Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
| Processo: | 00140/11.0BEAVR |
| Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
| Data do Acordão: | 03/13/2025 |
| Tribunal: | TAF de Aveiro |
| Relator: | IRENE ISABEL GOMES DAS NEVES |
| Descritores: | NULIDADE POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA; DISPENSA DE RETENÇÃO NA FONTE; CDT PORTUGAL E BRASIL; PROVA; |
| Sumário: | I. Nos termos do preceituado no artigo 615.º, nº 1, alínea d), do CPC, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. II. Tendo em vista a dispensa de retenção na fonte de comissão paga a sujeito não residente em território português, no circunstancialismo concreto em causa nos presentes autos, sendo suficiente a declaração do Ministério da Fazenda, Receita Federal no sentido de que o comissionista se enquadra no conceito de residente, no ano de 2003, para efeitos do artigo 4.º da CDT Portugal/República Federativa do Brasil, tendo em consideração que a declaração não foi colocada em causa pela AT para o anos de 2002, bem como o documento junto que demonstra ter aquele apresentado junto daquela entidade a declaração anual respeitante ao exercício de 2003 enquanto sujeito passivo de imposto sobre o rendimento no Brasil, com menção de rendimentos provenientes do exterior, cumpria atentar a estes enquanto elementos idóneos da prova exigida III. Havendo dúvidas sobre os elementos declarados para efeitos da aplicação da CDT, a AT sempre as poderia ter dissipado através de mecanismo próprio, o de troca de informações previsto no art. 26.º da CDT, não sendo razoável exigências de prova excessivas e desproporcionais quando não existem razões concretas justificativas dessa mesma exigência.* * Sumário elaborado pela relatora (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
| Votação: | Unanimidade |
| Decisão: | Conceder provimento ao recurso. |
| Aditamento: |
| Parecer Ministério Publico: |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO 1.1. A [SCom01...], S.A., (Recorrente), notificada da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, datada de 28.04.2013, que julgou improcedente a impugnação, por si intentada contra o despacho de 22.10.2010, que lhe indeferiu o recurso hierárquico que interpôs da liquidação de retenção na fonte de IR n.º .................097, relativa à liquidação de IRS n.º ...............003 e à liquidação de juros compensatórios n.º .........................130, referente ao ano de 2003, no valor global de € 4 930,28, inconformada veio dela recorrer. Alegou, formulando as seguintes conclusões: «(…) 1.ª - A situação de facto individual e concreta a que respeita o acto impugnado tinha e tem por objecto um sujeito passivo residente fiscal no Brasil 2.ª - Os documentos apresentados como prova fazem boa fé e provam sem qualquer margem para dúvida a situação tributária daquele comissionista, 3.ª - No âmbito do direito fiscal, a aplicação da Convenção e dos seus variados artigos é do âmbito da Administração Fiscal de cada um dos países e da coordenação entre ambas para a descoberta da verdade. 4.ª - O Recibo de Entrega da Declaração de Ajuste Anual Completa faz prova da residência fiscal do comissionista «AA», no Brasil, 5.ª - O Certificado de residência fiscal apresentado tem como prazo de validade um ano, contado da data de certificação, ou seja, até 29 de Outubro de 2004, 6.ª - O procedimento dos serviços tributários perante tal situação de facto individual e concreta, oferece os seguintes caracteres, de facto e de direito: a) Não fizeram qualquer observação e qualificação de todos os documentos insertos e apresentados; b) Não fizeram qualquer operação de enquadramento dessa realidade em âmbito de direito fiscal; 6.ª - Sofre, pois, o procedimento dos Serviços Tributários, de vício e ilegalidade, ocorrendo, em suma, a inexistência de acto tributário. 7.ª - A douta Sentença recorrida sofre, por si, dos vícios seguintes: a) Omissão de conhecimento das realidades constantes das conclusões 1ª e 5ª como objecto da situação individual e concreta que poderiam, ou não, constituir o objecto do acto tributário. b) Erro de facto quanto à não consideração dos documentos apresentados como prova bastante do facto tributário impugnado c) Erros de direito quanto à não consideração dos documentos apresentados. V - O PEDIDO Pede-se, pois, como objecto do presente recurso: a) Que a douta Sentença recorrida seja revogada quando julgou improcedente a impugnação do acto tributário; ou que seja anulada, na base da omissão de conhecimento de matérias essenciais ao objecto da lide; b) Que o acto tributário seja declarado nulo por errónea consideração dos seus elementos e requisitos essenciais; ou que seja anulado por violação da Lei quanto à qualificação jurídica da situação individual e concreta em causa. Em tudo, e essencialmente, se pede e se espera, JUSTIÇA» 1.2. A Recorrida Autoridade Tributária e Aduaneira, notificada da apresentação do presente recurso, não apresentou contra-alegações. 1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer a fls. 198 do SITAF, pugnando pela improcedência do recurso. 1.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cf. artigo 707º do Código de Processo Civil de 1961 (ACPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso. Questões a decidir: cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, cumpre aferir (i) se a sentença enferma de nulidade por omissão de pronúncia e (ii) se incorreu em erro de julgamento de facto e de direito. 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1 De facto 2.1.1 Matéria de facto dada como provada na 1ª instância e respectiva fundamentação: «A) A matrícula da sociedade [SCom02...], S.A. foi cancelada em 30.12.2005, em virtude da sua fusão por incorporação na Impugnante (cfr. fls. 21 a 26 dos autos); B) Em 26.01.2006, foi apresentada à Administração Tributária a declaração de cessação de actividade da sociedade [SCom02...], S.A. (cfr. fls. 19 e 20 dos autos); C) Por ofício datado de 17.05.2006, da Direcção de Serviços das Relações Internacionais, a sociedade [SCom02...], S.A. foi notificada para o exercício do direito de audição “(…) sobre o projecto de decisão e sua fundamentação, de que se junta cópia, relativo à correcção das retenções na fonte de imposto não efectuadas nem entregues sobre os pagamentos de rendimentos a não residentes a que V. Excia procedeu durante o ano de 2003, conforme declaração modelo 30 submetida por via electrónica em 30/11/04.” (cfr. fls. 27 a 28 dos autos); D) À notificação referida em C) foi junta a proposta de correcção n.º 426/06, de 19.04.2006, onde, além do mais, consta o seguinte: “(…) Embora notificado em 24/02/06 para apresentar a prova a que se refere o n.