Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00659/23.0BEVIS
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/19/2024
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:PAULO FERREIRA DE MAGALHÃES
Descritores:PROCESSO CAUTELAR; REQUISITOS DETERMINANTES DO DECRETAMENTO DAS PROVIDÊNCIAS;
ASSISTENTE OPERACIONAL; AUXILIAR DE ACÇÃO MÉDICA;
ALTERAÇÃO DA FUNÇÃO; FUMUS IURIS;
Sumário:
1 – Nos termos do artigo 120.º, n.º 1 do CPTA, as providências cautelares são adoptadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente, situação em que, como dispõe o n.º 2 deste normativo, mesmo ainda na eventualidade de terem sido julgados verificados esses requisitos determinantes, sempre a adopção das providências pode ser recusada quando em sede da ponderação dos interesses públicos e privados em presença, for julgado que os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências.

2 - A existência de perigosidade [seja na vertente do receio da constituição de uma situação de facto consumado, seja na vertente da produção de prejuízos de difícil reparação], e da aparência do bom direito [enquanto avaliação sumária da probabilidade de existência do direito invocado] para os interesses que os Requerentes visam assegurar no processo principal, constituem requisitos determinantes para efeitos de ser apreciada a providência requerida, recaindo sempre sobre eles o ónus de fazer a prova sumária desses requisitos.

3 - O juízo que cabe levar a cabo no artigo 120.º, n.º 1 do CPTA, não pode ser misturado com o juízo que deve ser feito a título principal, visto tratar-se dum juízo perfunctório, sumário, tal como é reclamado pelo legislador em termos cautelares, por constituir um juízo que é formulado sob reserva de se poder chegar a uma conclusão diversa em sede do processo principal.

4 - Segundo um juízo sumário, é inequívoco que à data de 31 de dezembro de 2023 [e antes dessa temporalidade, pelo menos à data em que apresentou o Requerimento inicial que motiva os autos, em 05 de dezembro de 2023], o Requerente ora Recorrente não exercia funções na casa mortuária do Requerido, e enquadráveis no âmbito de auxiliar de acção médica por implicarem a preparação e transporte de cadáveres, não caindo por isso na previsão normativa do disposto no artigo 3.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 120/2023, de 22 de dezembro.

5 - Se no âmbito da relação jurídica administrativa de emprego público que o Recorrente tem e mantém com o Requerido ora Recorrido, veio o mesmo a ser colocado a exercer outras funções no âmbito da carreira geral de assistente operacional, o que ocorreu na sequência da avaliação que sobre si foi efectuada em sede de medicina do trabalho em 26 de dezembro de 2022, onde foi avaliada a sua condição física e psicológica, sempre a sua colocação a exercer funções como telefonista e já não na casa mortuária, visa a final a adequação da sua prestação laboral, julgando nós ser manifesto que o exercício funcional em contacto com cadáveres, assim como o seu manuseamento implica a detenção por parte do sujeito activo, de um alargado pendor psíquico e psicológico, assim como um adestramento físico em termos braçais, que medicamente foi identificado como não sendo detido pelo Requerente.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:


I - RELATÓRIO


«AA» [devidamente identificado nos autos], Requerente no Processo cautelar que intentou contra o Centro Hospitalar de ..., EPE, a final do qual foi requerida a sua intimação visando i) a sua reintegração no seu posto de trabalho e nas suas funções na Casa Mortuária, permitindo que retome de imediato a plenitude do exercício das suas funções inerentes à categoria profissional de assistente operacional na Casa Mortuária, situação em que se encontrava em 22-06-2021; ii) a sua abstenção de toda e qualquer conduta que impeça ou dificulte a reocupação pela sua parte do seu posto de trabalho; iii) a sua abstenção de comportamentos determinantes e causadores de situações de inactividade, marginalização e/ou isolamento do Requerente; iv) a imposição de uma sanção pecuniária compulsória ao Sr. Presidente do Conselho de Administração da Requerida, com valor diário de 100,00€, acrescidos de juros calculados à taxa legal, por cada dia de atraso que se possa vir a verificar na execução e cumprimento das providências cautelares decretadas; e por último, v) o decretamento da inversão do contencioso, dispensando o Requerente de propor a acção principal, inconformado com a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, pela qual foi julgada totalmente improcedente a presente acção cautelar e, em consequência indeferida a providência cautelar requerida, veio interpor recurso de Apelação.

*

No âmbito das Alegações por si apresentadas, elencou a final as conclusões que ora se reproduzem:

