e porque foi o Réu Município quem deu causa à ação, e deu causa às custas do processo, na medida em que é parte vencida (pugnou na contestação pela improcedência total da ação e sua absolvição de todos os pedidos), foi condenado a pagar determinada soma já certa, acrescida de juros peticionados em sede de p.i., e quantia a remeter para execução de sentença.
Nestes termos, a sentença recorrida ao condenar nas custas a cargo da Autora em 35% e do Réu em 65% na proporção do decaimento, não incorreu em qualquer vício de violação de Lei, nem, aliás, o Recorrente alega qual, limitando-se, como se viu, a fazer simples “operação aritmética”.
Mas, como se adiantou, na decisão que condena em custas não se trata de simples operação aritmética.
Não pode olvidar-se que o Réu ficou vencido no primeiro pedido de declaração de ineficácia dos contratos e no pedido de condenação, embora alguns dos valores elencados no articulado inicial - p.i. - não tenham sido atendidos pelo Tribunal, conforme fundamentação que invocou.
O Tribunal a quo não adotou um critério aritmético, em virtude de não estar somente em causa a condenação ao pagamento de determinada quantia, mas principalmente a declaração de ineficácia dos contratos.
Tal equivale a dizer que a condenação obedece à regra do disposto no artigo 527.º e ss. do CPC, mostrando-se adequada a proporção fixada.
Ademais, a sentença constitui um verdadeiro acto jurídico a que se aplicam as regras reguladoras dos negócios jurídicos - cfr. artigo 295º do C.C..
Como advogado pela Recorrida, as normas que disciplinam a interpretação da declaração negocial são igualmente válidas para a interpretação de uma sentença.
Para interpretar corretamente a parte decisória de uma sentença, mormente quanto à condenação em custas e proporção, há que analisar os seus antecedentes lógicos que a tornam possível e pressupõem, dada a sua íntima interdependência.
A interpretação desta peça processual exige que se tome em consideração a fundamentação e a parte dispositiva, fatores básicos da sua estrutura.
Desatende-se também este segmento do recurso.
Concluindo, não merece reparo o julgado que, acolhendo, em parte, a leitura da Autora, julgou parcialmente procedente a acção.
Norteou-se pelo entendimento da jurisprudência que citou e pela posição da doutrina sobre esta temática; enfrentou, de forma clara e suficiente, todas as questões suscitadas e só essas, razão pela qual têm de improceder as conclusões da alegação. O Tribunal a quo cumpriu ainda a obrigação que sobre si impendia: discriminou na sentença, os factos que considerou provados e não provados, analisou criticamente a prova e expôs os fundamentos que foram decisivos para a formação da sua convicção (artigo 607º/3, 4 e 5 do CPC), explicitando, desse modo, não só a respetiva decisão como, também, os motivos que a determinaram. Pronunciou-se, reitera-se, sobre todas as questões que devia apreciar e não conheceu questões de que não podia tomar conhecimento, razão pela qual a sua estrutura é de manter.
Dito de outro modo, inexiste qualquer nulidade.
Aliás o próprio Recorrente vacila nos vícios imputados à sentença ao finalizar:
A sentença ora recorrida padece de vários vícios que a ferem de nulidade e fatalmente conduzirão à sua revogação - Conclusão 1) .
E no pedido -
Deve o presente recurso ser julgado provado e procedente;
-Procedendo-se à sua revogação na parte indicada (primeiro e sexto parágrafos da alínea B do seu segmento decisório) e declarando-se a mesma nula.

DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso
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Custas pelo Recorrente.
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Notifique e DN.
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Porto, 27/11/2020

Fernanda Brandão
Hélder Vieira
Helena Canelas