º 3 do art. 90º do CIRC, de que o beneficiário dos rendimentos reunia as condições necessárias para que pudesse aproveitar de isenção total de imposto, referente à declaração modelo 30 submetida por via electrónica em 30/11/04, o substituto tributário apresentou documento não válido, ou seja, apresentou documento que certifica a residência e sujeição a imposto no outro Estado Contratante nos termos do n.º 1 do art. 4.º da respectiva CDT, designadamente certificado de residência fiscal, devidamente preenchido e autenticado pela respectiva autoridade fiscal, mas válido apenas para o ano de 2002, pelo que não cumpriu com o disposto no n.º 3 do art. 90.º do CIRC, não tendo procedido à retenção na fonte do imposto devido, sem que o sujeito passivo tivesse efectuado prova de que era beneficiário das normas convencionais. (…)” (cfr. fls. 27 a 28 dos autos); E) A sociedade [SCom02...], S.A. exerceu o direito de audição, com data de 07.06.2006, relativo à notificação referida em C) (cfr. fls. 29 e 29/verso dos autos); F) Por ofício datado de 08.03.2007, da Divisão de Tributação e Cobrança, da Direcção de Finanças ..., a sociedade [SCom02...], S.A. foi notificada dos actos resultantes de acção inspectiva (cfr. fls. 30 a 31 dos autos); G) Na sequência da acção inspectiva efectuada à sociedade [SCom02...], S.A. foi a mesma notificada da demonstração de liquidação de retenções na fonte de IR n.º ...............097, relativa à liquidação de IRS n.º ...003 e à liquidação de juros compensatórios n.º ...............130, referente ao ano de 2003, no valor global a pagar de € 4.930,28, com data limite de pagamento de 18.07.2007 (cfr. fls. 32 dos autos); H) Em 12.11.2007, a Impugnante apresentou reclamação graciosa da liquidação referida em G) (cfr. fls. 3 a 34 do processo administrativo apenso aos autos doravante designado por PA); I) Por ofício datado de 17.01.2008, do Serviço de Finanças ... - 4, a Impugnante foi notificada para o exercício do direito de audição sobre o projecto de indeferimento da reclamação referida em H) (cfr. fls. 40 do PA); J) Em 31.01.2008, a Impugnante exerceu o direito de audição, relativo à notificação referida em I) (cfr. fls. 41, 41/verso e 43 a 46 do PA); K) Por ofício datado de 04.06.2009, do Serviço de Finanças ... - 4, a Impugnante foi notificada do indeferimento da reclamação referida em H) (cfr. fls. 59 do PA); L) Em 24-07-2009, a Impugnante interpôs recurso hierárquico da liquidação referida em G) (cfr. fls. 66 a 73 do PA); M) Por carta registada em 29.10.2010, a Mandatária da Impugnante foi notificada da improcedência do recurso hierárquico referido em L) (cfr. fls. 90 e 91 do PA). Não se provaram quaisquer outros factos que mostrassem interesse para a questão em discussão nos presentes autos. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO O Tribunal alicerçou a sua convicção na análise do teor dos documentos juntos aos autos e na análise do processo administrativo apenso aos mesmos, conforme referido a propósito em cada uma das alíneas do probatório.» 2.1.2. Aditamento oficioso Em função do recurso apresentado, atentos os documentos constantes dos autos, os quais não foram impugnados, aliás nos presentes autos não ocorreu apresentação de contestação pela Recorrida (AT), mas tão só junção do processo administrativo nos termos do artigo 111º do CPPT, por se considerar pertinente, ao abrigo do preceituado no artigo 712.º, nº 1, do CPC de 1961, ex vi artigo 281.º do CPPT, decide-se aditar a seguinte matéria de facto: O) Em 29.10.2003, foi emitido documento pelo Ministério da Fazenda, Secretaria da Receita Federal, intitulado “Atestado da Autoridade Fiscal Brasileira”, do qual se extrata, designadamente, o seguinte: «(...). Para fins de redução ou isenção do imposto sobre a renda (...) Profissões independentes; artigo 14º (...) da convenção entre país: Portugal/Brasil (...) 5. Pagador do rendimento [SCom02...] S.A., número de identificação cadastral ...59 (...) 7. Rendimento US$16.654,85, período de referência 2002 (...).» (cf. doc. 8 a fls. 31 e 32 do processo administrativo apenso) P) Cópia do “recibo de entrega da declaração de ajuste anual completa”, apresentado pelo comissionista – «AA» junto Ministério da Fazenda, Secretaria da Receita Federal, por via electrónica, correspondente ao Imposto de renda – pessoa física, exercício de 2004, ano – calendário 2003, no qual consta além do mais, o seguinte: «(...) Declaração recebida via internet pelo Agente Receptor SERPRO em 20/04/2004 às 11:03:01 1539698851 (...) Número do recibo: 11.10.07.59.67-07 (...) Resumo (valores em reais) (...) Recebidos do exterior 48.299,00» (cf. doc. de fls. 33 e 34 do processo administrativo apenso) Q) Em sede de Recurso Hierárquico, foi pela [SCom01...], S.A., junto Doc. n.º 1, fls. 72 e 73 do processo administrativo apenso, intitulado “Declaração de ajuste anual completa respeitante ao exercício de 2004”, emitida pelo Ministério da Fazenda, Secretaria da Receita Federal, do qual se extrata, designadamente, o seguinte: «Identificação do contribuinte (...) «AA» (...) Resumo rendimentos tributáveis (...) recebidos do exterior 48.299,00 (...) Imposto pago no exterior 0,00(...) saldo de imposto a pagar 16.089,18 (...)» ((cf. doc. de fls. 72 a 73 do processo administrativo apenso) R) Em complemento do item L) e M) extrata-se do parecer de indeferimento do recurso hierárquico seguinte: «(...) 16. Da análise aos documentos apresentados pelo recorrente verifica-se que, em nenhum deles é certificada a residência fiscal do sujeito passivo, «AA». 17. De facto, constata-se quanto ao primeiro, que o mesmo se consubstancia numa mera solicitação de cópia de documentos relativos ao exercício de 2004 quando o ano em questão em 2003, 18. E que o segundo – declaração de ajuste anual completa – se reporta igualmente ao exercício de 2004, não sendo certificada a residência fiscal, ali indicada, para o ano em questão (2003), (...) 23. A alegada residência fora de território português, no ano de 2003, tem de ser provada materialmente, de forma a produzir efeitos e para que seja possível a dispensa de retenção na fonte à luz da CDT – Brasil, o que não aconteceu. 27. O recorrente alega ainda o estabelecido nos artigos 25° (Procedimento amigável) e 26° (Troca de informações) da CDT Brasil - artigo 36° do recurso. 28. Quanto ao disposto no artigo 25°, procedimento amigável, o mesmo serve a resolução de dificuldades suscitadas pela aplicação lato sensu da convenção. 29. De facto, nos termos daquela norma, “Quando um residente de um Estado Contratante considerar que as medidas tomadas por um Estado Contratante ou por ambos os Estados Contratantes conduzem ou poderão conduzir, em relação a si, a uma tributação não conforme com a presente Convenção, poderá, independentemente dos recursos estabelecidos pela legislação nacional desses Estados, submeter o seu caso à apreciação da autoridade competente do Estado Contratante de que é residente.” 