“[…]
CONCLUSÕES:
1) Vem o presente recurso interposto da Douta Sentença, que indeferiu a providência cautelar requerida, que se tratava da reintegração imediata do trabalhador no seu posto de trabalho e funções na Casa Mortuária.
2) A decisão recorrida, além de ter feito uma errada apreciação dos factos e respetiva subsunção jurídica, viola a lei, designadamente os arts. 2.º, 7.º-A, 8.º e 118.º, n.º 1 do CPTA, assim como os arts. 81.º, 82.º e 92.º da LGTFP.
3) Considerou o Tribunal recorrido que as funções exercidas na Central Telefónica e na casa Mortuária são funções pertencentes à mesma categoria (de assistente operacional) e que, portanto, não se verifica o primeiro o primeiro dos requisitos para a adoção das providências cautelares – o “fumus boni iuris”.
4) E, efetivamente, o Recorrente mantém a categoria que detinha – mas apenas e só por causa da dita transferência, que obstou ao pleno desenvolvimento da respetiva carreira profissional, cfr. era direito do Recorrente (art. 82.º, n.º 4).
5) Devido a esta transferência (ilegítima) para a Central Telefónica, não é aplicável ao Recorrente o Decreto-Lei n.º 120/2023 de 22 de dezembro, que aprova a carreira de técnico auxiliar de saúde.
6) Por força do art. 3.º daquele D.L. os trabalhadores que, a 01-01-2024, estivessem integrados na categoria de assistente operacional e a exercer funções de prestação de cuidados de saúde – onde se inserem os trabalhadores da Casa Mortuária – transitam para a nova carreira e categoria, reposicionando-se na posição remuneratória correspondente ao nível imediatamente seguinte ao que detinham à data, o que comportou um acréscimo salarial de cerca de 100 euros mensais, um amento de cerca de 13%.
7) Ora, o Recorrente, à data de 01-01-2024, e pese embora os pedidos de reintegração no seu posto de trabalho na Casa Mortuária, estava a exercer funções de assistente operacional na Central Telefónica – não abrangidas pelo Decreto-Lei em causa por que não se trata de prestação de cuidados de saúde.
8) Assim, não só o Recorrente foi prejudicado na sua valorização profissional, como ainda o foi no seu salário – pelo que se tem necessariamente de concluir por uma situação de desvalorização profissional.
9) O que significa que, não se decidindo pela desvalorização profissional e consequente ilegalidade da mobilidade aplicada ao Recorrente, a decisão recorrida é ilegal, violando o disposto nos arts. 81.º e 82.º da LGTFP.
10) Se ainda assim não se considerar, o que não se concebe, mas por cautela de patrocínio se equaciona, deve atender-se ainda a outros dois argumentos: i) O quadro de facto e ii) o conceito de funções afins.
11) Quanto ao primeiro, o Requerente desempenhou durante cerca de 25 anos no seu posto de trabalho da Casa Mortuária funções específicas e qualificadas pela própria experiência adquirida ao longo dos anos, na preparação e transporte de cadáveres, sendo a sua experiência, competência e qualificação reconhecida por todos.
12) No exercício dessas funções, praticadas ao longo de tantos e tantos anos, o Requerente considerava-se uma pessoa habilitada, experiente e qualificada e considerava-se uma pessoa profissionalmente realizada.
13) Perante a mudança brusca e injustificada de posto de trabalho, com o exercício de funções (atendimento telefónico) totalmente divergentes e sem qualquer afinidade com as anteriores, para as quais o trabalhador não tem nem sente qualquer preparação, vocação, aptidão e competência, e onde se sente completamente impreparado, desqualificado, estranho, desadaptado e desintegrado, com reflexos negativos a nível da sua saúde física e mental, necessariamente que só poderá concluir-se pela existência de uma notória desvalorização profissional!
14) Afirma o Tribunal Recorrido que não existiu tal desvalorização “porque se mantém a categoria que até então detinha”; a categoria profissional de um trabalhador – que não deixa de ser um conceito jurídico e, por isso, um conceito geral e abstrato – não pode ser utilizada como “escudo” para toda e qualquer situação que lhe seja oponível.
15) Levando ao extremo a interpretação (salvo o devido respeito, errónea) do tribunal recorrido, teríamos que o trabalhador, mantendo a sua categoria profissional de Assistente Operacional, poderia ter sido deslocado para o serviço de arrumador de carros do parque de estacionamento ou para o serviço de varredor de passeios (com o devido respeito pelos mesmos), depois de ter estado 25 anos na execução de tarefas específicas no seu posto de trabalho da Casa Mortuária e que exigiam e exigem uma especial aptidão e uma qualificação oferecida pela formação ou uma qualificação conferida, pelo menos, pela experiência no exercício dessas funções.
16) É imperioso perceber, neste caso concreto, que a mudança de posto de trabalho que foi imposta ao Requerente, pelas funções concretas e específicas que este desempenhou ao longo de cerca de 25 anos, e pelas funções que este passou a desempenhar, ainda por cima num quadro de desnecessidade de mobilidade para o novo posto de trabalho, naturalmente que implica uma notória desvalorização profissional, com consequências nefastas para o Requerente (o que poderia ter sido corroborado de forma inequívoca pela prova testemunhal caso tivesse sido ouvida).
17) Pelo que, por tudo o exposto, o Tribunal Recorrido deveria ter concluído que a mudança de posto e funções imposta ao Recorrido se traduziu numa situação de desvalorização profissional, sendo, por isso, ilegal. Não o tendo concluído, viola o disposto nos arts. 81.º, 82.º e 92.º da LGTFP.
18) Além do mais, e para efeitos do art. 81.º, n.º 1 da LGTFP não se compreende como serão as funções na Central Telefónica afins ou funcionalmente ligadas às funções exercidas na Casa Mortuária; não se pode ter como parâmetro, para avaliar essa afinidade/ligação, apenas a descrição do conteúdo funcional da categoria profissional, especialmente tendo em consideração que tal conteúdo é manifestamente amplo.
19) É manifesta a não proximidade/afinidade entre as funções exercidas numa qualquer Central Telefónica e na Morgue de um Hospital, nem são funções exigíveis ao Trabalhador dada a falta de “proximidade funcional” com as suas funções principais.
20) Pelo que, também por esta via, a transferência é ilegal e o Recorrente deve ser recolocado nas suas funções na Casa Mortuária.
21) Fundamenta ainda a sua decisão o Tribunal recorrido no regime da mobilidade; ora, o art. 92.º da LGTFP exige, desde logo, que a mobilidade seja justificada/fundamentada.
22) No caso, e ao que se sabe, a atuação do Centro Hospitalar de ... não se justificou pelo facto de a Central Telefónica estar carente de recursos humanos, tendo em conta que, recentemente, dispensou duas funcionárias alocadas a esse serviço… Apesar disso, quando a Requerida foi confrontada com o pedido escrito de reintegração do Recorrente respondeu que “é prerrogativa gestionária a colocação de qualquer trabalhador de acordo com as necessidades do serviço” – necessidades essas que, a bem ver, não existiam.
23) O que deixa bem evidente que a mudança de funções e de posto de trabalho do Requerente foi uma decisão completamente arbitrária, descabida, infundada e injustificada do identificado Centro Hospitalar de ..., o que muito prejudica o Requerente e que muito se lamenta.
24) Além disso, a decisão de transferência datada de 16-02-2022, assinada pelo Sr. Enfermeiro Diretor, «BB», que a Requerida juntou na sua Oposição (documento que o Recorrente só conheceu nesse momento), não foi – de modo algum – comunicada e justificada ao Recorrente.
25) Este apenas tomou conhecimento da dita “mobilidade” verbalmente no dia em que se apresentou ao serviço, sem que lhe tenha sido entregue qualquer documentação oficial do Hospital, conforme seria de esperar.
26) Pelo que a dita transferência é, diga-se novamente, ilegal.
27) Mais, do acervo documental junto aos autos com os articulados e da factualidade admitida por falta de oposição, já resulta suficientemente clara e notória a existência de uma situação de desvalorização ou desqualificação profissional do Requerente, o que, desde logo e só por isso, obrigaria a uma decisão de atendimento da providência requerida.
28) Como quer que fosse, o tribunal a quo, tinha pelo menos a obrigação de colocar a matéria em causa como discutível e passível de prova testemunhal e por declarações, ouvindo as testemunhas que foram arroladas pelas partes.
29) Não tendo procedido dessa forma, o tribunal a quo violou, desde logo, o art. 118.º, n.º 1 do CPTA, mais violando importantes princípios, tal como o princípio da tutela jurisdicional efetiva, na vertente do direito a um processo equitativo (art. 2.º CPTA), e o princípio-dever de gestão processual, na vertente de promover as diligências necessárias e recusar aquelas que entender impertinentes ou dilatórias (art. 7.º-A).
30) Pelo que também por isto (e no caso de não vingarem os argumentos acima invocados) deve ser revogada a decisão recorrida.
31) Quanto aos restantes requisitos da providência cautelar, o tribunal a quo considerou prejudicado o conhecimento dos demais requisitos da providência cautelar, visto que os mesmos são de verificação cumulativa. Porém, a lei permite, através do art. 149.º, n.º 2 do CPTA, que o tribunal superior conheça das questões que não foram conhecidas pelo tribunal recorrido quando entenda que o recurso procede – que deve ser entendido – e que nada obsta à apreciação dessas questões – o que se verifica.
32) Assim, deve o Tribunal de Recurso conhecer dos restantes requisitos da providência cautelar, designadamente, do “periculum in mora” e da ponderação de interesses subjacente.
33) Quanto ao primeiro, a providência cautelar visa precisamente evitar uma situação de facto consumado, ou seja, uma situação em que a delonga da ação principal, com a sua procedência já não pode fazer retomar a situação ao anteriormente existente.
34) Ora, na situação em causa, a não ser conhecida a providência, o Requerente fica numa situação de facto diferente daquela que lhe é devida. E tal situação prolongar-se-á até ao trânsito em julgado da sentença na ação principal.
35) Atenta a idade do Requerente – 62 anos -, pode até acontecer que, quando a ação principal for decidida, já o Requerente esteja aposentado. O que significa que ocorre uma situação de facto consumado, dado que a situação já não se poderá reverter.
Verifica-se, portanto, o requisito do “facto consumado”.
36) Quanto ao segundo, a concessão das providências cautelares está dependente de um juízo de valor relativo, fundado na comparação da situação do requerente com a dos eventuais interesses contrapostos.
37) Ora, a recolocação do Requerente na função que deve desempenhar não causa nenhum dano irreparável à Requerida, ou para o interesse público que lhe compete salvaguardar. Nem a Requerida tem qualquer interesse relevante no indeferimento da providência cautelar. Pelo que também este requisito se deve considerar preenchido.
38) Termos em que deve o recurso ser considerado procedente e, analisados os restantes requisitos legais, deve ser deferida a providência cautelar requerida.
39) Mais prevê o art. 149.º, n.º 4 do CPTA que pode haver lugar à produção de prova no Recurso, caso assim seja julgado necessário.
Nestes termos e nos melhores de Direito, cujo douto suprimento de V. Exas. se espera e invoca, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser proferido acórdão que, revogando a douta sentença recorrida e ouvindo a prova que considerar necessária, considere verificados todos os requisitos legais e decrete a providência cautelar requerida, ordenando-se a Requerida a:
i) Reintegrar de imediato o Recorrente no seu posto de trabalho e nas suas funções na Casa Mortuária, permitindo que retome de imediato a plenitude do exercício das suas funções inerentes à categoria profissional de assistente operacional na Casa Mortuária, situação em que se encontrava em 22-06-2021;
ii) Abster-se de toda e qualquer conduta que impeça ou dificulte a reocupação por parte do Requerente do seu posto de trabalho; iii) E abster-se de comportamentos determinantes e causadores de situações de inatividade, marginalização e/ou isolamento do Requerente.
Assim decidindo, farão V. Exas. a Costumada Justiça. […]”



