Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00128/21.3BECBR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/30/2025
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:ANA PATROCÍNIO
Descritores:CONVOLAÇÃO;
PRINCÍPIO DA TUTELA JURISDICIONAL EFECTIVA;
Sumário:
I - O erro na forma do processo, nulidade decorrente do uso de um meio processual inadequado à pretensão de tutela jurídica formulada em juízo, afere-se pelo pedido e não pela causa de pedir, conquanto esta possa ser utilizada como elemento de interpretação daquele, quando a esse respeito existam dúvidas.

II - Deduzido em processo de oposição pedido próprio desse mesmo processo, aliado a arguição de fundamentos, uns próprios de oposição e outros de impugnação judicial, está o juiz impedido de ordenar a convolação para conhecimento dos fundamentos próprios desse processo, uma vez que lhe incumbe conhecer do pedido e dos fundamentos próprios do processo de oposição.

III - Se não há erro na forma do processo, não existe fundamento para a convolação, na medida em que a ponderação/efectivação desta pressupõe a existência do erro – cfr. artigo 98.º, n.º 4 do CPPT.

IV - Se os fundamentos invocados correspondem a pedidos distintos e diferentes formas processuais torna-se inviável a convolação, já que o juiz está impedido de optar por qualquer uma delas.

V - No âmbito do contencioso tributário, o meio processual adequado erigido pelo legislador ordinário para reagir contra a (i)legalidade concreta do acto de liquidação é a impugnação judicial – cfr. artigo 97.º, n.º 1, alínea a) e artigo 99.º, ambos do CPPT, só quando esse meio não assegurar a tutela jurisdicional efectiva dos direitos do contribuinte é legítimo o recurso a outros meios processuais.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

«AA», contribuinte n.º ...40, com residência na Rua ..., ..., ...., ... Bairro ..., Coimbra, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, proferida em 26/04/2023, que julgou parcialmente extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide, no que concerne às dívidas de contribuições de trabalhador independente do período de Janeiro a Outubro de 2014, a que se refere a certidão de divida n.º ..101, no valor global de €1.861,30 e ilegal a Oposição no demais referente à Execução Fiscal autuada sob o n.º .................452 e apensos, que a Secção de Processo Executivo ... do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., lhe moveu por dívidas de contribuições de trabalhador independente dos meses de Outubro de 2013 a Outubro de 2014, no valor global de €2.481.74, e de contribuições e cotizações como entidade empregadora dos meses de Junho de 2010 a Março de 2012, no valor global de €3.102.97 e de €1.437,16, respectivamente.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
“1. A SENTENÇA RECORRIDA INCORRE EM ERRO DE JULGAMENTO, PORQUANTO, INEXISTE FACTO TRIBUTÁRIO, INEXISTINDO, POIS, UM DOS ELEMENTOS ESSENCIAIS DO ATO TRIBUTÁRIO – O FACTO TRIBUTÁRIO –, ENTÃO, NO MÍNIMO OS ATOS SERIAM NULOS OU INEXISTENTES POR NÃO SE PODER, JUSTAMENTE, CONFIGURAR A SITUAÇÃO JURÍDICA GERADORA DO ATO TRIBUTÁRIO.
2. NÃO SE ENTENDE, POIS, A DECISÃO RECORRIDA, UMA VEZ QUE, ASSENTANDO TODO O PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO EM ERRO NOS PRESSUPOSTOS DE FACTO, PORQUANTO, A HIPOTÉTICA TRABALHADORA «BB», PRESTOU, SEMPRE, FUNÇÕES MEDIANTE CONTRATO DE PRESTAÇÕES DE SERVIÇOS, INEXISTE FACTO TRIBUTÁRIO.
3. PELO QUE, NÃO HÁ FUNDAMENTO PARA LIQUIDAÇÃO DE QUALQUER TRIBUTO, ATÉ PORQUE, PARA HAVER LIQUIDAÇÃO DE UM TRIBUTO TEM, FORÇOSAMENTE, DE EXISTIR FACTO TRIBUTÁRIO.
4. A DECISÃO É ILEGAL POR DESCONFORMIDADE COM O PRINCÍPIO DA PROMOÇÃO DO ACESSO À JUSTIÇA QUE DETERMINA A INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS PROCESSUAIS NO SENTIDO DE HAVER PRONÚNCIA SOBRE O MÉRITO DAS PRETENSÕES FORMULADAS.
5. A DECISÃO RECORRIDA VIOLOU O ARTIGO 7.º DO CPTA APLICÁVEL EX VI DO ARTIGO 2.º DO CPPT.
6. AO NÃO CONVOLAR PARA A FORMA DE PROCESSO ADEQUADA, A SENTENÇA EM CRISE ESTÁ FERIDA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA TUTELA JURISDICIONAL EFETIVA EXPRESSAMENTE CONSAGRADO NO ARTIGO 20.º DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA.
Nestes termos e nos mais de Direito, deve ser concedido total provimento ao Recurso, sendo revogada a decisão recorrida com todas as consequências legais, assim se fazendo JUSTIÇA!”