30. Tal não acontece no presente caso, uma vez que a questão a resolver - definição de residência fiscal - depende da apresentação de prova para o efeito e não da resolução de um diferendo ao nível da interpretação e/ou aplicação da convenção por parte de ambos os estados. 31. Por outro lado, ao suscitar o procedimento amigável junto da administração fiscal portuguesa a recorrente parece estar a reconhecer que a residência fiscal se situa em território português, uma vez que este mecanismo é apresentado à apreciação da autoridade competente do Estado da residência. 32. Relativamente ao disposto no artigo 26° da Convenção: “As autoridades competentes dos Estados Contratantes trocarão entre si as informações necessárias para aplicar esta Convenção ou as leis internas dos Estados Contratantes relativas aos impostos abrangidos por esta Convenção, na medida em que a tributação nelas prevista não seja contrária a esta Convenção...” 33. Ora, a questão controvertida não se prende, como já foi dito, com quaisquer dificuldades de interpretação ou de aplicação da CDT ou das leis internas, mas antes com a comprovação de um facto. 34. E, de acordo com o artigo 74° da LGT o ónus da prova recai sobre quem invoca os factos, pelo que as referidas disposições, os artigos 25° e 26° da CDT - Brasil, não são susceptíveis de ser aplicadas ao presente caso. 35. Face ao exposto, sou de parecer que seja indeferido o presente recurso hierárquico.» (cf. fls. 84 a 89 do processo administrativo apenso) 2.2. De direito In casu, a Recorrente, [SCom01...] S.A., na qualidade de sociedade incorporante da sociedade [SCom02...], S.A., não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Aveiro que julgou improcedente a presente impugnação que intentou contra o indeferimento do recurso hierárquico que interpôs da liquidação de retenção na fonte de IR n.º .................097, relativa á liquidação de IRS n.º ...............003 e á liquidação de juros compensatórios n.º .........................130, referente ao ano de 2003, no valor global de € 4 930,28. Em termos de delimitação da lide recursiva, importa salientar que a Recorrente interpôs recurso jurisdicional da sentença visada nos presentes autos, cingindo-o, porém, à questão do erro sobre os pressupostos de facto e de direito atinente à prova da residência fiscal do comissionista no Brasil, mormente quando avoca a nulidade por omissão de pronúncia sobre a mesma, conformando-se, assim, com a improcedência dos demais por alegado, a saber, da preterição de formalidade legal – direito de audição – prévia a decisão de indeferimento do recurso hierárquico e da ilegalidade decorrente da liquidação ter sido efectuada a uma sociedade incorporada, dissolvida e extinta, constitui um acto inexistente, razão pela qual as mesmas se encontram consolidadas na ordem jurídica, não cumprindo tecer quaisquer considerandos atinentes ao efeito. Mais importa relevar, em ordem ao consignado no artigo 685º-A, do CPC de 1961 (atento o facto do recurso ter sido apresentado em data anterior a 01.09.2013) e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, que as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso. Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir se a decisão recorrida enferma de nulidade por omissão de pronúncia, e se padece de erro de julgamento da facto e subsequente erro de julgamento de direito, que passa pela prova e formalismo inerente à situação de residência fiscal do comissionista da sociedade incorporada na Recorrente, no exercício de 2006. 2.2.1. Da nulidade por omissão de pronúncia Nos termos do preceituado no artigo 668.º, nº 1, alínea d), do CPC de 1961, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. Decorre de tal norma que o vício que afecta a decisão advém de uma omissão (1º. segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2º. segmento da norma). No mesmo sentido, dispõe o artigo 125º, nº 1, do CPPT, nos termos do qual constituem causas de nulidade da sentença, entre outras, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer. Na verdade, é sabido que essa causa de nulidade se traduz no incumprimento, por parte do julgador, do poder/dever prescrito no artigo 660º, nº.2, do CPC de 1961, o qual consiste, por um lado, no dever de o juiz resolver todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cujas decisões estejam prejudicadas pela solução dada a outras, e, por outro, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente). Como se sabe, a nulidade por omissão de pronúncia só se verifica perante uma violação dos deveres de pronúncia do Tribunal sobre questões que este deva apreciar. Tal significa, no que concerne aos deveres de cognição do Tribunal, que ao juiz se impõe a obrigação de conhecer todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas, naturalmente, aquelas cujas decisões estejam prejudicadas pela solução dada a outras. Assume, assim, especial importância o conceito de questões, o qual, nas palavras de Jorge Lopes de Sousa (in CPPT, anotado e comentado, 6º edição, II Volume, Áreas Editora, págs. 363 e 364) “abrange tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir e à controvérsia que as partes sobre elas suscitem”. O conhecimento de todas as questões não equivale à exigência imposta ao Tribunal de conhecer de todos os argumentos e razões invocadas pela parte, pois que, como ensinava Alberto dos Reis, “são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer questões de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal qualquer questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” (in CPC, anotado, I Vol. págs. 284, 285 e V Vol. pág. 139). Como é reiteradamente aceite, só a falta de apreciação das questões integra a nulidade prevista nos apontados normativos, mas já não a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões (cfr. Prof. Alberto dos Reis, Código Processo Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.53 a 56 e 142 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.690; Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, 2ª. edição, Almedina, 2009, pág.37). Em suma, sob pena de nulidade de omissão de pronúncia, recai sobre o juiz o dever de conhecer de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Se o Tribunal entende que o conhecimento de uma questão está prejudicado e o declara expressamente, poderá haver erro de julgamento, se for errado o entendimento em que se baseia esse não conhecimento, mas não nulidade por omissão de pronúncia. Volvemos ao caso concreto. A Recorrente, desfecha o seu pedido recursivo, peticionando subsidiariamente anulação da sentença, com