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O Recorrido apresentou Contra Alegações, no âmbito das quais elencou a final as conclusões que ora se reproduzem:

“[…]
CONCLUSÕES
1 – A douta Sentença recorrida tem de se manter na ordem jurídica porquanto o Tribunal a quo fez uma correcta interpretação da factualidade que julgou provada à qual aplicou bem o direito.
2 – Fê-lo sem qualquer vício de raciocínio ou de fundamentação e sem violação de qualquer norma legal.
3 – Ponderou os interesses em confronto, decidindo-os bem sem qualquer agravo ao direito ou à justiça.
Nestes Termos,
Deve o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se integralmente a Douta Sentença recorrida.
[…]”

*

O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso interposto, fixando os seus efeitos.

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O Ministério Público junto deste Tribunal Superior não emitiu parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional.




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Com dispensa dos vistos legais [mas com envio prévio do projecto de Acórdão], cumpre apreciar e decidir.

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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, cujo objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas Alegações - Cfr. artigos 144.º, n.º 1 do CPTA, e artigos 639.º e 635.º n.ºs 4 e 5, ambos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3 do CPTA [sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem deva conhecer oficiosamente], sendo que, de todo o modo, em caso de procedência da pretensão recursiva, o Tribunal ad quem não se limita a cassar a decisão judicial recorrida pois que, ainda que venha a declarar a sua nulidade, sempre tem de decidir [Cfr. artigo 149.º, n.º 1 do CPTA] “… o objecto da causa, conhecendo do facto e do direito.”, reunidos que estejam os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas.