Não houve contra-alegações.
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O Ministério Público junto deste Tribunal não emitiu parecer sobre o objecto do recurso, tendo arguido a nulidade da sentença recorrida, por verificar que a mesma é completamente omissa quantos à discriminação dos factos provados e não provados, o que acarreta, a nulidade de sentença, por falta de especificação dos fundamentos de facto que determinaram a decisão, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. b) do CPC conjugado com o artigo 125.º, n.º 1 do CPPT.
Importa realçar que, genericamente, o tribunal recorrido não apreciou o mérito da causa, tendo enquadrado o julgamento que realizou na fase do saneamento processual. Para tanto, considerou que os fundamentos aduzidos pela oponente não constituem fundamentos próprios do presente meio processual.
Compulsado o teor da decisão recorrida, verificamos ter destacado todas as questões suscitadas e, quanto às que são fundamento de oposição judicial, julgou-as, constando a factualidade na decisão, apesar de não estar autonomizada ou destacada previamente.
Salientamos, contudo, que tais questões não são objecto do presente recurso. Referimo-nos à inexigibilidade parcial da dívida, que o órgão de execução fiscal acabou por anular nessa parte e extinguir parcialmente a execução fiscal, tendo dado origem ao julgamento de impossibilidade parcial da lide. Bem como ao pedido de suspensão da execução fiscal até que a questão da (i)legalidade concreta da dívida seja resolvida judicialmente no âmbito da Impugnação Judicial que corre termos sob o n.º ..71/...3BECBR, o que foi resolvido com considerações de direito.
Revisto o objecto do recurso, observamos que a questão colocada se prende apenas com a omissão de convolação e com a violação de vários princípios constitucionais que tal falta poderá significar.
Pelo que a maioria das questões apreciadas já transitou em julgado, restando a apreciação desta questão de direito, para a qual é irrelevante a especificação dos fundamentos de facto, já que poderá ser resolvida apenas com base na alegação e com o teor da petição de oposição.
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Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; submete-se o processo à Conferência para julgamento.

II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa apreciar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, por não ter convolado o processo na forma processual adequada, assim violando o princípio da tutela jurisdicional efectiva e do acesso à justiça.
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III. Fundamentação
1. Matéria de facto