base na omissão de conhecimento de matérias essenciais ao objecto da lide (vide, ponto a), in fine das alegações e conclusões de recurso). E, nas suas conclusões, concretizando se bem as interpretamos, concebe que o Tribunal a quo não se pronunciou sobre a “situação de facto individual e concreta a que respeita o acto impugnado tinha e tem por objecto um sujeito passivo residente fiscal no Brasil” e acerca do “Certificado de residência fiscal apresentado tem como prazo de validade um ano, contado da data de certificação, ou seja, até 29 de Outubro de 2004”. No seu despacho de sustentação (fls. 188 a 190 do processo Sitaf) a Exma. Juíza a quo arrima que «Na verdade e no que tange à omissão de pronúncia, o Tribunal apreciou todas as questões suscitadas, apesar da ora Recorrente discordar da fundamentação tida, o que não consubstancia nulidade da sentença. / Com efeito, o Tribunal especificou quais os fundamentos de facto e de direito em que se estribou para proferir a decisão sob recurso, tendo apreciado todos os vícios invocados. / No que concretamente se refere à “Omissão de conhecimento das realidades constantes das conclusões 1ª e 5ª”, pronunciou-se o Tribunal sobre tais realidades, de fls. 8 a 10 da sentença recorrida, pelo que não ocorrerá a invocada nulidade». Vejamos. Como dissemos já, só a omissão de pronúncia sobre uma questão é sancionada com a nulidade, pois a argumentação jurídica utilizada para a decidir, quer seja da iniciativa das partes, quer seja do tribunal, apenas pode gerar erro de julgamento de direito. Ora, da leitura da sentença sob recurso resulta que o Tribunal a quo, contrariamente ao que vem aludido, não incorreu nas omissões que lhe vem assacadas e consequentemente não enferma de nulidade. Na realidade, como a própria Impugnante alude na sua petição e repisa nesta sede recursória, a dita questão da prova de residência fiscal no Brasil do Comissionista da sociedade, entretanto incorporada na Impugnante, aqui recorrida, foi devidamente elencada e objecto de julgamento. Com efeito, lê-se na sentença sub judice, além do mais, o seguinte: «Sustenta também a Impugnante que a liquidação impugnada se reporta a retenção na fonte de IRS sobre comissões pagas pela sociedade [SCom02...], S.A. a um sujeito passivo residente fiscal no Brasil – «AA», pelo que encontrando-se em vigor a Convenção celebrada entre Portugal e o Brasil para evitar a dupla tributação, estava a sociedade dispensada de proceder a tal retenção. Vejamos. (...) no presente caso, inexiste qualquer comprovação que o beneficiário dos rendimentos aqui em causa – «AA» – seja um sujeito passivo residente fiscal no Brasil, no ano em questão, ou seja, 2003. De facto, apenas foi apresentado um certificado de residência fiscal relativo ao sujeito «AA», devidamente preenchido e autenticado pela autoridade fiscal Brasileira, mas válido apenas para o ano de 2002 e um recibo de entrega da declaração de ajuste anual completa “Exercício 2004, Ano-Calendário 2003”, com o timbre do Ministério da Fazenda, relativo ao sujeito «AA», mas sem qualquer certificação por parte da autoridade fiscal Brasileira. Desta forma, a liquidação impugnada não enferma de invalidade alguma, porque a sociedade incorporada na Impugnante para se dispensar da retenção de IRS sobre as comissões pagas a um cidadão brasileiro não residente em Portugal, carecia de se ter munido de um certificado emitido pela autoridade fiscal Brasileira que atestasse que o beneficiário dos rendimentos tinha, no ano em causa, a qualidade de sujeito passivo residente no Brasil, o que não fez.». Como se vê, para o Tribunal a quo, a liquidação de IR efectuada pela AT, é legal, além do mais, por via da falta de prova da residência fiscal no Brasil do comissionista «AA», respeitante ao exercício de 2003, conclusão a que chega ao apreciar em concreto os documentos juntos pela Recorrente no âmbito do procedimento prévio à liquidação e, no âmbito, da Reclamação graciosa, como discorre da fundamentação supratranscrita. Apresenta-se, pois, como manifesto que o Tribunal a quo emitiu pronúncia sobre a questão jurídica identificada. Assim, tudo visto, o que se afigura incontornável é que a pretensão que vem dirigida pela Recorrente a este Tribunal Central se reconduz a uma (re)apreciação do julgamento operado em 1ª instância assente em erro de julgamento de facto e/ou de direito. Improcede, assim, por todo o exposto, a questão que vimos analisando sobre a omissão de pronúncia. 2.2.2. Erro de julgamento de facto Mais entende, a Recorrente que a decisão proferida sobre a matéria de facto padece de erro que reconduz a omissão de factos sobre os documentos juntos, mormente, o “Recibo de Entrega da Declaração de Ajuste Anual Completa” e o “Certificado de residência fiscal”. Ora, o regime vigente atinente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto impõe ao Recorrente o ónus de especificar, sob pena de rejeição. Estamos no âmbito do então artigo 685º-B, do CPC de 1961, atenta a data de apresentação do presente recurso anterior a 01.09.2013, como disso já demos nota, sob a epígrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, o seguinte: “1 - Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; (…)” Deste normativo legal decorre que a impugnação da decisão relativa à matéria de facto obriga ao cumprimento de ónus a cargo do recorrente. Como explicita António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 3ª Edição Revista e Actualizada, 2010, págs. 153 e 154, em anotação ao transcrito art. 685º-B: “Procurando sintetizar o sistema que agora passou a vigorar sempre que o recurso envolva a impugnação da decisão sobre a matéria de facto: a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados deve enunciá-los na motivação do recurso e sintetizá-los nas conclusões; b) Quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve especificar aqueles que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;”. E como esclarece, o mesmo autor, ob. cit.: - nas págs. 159 e 160, “(…) as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor (…). Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo. Exigências que afinal devem ser o contraponto dos esforços de todos quantos, durante décadas, reclamaram pela atenuação do princípio da oralidade pura e pela atribuição à Relação de efectivos poderes de sindicância da decisão sobre a matéria de facto como instrumento de realização da justiça.”; - e na pág. 149, “(…) foram recusadas soluções que pudessem reconduzir-nos a uma repetição do julgamento, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por abrir apenas a possibilidade de revisão de concretos pontos de facto controvertidos relativamente aos quais sejam manifestadas e concretizadas divergências do recorrente”. Em suma, aquele tempo, como agora, ao abrigo do artigo 640º do CPC, não basta ao Recorrente manifestar de forma não concretizada a sua discordância com a decisão da matéria de facto efetuada pelo Tribunal a quo, impondo-se-lhe os ónus já mencionados. Transpondo estes conceitos para o caso dos autos, verifica-se que tais ónus não foram cumpridos. Com efeito, compulsadas as alegações, refere a Recorrente que ocorre omissão de factualidade, mas não discrimina concretamente quais os factos aditar, nem lhe faz a menção expressa de qual o documento enquanto elemento probatório em que se sustenta para efeitos do que requer, identificando nomeadamente os mesmos com referência a sua localização no processo e apenso. Como tal, não foi dado cumprimento ao disposto no artigo 685º. A do CPC de 1961. Face ao exposto, sempre seria de rejeitar o recurso nesta parte, mesmo que assim não fosse, sempre se teria que se pautar a sua apreciação por prejudicada, se bem alcançamos a posição da Recorrente, atento o aditamento oficioso supra determinado. 2.2.3. Erro de julgamento de direito In casu, através da declaração anual Modelo 30, do ano de 2003, foi declarado que durante aquele ano a [SCom02...], S.A. (incorporada na Impugnante, aqui Recorrente [SCom01...], S.A.) efectuou o pagamento de rendimentos de comissões no valor de € 18.071,45 (US$ 16.654,85), ao sujeito passivo «AA» (comissionista), e relativamente aos quais não efectuou qualquer retenção na fonte de imposto. Foi apresentado juntos das AT, o Certificado de Residência Fiscal que foi apresentado à [SCom02...], por aquele comissionista, tem data de emissão de 29.10.2003 pela Delegacia da Receita Federal de Administração Tributária em São Paulo, Brasil, tendo como período de referência o ano de 2002 e, bem assim, o “Recibo de Entrega da Declaração de Ajuste Anual Completa”, do ano de 2003. Na sequência da acção inspectiva efectuada à sociedade [SCom02...], S.A. foi a mesma notificada da demonstração de liquidação de retenções na fonte de IR n.º ...............097, relativa à liquidação de IRS n.º ...003 e à liquidação de juros compensatórios n.º ...............130, referente ao ano de 2003, no valor global a pagar de € 4.930,28, assente que relativamente ao pagamento daqueles rendimentos de comissões pagas ao sujeito passivo «AA», com o facto de o CRF ter por período de referência o ano de 2002, ainda que emitido em 29 de Outubro de 2003, o mesmo é válido apenas para aquele ano. Posição, que manifestamente foi mantida em sede de recurso hierárquico, conforme parecer de indeferimento em extrato no item R) do probatório aditado. A sentença sob recurso, neste segmento, aderindo a posição expressa pela AT (Direcção de Serviços das Relações Internacionais), considerou que «(...) no presente caso, inexiste qualquer comprovação que o beneficiário dos rendimentos aqui em causa – «AA» – seja um sujeito passivo residente fiscal no Brasil, no ano em questão, ou seja, 2003. De facto, apenas foi apresentado um certificado de residência fiscal relativo ao sujeito «AA», devidamente preenchido e autenticado pela autoridade fiscal Brasileira, mas válido apenas para o ano de 2002 e um recibo de entrega da declaração de ajuste anual completa “Exercício 2004, Ano-Calendário 2003”, com o timbre do Ministério da Fazenda, relativo ao sujeito «AA», mas sem qualquer certificação por parte da autoridade fiscal Brasileira. Desta forma, a liquidação impugnada não enferma de invalidade alguma, porque a sociedade incorporada na Impugnante para se dispensar da retenção de IRS sobre as comissões pagas a um cidadão brasileiro não residente em Portugal, carecia de se ter munido de um certificado emitido pela autoridade fiscal Brasileira que atestasse que o beneficiário dos rendimentos tinha, no ano em causa, a qualidade de sujeito passivo residente no Brasil, o que não fez.» A Recorrente, dissente do assim julgado, desde logo avocando erro de julgamento de direito na não consideração dos documentos apresentados, aliás à luz do comportamento seguido pela própria AT, que não averiguou, não mencionou, nem qualificou, qualquer das realidades de facto constitutivas da situação individual e concreta que pudessem e devessem contribuir para o esclarecimento da verdade. Vejamos. Para que a CDT Portugal-República Federativa do Brasil [Resolução da Assembleia da República n.º 33/2001, Aprova, para ratificação, a Convenção entre a República Portuguesa e a República Federativa do Brasil Destinada a Evitar a Dupla Tributação e a Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e Protocolo anexo, assinados em Brasília em 16 de Maio de 2000, publicada no Diário da República n.º 98, 1 Série - A, de 27.04.2001] seja aplicável ao caso sub judice, será necessário comprovar que o comissionista da então sociedade [SCom02...], S.A., «AA» era residente no Brasil no ano de 2003 e aí sujeito a imposto pelos rendimentos que lhes foram pagos por aquela sociedade, entretanto incorporada na aqui Recorrente. As CDT’s, como diplomas de direito internacional que são, quando devidamente ratificadas e publicadas, sobrepõem-se à legislação ordinária interna, atento o disposto no n.º 2, do artigo 8° da Constituição da República Portuguesa. Do que as Convenções tratam não é de estabelecer benefícios fiscais, mas sim regular a competência tributária dos Estados. Através das CDT’s reconhece-se a um dos Estados o poder exclusivo de tributação dos rendimentos. Como vimos, na situação em apreço, a Administração Tributária efectuou correcções respeitantes a retenções na fonte de rendimentos, por não ter sido apresentado documento que certifique a residência e sujeição a imposto no outro Estado Contratante do beneficiário de tais rendimentos, o aqui apelado de comissionista. Ora, para que aquele comissionista possa ser considerada, no ano de 2003, como «residente de um Estado Contratante», para efeitos da CDT Portugal- República Federativa do Brasil, nos termos do n.º 1 do artigo 4.º da CDT «para efeitos desta Convenção, a expressão «residente de um Estado Contratante» significa qualquer pessoa que, por virtude da legislação desse Estado, está aí sujeita a imposto devido ao seu domicílio, à sua residência, ao local de direcção ou a qualquer outro critério de natureza similar e aplica-se igualmente a este Estado e, bem assim, às suas subdivisões políticas ou administrativas ou autarquias locais.». Sendo que, como decorre desta norma, a certificação da residência para efeito do acionamento da Convenção terá de ser feita pelas autoridades fiscais do Estado Contratante do qual o beneficiário dos rendimentos se considera residente. Acontece que, não é na Convenção que vamos encontrar a regulamentação e os procedimentos a adoptar para a comprovação dos pressupostos legais para a sua aplicação e de que depende a exclusão da incidência do imposto; efectivamente, decorre da própria Convenção que são as autoridades competentes dos Estados Contratantes que determinam as modalidades de aplicação da Convenção e estabelecem os requisitos que devem ser comprovados pelos Estados Contratantes. Isto mesmo resulta do acórdão do TCAS de 17.12.2009, proferido no processo n.