Assim, a questão suscitada pelo Recorrente e patenteadas nas conclusões apresentadas consistem, em suma e a final, em apreciar e decidir, sobre se a Sentença recorrida padece de erro de julgamento em matéria de direito.

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III - FUNDAMENTOS
IIIi - DE FACTO

No âmbito da factualidade considerada pelo Tribunal recorrido em sede do Sentença proferida, dela consta o que por facilidade, para aqui se extrai como segue:

“[…]
A) DE FACTO:
1.1 Factos provados:
Com relevância para a decisão da causa, consideram-se indiciariamente provados os seguintes factos:
a) O Requerente foi admitido como trabalhador da Entidade Requerida a 02.02.1998, actualmente na modalidade de contrato de trabalho em funções públicas – facto não controvertido;
b) O Requerente encontra-se colocado na carreira e categoria de assistente operacional, – facto não controvertido;
c) Em 22.06.2021, o Requerente sofreu um acidente de viação que determinou a sua incapacidade temporária absoluta para o exercício de funções– cfr. facto não controvertido
d) Através da nota interna, datada de 16.12.2022, o Enfermeiro Director determinou a transferência do Requerente, como assistente operacional, da Casa Mortuária para a Central Telefónica, com produção de efeitos a 26.12.2022 – cfr. doc. ... e ... da oposição e ainda recibo de vencimento junto com o doc. ... do requerimento cautelar;
e) As funções exercidas pelo Requerente na Casa Mortuária, implicavam a preparação e transporte de cadáveres – facto não controvertido
f) No dia 26.12.2022, foi efectuada a verificação da aptidão para o trabalho, na sequência do regresso ao serviço após doença, tendo o mesmo sido considerado “apto condicionalmente” com a indicação que deve “evitar situações de stress psicológico e isolamento social não realizar movimentos repetitivos com o membro superior direito e ainda não movimentar ou levantar cargas com o membro superior direito” – cfr. doc. ... junto com a oposição;
g) A 04.10.2023, o Requerente apresentou um requerimento com o seguinte teor: “O assistente operacional «AA», assistente operacional nesse Hospital desde 1998, com o seu posto de trabalho na Casa Mortuária desde 1998, e com a função de Auxiliar de Acção Médica
(cfr. doc. ... que se anexa), vem por este meio mostrar a sua indignação e reclamar do seguinte:
Conforme será do conhecimento de V. Exa., fui vítima de acidente de viação em 22/6/2021 tendo estado com Incapacidade para o trabalho desde a referida data até ao dia 27/6/2023, a que se seguiu um período de férias até à data de ontem, dia 3/10/ 2023
Pretendendo voltar ao meu posto de trabalho e às minhas funções na Casa Mortuária, recebi ontem informação/ordem da Sra. Coordenadora de Serviços Dra. «CC» de que não regressaria ao meu posto de trabalho e às minhas anteriores funções antes do acidente, mas sim à Central Telefónica (para onde fui escalado como aprendiz), sem qualquer justificação ou fundamento, atuação essa que se mostra ilegal e ainda materialmente e moralmente injusta.
Tanto mais que será já do conhecimento de V. Exa. de que a alta que me foi atribuída considerou que eu estou apto para o normal desempenho das minhas funções habituais e que realizo nessa instituição há mais de 25 anos, sempre com total respeito, educação, empenho, zelo e competência (cfr. doc. ... que se anexa).
Aqui chegados, espero que a referida informação/ordem não tenha passado de um mero e infeliz lapso, e de que possa regressar rapidamente ao meu referido posto de trabalho, uma vez que esta situação me está a provocar grande revolta e instabilidade psicológica, com danos pessoais já significativos.
Pelo que, venho solicitar a V. Exa. a sua actuação urgente para a reposição da legalidade e para a integração urgente no meu posto de trabalho, o que reclamo A que seja realizado no prazo máximo de 48 horas, sob pena de accionar todos os meios legais que me assistem, o que não deixarei de lamentar – cfr. doc. ... junto com o requerimento cautelar;
h) Sobre o requerimento referido na alínea anterior, recaiu informação do Director do SRH, com o seguinte teor:
“A situação descrita corresponde à ocupação de um posto de trabalho através da colocação de um trabalhador na mesma situação funcional em diferente órgão ou serviço, não sendo ferida de qualquer ilegalidade. O vinculo laboral do assistente operacional Sr. «AA» é com o Centro Hospitalar de ..., E.P.E (contrato de trabalho em funções públicas) e não com nenhuma das unidades funcionais deste estabelecimento de saúde pelo que é prerrogativa gestionária a colocação de qualquer trabalhador de acordo com as necessidades do serviço, respeitando, naturalmente, o conteúdo funcional da categoria detida pelo trabalhador.
As funções a desempenhar enquadram-se no disposto no Anexo à Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho (Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, a que se refere o n.º 2 do artigo 88.°, e que caracteriza as carreiras gerais e, em particular, descreve o conteúdo funcional da categoria de Assistente Operacional).
A decisão de mudança de posto de trabalho resulta do exercício das atribuições da Sr. Directora de Serviço dos Serviços Hoteleiros - Cfr. doc. ... junto com o requerimento cautelar;
i) Na reunião do Conselho de Administração da Entidade Requerida, datada de 19.10.2023, foi deliberado indeferir o requerimento referido na alínea g) dos factos provados – cfr. doc. ... junto com a petição inicial;
j) A decisão referida na alínea anterior foi remetida ao Requerente, via email a
23.10.2023 – cfr. doc. ... junto com o requerimento cautelar.
k) O Autor nasceu a ../../1961 – cfr, doc. ... junto com o requerimento cautelar
1.2 Factos não provados:
Inexistem factos com interesse para a decisão da causa, que importe dar como não provados.
1.3. Motivação:
A convicção perfunctória do Tribunal baseou-se na análise dos documentos juntos aos autos, os quais não foram impugnados e são especificados em cada um dos pontos.
Foi ainda considerada a admissão por acordo dos factos alegados pelo Requerente, por falta de impugnação, nos termos do n.º 1 do artigo 574º do Código de Processo
Civil.
O demais alegado pelas partes, ou é conclusivo, ou é matéria de direito ou não releva para a decisão dos presentes autos.
[…]”