Na sentença recorrida não foi autonomizada a decisão da matéria de facto, na medida em que foi julgado que vários fundamentos aduzidos não constituem fundamentos próprios do presente meio processual – oposição judicial.
Para melhor compreensão, extractam-se alguns segmentos da decisão recorrida, tendo ficado claro não se verificar erro na forma do processo:
“(…) A Oponente defende assim a nulidade insanável do processo executivo fiscal decorrente da falta de requisitos essenciais do título executivo, mais aduzindo que a citação é nula por não conter todos os elementos que dela deviam constar (refere falta de fundamentação da citação), pelo que invoca ainda a nulidade/irregularidade do acto de citação.
Simplesmente, estes não são fundamentos válidos de Oposição.
As nulidades ou irregularidades no acto da citação em processo executivo fiscal devem ser arguidas junto do Órgão de Execução Fiscal, como tem reiteradamente sido apontado pela Jurisprudência nos nossos Tribunais Superiores: (…)
Também a nulidade decorrente da falta de requisitos essenciais do título executivo deve ser arguida, em primeira linha, mediante requerimento de arguição de nulidade perante o Órgão de Execução Fiscal, com posterior reclamação para o Tribunal ao abrigo do disposto no artigo 276.º do CPPT, caso não fosse reconhecida. (…)
Por outro lado, alegou ainda uma situação de “erro sobre os pressupostos de facto” da obrigação contributiva, defendendo que no caso de se estar perante contribuições referentes à pretensa trabalhadora «BB», as mesmas não são devidas por não existir entre a Oponente e a visada qualquer relação de trabalho subordinado – com as características de um contrato de trabalho – mas sim um contrato de prestação de serviços, sendo o trabalho prestado por «BB» executado com autonomia técnica, sem horário determinado pela Oponente e sem remuneração fixa, concluindo-se que «até 26/04/2012 exercia funções na qualidade de trabalhadora independente, qualidade por si aceite ao longo de cerca de cinco anos». Mais peticionou que estando tal questão a ser discutida no âmbito do processo n.º ..71/...3BECBR, que corre termos no presente Tribunal, deveria o processo de execução fiscal ser suspenso até decisão final ali proferida.
Ora, toda a argumentação da Oponente neste conspecto reporta-se, manifestamente, à ilegalidade concreta da dívida exequenda.
Como refere, exemplificativamente, o Supremo Tribunal Administrativo, em Acórdão de 22.03.2011, «[a] invocação da inexistência do facto tributário subjacente à liquidação da dívida exequenda reconduz-se a fundamento que envolve apreciação da legalidade concreta da liquidação, por alegada falta de incidência objectiva (inexistência do facto tributário)»
Simplesmente, a ilegalidade concreta da liquidação não é fundamento admitido de Oposição à execução fiscal.
É certo que a alínea h) do n.º 1 do artigo 204.º, do CPPT permite que a Oposição tenha por fundamento a ilegalidade da liquidação da dívida exequenda, mas apenas quando a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso, o qual não é o caso, porquanto tal meio processual existe e está previsto nos artigos 99.º e seguintes do CPPT – Impugnação Judicial.
De referir que também não estamos perante um caso em que a Oposição seja enquadrável na alínea i) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, ou seja, um qualquer fundamento não referido nas demais alíneas daquele normativo, “a provar apenas por documento, desde que não envolvam a apreciação da legalidade da liquidação exequenda, nem representem interferência em matéria de exclusiva competência da entidade que houver extraído o título”.
É que a apreciação da invocada inexistência de obrigação contributiva de que deriva a liquidação envolve claramente a apreciação da legalidade concreta da liquidação exequenda, implicando designadamente que o Tribunal verifique a falta de incidência objectiva e subjectiva das contribuições em causa.
Ora, havendo meio próprio para discutir a legalidade concreta da dívida, não pode a Oponente prevalecer-se da presente Oposição para o fazer e não pode tal fundamento ser objecto de análise pelo Tribunal, por não ser próprio do meio processual concretamente utilizado.
E quanto ao pedido de suspensão do processo de execução fiscal até que a questão seja resolvida judicialmente no âmbito da Impugnação Judicial que aqui corre termos sob o n.º ..71/...3BECBR, sempre se diga que não compete ao Tribunal determinar, em primeira linha, qualquer suspensão do processo executivo, atento o disposto nos artigos 169.º e ss. do CPPT e 52.º, n.º 2 da LGT, sendo apenas competente em sede de reclamação da decisão que o Órgão de Execução Fiscal eventualmente venha a proferir quanto a um pedido a ele formulado nesse sentido, nos termos do artigo 276.º e seguintes do CPPT (e em sede autónoma).
De referir que não está em causa uma situação de erro na forma do processo, já que a Oponente não formulou qualquer pedido a que coubesse outra forma processual diferente da utilizada, sendo o pedido (principal) próprio de Oposição à execução fiscal - a extinção do processo executivo; mas sim uma situação em que a utilização da Oposição surge como ilegal por não serem invocados fundamentos próprios de tal meio processual.
(…)
Por tudo quanto o exposto, verificando-se a arguição de fundamentos não admissíveis de Oposição e tendo o Órgão de Execução Fiscal extinguido parcialmente a execução de que a presente Oposição é incidente, por anulação parcial das dívidas aí em cobrança coerciva, tornou-se impossível o prosseguimento da lide por desaparecimento da causa de que depende, nessa parte.
Termos em que, ao abrigo do disposto no artigo 277.º, alínea e) do CPC (aplicável ex vi art. 2.º, al. e) do CPPT), julga-se parcialmente extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide, no que concerne às dívidas de contribuições de trabalhador independente do período de Janeiro a Outubro de 2014, a que se refere a certidão de divida n.º ..101, em execução coerciva no PEF principal, no valor global de €1.861,30 (mantendo-se em divida o valor restante de €620,44), e ilegal a Oposição no demais (mantendo-se em dívida o valor constante das certidões de divida n.ºs ..600 e ..601). (…)”