º 0320/09, onde se afirma o seguinte: «As convenções em causa, elas próprias, não regulam todos os aspectos para que veio contemplar a não retenção na fonte dos rendimentos distribuídos entre a sociedade nacional e as entidades não residentes, desta forma carecendo de uma intervenção legislativa do legislador do Estado outorgante para colmatar as faltas e insuficiências das convenções; como seja a propósito do que entende por domicílio fiscal e o momento em que este e outros requisitos necessários à aplicação das convenções, devem ser apresentados.» É neste contexto que surge a previsão normativa constante do artigo 46º da lei n. º 7-A/2007, de 31 de dezembro, a epígrafe “alteração à legislação complementar no âmbito do IRS”, no seu n.º 1, veio dar nova redacção ao artigo 18º do Decreto-Lei n.º 42/91, de 22 de janeiro, diploma que contém o regime jurídico das retenções na fonte em sede de IRS, passando a ler-se: “Artigo 18º (...) 1 - ........................................................................... 2 – (…) 3 - A prova referida no número anterior deve ser efectuada até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto que deveria ter sido deduzido nos termos das normas legais aplicáveis. 4 - O formulário a que se refere o nº 2, devidamente certificado, tem a validade de um ano, contado a partir da data de certificação por parte da autoridade competente do Estado de residência da entidade beneficiária dos rendimentos, devendo esta informar imediatamente a entidade que se encontra obrigada a proceder à retenção na fonte das alterações verificadas nos pressupostos de que depende a dispensa total ou parcial de retenção na fonte. 5 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, quando não seja efectuada a prova até ao termo do prazo estabelecido para a entrega do imposto, fica o substituto tributário obrigado a entregar a totalidade do imposto que deveria ter sido deduzido nos termos da lei. 6 - Sem prejuízo da responsabilidade contra-ordenacional, a responsabilidade estabelecida no número anterior pode ser afastada sempre que o substituto tributário comprove com o documento a que se refere o nº 2 do presente artigo a verificação dos pressupostos para a dispensa total ou parcial de retenção. 7 - Os beneficiários dos rendimentos, que verificam as condições referidas no nº 1, podem solicitar o reembolso total ou parcial do imposto que tenha sido retido na fonte, no prazo de dois anos contados a partir do termo do ano em que se verificou o facto gerador do imposto, mediante a apresentação de um formulário de modelo aprovado pelo Ministro das Finanças e, quando necessário, de outros elementos que permitam aferir a legitimidade do reembolso.”. E o n.º 2, do artigo 46º da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de dezembro, veio conferir eficácia retroactiva à norma, dispondo que: “O afastamento da responsabilidade prevista no n.º 6 do artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 42/91, de 22 de Janeiro, na redacção dada pela presente lei, é aplicável às situações anteriores à entrada em vigor da mesma, independentemente de já ter sido efectuada a liquidação do imposto, excepto quando tenha havido lugar ao pagamento do imposto e não esteja pendente reclamação, recurso hierárquico ou impugnação.”. Como é afirmado no acórdão do STA de 21.01.2009, proferido no processo n.º 0810/08, «a apresentação no prazo aí cominado da prova da não residência configura um pressuposto essencial para a aplicação das aludidas Convenções, só então se podendo afirmar que o Estado português abdica do seu poder de tributação e, nessa medida, dispensa a retenção na fonte do IRC devido por parte da entidade que, em princípio, estava obrigada e efetua-la.» A propósito da apresentação de formulário a que alude o artigo 98.º, n. 2 do Código do IRC, no qual importa destacar as exigências probatórias de apresentação de «formulário de modelo a aprovar por despacho do membro do Governo responsável pela área das finanças» que, no caso concreto, é o MOD. 21-RFI. e da necessidade, ou não, da respetiva apresentação para comprovar a verificação dos pressupostos legais conducentes à dispensa total ou parcial de retenção na fonte de IRC, transponível para os autos em sede de rentenção de IR e exigências fixadas, já se pronunciaram os Tribunais Superiores, citando-se, a título exemplificativo, as seguintes que merecem a nossa total concordância: O acórdão do STA de 22.06.2011, proferido no âmbito do processo n.º 0283/11, assim sumariado: «I - Face à nova redacção dada pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12 (OE/2008), aos então art.ºs 90.º e 90.º-A do CIRC, a prova da residência dos beneficiários de rendimentos auferidos em Portugal, para efeitos de dispensa de retenção na fonte, em conformidade com o disposto nos actuais art.ºs 97.º e 98.º do CIRC, pode ser efectuada a posteriori. II - Se à data da ocorrência dos factos tributários, não existia no direito interno norma que impusesse a observância das formalidades que viriam a ser exigidas pela AF através do Despacho n.º 11701/2003, de 28/5, da Ministra de Estado e das Finanças, publicado no DR, II Série, n.º 138, de 17/6/2003, não se podia impor aos interessados a obrigatoriedade de utilização, nesse momento, de tais formulários. III - Estes formulários não constituem requisitos “ad substantiam”, sendo a prova de residência um mero requisito “ad probationem”, já que a certificação de residência é um acto de mero reconhecimento dos pressupostos dos benefícios previstos nas convenções, limitando-se a AF à confirmação desses pressupostos, sendo que, na verdade, o que releva é a efectiva verificação dos respectivos pressupostos, pelo que não devem aqueles formulários constituir o único meio de prova necessário para certificar a sua residência. IV - Assim, ainda que não correspondendo ao modelo oficial actual, atestando os certificados de residência apresentados a residência, e mostrando-se certificados pela autoridade fiscal respectiva, devem os mesmos ser aceites pela AF como prova efectiva da residência dessas entidades.» O acórdão do STA de 14.12.2016, proferido no âmbito do processo n.