**

IIIii - DE DIREITO

Está em causa a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, datada de 01 de fevereiro de 2024, que com referência ao pedido formulado no Requerimento inicial pelo Requerente, que na sua essência visava a intimação do Requerido a proceder à sua reintegração imediata no posto de trabalho e funções que referiu sempre ter prosseguido na casa mortuária, veio a julgar pelo indeferimento da providência cautelar requerida, decisão com a qual o mesmo [ora Recorrente], não se conforma.

É fundamento para a concessão de tutela cautelar, por via da adopção da/s providência/s requerida/s, que o Tribunal aprecie da ocorrência de periculum in mora [numa das suas duas vertentes], e que indague da aparência do bom direito invocado pelo Requerente, no sentido de aferir sobre se é provável que a pretensão por si formulada, que é causa/fundamento do processo principal, venha a ser julgada procedente, requisitos estes que são de verificação cumulativa, e neste sentido, sendo julgado não verificado um deles, fica prejudicado o conhecimento do outro.

Constituindo os recursos jurisdicionais os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, por via dos quais os recorrentes pretendem alterar as sentenças recorridas, nas concretas matérias que os afectem e que sejam alvo da sua sindicância, é necessário e imprescindível que no âmbito das alegações de recurso os recorrentes prossigam de forma clara e objectiva as premissas do silogismo judiciário em que se apoiou a decisão recorrida, por forma a evidenciar os erros em que a mesma incorreu.

Enquanto Tribunal de recurso e tendo subjacente o disposto no artigo 627.º, n.º 1 do CPC, este TCA Norte conhece dos recursos jurisdicionais interpostos onde devem ser evidenciadas as irregularidades de que a Sentença pode enfermar [que se reportam a nulidades que afectam a Sentença do ponto de vista formal e provocam dúvidas sobre a sua autenticidade], assim como os erros de julgamento de facto e/ou de direito, que por si são resultantes de desacerto tomado pelo Tribunal na formação da sua convicção em torno da realidade factual, ou da interpretação e aplicação do direito, em termos tais que o decidido não está em correspondência com a realidade fáctica ou normativa.

Ora, no âmbito das conclusões vertidas a final das suas Alegações de recurso, o Recorrente sustenta, em suma e a final, que o Tribunal a quo errou no julgamento por si prosseguido em matéria de interpretação e aplicação do direito por si convocado.

Tratando os autos de um processo cautelar, que se caracteriza pela sumariedade da sua instrução, e estando assim em causa a apreciação da tutela cautelar requerida pelo Requerente ora Recorrente, o que importava ser prosseguido, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 120.º, n.ºs 1 e 2 do CPTA, era saber, a final, se estavam ou não verificados todos os requisitos, que são de verificação cumulativa, tendentes à adopção da providência cautelar por parte do Tribunal.

E tal foi efectuado, como assim julgamos, no âmbito do julgamento prosseguido pelo Tribunal a quo, nos estritos termos em que o mesmo veio a fundamentar a sua decisão, e é por via dessa fundamentação, de facto e de direito colhida pelo Tribunal a quo, que será apreciado por este Tribunal de recurso sobre se incorreu o mesmo em algum erro de julgamento.

Neste patamar.

Tendo enunciado o regime jurídico que julgou ser convocável para efeitos da decisão a proferir, a saber, a apreciação e decisão da requerida tutela cautelar tendo por base a verificação dos requisitos a que se reporta o artigo 120.º, n.ºs 1 e 2 do CPTA, em face do discurso fundamentador que o Tribunal a quo veio a aportar na Sentença recorrida, decidiu conforme para aqui se extracta, na sua essencialidade, o que segue:

