Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00685/12.5BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/21/2024
Tribunal:TAF de Braga
Relator:JOSÉ ANTÓNIO OLIVEIRA COELHO
Descritores:LIVRE CONVICÇÃO DO JULGADOR;
Sumário:
A livre convicção do julgador não pode ser uma convicção meramente subjetiva e não motivável.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. A Fazenda Pública veio recorrer jurisdicionalmente da sentença proferida a 15 de janeiro de 2021 no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) e correspondentes juros compensatórios, referente ao ano de 2007, no valor global de €42.006,93.

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2.1. A Recorrente terminou as suas alegações com as seguintes conclusões:

1. Salvo melhor entendimento, o Tribunal a quo erro no julgamento de facto, o qual acarretou a violação dos artigos 21º e 81º, nº1, do CIRC (com a redacção em vigor à data dos factos - 2007), os quais não foram (como deviam ter sido) aplicados no caso em litígio.

2. Para a FP, o Tribunal a quo não valorizou, nem ponderou, devidamente, a prova oferecida e produzida pela recorrida nos autos, bem como, sequer considerou prova que consta dos autos e centrou a decisão de facto na superficialidade de documentos apresentados e depoimentos prestados nos autos que levou à matéria de facto provada sob os pontos 19 a 26 da douta sentença em recurso.

3. Conforme consta da douta sentença em recurso, na parte da motivação da matéria de facto provada, o Tribunal a quo atentou aos documentos da p.i. e aos depoimentos prestados nos autos para dar como provada a tese e a veracidade da tese da recorrida, sendo que, quanto àquela prova oferecida e produzida, para FP, o Tribunal a quo não ponderou, designadamente,
a) A diferença entre a variação patrimonial positiva (€ 50 553,22) e a justificação apresentada pela recorrida (€ 50 000,00) e, em consequência, a falta de explicação (sequer alegada) para a totalidade da quantia considerada pela AT como variação patrimonial positiva (faltam € 553,22);
b) Ausência de qualquer elemento externo, aposto no contrato promessa, que seja susceptível de evidenciar que o mesmo foi celebrado em 21 de Dezembro de 2007 e não em qualquer outra data, ou com outros termos e/ou valores – como seja, por hipótese, a ausência de reconhecimento notarial de assinaturas ou de pagamento do devido imposto selo;
c) Ausência de concreta explicação susceptível de justificar as diferenças entre o contrato promessa e a Escritura Publica, designadamente, quanto ao prazo para celebração de contrato definitivo, quanto ao objecto e quanto ao preço – sendo a justificação “negociações difíceis” apresentada pela testemunha «AA» vaga e lacónica;
d) Ausência de conhecimento directo por parte das testemunhas inquiridas – nenhuma das testemunhas tinha conhecimento directo da alegada promessa de compra e venda dos lotes de terreno e/ou sua formalização, nunca tendo presenciado qualquer um dos momentos daquele negócio, tendo ambas as testemunhas prestado depoimento do que ouviram dizer;
e) Ausência de explicação para o facto de o alegado sinal em numerário (€ 100 000,00) se encontrar distribuído por 2 envelopes;
f) Ausência de explicação para, conforme consta do depoimento prestado pela testemunha «AA» (à data dos factos empregado de uma terceira empresa em relação às alegadamente envolvidas), os referidos (2) envelopes se encontravam devidamente assinalados e identificados com o timbre/carimbo, num deles da [SCom01...] e no outro da [SCom02...] – o que levou a testemunha em causa a proceder (e bem, ou seja, sem lapso e sem engano) ao depósito na respectiva conta bancária dos dinheiros que se encontravam no envelope com o carimbo da [SCom01...] (€ 50 000,00) e ao depósito na respectiva conta bancária dos dinheiros que se encontravam no envelope com o carimbo [SCom02...] (€ 50 000,00).

4. Para além da dificuldade em aceitar e em compreender, de acordo com o padrão do homem médio e comum, a entrega de um sinal, à data dos factos (2007), e mesmo na actualidade, de € 100 000,00 em numerário – o que o Tribunal a quo não ponderou – também pelas alíneas a) a f) da conclusão anterior o Tribunal a quo não valorizou e não ponderou, devidamente, documentos e depoimentos que pela recorrida foram oferecidos e produzidos

5. O Tribunal a quo também não valorizou, nem ponderou, sequer considerou, outros (e bastantes) elementos recolhidos pela AT em sede inspectiva, que constam do RIT, nomeadamente, na parte que o Tribunal a quo transcreveu e levou à matéria de facto provada da douta sentença em recurso sob o ponto 9, a saber:
a) A contabilidade da recorrida não regista qualquer lapso, nomeadamente, no depósito de um sinal, ou qualquer outro (conforme consta dos pontos 90 a 96 do RIT)
b) A contabilidade da recorrida reflecte, quanto à quantia de € 50 553,22 uma entrada em “caixa” e uma saída em (para) “bancos”, ou seja, aquela quantia (€ 50 553,22) era e continuou a ser património da recorrida (pontos 90 a 96 do RIT)
c) A contabilidade da recorrida reflecte, quanto à quantia de € 50 000,00, tão só, um levantamento em numerário, ou seja, aquela quantia saiu sem justificação (ponto 79 do RIT)
d) O alegado lapso não foi assinalado pelo Revisor Oficial de Contas no parecer por si emitido (ponto 68 do RIT)
e) O vendedor dos lotes de terreno não apresentou extractos bancários de levantamento, no todo ou em parte, dos € 100 000,00 – o que também consubstancia um elemento externo ao contrato promessa que permite aferir da veracidade do mesmo (ponto 58 do RIT)
f) A [SCom01...] apresentou 2 versões para a saída de dinheiros do seu património, sendo que a primeira versão apresentada (de lapso quanto a suprimentos da [SCom03...], Lda e correcção do mesmo) foi uma versão pensada e estudada e, a segunda versão (lapso no depósito de um sinal e correcção do mesmo) foi apresentada pela [SCom02...], posteriormente pela [SCom01...] (pontos 100 a 115 do RIT, bem como anteriores pontos 42, 43 e 51,52 do RIT)
g) Na versão apresentada pela [SCom02...] de lapso no depósito de um sinal não foi feita qualquer referência à [SCom01...], sequer relacionados os montantes depositados em ambas as empresas (ponto 115 do RIT)
h) As versões da [SCom01...] e da [SCom02...] foram apresentadas pela mesma pessoa, concretamente, TOC, à data dos factos, comum à [SCom01...], [SCom02...] e [SCom03...], Lda, e, à data dos factos, vogal do conselho de administração da [SCom01...] e da [SCom02...], (pontos 41, 47, 51 e 66 do RIT).
i) Nem a recorrida, nem o DMMP, nem o Tribunal a quo relevaram a apresentação sucessiva de diferentes versões, como se de mais um lapso se tratasse, sem que tivessem inquirindo o TOC – o qual não foi oferecido como testemunha pela recorrida e o qual, nem o DMMP, nem o Tribunal a quo entenderam, oficiosamente, inquirir, como podia e devia ter sido promovido e/ou ordenado.