º 0141/14, cujo sumário verte que: «I - Existindo convenção destinada a evitar a dupla tributação há, para efeitos de conhecer da dispensa de efectuar a retenção na fonte de IRC, que atender apenas aos pressupostos materiais convencionados. II - As normas convencionais vinculam os Estados contratantes não podendo ser alteradas pela lei interna de um deles, dada a primazia do direito convencional sobre a lei interna. III - Ainda que seja da competência de cada um dos estados contratantes regular as normas procedimentais para efeitos da aplicação da convenção não pode aproveitar-se tal facto para em norma procedimental alterar os pressupostos materiais de aplicação da convenção sob pena de violação das normas convencionadas e do disposto no n.º 1 do artigo 1.º da LGT. IV - Resulta da interpretação dos artigos 103.º da CRP e 90.º do CIRC que os formulários exigidos como prova da dispensa da retenção na fonte de IRC dos rendimentos auferidos por entidades não residentes são meros documentos ad probationem pelo que podem ser apresentados “a posteriori” dentro dos prazos legalmente fixados podendo ser substituídos nos termos do artigo 364.º, n.º 2 do Código Civil.» No mesmo sentido desta jurisprudência, Rui Duarte Morais (Apontamentos ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, Reimpressão da edição de novembro/2007, Coimbra, Almedina, 2009, p. 214) afirma o seguinte: «Na realidade, a imposição unilateral por um Estado de condições, mesmo que de índole burocrática, que limitem os direitos que para os contribuintes resultam, directamente, de um texto normativo de direito internacional sempre resultaria inconstitucional. O direito interno revogaria, ao menos na prática, parte do disposto pelo direito internacional convencional.». Em suma, podemos aqui afirmar que, (i) a apresentação do formulário Mod. 21-RFI é uma mera formalidade ad probationem e não ad substantiam, pelo que a prova da residência noutro Estado poderá ser efectuada por qualquer outro meio idóneo que não única e exclusivamente o sobredito formulário, e consequentemente, (ii) a verificação dos pressupostos para a aplicação da Convenção para Evitar a Dupla Tributação mão depende da apresentação do formulário Mod. 21-RFI, podendo a prova desses pressupostos ser feita por qualquer outro meio, o que equivale a dizer que verificados os pressupostos materiais da sua aplicação ao abrigo do regime da CDT, decorre da prevalência das normas de convenções internacionais sobre as normas de direito interno (artigo 8.º, n.º 3, da CRP), bem como do princípio de que os elementos fundamentais da tributação dependem de lei formal (artigo 103.º, n.º 2, da CRP), que a mesma não pode ser afastada por falta de apresentação do MOD. 21-RFI. Assente que está a possibilidade de a prova da verificação dos aludidos pressupostos legais ser efetuada por qualquer meio idóneo, e não apenas através da apresentação do formulário MOD. 21-RFI, vejamos, agora, se o certificado de residência junto pela Recorrente, constantes do facto provado O), e demais documentos (itens P) e Q) da matéria de facto provada) constituem meios idóneos a tal prova; ou seja, se ao apresentar aqueles certificados (de residência fiscal do ano de 2002, recibo de apresentação online de declaração de 2003 e de declaração de rendimentos do ano de 2004), emitidos pelas autoridades fiscais da República Federativa do Brasil, a Recorrente logrou demonstrar os pressupostos para a dispensa total de retenção na fonte de IR e, portanto, se ilidiu a sua responsabilidade enquanto substituta tributária pela entrega do imposto, decorrente do n.º 3 do artigo 90.º do Código do IRC, então m vigor. Neste conspecto, antes de mais, importa ter presentes os seguintes aspetos: por um lado, é sobre a Recorrente que recai o ónus da prova dos factos que invoca no sentido de dar cobertura legal à dispensa de retenção na fonte de IR (artigo 74.º, n.º 1, da LGT), no entanto e, por outro lado, certo é, que a AT não colocou em causa a autenticidade/veracidade daquele certificado de residência de 2002, certificado da declaração de rendimento do exercício de 2004 emitidos pelas autoridades fiscais Brasileiras, bem como o documento junto de entrega electrónica da declaração de rendimentos respeitante ao ano de 2003 pelo comissionista perante aquela entidade. Mais se diga, a propósito destes elementos juntos aos autos, que as informações prestadas pelas administrações tributárias estrangeiras têm, em princípio, valor probatório idêntico às prestadas pelas autoridades portuguesas, como se infere do n.º 4 do artigo 76.º da LGT, pelo que, não havendo qualquer razão para duvidar da informação prestada, ela deve ser considerada como meio de prova. Dito isto, atentemos ao teor de cada um dos aludidos certificados e documento que foram apresentados pela Recorrente. Em primeiro, temos o certificado de residência fiscal que, sob o documento n.º 8, está anexado ao processo administrativo (Reclamação Graciosa), emitido pelo Ministério da Fazenda, Secretaria da Receita Federal, datado de 29.10.20203, no qual se refere além do mais, o seguinte: «(...) Para fins de redução ou isenção do imposto sobre a renda (...) Profissões independentes; artigo 14º (...) da convenção entre país: Portugal/Brasil (...) 5.Pagador do rendimento [SCom02...] S.A., número de identificação cadastral ...59 (...) 7.Rendimento US$16.654,85, período de referência 2002 (...).» Em segundo lugar, temos o “recibo de entrega da declaração de ajuste anual completa” que, sob o documento n.º 8, está anexado ao Processo Administrativo (Reclamação Graciosa), apresentado pelo comissionista – «AA» junto Ministério da Fazenda, Secretaria da Receita Federal, por via electrónica, correspondente ao Imposto de renda – pessoa física, exercício de 2004, ano – calendário 2003, no qual consta além do mais, o seguinte: «(...) Declaração recebida via internet pelo Agente Receptor SERPRO em 20/04/2004 às 11:03:01 1539698851 (...) Número do recibo: 11.10.07.59.67-07 (...) Resumo (valores em reais) (...) Recebidos do exterior 48.299,00» Por último, em complemento, em sede de Recurso Hierárquico, foi pela Recorrente junto Documento n.º 1, fls. 72 e 73 do processo administrativo apenso, Declaração de ajuste anual completa respeitante ao exercício de 2004, emitida pelo Ministério da Fazenda, Secretaria da Receita Federal, onde constam rendimentos tributáveis recebidos do exterior. No que concerne ao conjunto dos documentos juntos pela Recorrente, afigurar-se-nos que a prova que emana dos mesmos no seu todo, não legitima a posição da AT no sentido de considerar e sustentar que «não foi demonstrado estarem reunidas as condições de dispensa de retenção na fonte» relativamente, em virtude de aquele “certificado de residência fiscal, devidamente preenchido e autenticado pela respectiva autoridade fiscal, mas válido apenas para o ano de 2002, pelo que não cumpriu com o disposto no n.º 3 do art. 90.