Início da transcrição
“[...]
O que quer dizer que, mesmo que o Requerente estivesse colocado em anterior carreira para a qual foi provido, os factos dados como provados indiciam que o mesmo transitou para a categoria de assistente operacional da carreira geral de assistente operacional (facto que é admitido por acordo), por efeito, primeiro da aplicação da LVCR e actualmente pela aplicação da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas.
O que o Requerente questiona são apenas as concretas funções que, no âmbito de tal categoria/carreira lhe foram atribuídas em resultado da decisão de transferência para a central telefónica, por comparação com as funções que anteriormente desempenhava.
Assim, a questão em apreço resume-se a saber se ocorreu uma despromoção ou desvalorização profissional do Requerente quando o mesmo passou a exercer as actuais funções na central telefónica.
O conteúdo profissional da categoria de assistente operacional da carreira geral de assistente operacional encontra-se descrito no Anexo à LVCR e onde se refere: “Funções de natureza executiva, de carácter manual ou mecânico, enquadradas em directivas gerais bem definidas e com graus de complexidade variáveis. Execução de tarefas de apoio elementares, indispensáveis ao funcionamento dos órgãos e serviços, podendo comportar esforço físico. Responsabilidade pelos equipamentos sob a sua guarda e pela sua correcta utilização, procedendo, quando necessário, à manutenção e reparação dos mesmos”.
Ora, tendo em atenção a descrição do conteúdo funcional da categoria em que se encontra integrada o Requerente, facilmente se conclui que as tarefas que se encontra a executar central telefónica enquadram-se no respectivo conteúdo funcional. São também tarefas de natureza executiva e manual, como o são as que anteriormente exercia na Casa Mortuária, e que envolviam a preparação e transporte de cadáveres.
O Requerente quando se encontra a proceder à preparação e transporte de cadáveres na Casa Mortuária quer quando exerce funções na central telefónica, encontra-se a exercer funções de assistente operacional, funções estas que não vão para além do conteúdo funcional da sua carreira.
No caso e no outro estão em causa funções de execução e mecânicas, não se verificando qualquer diferença no respectivo grau de complexidade. Por outro lado, nada se demonstrou quanto à exigência de uma especial qualificação para o exercício de funções na Casa Mortuária (sendo que a mera experiência no exercício de funções invocado pelo Requerente não pode ser considerado como qualificação profissional). Assim sendo, estando o Requerente integrado na categoria de assistente operacional terá de exercer funções desse seu grupo profissional.
[...]
Pelo que, o apelo às tarefas inerentes ao posto de trabalho que o Requerente detinha antes da não tem suporte na letra e no espírito da lei. Assim, o desempenho das funções de assistente operacional na central telefónica não se traduz na atribuição de funções correspondentes a carreira e categoria distintas que o requerente detém, não resultando daí também qualquer desvalorização profissional, até porque se mantém a categoria que até então detinha.
Por outro lado, não se pode considerar tal tratamento como arbitrário ou discriminatório, até porque, como se disse, a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas concede ao empregador público alguma flexibilidade na utilização e alocação dos trabalhadores, sem que daí resulte qualquer violação das garantias dos trabalhadores.
No domínio do emprego público é reconhecido ao empregador público, na prossecução do interesse público, utilizar os mecanismos de mobilidade, ou seja, a relação de emprego público não é estática, podendo estar sujeita a alterações (vicissitude modificativa da relação jurídica de emprego), “quando a economia, a eficácia e a eficiência dos órgãos e serviços o imponham”, tal como se encontra inscrito no n.º 1 do artigo 92º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas.
Ora de acordo com n.º 2 do artigo 92º e n.º 2 do artigo 93º da LGTFP, uma das modalidades que a mobilidade pode revestir é a mobilidade funcional ou na categoria, ou seja, quando o trabalhador é chamado a exercer funções (na mesma ou diferente actividade) mas que se opera apenas para o exercício de funções inerentes à categoria que o trabalhador é titular.
Ora, para tal modalidade de mobilidade, desde que não implique deslocação geográfica (como é caso dos autos) não é sequer necessário o acordo do trabalhador para o efeito (à contrário, artigo 95º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas), sendo que a mesma não se processa para carreira ou categoria inferior à detida pelo trabalhador. A própria consolidação da mobilidade, neste caso, também não depende da aceitação do trabalhador.
Assim sendo, ainda que numa cognição sumária própria dos processos cautelares não se verificam os vícios de violação da lei que o Requerente invoca.
Nesta conformidade, improcedendo a alegação do Requerente, não assistem dúvidas sobre a não verificação, in casu, do requisito da probabilidade que a pretensão formulada ou a formular no processo principal venha a ser julgada procedente previsto no artigo 120.º, n.º 1 do Código do Processo nos Tribunais Administrativos.
[...]“
Fim da transcrição

Para alcançar o julgamento que a final vem a derivar no indeferimento do pedido de tutela cautelar, o Tribunal a quo apreciou e decidiu, em suma, que não estava verificado o requisito do fumus iuris, e que o pedido formulado pelo Requerente tinha de ser julgado improcedente, encontrando-se assim prejudicado o conhecimento dos demais requisitos inerentes ao decretamento das providências [o periculum in mora e a ponderação dos interesses em presença].

No que é atinente à providência peticionada pelo Requerente ora Recorrente [de natureza antecipatória], a mesma tem subjacente, em suma, a invocação pela sua parte, de que a sua colocação a exercer funções de telefonista lhe provoca uma desvalorização profissional e consequente diminuição da inerente remuneração.

Como assim julgamos, o cerne da questão que incumbia ao Tribunal a quo apreciar nos termos e para efeitos da decisão a proferir, passava pela verificação ou não dos pressupostos determinantes do decretamento das providências cautelares, e para conhecimento do fumus iuris, ou seja, sobre se era provável a procedência da acção principal, ainda que tendo por base uma análise meramente perfunctória, o que foi prosseguido pelo Tribunal a quo em termos claros e suficientes.

É de salientar que a matéria em causa requer uma análise factual e jurídica mais aprofundada, que sempre não cabe levar a cabo num processo cautelar, dada a sumariedade da sua tramitação, principalmente quando no julgamento prosseguido por este TCA Norte, o que importa apreciar e decidir é se ocorre fundamento, como sustentado pelo Recorrente, para dar como verificado, desde logo, o fumus iuris, sem que para tanto seja relevante e/ou se imponha a quantidade de erros de julgamento que nesse domínio e para esse efeito, possam vir por si sindicados.

Mas essa invocação não é suficiente ou bastante para ser determinada a adopção de uma providência cautelar, que no fundo visa a antecipação do mérito do pedido deduzido na acção principal.

Como assim julgamos, para efeitos da apreciação do mérito do pedido cautelar formulado, o que releva é a invocação de factos que sejam determinantes do preenchimento dos requisitos para efeitos do decretamento cautelar, relativamente aos quais, aplicado o direito que ao caso seja convocável, possa ser julgado como provável que o pedido formulado na acção principal venha a ser julgado procedente.

Ora, em sede das conclusões das suas Alegações de recurso, o Recorrente sustentou que o Tribunal a quo errou no julgamento por si prosseguido, violando desta forma, entre o mais, o disposto nos artigos 2.º, 7.º-A e 118.º, n.º 1, todos do CPTA, desde logo por ter dispensado a produção da prova por si requerida, não se tendo assim apurado como havia invocado, da ocorrência da sua desvalorização profissional [Cfr. conclusões 2, 28 e 29 das Alegações de recurso].

Mas por aqui não assiste razão alguma ao Recorrente.