6. O Tribunal a quo, para a FP, centrou a decisão de facto na superficialidade de documentos e na superficialidade de depoimentos, pois que, não é possível associar a Escritura Pública ao contrato promessa apresentado pela recorrida por ausência de quaisquer elementos externos susceptíveis de evidenciar a veracidade do contrato promessa e as duas testemunhas inquiridas limitaram-se a relatar (ambas) o sucedido no dia 27 de Dezembro de 2007 (de que não houvera um levantamento e subsequente depósito de qualquer quantia em numerário) e a relatar (uma delas) o sucedido no dia 21 de Dezembro de 2007 (depósito de dinheiros que se encontravam no interior de 2 envelopes e em conformidade com o escrito nesses 2 envelopes).

7. Para a FP, o Tribunal a quo errou no julgamento de facto e, com erro, considerou verdadeira e provada a tese da recorrida que, com erro (o que já se disse), levou à matéria de facto provada da douta sentença em recurso sob os pontos 19 a 26,

8. Pelo que, corrigida, como se espera, a matéria de facto provada, deve a entrada de dinheiros (depósito em numerário de € 50 553,22 no dia 21 de Dezembro de 2007) ser considerada como uma variação patrimonial positiva não reflectiva no resultado do exercício que concorreu para a formação do lucro tributável (artigo 21º, do CIRC), e, deve a saída de dinheiros (desconto de um cheque em numerário de € 50 000,00 no dia 26 de Dezembro de 2007) ser considerada uma despesa não documentada sujeita a tributação autónoma (81º, nº1, do CIRC).
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2.2. A Recorrida apresentou contra-alegações, concluindo que:

A. A douta sentença sob recurso fez criteriosa análise das normas jurídicas aplicáveis, não se verificando qualquer erro de julgamento nem omissão crítica da prova.
B. Tendo decidido com acerto, deve, por isso, ser confirmada.
C. Por outro lado, o recurso agora apresentado pela Fazenda Pública deve ser rejeitado.

D. Na verdade, face ao disposto no art.º 640.º do CPC, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, recai sobre a Recorrente o ónus de especificação (i) dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, (ii) dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida e (iii) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
E. Decorre ainda do n.º 2 daquele artigo que, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso.
F. Ora, analisando as alegações de recurso, facilmente se comprova que não se mostra cumprido o ónus a cargo da Recorrente seja quanto à indicação dos meios probatórios, seja quanto à indicação exata das passagens da gravação em que funda o recurso, seja quanto à decisão que deveria ter sido proferida sobre as questões de facto impugnadas.
G. Independentemente do que antes se referiu, acresce, ainda, que as alegações da Recorrente constituem meras ilações sem qualquer valia probatória que autorize a alteração da matéria de facto dada como provada.

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2.3. O Ministério Público emitiu douto parecer defendendo a improcedência do recurso.
2.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cfr. art. 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.


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3. Na sentença recorrida julgaram-se provados os seguintes factos:

1. Em 21 de Dezembro de 2007 foi efetuado, na conta n.º 19..............-6 do Banco 1..., titulada pela impugnante, um depósito no valor de €50.903,72, do qual € 50.553,22 em numerário e o restante em cheques de outras instituições de crédito – cfr. doc. 4 junto com a PI.
2. Na mesma data foi realizada uma operação idêntica na conta bancária n.º 19......-8, do Banco 1..., titulada pela [SCom02...], SA (doravante, [SCom02...]), no montante de € 52.164,33 – cfr. fls. 3 do doc. 5 junto com a PI.
3. Em 26 de Dezembro de 2007, é emitido um cheque sobre a conta do Banco 1... n.º 19..............-6, no valor de € 50.000,00 – cfr. doc. 6 junto com a PI.
4. Na mesma data é emitido, pela [SCom02...], um cheque nas mesmas circunstâncias referidas no ponto anterior – cfr. doc. 7 junto com a PI.
5. Neste mesmo dia, junto do mesmo balcão do Banco 1... são efetuados dois depósitos, em numerário, na conta n.º 22.....-7, titulada pela sociedade comercial “[SCom03...], Lda.”, no montante de € 50.000,00, cada – cfr. doc. 8 junto com a PI.
6. Ao abrigo da ordem de serviço n.º OI200....62, emitida em 29.09.2009, foi realizada pelos serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças ... uma ação inspetiva, de âmbito geral, com incidência nos exercícios de 2007 e 2008 – cfr. doc. fls. 1 do processo administrativo apenso (doravante, apenso);
7. Através do ofício nº ...81 de 07.09.2010 foi o sujeito passivo notificado do projecto de relatório do procedimento inspectivo e, ainda, para querendo, exercer, no prazo de 10 dias, o seu direito de participação na decisão de tal procedimento – cfr. doc. fls. 2 a 24 do apenso.
8. Em 23.09.2010 deu entrada na Direcção de Finanças ... requerimento apresentado pela aqui Impugnante, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, pedindo a alteração, no relatório final, do sentido da decisão projectada quanto à variação patrimonial positiva e à tributação autónoma – cfr. doc. de fls. 111 a 116 do apenso.
9. A 06.10.2010, os Serviços de Inspeção Tributária elaboraram, no âmbito da ação inspetiva acima referida, Relatório de Inspeção Tributária, do qual se extrai, para o que no caso releva, o seguinte teor:
“ [...]
III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES À MATÉRIA TRIBUTÁVEL E AO IMPOSTO EM FALTA
[...]
III.3 Análise dos Movimentos Financeiros
[...]
Cheque e depósito em numerário