2. O Direito

O tribunal recorrido julgou parcialmente improcedente a presente oposição, tendo considerado o meio processual utilizado – oposição judicial – ajustado ao pedido formulado, que considerou ser de extinção do processo de execução fiscal.
A sentença recorrida abordou questões que identificou como: “falta de requisitos essenciais do título executivo”, “nulidade do acto de citação”, “erro sobre os pressupostos de facto – ilegalidade concreta da dívida”, “da anulação parcial das dívidas exequendas”, “extinção do processo executivo por violação dos artigos 177.º e 208.º do CPPT”. Porém, o julgamento realizado acerca destas questões não é objecto do presente recurso, pelo que a decisão recorrida transitou em julgado, nomeadamente, quando julgou não se verificar erro na forma do processo.
A Recorrente não entende a decisão de julgar ilegal a Oposição com base na falta de fundamentos de admissibilidade da Oposição e de impossibilidade de convolação em outra forma processual, porquanto, assacou vícios que afectam todo o procedimento tributário conducente à execução fiscal de nulidades insanáveis. Mais, assentando todo o procedimento tributário em erro nos pressupostos de facto, porquanto, a hipotética trabalhadora «BB», prestou, sempre, funções mediante contrato de prestações de serviços, pelo que, inexiste facto tributário, ou seja, não há fundamento para liquidação de qualquer tributo, até porque, para haver liquidação de um tributo tem, forçosamente, de existir facto tributário.
Rematou dizendo que sendo inexistente o facto tributário, inexistindo, pois, um dos elementos essenciais do acto tributário – o facto tributário –, então, no mínimo os actos seriam nulos ou inexistentes por não se poder, justamente, configurar a situação jurídica geradora do acto tributário. Mas, ainda que se considere que a Oposição à execução não é o meio próprio para o efeito, o que se configura por hipótese académica, a verdade é que o Tribunal a quo deveria ter decidido no sentido da convolação.
O tribunal “a quo” considerou não existir erro na forma do processo; assim sendo, jamais se poderá falar em convolação.
No entanto, a Recorrente parece insistir em demonstrar a ilegalidade da dívida exequenda neste meio processual, avançando, agora, para a inexistência do facto tributário subjacente à mesma, que, sendo uma situação cuja qualificação jurídica é mais gravosa, não poderia dar lugar à liquidação subjacente. Trata-se apenas de um reenquadramento jurídico dos mesmos factos, tendo o tribunal recorrido já deixado muito clara a impossibilidade de discussão da legalidade da dívida em sede de oposição, quando existe outro meio processual próprio para o realizar, que, aliás, foi utilizado pela Recorrente – a impugnação judicial.
É nossa convicção que o tribunal “a quo” realizou uma leitura correcta da norma constante do artigo 204.º do CPPT, ao destacar que tal contende com a apreciação da ilegalidade concreta da dívida exequenda, a qual apenas pode ser discutida em sede de oposição quando a lei não assegure outro meio processual de impugnação, apontando que, para apreciar a ilegalidade da dívida, a oponente tinha à sua disposição outro meio processual mais adequado: a impugnação judicial, pelo que não pode ser discutido nesta oposição.
A questão de saber se o tributo foi ou não, em concreto, legalmente liquidado constitui fundamento de impugnação judicial, não podendo proceder a oposição deduzida com esse fundamento, salvo nos casos, que não é o dos autos, em que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação [vide a alínea h) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT] – cfr., entre outros, Acórdãos do STA, de 07/01/2016, proferido no âmbito do processo n.º 01120/15, e de 18/11/2020, proferido no processo n.º 0699/17.9BELRA.
Replica a Recorrente haver violação do acesso à justiça, infringindo-se o princípio da tutela jurisdicional efectiva, constante no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa (CRP).
Inexiste violação do direito à tutela jurisdicional efectiva, uma vez que a interpretação dos artigos aplicados na decisão recorrida está em conformidade com o sistema fiscal.
Na verdade, esse princípio está consagrado na CRP (artigo 268.º, n.º 4), mas a sua efectivação não é anárquica, está sujeita a regras a estabelecer pelo legislador ordinário, tais como, por exemplo, a do uso do meio processual adequado, do estabelecimento de prazos para esse exercício, ou da necessidade de prévia utilização de meios graciosos.
A respeito do meio processual adequado, estabelece o artigo 2.º, n.º 2 do CPC que "A todo o direito, excepto quando a lei determine o contrário, corresponde a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da acção."
No âmbito do contencioso tributário, o meio processual adequado erigido pelo legislador ordinário para reagir contra a (i)legalidade concreta do acto de liquidação é a impugnação judicial – cfr. artigo 97.º, n.º 1, alínea a) e artigo 99.º, ambos do CPPT, só quando esse meio não assegurar a tutela jurisdicional efectiva dos direitos do contribuinte é legítimo o recurso a outros meios processuais.
Posição contrária, no sentido de que o uso da oposição judicial tutelava eficazmente os direitos da Recorrente, equivaleria à eliminação pura e simples do princípio do uso do meio processual adequado, o que não é de admitir, tanto mais que, na base dessa eliminação, estava o incumprimento de mais um princípio basilar do nosso contencioso administrativo e tributário - a existência de prazos para fazer uso do processo - com o que se pretende alcançar a segurança jurídica.
Ora, na situação em análise, a Recorrente fez uso do meio adequado ao seu dispor no sistema fiscal, no prazo legalmente previsto, através da dedução do processo de impugnação judicial n.º ..71/...3BECBR.
