Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01224/22.5BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/10/2025
Tribunal:TAF do Porto
Relator:MARIA FERNANDA ANTUNES APARÍCIO DUARTE BRANDÃO
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA CONTRA O INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P.;
PRESTAÇÕES LIQUIDADAS A TÍTULO DE SUBSÍDIO DE DESEMPREGO E SUBSÍDIO SOCIAL DE DESEMPREGO;
NÃO SE DESCORTINANDO QUAISQUER VALORES INDEVIDAMENTE RECEBIDOS PELA AUTORA, A TÍTULO DE SUBSÍDIO SOCIAL DE DESEMPREGO SUBSEQUENTE
- NOTA DE REPOSIÇÃO VISADA - NÃO HÁ LUGAR A QUALQUER OBRIGAÇÃO DE REPOSIÇÃO;
NÃO PROVIMENTO DO RECURSO DA ENTIDADE DEMANDADA;
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
«AA» propôs acção administrativa contra o Instituto da Segurança Social, I.P., ambos melhor identificados nos autos, tendo em vista a impugnação dos actos que determinaram a reposição das prestações liquidadas a título de subsídio de desemprego e subsídio social de desemprego.
Por sentença proferida pelo TAF do Porto foi julgada procedente a acção e anulados os actos administrativos corporizados nas notas de reposição n.° 11526100, no valor de € 3.215,09, n.º 11541893, no valor de € 2.964,51, e n.º 11607384, no valor de € 2.476,14.
Desta vem interposto recurso.
Alegando, o Réu formulou as seguintes conclusões:

1 - A sentença recorrida, ao desconsiderar toda a informação probatória de um documento autêntico, emitido por uma entidade de certificação pública, nos limites da sua competência, viola frontalmente o art. 363º do Código Civil. De facto, estando em causa a prática de um acto de anulação revogatória de um acto constitutivo de direitos com fundamento na sua invalidade, importaria ser apurada a data desse primitivo acto inválido, ou, pelo menos da data em que ocorreu o primeiro pagamento, e , depois, da data em se que se terá operado a revogação anulatória para se aferir da tempestividade. Ora, perante documento autêntico a certificar as datas dos pagamentos, e perante o facto assente da data da emissão da nota de reposição, o tribunal recorrido opta por ignorar e decidir precisamente em sentido oposto

2 - Mesmo sem o dito documento autêntico, todo o processo dos autos deixa transparecer a evidência que a revogação anulatória foi tempestiva. Na verdade, não era possível o pagamento dos 660 dias sem primeiro terem sido pagos os 480 dias referentes ao subsídio social desemprego subsequente, que terá acabado em Junho de 2021, como é bom de fazer as contas. Portanto, o acto inválido nunca poderia ter sido praticado antes de ter acabado a concessão devida, até porque não houve a prática de nenhum acto formal, apenas o acto material do pagamento. E sendo a data da nota de reposição objectiva e provada, resulta da matemática que a anulação revogatória foi tempestiva.

3 - Finalmente, e sem prescindir, ainda que nada se tivesse provado, a sentença sempre teria decidido contra as regras do ónus da prova, já que se a caducidade não foi provada, sendo esta um facto modificativo do direito de anulação do R., teria de ser provado pelo A., o que não aconteceu.
Na verdade, nos termos do art.º 342º do Código Civil,
Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.
2. A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita.

Termos em que deverá a sentença recorrida ser revogada, pela fundamentação não estar de acordo com a documentação que resulta dos autos, absolvendo-se a entidade recorrente do pedido;
Ou, se assim não se entender, deverá a o tribunal apenas anular o acto com base nos vícios formais verificados, e condenar o R. à repetição deste, mas permitindo a renovação do acto, e nova regulação da situação jurídica, revogando assim a sentença recorrida na parte que entende estar caducado o direito da R. em proceder à anulação revogatória

Não foram juntas contra-alegações.