36. Da listagem de cheques mencionados no ponto 21 cumpre analisar a fotocopia frente e verso do cheque nº ...32 emitido a 26 de Dezembro de 2007 no valor de € 50.000,00 (Anexo 7).
37. Trata-se de um cheque emitido ao portador, constando do seu verso a menção autorizo o levantamento em numerário e a assinatura do presidente da [SCom01...]
38. Questionado verbalmente o Sr. Dr. «BB», vogal do Conselho de Administração e TOC da empresa inspeccionada, sobre o destino deste cheque alegou tratar-se de uma situação que explicaria posteriormente pois estaria a reunir os necessários documentos comprovativos.
39. Para além dos elementos constantes do ponto 21, na análise dos extractos bancários detectou-se a existência de um depósito em numerário efectuado em 21 de Dezembro de 2007 numa das contas da sociedade no Banco 1... (conta ...66) no valor de € 50.553,22 (Anexo 8).
40. Note-se que este depósito em numerário faz parte do lançamento interno nº 8, diário de Bancos de 31 de Dezembro de 2007 constituído por 33 movimentos (no qual se inclui o referido depósito em numerário) a débito da conta 1203 (Banco 1...) no total de € 122.462,22 por contrapartida de um único movimento a crédito da conta 11 (Caixa – saída de numerário dos cofres da empresa) por aquele valor (Anexo 9).
41. Sendo de todo desconhecida a origem deste montante, não tendo ainda sido esclarecida a questão do destino do cheque ao portador (ponto 30) e no sentido de esclarecer ambos os assuntos, ouviu-se em declarações o Sr. Dr. «BB», vogal do Conselho de Administração e TOC da empresa inspeccionada (Anexo 10).
42. Foram-lhe colocadas as seguintes questões:
a) Qual a origem da depósito em número no valor de € 50.553,22, depositado em 2007.12.21, na conta n.º ...58 do Banco 1...;
b) Qual o destino do cheque cruzado n.º ...........32 no valor de € 50.000,00 do Banco 1... datado de 2007.12.26, emitido ao portador cujo verso contém a menção autorizo o levantamento em numerário e assinatura deo Presidente da [SCom01...].
43. A estas duas questões, foi dada uma única resposta: o valor de €50.000,00 foi por engano depositado na conta de [SCom01...] SA quando se referia a suprimentos dos sócios de [SCom03...]. No dia seguinte foram levantados e depositados simultaneamente no mesmo banco e na conta corrente. 24. Anexou ao respectivo termo de declarações uma fotocópia do talão de depósito em numerário de € 50.553,22, que se encontrava evidenciado nos extractos bancários da [SCom01...], e um talão de depósito também de numerário (n.º ...24), no valor de € 50.000,00 que se encontrava evidenciado numa conta de uma outra sociedade denominada [SCom03...] Lda.
45. Concluindo, assim, encontrar-se justificado, quer o depósito de numerário nas contas da inspeccionada, quer ainda um levantamento efectuado mediante cheque emitido ao portador de um valor semelhante, que segundo este seria um suprimento em numerário nas contas da sociedade [SCom03...] SA.
46. Refira-se que, em simultâneo com a presente acção inspectiva decorreu também uma acção de inspecção, para os mesmos exercícios, à sociedade [SCom02...] SA (doravante designada por [SCom02...]) NIPC ...85, sociedade detentora do capital da [SCom01...], cujo desenvolvimento da actividade decorre nas mesmas instalações da empresa aqui em análise, e cujo presidente do conselho de Administração é também «CC».
47. Refira-se que os procedimentos contabilísticos utilizados na [SCom02...] são em tudo semelhantes aos utilizados na [SCom01...], (em concreto os referenciados no ponto 13) verificando-se inclusivamente haver identidade no Técnico Oficial de Contas, o Dr. «BB», o qual também exerce funções de vogal no Conselho de Administração da [SCom02...].
48. No decurso da acção inspectiva efectuada à [SCom02...], cuja metodologia foi semelhante utilizada na [SCom01...], foi também detectada a existência de um depósito em numerário, no valor de € 52.164,33, efectuado em 21.12.2007 numa conta bancária do Banco 1... (conta n.º 11...............-8) (Anexo 11).
49. Solicitados os devidos esclarecimentos no decurso da acção, foi referido que tai depósito em numerário estaria relacionado com a venda de uns lotes de terreno para construção pertença da empresa [SCom03...] Lda, e que teriam sido por engano depositados na conta bancária da [SCom02...].
50. Atendendo às declarações prestadas verbalmente solicitou-se à [SCom02...], mediante notificação, para o efeito, um esclarecimento escrito, sobre a origem do numerário, e bem assim, sobre a natureza da operação subjacente, solicitando-se também a junção do documento contabilístico associado à entrada do dinheiro (Anexo 12 ponto 35 da Notificação)
51. Foi obtida a seguinte resposta por parte da [SCom02...], na pessoa de «BB»: o sinal do contrato foi efectuado em dinheiro e depositado erradamente numa conta da [SCom02...]. No dia seguinte quando o contabilista detectou o erro, foi emitido um cheque que foi automaticamente depositado numa conta da sociedade [SCom03...]. (Anexo 13).
52. Anexou uma fotocópia de um contrato promessa de compra e venda estabelecido entre a sociedade [SCom03...] e «DD», NIE 189193794 celebrado em 21-12-2007 pelo valor de € 150.000,00 sendo pago naquela data, a titulo de sinal, € 100.000,00 e os restantes € 50.000,00 a serem pagos no acto da escritura que se previa ser realizada até 2010-06-30, ou seja, dois anos e meio depois. (Anexo 13).
53. Juntou também um talão de depósito (n.º ...25) no valor de € 50.000,00 datado de 26.12.2007 efectuado numa conta bancária da [SCom03...] Conta n.º ... do Banco 1...) e fotocópia de um cheque emitido pela [SCom02...], ao portador, em 26.12.2007, cujo verso contem a menção autorizo o levantamento em numerário e a assinatura do presidente do conselho de administração da [SCom02...], «CC» (Anexo 14).
54. Concluindo, assim, encontrar-se justificado, quer o depósito de numerário na conta da [SCom02...] quer ainda o levantamento efectuado mediante cheque emitido ao portador, de um valor semelhante, que corresponderia ao recebimento de um sinal em numerário decorrente da venda de uns lotes de terreno para construção da sociedade [SCom03...].
55. Foi notificada a sociedade [SCom03...], relativamente ao referido contrato promessa de compra e venda, solicitando-se os seguintes elementos:
a) Extractos de conta corrente do cliente desde 2007;
b) Fotocópias dos documentos comprovativos do recebimento do sinal no valor de € 100.000,00;
c) Indicação do n.º do lançamento contabilístico referente ao recebimento do sinal juntando o diário (todas as contas movimentadas);