Caso venha a julgar-se procedente essa impugnação e anulados os actos de liquidação subjacentes à dívida exequenda, tal terá necessariamente reflexo na extinção do processo de execução fiscal, nos termos do disposto no artigo 176.º, n.º 1, alíneas b) ou c) do CPPT.
Contudo, o título executivo, enquanto existe, é autónomo e independente da relação material que lhe dá causa. Por isso, a oposição tem por objecto o próprio título executivo que surge como base da execução e não a situação de facto e de direito existente no momento da emissão do acto administrativo subjacente ao título.
Conclui-se, assim, que o direito à tutela judicial efectiva se mostra assegurado através de meios judiciais próprios e adequados. In casu, a lei assegura meio judicial de impugnação contra o acto de liquidação [cfr. a alínea h) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT], que até foi utilizado pela Recorrente.
No caso concreto, ainda faria menos sentido realizar qualquer adequação formal ou dar prevalência à substância sobre a forma (princípio pro atione), na medida em que a análise da (i)legalidade do acto de liquidação parece já se mostrar assegurada através da impugnação judicial proposta.
Não vislumbramos qualquer erro neste julgamento recorrido e, como vimos, as causas de pedir indicadas pela Recorrente tiveram como consequência a improcedência da oposição nessa parte.
O erro na forma do processo, nulidade decorrente do uso de um meio processual inadequado à pretensão de tutela jurídica formulada em juízo, afere-se pelo pedido e não pela causa de pedir, conquanto esta possa ser utilizada como elemento de interpretação daquele, quando a esse respeito existam dúvidas.
Os pedidos, nesta oposição, encontram-se formulados com inteira precisão, sendo a extinção do processo de execução fiscal que se pretendia, e, caso assim não se entendesse, solicitou-se, também, a suspensão da execução fiscal até à decisão final a proferir no âmbito do processo n.º ..71/...3BECBR.
Desde logo, não seria possível convolar esta oposição em impugnação judicial, dado que foram invocados fundamentos de oposição: a inexigibilidade da dívida e a motivação para a suspensão do processo de execução fiscal (processo n.º ..71/...3BECBR).
Lembramos que, deduzido pedido próprio desse mesmo processo, aliado a arguição de fundamentos, uns próprios de oposição e outros de impugnação judicial, está o juiz impedido de ordenar a convolação neste meio processual para conhecimento dos fundamentos próprios desse processo, uma vez que lhe incumbe conhecer do pedido e dos fundamentos próprios do processo de oposição que utilizou – cfr., entre muitos, o Acórdão do STA, de 25/11/2015, proferido no âmbito do processo n.º 0944/15.
Insistimos, porém, que na sentença de primeira instância inexiste uma decisão de erro na forma do processo, que não se mostra questionada neste recurso, por isso, não é possível falar em convolação.
Assim, no presente processo é preciso atentar no pedido que foi formulado, na concreta pretensão de tutela jurisdicional que o contribuinte visa obter, que será “a suspensão/extinção do processo de execução fiscal”; mas as concretas causas de pedir, referentes à “ilegalidade da liquidação”, não são aptas a alcançar tal pretensão. Saber se as causas de pedir aduzidas podem ou não suportar esse pedido é matéria que se situa no âmbito da procedência. Por isso, com o fundamento de que as causas de pedir invocadas não são adequadas ao pedido formulado poderá decidir-se no sentido da improcedência da acção (eventualmente, até do indeferimento liminar da petição inicial), mas não no sentido da verificação do erro na forma do processo.” - cfr. Acórdão do STA, de 28/05/2014, proferido no âmbito do recurso n.º 01086/13.
Aquilo que é decisivo para individualizar a pretensão é o fundamento de facto, real, em que o oponente alicerça a sua pretensão, mas fundamento de facto no sentido de facto jurídico, porque subsumível a uma norma material associada à pretensão do oponente.
Conjugando estas regras com o pedido formulado pela Recorrente, observa-se que, com os fundamentos vertidos nos artigos 23.º a 51.º da petição, deve a presente oposição ser julgada improcedente, uma vez que essas causas de pedir aí descritas são próprias de um processo de impugnação judicial.
Nesta conformidade, se não há erro na forma do processo, não existe fundamento para a convolação, na medida em que a ponderação/efectivação desta pressupõe a existência do erro – cfr. artigo 98.º, n.º 4 do CPPT.
No caso, além da ilegalidade da dívida, ainda foi solicitada a nulidade do título executivo, a que acrescem alegadas irregularidades na citação, pelo que deveria ter sido formulado requerimento dirigido ao órgão de execução fiscal arguindo a nulidade do título executivo, por falta dos requisitos essenciais, ou/e, eventualmente, a nulidade da citação.
Neste contexto, não podemos deixar de admitir que a oponente tenha também solicitado a declaração de nulidade da citação ou a nulidade do processo de execução fiscal, nos termos do artigo 165.º do CPPT – cfr. artigo 6.º da petição inicial: faltam pois os elementos descritos as alíneas e), f) e g) do n.º 2 do artigo 88.º e al. e) do n.º 1 do artigo 163.º do CPPT o que gera nulidade insanável do processo de execução fiscal ao abrigo do artigo 165.º, n.º 1, al. b) do CPPT. Pretensão que, como foi julgado na primeira instância, não é adequada ao meio processual “oposição judicial” utilizado.
Nesta perspectiva e tendo em vista responder a este recurso, se os fundamentos invocados correspondem a pedidos distintos e diferentes formas processuais, torna-se inviável a convolação, já que o juiz está impedido de optar por qualquer uma delas – cfr., entre outros, Acórdãos deste TCAN, de 28/01/2021 ou de 22/02/2024, também relatados pela aqui relatora no âmbito dos processos n.º 01046/19.0BEPRT e n.º 01189/23.6BEBRG, respectivamente.
Pelo exposto, urge concluir pela improcedência de todas as conclusões de recurso, negando provimento ao mesmo, mantendo a sentença na parte recorrida na ordem jurídica.