A Senhora Procuradora Geral Adjunta notificada, nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO

Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:

1) Entre 01.03.2017 e 30.12.2017, a Autora foi trabalhadora por conta de outrem – cfr. PA, junto aos autos a fls. 74 a 85 do SITAF;

2) Por ofício datado de 25.10.2018, subscrito pelo Director de Segurança Social, foi levado ao conhecimento da Autora que lhe foi “atribuído Subsídio de Desemprego no montante diário de € 17,86 (dezassete euros e oitenta e seis cêntimos) e será concedido por um período de 480 dias, com início em 21/09/2018, a que corresponde a data de apresentação do requerimento da prestação” – cfr. PA, junto aos autos a fls. 74 a 85 do SITAF;

3) Em 14.01.2019, a Autora iniciou uma actividade remunerada por conta de outrem – admitido por acordo;

4) Por ofício datado de 18.01.2019, subscrito pelo Director de Segurança Social, foi levado ao conhecimento da Autora que a prestação de desemprego será suspensa por se encontrar a exercer actividade profissional – cfr. PA, junto aos autos a fls. 74 a 85 do SITAF;

5) Por ofício datado de 03.09.2019, subscrito pelo Director de Segurança Social, foi levado ao conhecimento da Autora “que lhe foi atribuído o reinício do pagamento das prestações de desemprego, relativamente ao remanescente da prestação que se encontrava suspensa, no montante diário de € 17,86 (dezassete euros e oitenta e seis cêntimos), que será concedido pelo período de 366 dias” – cfr. PA, junto aos autos a fls. 74 a 85 do SITAF;

6) Em 08.09.2020, cessou o período remanescente da prestação de subsídio de desemprego – admitido por acordo;

7) Por ofício datado de 11.09.2020, subscrito pelo Director de Segurança Social, foi levado ao conhecimento da Autora “que lhe foi atribuído o Subsídio Social de Desemprego Subsequente no montante diário de € 14,62 que será concedido pelo período de 480 dias”, com início a 09.09.2020 – cfr. PA, junto aos autos a fls. 74 a 85 do SITAF;

8) Entre 21.09.2018 e 11.03.2023, a Autora auferiu as seguintes prestações sociais:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
- admitido por acordo;

9) Entre 21.09.2018 e 11.03.2023, a Segurança Social efectou pagamentos, por transferência bancária, à Autora no montante global de € 18.957,85 – cfr. documentos juntos aos autos a fls. 124 e 125 do SITAF;

Das notas de reposição

10) Por ofício datado de 10.12.2021, subscrito pelo Director de Segurança Social e correspondente à Nota de Reposição n.° 11526100, foi levado ao conhecimento da Autora o seguinte:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
- cfr. documento junto com a petição inicial, a fls. 9 a 23 do SITAF;

11) Por ofício datado de 11.01.2022, subscrito pelo Director de Segurança Social e correspondente à Nota de Reposição n.° 11541893, foi levado ao conhecimento da Autora o seguinte:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
- cfr. documento junto com a petição inicial, a fls. 9 a 23 do SITAF;