d) Extractos contabilísticos da(s) conta(s) onde foi depositado o montante do sinal;
e) Extractos bancários do mês onde conste o depósito do referido montante.
56. Em resposta ao nosso oficio procedeu a empresa ao envio de todos os elementos solicitados, donde se destacam as fotocópias dos talões de depósito n.º ...24 e ...25, na conta 11.............-7 do Banco 1... de € 50.000,00 cada e o extracto bancário onde se encontram assinalados dois depósitos em numerário de € 50.000,00 efectuados no dia 26 (Anexo 14).
57. Foi também notificado o promitente-comprador dos lotes de terreno para construção «DD», sujeito passivo n.º ...94 solicitando-se os seguintes elementos:
a) Fotocópias dos documentos comprovativos do pagamento do sinal no valor de € 100.000,00;
b) Extractos bancários do mês onde conste a saída do referido montante.
58. Em resposta ao nosso oficio, «DD», remeteu fotocópia do contrato e referiu que quanto aos extractos bancários não é possível apresentar uma vez que o valor do sinal foi entregue em numerário. (Anexo 15)
Síntese da análise efectuada
59. A explicação para justificar a entrada e saída, sempre em numerário, do elevado montante detectado, não se encontra demonstrada, no plano contabilístico da sociedade.
50. Efectivamente, estamos em presença de movimentos financeiros que não se encontram suportados contabilisticamente por qualquer tipo de documento, existindo apenas extractos contabilísticos e bancários que revelam a movimentação dos valores em análise, movimentação essa que não permite estabelecer qualquer correlação com a versão que foi apresentada pelo sujeito passivo.
61. Acresce que, a justificação segundo a qual um (duplo) lapso teria determinado que o montante em causa tivesse ingressado na esfera patrimonial da sociedade inspeccionada, quando, o mesmo seria pertença de outra sociedade com membros de administração comuns, não tem qualquer apoio documental nos elementos da contabilidade.
62. Por outro lado, não pode deixar de salientar-se que foram apresentadas justificações divergentes no que concerne à operação que teria estado na base do erro: o Sr. Dr. «BB» (TOC de todas as sociedades referenciadas e vogal do Conselho de Administração da [SCom01...] e [SCom02...]) referiu que o valor corresponderia a um suprimento dos sócios da sociedade [SCom03...]; posteriormente, quando notificada a [SCom02...] a esclarecer os movimentos em causa, apresentou uma versão divergente, referindo que os € 50.000,00 corresponderiam a parte de um sinal da promessa de venda de uns lotes de terreno efectuada pela sociedade [SCom03...].
63. Quanto à primeira versão apresentada (suprimento) o único suporte documental apresentado corresponde ao talão de depósito (nº ...24) junto a este relatório como parte integrante do anexo 10, documento este que do ponto de vista probatório não permite atestar da veracidade da justificação oferecida.
64. Idêntica conclusão se chega relativamente a segunda justificação que foi avançada pele [SCom02...].
65. Na verdade, e não obstante o sujeito passivo ter tentado fazer corresponder a entrada e saída (saliente-se que estamos sempre em presença de depósitos e levantamentos em numerário de montantes elevados) a um eventual contrato promessa de compra e venda de dois lotes de terreno (pertença de outra sociedade), e que por lapso teriam sido depositado nas contas bancárias da sociedade inspecionada, certo é que os elementos apresentados não permitem confirmar a tese avançada seja pelo facto de contabilisticamente os referidos movimentos não se encontrarem documentalmente relevados na esfera do sujeito passivo, seja pelo facto de apesar de haver coincidência de datas entre o levantamento, em numerário de € 50.000.00 da conta bancária da inspeccionada, e o depósito de montante de idêntico valor, também em numerário, na conta bancária da sociedade [SCom03...], não ser possível afirmar que o numerário que foi levantado seja efectivamente o mesmo numerário que foi depositado nesta última sociedade.
66. Neste último particular, não pode deixar de se evidenciar que o levantamento do montante da conta bancária da sociedade inspeccionada teve por base um cheque emitido ao portador de cujo verso consta autorizo o levantamento em numerário, seguido da assinatura do Sr. Presidente das três empresas referidas, Sr. «EE».
67. Ora, a verificar-se a existência de um lapso no ingresso na esfera patrimonial da sociedade inspecionada do elevado montante em causa, carece de explicação lógica e fiável, o facto de a suposta regularização do lapso se efectuar mediante o levantamento em numerário de cinquenta mil euros do cheque emitido, para posteriormente se proceder ao depósito de igual valor na conta de outra sociedade, com o mesmo administrador, quando bastaria o simples depósito do cheque emitido pelo sujeito passivo inspeccionado.
68. Refira-se ainda eventual lapso também não foi assinalado pelo sr. Revisor Oficial de Contas, no parecer por si emitido.
69. Por esta razão, à falta de elementos que permitam demonstrar o afirmado, não é possível estabelecer uma correlação entre os movimentos descritos, sendo que o facto de existir coincidência na data em que foram efectuados os movimentos referenciados pelos sujeitos passivos não autoriza a conclusão de que estamos em presença do mesmo numerário, tanto mais que a forma como teria sido efectuada correcção (levantamento em numerário, com base num cheque, da conta bancária de uma sociedade e posterior depósito em numerário na conta bancária de outra sociedade), não se mostra consentânea com as regras da experiência comum, e à luz de um critério de normalidade de actuação tendente à correcção de um erro no depósito de valores.
70. Aliás, é de difícil compreensão que se proceda ao levantamento em numerário para em seguida proceder ao depósito em numerário em outra conta bancária de outra sociedade na mesma instituição bancária, implicando assim a contagem e recontagem de tão elevado montante, quando mesmo objectivo se alcançaria com o mero depósito do cheque emitido (o que permitiria inclusivamente estabelecer a identificação e o destino do valor em causa).
71. Assim, e porque os elementos apresentados não permitem validar a justificação apresentada, porque não apoiada em elementos probatórios bastantes, não poderemos aceitar justificação apresentada, e iremos, por conseguinte, proceder ao tratamento fiscal que se impõe em face dos movimentos patrimoniais detectados.