º do CIRC”. Ora, da discriminação dos certificados e documento junto no seu todo, não podemos concordar com o assim afirmado pela AT, pelo que julgamos verificados e comprovados os pressupostos para a dispensa de retenção na fonte de IR, relativamente ao valor de comissão pago em 2003, pela [SCom02...], S.A., ao comissionista – «AA». Mais se diga, sem prejuízo do afirmado, importa ainda reter que tendo AT entendido perante os elementos juntos que os mesmos eram insuficientes, mormente perante o recibo de entrega da declaração anual de ajuste do exercício de 2003 junto da Secretaria da Receita Federal pelo comissionista, suscitadas as dúvidas que elenca quanto ao mesmo, deveria ter diligenciado, junto das autoridades fiscais do Brasil, pela obtenção de informação sobre a sujeição a imposto das entidades em causa, não só atendendo ao princípio da colaboração com o contribuinte, mas também em cumprimento do princípio do inquisitório (artigos 58.º e 59.º, n.º 1, da LGT), tanto mais que as diligências que a AT deve encetar, no âmbito do princípio do inquisitório, estão conexionadas com a demonstração dos pressupostos da tributação, que lhe incumbe fazer (veja-se o artigo da petição e alegações de recurso em que a Recorrente aí coloca a tónica). Ou seja, perante o enquadramento apresentado, e ao invés da posição que assumiu, impunha-se que a AT despoleta-se um pedido de troca de informações com a Administração fiscal brasileira, nos termos do disposto no artigo 26.º da CDT Portugal-República Federativa do Brasil (supramencionada), para dissipar as dúvidas que tinha. Como é explicitado pelo Comité dos Assuntos Fiscais da OCDE, nos Comentários ao Modelo de Convenção Fiscal sobre o Rendimento e o Património, quanto ao respetivo artigo 26.º relativo à troca de informações, «o presente Artigo contém as normas segundo as quais podem ser trocadas informações no âmbito o mais lato possível a fim de estabelecer as bases adequadas para a aplicação da legislação fiscal interna dos Estados Contratantes e das disposições especiais da Convenção. (…) As autoridades competentes dos Estados Contratantes trocarão as informações previsivelmente relevantes no sentido de assegurar a aplicação correcta das disposições da Convenção ou das da legislação interna dos Estados Contratantes relativa aos impostos visados pela Convenção, mesmo que, neste último caso, não haja lugar á aplicação de um Artigo específico da Convenção. (…) O âmbito da troca de informações abrange todas as matérias fiscais (…). (…) A regra enunciada no número 1 permite proceder à troca de informações segundo três formas distintas: a) a pedido, relativamente a um caso concreto, entendendo-se que há que utilizar antes de mais as fontes de informação habituais previstas pelo procedimento fiscal interno antes de apresentar o pedido de informação ao outro Estado; (…)» Aliás este recurso ao mecanismo de cooperação ao caso concreto resulta evidenciada no acórdão do STA de 21.01.2009, proferido no processo n.º 810/08, no qual se afirma que o mecanismo de troca de informações previsto nas CDT’s é «aplicável no caso de resultarem dúvidas quanto aos certificados apresentados pelo contribuinte». No mesmo sentido, foram prolatados outros arestos, sendo disso exemplo os acórdãos do TCAS de 10.11.2016, proferido no processo n.º 9554/16 e de 08.02.2018, proferido no processo n.º 46/10.0BELRS, tendo neste último sido sumariado o seguinte: «Havendo dúvidas sobre os elementos declarados para efeitos da aplicação da CDT, a AT sempre as poderia ter dissipado através de mecanismo próprio, o de troca de informações previsto no art. 25.º [26.º] da CDT, não sendo razoável exigências de prova excessivas e desproporcionais quando não existem razões concretas justificativas dessa mesma exigência.» Em sede doutrinária, salienta Rui Duarte Morais (ob. cit., p. 213), «só devem ser liquidados impostos quando estejam preenchidas as respectivas hipóteses legais, devendo a administração fiscal abster-se de proceder a liquidações quando esteja em condições de verificar que tal não acontece. Antes de proceder a uma qualquer liquidação adicional, a administração fiscal tem o dever de se informar da realidade da situação, na medida em que tal esteja, razoavelmente, ao seu alcance. Ora, nestas situações, a nossa administração fiscal tem o poder-dever de se informar, junto da administração fiscal do país de residência do beneficiário do pagamento, se este, à data, aproveitava de isenção ou de redução de retenção na fonte. É que, quer o sistema comunitário quer as convenções prevêem mecanismos de troca de informação entre as administrações dos Estados, os quais não visam apenas proteger os seus interesses fazendários mas, também, assegurar a efectivação dos direitos que para os neles residentes resultam dos textos convencionais.» Por todo o exposto, a liquidação adicional de retenção na fonte de IR objecto dos presentes autos, referente ao ano de 2003 da incorporada [SCom02...], S.A., padece de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, consubstanciado na errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 90.º, n.º 3, do Código do IRC, em conjugação com a CDT aplicável, pelo que deve ser anulada. 2.2.4. Conclusões I. Nos termos do preceituado no artigo 615.º, nº 1, alínea d), do CPC, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento. II. Tendo em vista a dispensa de retenção na fonte de comissão paga a sujeito não residente em território português, no circunstancialismo concreto em causa nos presentes autos, sendo suficiente a declaração do Ministério da Fazenda, Receita Federal no sentido de que o comissionista se enquadra no conceito de residente, no ano de 2003, para efeitos do artigo 4.º da CDT Portugal/República Federativa do Brasil, tendo em consideração que a declaração não foi colocada em causa pela AT para o anos de 2002, bem como o documento junto que demonstra ter aquele apresentado junto daquela entidade a declaração anual respeitante ao exercício de 2003 enquanto sujeito passivo de imposto sobre o rendimento no Brasil, com menção de rendimentos provenientes do exterior, cumpria atentar a estes enquanto elementos idóneos da prova exigida III. Havendo dúvidas sobre os elementos declarados para efeitos da aplicação da CDT, a AT sempre as poderia ter dissipado através de mecanismo próprio, o de troca de informações previsto no art. 26.º da CDT, não sendo razoável exigências de prova excessivas e desproporcionais quando não existem razões concretas justificativas dessa mesma exigência. 3. DECISÃO Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, consequentemente, julgar a impugnação procedente, com todas as legais consequências. Custas a cargo da recorrida em ambas as instâncias. Porto, 13 de março de 2025 Irene Isabel das Neves Rui Esteves Graça Valga Martins |