Desde logo, porque depois de cotejado o Requerimento inicial, dele se extrai que a final, o Requerente ora Recorrente indicou a prova que se propunha produzir, que fixou como prova documental, por declarações de parte, e testemunhal, sendo que nos termos e para efeitos destas duas últimas valências, referiu que tal era por si pedido “… caso haja lugar à produção de prova.”

Ora, em momento antecedente da prolação da Sentença recorrida, o Tribunal a quo proferiu o despacho que por facilidade, para aqui se extrai como segue:

Início da transcrição
“Mostrando-se a prova documental suficiente para apurar os factos relevantes à aferição dos requisitos legais de que depende a adopção da providência cautelar requerida, não se determina a realização de outras diligências de prova, designadamente as declarações de parte do Requerente e inquirição de testemunhas arroladas, por ser desnecessário à decisão a proferir (n.º 3 do artigo 118º do Código do
Processo nos Tribunais Administrativos), passando-se de imediato a proferir sentença.” Fim da transcrição

Ou seja, nesta sua pretensão recursiva, o Recorrente não indicou sequer quais os factos por si alegados que deviam ter sido dados como provados face ao teor da Oposição deduzida pelo Requerido, nem substanciou por que termos e pressupostos é que o julgamento tirado pelo Tribunal a quo ao abrigo do disposto no artigo 118.º, n.º 3 do CPTA está errado, sendo que, de resto, como assim já assinalamos supra, é o próprio Requerente ora Recorrente que a final do Requerimento inicial referiu que a sua tomada de declarações de parte assim como a audição das testemunhas por si arroladas seria para ser levada a cabo se fosse julgada necessária a produção de prova adicional, o que o Tribunal a quo apreciou e decidiu, julgando pela sua desnecessidade.

De todo o modo, sempre julgamos que situando-nos no plano de um pedido de decretamento de tutela jurisdicional por via da adopção de uma providência cautelar de natureza eminentemente antecipatória, e atenta a natureza sumária e instrumental que preside à instrução dos processos cautelares, tendo o Mm.º Juiz decidido pela não verificação do fumus iuris, isto é, da aparência do direito, não dilucidamos como poderia o Requerente ora Recorrente fazer reverter esse julgamento mediante prova testemunhal ou por declarações de parte, em torno da existência do direito invocado na sua esfera jurídica, mormente, no domínio da relação jurídica administrativa de emprego público que tem e mantém com o Requerido, pois que, sublinhamos, o que apreciou e decidiu o Tribunal a quo foi pela não verificação do requisito da aparência do direito.

Como julgamos, por assim emergir das Alegações de recurso apresentadas, a razão principal para a busca de tutela cautelar por parte do Requerente prende-se com a superveniência da publicação do Decreto-Lei n.º 120/2023, de 22 de dezembro, que aprova a carreira de técnico auxiliar de saúde, e que entrou em vigor no dia 01 de janeiro de 2024.

É nas Alegações de recurso ora sob apreciação que o Requerente ora Recorrente externaliza esse seu vislumbre, aí empreendendo a explicitação daquele diploma legal, e aí fazendo radicar as razões para a sua desvalorização profissional, por não ter transitado ope legis [Cfr. artigos 3.º e 4.º do referido Decreto-Lei] da carreira geral de assistente operacional para a carreira especial de auxiliar de acção médica.

Mas em conformidade com o que assim resulta do probatório, e quanto ao que, como assim julgamos, o Recorrente se conformou [pois que não constitui objecto deste recurso a impugnação de qualquer dos factos aí elencados], enquanto assistente operacional, o mesmo foi colocado a exercer outras funções, na situação vertente, de telefonista, deixando de exercer funções na casa mortuária do Requerido, em face do resultado da avaliação de medicina do trabalho que sobre si recaiu, em 26 de dezembro de 2022, onde foi relatado, em sede da verificação da aptidão para o trabalho, tendo sido considerado “apto condicionalmente” com a indicação que deve “evitar situações de stress psicológico e isolamento social não realizar movimentos repetitivos com o membro superior direito e ainda não movimentar ou levantar cargas com o membro superior direito” [Cfr. alínea f) do probatório].
Atento o teor dos factos vertido sob as alíneas d) e f) do probatório constante da Sentença recorrida, assim fixado com base em suporte documental, mas mesmo tomando-os como podendo ser adquirido pelo Tribunal de forma indiciária, segundo um juízo sumário, é inequívoco que à data de 31 de dezembro de 2023 [e antes dessa temporalidade, pelo menos à data em que apresentou o Requerimento inicial que motiva os autos, em 05 de dezembro de 2023], o Requerente ora Recorrente não exercia funções na casa mortuária do Requerido, e enquadráveis no âmbito de auxiliar de acção médica por implicarem a preparação e transporte de cadáveres, não caindo por isso na previsão normativa do disposto no artigo 3.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 120/2023, de 22 de dezembro.
Portanto, e como assim apreciou e decidiu o Tribunal a quo, estando o Requerente colocado na carreira geral de assistente operacional, cabe à entidade para quem presta serviço, disciplinar a prestação do seu trabalho, o que assim resulta ter sido prosseguido pelo Requerido em face do que resulta do probatório, pois em presença das conclusões da medicina do trabalho, da avaliação ocorrida em 26 de dezembro de 2022, entre o mais, de que deve evitar situações de stress psicológico e não realizar movimentos repetitivos com o membro superior direito e ainda não movimentar ou levantar cargas com o membro superior direito, afigura-se plausível, numa óptica gestionária de recursos humanos, a afectação do Requerente ao exercício de uma função que dê cumprimento a esse desiderato, como pode ser, entre outras, a de telefonista.
Não padece assim a Sentença recorrida de qualquer erro de julgamento em matéria de direito, e que bem apreciou e decidiu o Tribunal a quo pela não verificação do requisito do fumus iuris, ou seja, de que seja provável a procedência da acção principal, para além de que, como assim julgamos, mesmo que tivesse julgado por essa verificação, sempre a providência cautelar teria de ser recusada, por não ter o Requerente alegado factualidade que, a ser dada como provada e que o fosse com base na prova que refere não ter sido levada a cabo pelo Tribunal recorrido, fosse determinante da verificação do requisito da perigosidade, em qualquer uma das suas duas vertentes, pois não foram alegados prejuízos de difícil reparação, nem se está perante um acontecimento que seja irreversível, ou seja, que estejamos perante uma situação de facto consumado, pois que, em sede de julgamento da acção principal, e caso o pedido que aí tenha sido formulado venha a ser julgado procedente, a entidade demandada está então vinculada a restaurar integralmente a situação jurídica do Requerente, passando pelo seu posicionamento na carreira especial de auxiliar de acção médica e no pagamento do diferencial remuneratório, tudo com efeitos retroactivos.
Tomando de base o ónus de prova que impendia sobre si [enquanto Requerente], não podemos deixar de referir que o julgamento que foi alcançado pelo Tribunal a quo se encontra estruturado e com a aplicação dos dispositivos legais que na situação presente são passíveis de ser convocados, nele não detectando qualquer dos imputados erros de julgamento em matéria de direito, já que nos situamos no domínio da apreciação da verificação dos requisitos determinantes do decretamento de providências cautelares.