Correcções a efectuar
72. Assim, o depósito em numerário efectuado na conta bancária da [SCom01...], no valor de € 50.553,22, constitui, em conformidade com o artigo 21' do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), uma variação patrimonial positiva não reflectida no resultado líquido do exercício, que concorre para a formação do lucro tributável.
73. O cheque emitido ao portador e levantado em numerário no valor de € 50.000,00 constitui uma despesa não documentada (despesas que como a sua própria designação indica, não são especificadas, ou identificadas, quanto à sua natureza, origem ou finalidade) que, em conformidade com o n .º 1 do art .º 81.º do CIRC (actual art .º 88.), é tributada autonomamente à taxa de 50%.
[...]

IX. Direito de Audição
74. Foi notificado o sujeito passivo, mediante carta registada, para, no prazo de 15 dias, e nos termos previstos nos art.º 60º da Lei geral Tributária e 60.º do Regime Complementar de Prevenção e Inspecção Tributária, exercer o direito de audição que lhe assiste.
75. Tendo este sido exercido mediante comunicação escrita que deu entrada (n.º ...84) nestes serviços a 23 de Setembro de 2010.
76. Do teor do referido direito de audição, o sujeito passivo refere o seguinte:
Como já foi declarado por todos os intervenientes no negócio, a sociedade [SCom03...] Lda, celebrou em 21 de Dezembro de 2007, com «DD», um contrato promessa de compra e venda de três lotes de terreno para construção urbana (com os números 33, 41 e 42), tendo sinalizado o referido contrato com a entrega, em dinheiro, no valor de €100.000,00
Tal quantia foi indevidamente depositada, nesse mesmo 21 de Dezembro de 2007, nas contas da [SCom02...] e da [SCom01...] nos moldes já por diversas vezes explicitado. O dia 21 de Dezembro de 2007 coincidiu com uma sexta-feira. O dia 24 e Dezembro de 2007, véspera de Natal, é um dia em que, por força de convenção colectiva de trabalho, as seguradoras encerram ao público, não se podendo neste momento assegurar se tal não aconteceu também com os bancos. O dia 25 de Dezembro de 2007 é feriado nacional, como é facto notório.
Assim, no primeiro dia útil posterior ao depósito indevido, promoveu-se o levantamento ao balcão do Banco 1... do cheque emitido pela [SCom01...], e o mesmo funcionário daquela instituição promoveu o depósito dessa importância na conta da sociedade [SCom03...] Lda.
O único objectivo visado com tal procedimento foi dar ao negócio a veracidade da sua formulação originária, isto é, se o pagamento efectuado pelo cliente da sociedade [SCom03...] foi em dinheiro, deveria ser essa, também, a expressão bancária e contabilística do pagamento.
77. Em conformidade com os documentos bancários apresentados pela sociedade [SCom03...] Lda, é um facto que no dia 26 de Dezembro de 2007 foi efectuado um depósito em numerário nas contas desta sociedade de €100.000,00.
78. Resulta dos documentos por esta sociedade apresentados, que tal recebimento se ficaria a dever à celebração de um contrato promessa de compra e venda de uns lotes de terreno para construção, do qual resultou que «DD» (segundo Outorgante) teria efectuado um pagamento, em numerário, e a título de sinal de € 100.000,00 (o preço dos lotes seria de €150.000,00; a diferença seria paga no acto da escritura que por vontade das partes até à presente data, ainda não foi celebrada).
79. Resulta da contabilidade da [SCom01...] e da [SCom02...] que no dia 26 de Dezembro de 2007 foi efectuado um levantamento em numerário de € 50.000,00 das contas bancárias de cada uma destas sociedades.
80. Levantamentos, esses, que o sujeito passivo vem agora relacionar com a venda dos mencionados lotes de terreno para construção de uma terceira sociedade.
81 E que, segundo o depoimento agora apresentado tais quantias teriam sido, por erro praticado por um funcionário administrativo, depositadas nas contas bancárias da [SCom01...] e da [SCom02...].
82. E que as referidas sociedades, alheias ao negócio, apenas teriam devolvido aquilo que não lhes era devido.
83. Anote-se que o mencionado funcionário administrativo, em conformidade com os elementos recolhidos no talão de depósito, corresponde a «AA», NIF ...45, pessoa que no ano de 2007 não exercia quaisquer funções, quer nas sociedades [SCom01...] e [SCom02...], quer na sociedade [SCom03...].
84. A actividade profissional que se lhe conhece, no referido ano de 2007, resulta da sociedade [SCom02...] LDA, NIPC ...92 da qual são sócios os senhores administradores da [SCom02...] e [SCom01...], «EE», «BB» (TOC de todas as sociedades aqui em questão – [SCom01...], [SCom02...], [SCom03...], [SCom02...] para a Gestão) e ainda «FF», NIF ...74 e «GG» NIF ....
85. E teria sido este funcionário administrativo que, conforme consta nos talões de depósito apresentados, no dia 21 de Dezembro de 2007, tinha na sua posse € 100.000,00 em numerário, alegadamente proveniente da venda de uns lotes de terreno para construção, pertença de uma sociedade, com a qual não se lhe conhece qualquer vinculo laboral, e que por lapso, ou duplo lapso teria depositado, não na conta da sociedade a quem alegadamente pertenceria o numerário, mas repartindo o montante pelas contas bancárias de duas sociedades: a [SCom01...] e a [SCom02...].
86. E que no dia 26 de Dezembro de 2007 este mesmo funcionário administrativo procedeu ao depósito de € 100.000,00, também em numerário, na conta bancária da sociedade [SCom03...] Lda.
87. O raciocínio apresentado pelo sujeito passivo, parte do principio, que tudo não terá passado de um lapso, qual teria sido prontamente corrigido.
88. No entanto, parte da premissa de que estamos falar do mesmo numerário: o depositado na [SCom01...] e na [SCom02...], posteriormente levantado, em numerário, e o depositado numa terceira sociedade também em numerário.
89. E que a razão de ser desta movimentação de numerário se prenderia com dar ao negócio a veracidade da sua formulação originária, isto é, se o pagamento efectuado cliente da sociedade [SCom03...] Lda. foi em dinheiro, deveria ser essa, também expressão bancária e contabilística do pagamento.
90. Anote-se que, na contabilidade da [SCom01...], o documento de suporte deste movimento é o documento interno n.º 8, diário bancos de Dezembro de 2007, onde o sujeito passivo regista uma entrada em bancos de € 122.462,22 (onde, entre 28 movimentos se inclui o depósito aqui em crise) por contrapartida da conta caixa.
91. Apenas foi possível detectar esta situação através do extracto bancário (Anexo 8), onde, entre tantos movimentos assinalados, se encontra também o montante de € 50 553,22.
92. Por esta razão foi referido que este movimento não tinha qualquer suporte documental a não ser o próprio movimento financeiro, patente nos extractos bancários não se encontrando sequer o alegado lapso reflectido na contabilidade por forma a dar a esta a veracidade da sua formulação.
93. Salienta-se novamente que esta situação apenas foi detectada, atenta a inexistência de qualquer documento de suporte, que pudesse evidenciar a existência de um lapso, pelo facto de ter sido solicitado ao sujeito passivo uma amostra de vários documentos (talões de depósito e fotocópias de cheques frente e verso), onde se incluíam os movimentos aqui em crise.
94. Quanto aos extractos contabilísticos da sociedade estes revelam que os 28 movimentos de entradas na conta bancária, descritos no ponto 90, num total de € 122 462 22, (onde se inclui o montante aqui em questão) saem da conta 11 (Caixa) da [SCom01...].
95. Ou seja, face aos próprios registos contabilísticos da sociedade inspeccionada os € 50.000,00 de numerário, cuja origem se desconhece, teriam sido depositados inicialmente na caixa da própria empresa, pois dela saíram em direcção a uma conta bancaria.
96. Não sendo possível à administração tributária partir da conclusão que esta numerário seria o mesmo numerário de uns suprimentos ou de um contrato promessa de compra e venda celebrado entre uma terceira sociedade e um particular, e os montantes depositados nas contas bancárias da [SCom01...] e da [SCom02...].
97. Razão pela qual foram tributados nos exactos moldes já explicados.
98. Com referência às declarações avançadas em sede do presente direito de audição, nomeadamente:
Finalmente refere-se a divergência entre as explicações fornecidas quer pela [SCom02...] quer pela [SCom01...] para o depósito de € 50.000,00 ocorrido em cada uma das sociedades, facto que causou alguma estranheza uma vez que o Técnico Oficial de Contas era o mesmo sendo também comum a ambas as sociedades um dos administradores.
As declarações do Técnico Oficial de Contas no Ambito do procedimento inspectivo A [SCom01...] foram prestadas em 17 de Dezembro de 2009. Nessa data, e apesar das diligencias efectuadas, a única explicação plausível para aquela movimentação financeira, atendendo ao facto de, como já se referiu, o depósito inicial da [SCom01...] ter resultado de um lapso, sendo aquela que foi avançada pelo técnico de contas.
Só com a notificação efectuada em 9 de Março de 2010, no âmbito do procedimento inspectivo à [SCom02...], e onde se detectou situação idêntica, foi possível reconstituir por memória o cenário ocorrido em 21 de Dezembro de 2007.
Ora, não deixa de ser sintomático que durante o período de tempo que decorreu desde a tomada de declarações ao técnico oficial de contas em Dezembro de 2007 (certamente quereria dizer 2009), e a posterior resposta enviada pela [SCom02...], bem como da recolha dos elementos em posse de terceiros que a administração tributária julgou necessários, o técnico oficial de contas não tenha sido, pessoalmente, confrontado com aquela eventual contradição de forma a poder apresentar as suas explicações.