12) Por ofício datado de 15.02.2022, subscrito pelo Director de Segurança Social e correspondente à Nota de Reposição n.º 11607384, foi levado ao conhecimento da Autora o seguinte:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
- cfr. documento junto com a petição inicial, a fls. 9 a 23 do SITAF.
DE DIREITO
Conforme jurisprudência firmada, o objeto de recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo o Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.
Sem embargo, por força do artigo 149.º do CPTA, o Tribunal, no âmbito do recurso de apelação, não se quedará por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decidirá “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
Assim,
É objecto de recurso (apenas) a decisão de anulação da nota de reposição n.º 11607384, no valor de € 2.476,14.
Vejamos,
Consta dos factos provados que a A. recebeu do R., entre 21.09.2018 e 11.03.2023, pagamentos, por transferência bancária, no montante global de € 18.957,85, estando neles incluídas prestações de subsídio de desemprego com concessão de 660 dias, quando apenas a A. teria direito a 480 dias.
Na sentença recorrida o Tribunal admite que parte do pagamento da SS à A. terá sido indevido, por terem sido contabilizados 660 dias; no entanto, pôs em causa a tempestividade da decisão de anulação revogatória, e anulou a mesma, considerando todos os pagamentos efectuados, mesmo quando indevidos e anuláveis, convalidados.
É, pois, contra essa decisão que o R. se insurge, invocando que o processo administrativo junto aos autos é claro e não permite outra conclusão que não a da tempestividade do acto que anulou a prestação na parte indevida, e criou o correspondente dever de reposição dessa nota.
Não secundamos este entendimento.
Como referido pelo Tribunal a quo, a nota de reposição em crise diz respeito à restituição de valores a título de subsídio social de desemprego e respectiva majoração, dos meses de agosto a dezembro de 2021 e janeiro de 2022 (cfr. ponto 12) dos factos provados).
Sucede, porém, que ficou provado nos autos que, por ofício datado de 11.09.2020, subscrito pelo Director de Segurança Social, a Autora foi notificada da atribuição de Subsídio Social de Desemprego Subsequente, pelo período de 480 dias (cfr. ponto 7) dos factos provados).
Mais se provou que a Autora auferiu aquela prestação social, pelo período de 480 dias: 259 dias, entre 09.09.2020 a 27.05.2021, no montante diário de € 14,63; 213 dias, entre 28.05.2021 a 31.12.2021, no montante diário de € 11,70; e 8 dias, entre 01.01.2022 e 08.01.2022, no montante diário de € 11,82 (a que acrescem 147 dias de majoração, entre 01.01.2021 a 31.12.2021, no montante diário de € 2,22) - cfr. ponto 8) dos factos provados.
Temos assim, que à luz do exposto, e de acordo com a factualidade provada, a Autora auferiu, pelo período de 480 dias, prestações, pagas pela Entidade Demandada, a título de Subsídio Social de Desemprego Subsequente, nos termos em que o mesmo lhe havia sido concedido (sem prejuízo das vicissitudes relativas à alteração dos montantes diários).
Isto é, de acordo com a factualidade provada, não ocorreram pagamentos indevidos, pela Entidade Demandada à Autora, a título de Subsídio Social de Desemprego Subsequente.
Como consignado, nos presentes autos, nomeadamente na contestação, a Entidade Demandada refere-se sempre a pagamentos indevidos a título de subsídio de desemprego inicial e prorrogação Covid.
Por conseguinte, é forçoso concluir que, não se descortinando quaisquer valores indevidamente recebidos pela Autora, a título de Subsídio Social de Desemprego, não há lugar a qualquer obrigação de reposição (cfr. artigo 17.° do Decreto-Lei n.° 133/88, de 20 de Abril, a contrario sensu).
Tal equivale a dizer que o Tribunal concluiu, e bem, que o acto administrativo veiculado na Nota de Reposição n.° 11607384, pelo qual é exigida à Autora a restituição de € 2.476,14 a título de prestações de Subsídio Social de Desemprego Subsequente padece de vício de violação de lei e, nessa medida, é anulável (cfr. artigo 163.°, n.° 1, do CPA).
Sustenta a Recorrente que os documentos autênticos, emitidos pelas autoridades públicas dentro dos limites das suas competências, fazem prova plena dos factos neles constantes; dito de outro jeito, os documentos emitidos pelas autoridades públicas nos limites da sua competência ou dentro do círculo de actividade que lhe é atribuído fazem prova plena.
Com efeito, os documentos autênticos são os documentos lavrados ou exarados pelas autoridades públicas, desde que reúnam as condições estabelecidas no n.º 2 do artigo 363.º do Código Civil.
Porém, a certidão junta aos autos pela Segurança Social não pode, no caso em que esta é parte, ter o valor de documento autêntico.
Por outro lado, decorre da matéria de facto tida por assente - ponto 8, coluna 3 - que a concessão inicial do subsídio de 480 dias, suspensa e reiniciada, se esgotou em setembro de 2019 e não em junho de 2021.
Ora, o probatório não vem posto em causa.
Acresce, que estando em causa uma atuação agressiva da Administração (positiva e desfavorável) era à Segurança Social que cabia, no caso, a prova da verificação dos pressupostos legais da sua atuação, o que não sucedeu.
Em suma,
Não se descortinando quaisquer valores indevidamente recebidos pela Autora, a título de Subsídio Social de Desemprego Subsequente - nota de reposição visada - Nota de Reposição n.º 11607384, no montante de € 2.476,14 - não há lugar a qualquer obrigação de reposição.
Improcedem as Conclusões das alegações.

DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.
Notifique e DN.

Porto, 10/01/2025

Fernanda Brandão
Isabel Jovita
Paulo Ferreira de Magalhães