Em suma, se no âmbito da relação jurídica administrativa de emprego público, que o Recorrente tem e mantém com o Requerido ora Recorrido, veio o mesmo a ser colocado a exercer outras funções no âmbito da carreira geral de assistente operacional, o que ocorreu na sequência da avaliação que sobre si foi efectuada em sede de medicina do trabalho em 26 de dezembro de 2022, onde foi avaliada a sua condição física e psicológica, sempre a sua colocação a exercer funções como telefonista e já não na casa mortuária, visa a final a adequação da sua prestação laboral, julgando nós ser manifesto que o exercício funcional em contacto com cadáveres, assim como o seu manuseamento implica a detenção por parte do sujeito activo, de um alargado pendor psíquico e psicológico, assim como um adestramento físico em termos braçais, que medicamente foi identificado como não sendo detido pelo Requerente.

O Tribunal a quo prosseguiu no seu julgamento na adequada apreciação dos factos e na respetiva subsunção jurídica, em termos que não é merecedor da censura que lhe dirige o Recorrente, pois não se mostram violados, na base de um juízo sumário, os artigos 2.º, 7.º-A, 8.º e 118.º, n.º 1 do CPTA, assim como os artigos 81.º, 82.º e 92.º da LGTFP, conforme por si sustentado.

De maneira que, tem assim de improceder a pretensão recursiva do Recorrente, e de ser confirmada a Sentença recorrida.

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E assim formulamos as seguintes CONCLUSÕES/SUMÁRIO:

Descritores: Processo cautelar; Requisitos determinantes do decretamento das providências; Assistente operacional; Auxiliar de acção médica; Alteração da função; Fumus iuris.

1 – Nos termos do artigo 120.º, n.º 1 do CPTA, as providências cautelares são adoptadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente, situação em que, como dispõe o n.º 2 deste normativo, mesmo ainda na eventualidade de terem sido julgados verificados esses requisitos determinantes, sempre a adopção das providências pode ser recusada quando em sede da ponderação dos interesses públicos e privados em presença, for julgado que os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências.

2 - A existência de perigosidade [seja na vertente do receio da constituição de uma situação de facto consumado, seja na vertente da produção de prejuízos de difícil reparação], e da aparência do bom direito [enquanto avaliação sumária da probabilidade de existência do direito invocado] para os interesses que os Requerentes visam assegurar no processo principal, constituem requisitos determinantes para efeitos de ser apreciada a providência requerida, recaindo sempre sobre eles o ónus de fazer a prova sumária desses requisitos.

3 - O juízo que cabe levar a cabo no artigo 120.º, n.º 1 do CPTA, não pode ser misturado com o juízo que deve ser feito a título principal, visto tratar-se dum juízo perfunctório, sumário, tal como é reclamado pelo legislador em termos cautelares, por constituir um juízo que é formulado sob reserva de se poder chegar a uma conclusão diversa em sede do processo principal.

4 - Segundo um juízo sumário, é inequívoco que à data de 31 de dezembro de 2023 [e antes dessa temporalidade, pelo menos à data em que apresentou o Requerimento inicial que motiva os autos, em 05 de dezembro de 2023], o Requerente ora Recorrente não exercia funções na casa mortuária do Requerido, e enquadráveis no âmbito de auxiliar de acção médica por implicarem a preparação e transporte de cadáveres, não caindo por isso na previsão normativa do disposto no artigo 3.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 120/2023, de 22 de dezembro.

5 - Se no âmbito da relação jurídica administrativa de emprego público que o Recorrente tem e mantém com o Requerido ora Recorrido, veio o mesmo a ser colocado a exercer outras funções no âmbito da carreira geral de assistente operacional, o que ocorreu na sequência da avaliação que sobre si foi efectuada em sede de medicina do trabalho em 26 de dezembro de 2022, onde foi avaliada a sua condição física e psicológica, sempre a sua colocação a exercer funções como telefonista e já não na casa mortuária, visa a final a adequação da sua prestação laboral, julgando nós ser manifesto que o exercício funcional em contacto com cadáveres, assim como o seu manuseamento implica a detenção por parte do sujeito activo, de um alargado pendor psíquico e psicológico, assim como um adestramento físico em termos braçais, que medicamente foi identificado como não sendo detido pelo Requerente.

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IV – DECISÃO

Nestes termos, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.° da Constituição da República Portuguesa, os juízes da Subsecção Administrativa Social deste Tribunal, Acordam em conferência em NEGAR PROVIMENTO ao recurso interposto pelo Recorrente «AA», confirmando a Sentença recorrida.

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Custas a cargo do Recorrente - Cfr. artigo 527.°, n.°s 1 e 2 do CPC.

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Notifique.

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Porto, 19 de abril de 2024.

Paulo Ferreira de Magalhães, relator
Fernanda Brandão
Rogério Martins