99. Cumpre referir o seguinte:
100. O Técnico Oficial de Contas, o Sr. Dr. «BB», vogal da [SCom01...], administrador da [SCom02...] e técnico oficial de contas da [SCom03...], quando questionado sobre a razão do depósito em numerário efectuado na conta bancária da [SCom01...] referiu tratar-se de suprimentos dos sócios de [SCom03...].
101. Ora, conforme já foi mencionado no ponto 38 do presente relatório, o Sr. Dr. «BB», já havia sido questionado verbalmente sobre o destino do cheque, no valor de € 50.000,00, tendo referido tratar-se de uma situação que explicara posteriormente pois estaria a reunir os necessários documentos comprovativos.
102. Por outro lado, no inicio da acção inspectiva, a 15 de Outubro de 2009, e atentos os procedimentos contabilísticos relativos à movimentação das contas bancárias, o técnico de contas prontificou-se a solicitar as respectivas entidades bancárias fotocópias frente e verso de cheques, sendo que alguns destes elementos poderiam ser extraídos de imediato através da Internet
103. Nesse mesmo dia, foram então seleccionados dois cheques, um do mês de Junho (cheque n.º ...16 do Banco 1... no valor de € 22.000,00 e um do mês de Dezembro de 2007 no valor de € 50.000,00 (cheque n.º ...32 do Banco 1...), tendo sido fornecida apenas a fotocópia frente e verso do cheque emitido em Junho (Anexo 16).
104. No que diz respeito ao cheque emitido em Dezembro, o qual corresponde ao cheque ao portador objecto de tributação no presente relatório, o Sr. Dr. «BB», referiu não ser possível aceder ao mesmo remetendo a sua apresentação para um momento posterior.
105. No dia 24 de Novembro de 2009, data em que se solicitou por escrito ao sujeito passivo fotocópias frente e verso de vários documentos bancários, e atendendo que até aquela data não tinha sido exibida a fotocópia frente e verso do cheque em causa, Incluiu-se o mesmo na notificação (Anexo 4).
106. No dia 27 de Novembro de 2009, o sujeito passivo, em resposta à notificação procedeu à entrega dos elementos solicitados, tendo os mesmos sido objecto de análise, verificando-se, apenas nessa data, que o cheque n.º ...32 do Banco 1..., era afinal um cheque emitido ao portador e levantado em numerário.
107. Razão pela qual foi o sujeito passivo questionado verbalmente sobre o destino do cheque, tendo alegado tratar-se de uma situação que explicaria posteriormente pois estaria a reunir os necessários documentos comprovativos.
108. No dia 17 de Dezembro de 2009, o sujeito passivo avançou com a sua explicação, efectuando a relação entre o depósito em numerário de € 50.000,00 ocorrido no dia 21 de Dezembro de 2007 e o levantamento em numerário ocorrido no dia 26 de Dezembro de 2007, alegando tratar-se de um depósito por engano efectuado na conta da [SCom01...] e relativo a suprimentos dos sócios da sociedade [SCom03...].
109. Estas declarações foram nessa data reduzidas a escrito através do auto de declarações constante do anexo 10.
110. Conforme se pode verificar (página 5 do Anexo 10) a data em que a fotocópia frente e verso do cheque ao portador n.º ...32 foi extraída da Internet foi o dia 19 de Outubro de 2009, quatro dias após lhe ter sido solicitada, contudo apenas dia 27 de Novembro e no seguimento da notificação escrita, é que exibe a referida fotocópia.
111. Encontrando-se esta fotocópia na sua posse desde o dia 19 de Outubro, data em foi extraída da Internet, e tendo apresentado uma justificação para as operações subjacentes a 17 de Dezembro, decorreram cerca de dois meses para que pudesse reconstituir de memória a situação e referir tratar-se de suprimentos da sociedade [SCom03...].
112. Nesta data o sujeito passivo não referiu a existência de uma situação idêntica na [SCom02...] (entrada em numerário no dia 21 de Dezembro e saída em numerário no dia 26 de Dezembro), tendo a situação na [SCom02...] apenas sido detectada numa fase posterior também através da selecção por amostragem, de vários documentos bancários
113. Apenas no dia 9 de Março de 2010, juntamente com outras situações entretanto detectadas na [SCom02...], questionou-se o sujeito passivo acerca da origem e destino dos € 50.000,00 detectados na [SCom02...].
114. Sendo a explicação avançada: o sinal do contrato foi efectuado em dinheiro e depositado erradamente numa conta de [SCom02...]. No dia seguinte quando o contabilista detectou o erro, foi emitido um cheque que foi automaticamente depositado numa conta da sociedade [SCom03...] (Anexo 13).
115. Nessa data, não foi feita qualquer referência, pelo sujeito passivo, às explicações avançadas na [SCom01...], ou sequer relacionados os montantes depositados em ambas as empresas.
116. Assim, em face de tudo quanto foi referido, não nos e permitida a conclusão de que estamos a falar do mesmo numerário: o depositado na [SCom01...], o depositado na [SCom02...], o posteriormente levantado em numerário, e o depositado em numerário numa terceira sociedade
117. Razão pela qual são de manter as correcções propostas no projecto de relatório.
[...]”
- cfr. doc. de fls. 125 a 154 do apenso.
10. O Relatório de Inspeção foi notificado à Impugnante, por ofício de referência ...75, datado de 13.10.2010 – cfr. documentos de 123/124 do apenso.
11. Em consequência das correcções efectuadas à matéria tributável, resultantes do procedimento inspectivo acima melhor identificado, foi emitida a liquidação adicional de IRC nº ...26, datada de 20.10.2010, relativa ao exercício de 2007, incluindo tributações autónomas no montante de €25.947,75 e juros compensatórios no montante de €3.610,33, tudo no valor global de €42.006,93 – cfr. docs. de fls. 174 a 176 do apenso.
12. Em 01.04.2011, a ora impugnante apresentou reclamação graciosa, no Serviço de Finanças ..., contra a liquidação adicional de IVA e juros compensatórios, identificadas na alínea precedente, solicitando a anulação das mesmas – cfr. doc. de fls. 165 a 172 do apenso.
13. Por despacho de 14.06.2011, o Diretor de Finanças Adjunto indeferiu a reclamação graciosa – cfr. doc. de fls. 236 do apenso.
14. Através de ofício datado de 22.06.2011, a impugnante foi notificada do indeferimento da reclamação graciosa – cfr. docs. de fls. 237/238 do apenso.
15. Em 25.07.2011, a impugnante interpôs recurso hierárquico do despacho de indeferimento da reclamação graciosa – cfr. doc. de fls. 239 a 242 (verso) do apenso.
16. Em 21.12.2011, a Directora de Serviços do IRC proferiu despacho de concordância, indeferindo o recurso hierárquico nos termos propostos na “INFORMAÇÃO” nº 2933/11, elaborada pela Direção dos Serviços do IRC em 30.09.2011 – cfr. doc. de fls. 247 a 258 do apenso.
17. A decisão identificada na alínea anterior foi notificada à impugnante através de ofício recebido em 17.01.2012 – cfr. docs. de fls. 259 e 260 do apenso.
18. Em 14.04.2012, a Impugnante deu entrada da presente impugnação judicial – cfr. fls. 2 do suporte físico dos autos.
Mais se provou o seguinte:
19. Por força de um contrato promessa de compra e venda celebrado com «DD», relativo à aquisição de três lotes de terreno para construção, a sociedade “[SCom03...], Lda.” recebeu a título de sinal e princípio de pagamento, em numerário, a quantia de €100.000,00 – cfr. docs. 9 e 10 juntos com a PI (fls. 49 a 54 do suporte físico dos autos).
20. A referida sociedade “[SCom03...], Lda.” tinha sede social no mesmo endereço da Impugnante, sendo um dos sócios o presidente do Grupo [SCom02...], «HH» – cfr. p. 12 do RIT (nota de rodapé nº 5).
21. O numerário entregue a título de sinal pelo cliente em causa encontrava-se, à data de 21 de Dezembro de 2007, nas instalações da Impugnante, sendo necessário providenciar pelo seu depósito em instituição financeira, atendendo ao facto de se aproximar um período em que os bancos estariam encerrados.
22. Aquele dinheiro mostrava-se distribuído por dois envelopes.
23. O funcionário da sociedade [SCom02...], LDA., que desconhecia, naquele momento, a existência do negócio com o Sr. «DD» e agindo no pressuposto de que estava em presença de valores entregues às duas sociedades ([SCom01...] E [SCom02...]), veio a depositar, por lapso, na conta da Impugnante o valor de €50.000,00 – cfr. doc. 4 junto com a PI (fls. 41 do suporte físico dos autos).
24. Com vista à sanação do lapso cometido, foi emitido, em 26 de Dezembro de 2007, um cheque da conta da Impugnante pelo valor de €50.000,00 correspondente ao valor do depósito indevidamente efectuado.
25. Que o referido funcionário fez incorporar na conta da sociedade “[SCom03...], Lda.”.
26. Tal procedimento foi seguido com a intenção de que ficasse registada na conta da sociedade “[SCom03...], Lda.” a natureza (em numerário) do pagamento efectuado pelo cliente desta, «DD».