Conclusões/Sumário

I - O erro na forma do processo, nulidade decorrente do uso de um meio processual inadequado à pretensão de tutela jurídica formulada em juízo, afere-se pelo pedido e não pela causa de pedir, conquanto esta possa ser utilizada como elemento de interpretação daquele, quando a esse respeito existam dúvidas.

II - Deduzido em processo de oposição pedido próprio desse mesmo processo, aliado a arguição de fundamentos, uns próprios de oposição e outros de impugnação judicial, está o juiz impedido de ordenar a convolação para conhecimento dos fundamentos próprios desse processo, uma vez que lhe incumbe conhecer do pedido e dos fundamentos próprios do processo de oposição.

III - Se não há erro na forma do processo, não existe fundamento para a convolação, na medida em que a ponderação/efectivação desta pressupõe a existência do erro – cfr. artigo 98.º, n.º 4 do CPPT.

IV - Se os fundamentos invocados correspondem a pedidos distintos e diferentes formas processuais torna-se inviável a convolação, já que o juiz está impedido de optar por qualquer uma delas.

V - No âmbito do contencioso tributário, o meio processual adequado erigido pelo legislador ordinário para reagir contra a (i)legalidade concreta do acto de liquidação é a impugnação judicial – cfr. artigo 97.º, n.º 1, alínea a) e artigo 99.º, ambos do CPPT, só quando esse meio não assegurar a tutela jurisdicional efectiva dos direitos do contribuinte é legítimo o recurso a outros meios processuais.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.

Custas a cargo da Recorrente, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário de que beneficia, na modalidade de dispensa de pagamento da taxa de justiça e demais encargos do processo.

Porto, 30 de Janeiro de 2025

Ana Patrocínio
Vítor Salazar Unas
Maria do Rosário Pais