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Matéria de facto não provada
Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

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Motivação da decisão de facto
Na determinação do elenco dos factos considerados provados o Tribunal considerou e analisou de modo crítico e conjugado os diversos meios de prova juntos aos autos, nomeadamente os documentos juntos aos autos pela Impugnante com o seu articulado e constantes do processo administrativo apenso, conforme assinalado em cada um dos pontos da matéria de facto assente.
Relativamente aos factos descritos nos pontos 19) a 26), a convicção do Tribunal resultou da conjugação dos documentos de fls. 41 a 50 (Docs. 4 a 9 juntos com a PI) e fls. 192 e ss. do suporte físico dos autos, com os depoimentos isentos e credíveis das testemunhas «AA» e «II».
Concretizando.
O depósito do dia 21 de dezembro de 2007, a emissão do cheque cruzado datado do dia 26 do mesmo mês e ano (n.º ...32), ao portador, com a menção “autorizo o levantamento em numerário” e um depósito no valor de 50.000,00 € na “[SCom03...], Lda.”, datado deste último dia, constam, respectivamente, dos documentos de fls. 59 e 67, 56 e 59 e 68 do apenso.
Por outro lado, o contrato promessa de compra e venda de três lotes de terreno, documento particular datado de 21 de dezembro de 2007, e o contrato de compra e venda que igualmente os abrangeu (além de outros seis), datado de 6 de novembro de 2015, constam, respectivamente, de fls. 49 e 50 do processo físico, e como documento n.º 005737037-SITAF.
A testemunha «AA», assessor da administração da [SCom02...], SA (entrou para o grupo empresarial em 2005), relatou a factualidade descrita nos pontos 19) a 26) de forma segura, rigorosa, circunstanciada e sustentada na prova documental acima identificada, demonstrando conhecimento directo da matéria em causa, razões que levaram o Tribunal a conferir credibilidade ao seu depoimento.
Por sua vez, a testemunha «II», funcionária do Banco 1..., disse que em 2007 exercia funções no balcão de ..., utilizando o nº mecanográfico ...86, que se encontra aposto nos talões de depósito de fls. 41 e 47/48 do suporte físico dos autos. Asseverou que nos casos em que as operações de levantamento e depósito são efectuadas de seguida e no mesmo valor, não há movimentação física de numerário. Acrescentou que teve conhecimento de que o depósito efectuado na conta da [SCom01...] se tinha devido a um lapso através do gerente do Banco e que a única maneira de o corrigir era através do procedimento adoptado.
Em face da prova documental e testemunhal produzida, ficou, pois, o Tribunal convencido da veracidade da versão dos factos apresentada pela Impugnante, acompanhando a argumentação expressa no parecer do Ministério Público, que pela sua relevância e pertinência se passa a transcrever: “Pese embora a existência de uma primeira justificação, dada enquanto decorria a acção inspectiva, pelo TOC, não coincidente com a por fim apresentada, facto é que, por um lado, não foi, na oportunidade, confrontado o TOC, por outro, não se vislumbra ser diverso o entendimento sobre o ocorrido, partindo do princípio da veracidade da versão da Impugnante, se o montante depositado o não tivesse sido em numerário, mas através de cheque. A explicação da testemunha «II», no que respeita aos procedimentos da entidade bancária, afiguram-se consentâneos com o explanado/sustentado pela Impugnante.
Acresce que, pese embora se constate uma variação entre o valor inserto no contrato promessa e o valor por que resultam vendidos os lotes em causa, para além de estarmos perante um negócio dependente da vontade das partes, a testemunha «AA» referiu-se a “negociações difíceis”, ao intuito de venda de um acervo de lotes. Aliás, estando a correr os presentes autos e tendo a Impugnante o total e cabal conhecimento de toda a documentação por si entregue ou que foi junta ao procedimento inspectivo, de acordo com as regras da experiência comum, fácil se tornaria adequar documentação posterior, se fosse esse o intuito e não o contrário.
E ainda que se nos afigura que a explicação dos diversos movimentos, acaba por se tornar linear e plausível.
Donde resulta, salvo melhor e mais abalizado entendimento, não estar comprometida a ligação entre contrato promessa e escritura pública.”

*
4. . Sendo as conclusões extraídas da motivação de recurso que sintetizando as razões do pedido recortam o thema decidendum, as questões que cumpre apreciar são as do erro de julgamento na apreciação dos factos e consequente erro na aplicação do direito.
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5. Da apreciação jurídica do recurso

Conforme decorre das conclusões de recurso, a Recorrente não concorda com o julgamento da matéria de facto realizada, dado que não valorizou, ponderou, devidamente, a matéria de facto que consta dos autos e centrou a decisão de facto na superficialidade de documentos da petição inicial e na superficialidade de depoimentos prestados nos autos.
Ora, da leitura quer da motivação, quer das conclusões, é passível de ser entendido que o Recorrente invoca erro de julgamento da matéria de facto.
Vejamos:
Dispõe o artigo 640º do Código de Processo Civil (doravante CPC) que:
Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a)- Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b)- Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c)- A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas».
2 – No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 – O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”
No que se refere ao cumprimento deste ónus impugnatório, o mesmo deve, tendencialmente, fazer-se nos seguintes moldes: “(…) enquanto a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória.” – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido a 19-02-2015 no processo 299/05.6TBMGD.P2.S1.
Aos concretos pontos de facto, concretos meios probatórios e à decisão deve o Recorrente aludir na motivação do recurso (de forma mais desenvolvida), sintetizando-os nas conclusões.
Tais exigências legais referidas têm uma dupla função: Delimitar o âmbito do recurso e tornar efetivo o exercício do contraditório pela parte contrária.
Não cumprindo o Recorrente os ónus do artigo 640º, nº 1 do CPC., dever-se-á rejeitar o seu recurso sobre a matéria de facto, uma vez que a lei não admite aqui despacho de aperfeiçoamento, ao contrário do que sucede quanto ao recurso em matéria de direito, face ao disposto no artigo 639.º, n.º 3 do CPC.
Na presente situação, o Recorrente tece algumas ilações e conclusões, contra a sentença e com as quais não concorda.
Porém, o Recorrente nem uma única vez identifica os concretos pontos da matéria de facto que pretende impugnar.
Por sua vez, nunca identifica os documentos dos quais se concluiria em sentido contrário ao decidido. Aliás, diga-se que apesar do Recorrente reportar-se a prova documental, na realidade, os únicos documentos juntos foram a notificação da 2.ª avaliação, liquidação de IMI e um parecer.
Assim sendo, rejeita-se o recurso quanto à matéria de facto, nos termos do artigo 640.º, n.º 1 do CPC e, por conseguinte, encontra-se estabilizada a matéria de facto.
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Posto isto, no recurso interposto a Fazenda Pública adiantou que o Tribunal a quo, não ponderou devidamente a prova produzida nos autos pela Autoridade Tributária, designadamente o teor do Relatório de Inspeção Tributária e, em contrapartida, valorizou a tese apresentada pela Recorrida bem como valorizou documentos e depoimentos de testemunhas por esta indicadas que, em sua opinião, são superficiais e pouco confiáveis.
Ora, na sentença sob recurso consta a seguinte motivação da matéria de facto, a qual se transcreve novamente:
[Na determinação do elenco dos factos considerados provados o Tribunal considerou e analisou de modo crítico e conjugado os diversos meios de prova juntos aos autos, nomeadamente os documentos juntos aos autos pela Impugnante com o seu articulado e constantes do processo administrativo apenso, conforme assinalado em cada um dos pontos da matéria de facto assente.
Relativamente aos factos descritos nos pontos 19) a 26), a convicção do Tribunal resultou da conjugação dos documentos de fls. 41 a 50 (Docs. 4 a 9 juntos com a PI) e fls. 192 e ss. do suporte físico dos autos, com os depoimentos isentos e credíveis das testemunhas «AA» e «II».
Concretizando.
O depósito do dia 21 de dezembro de 2007, a emissão do cheque cruzado datado do dia 26 do mesmo mês e ano (n.º ...32), ao portador, com a menção “autorizo o levantamento em numerário” e um depósito no valor de 50.000,00 € na “[SCom03...], Lda.”, datado deste último dia, constam, respectivamente, dos documentos de fls. 59 e 67, 56 e 59 e 68 do apenso.
Por outro lado, o contrato promessa de compra e venda de três lotes de terreno, documento particular datado de 21 de dezembro de 2007, e o contrato de compra e venda que igualmente os abrangeu (além de outros seis), datado de 6 de novembro de 2015, constam, respectivamente, de fls. 49 e 50 do processo físico, e como documento n.º 005737037-SITAF.
A testemunha «AA», assessor da administração da [SCom02...], SA (entrou para o grupo empresarial em 2005), relatou a factualidade descrita nos pontos 19) a 26) de forma segura, rigorosa, circunstanciada e sustentada na prova documental acima identificada, demonstrando conhecimento directo da matéria em causa, razões que levaram o Tribunal a conferir credibilidade ao seu depoimento.
Por sua vez, a testemunha «II», funcionária do Banco 1..., disse que em 2007 exercia funções no balcão de ..., utilizando o nº mecanográfico ...86, que se encontra aposto nos talões de depósito de fls. 41 e 47/48 do suporte físico dos autos. Asseverou que nos casos em que as operações de levantamento e depósito são efectuadas de seguida e no mesmo valor, não há movimentação física de numerário. Acrescentou que teve conhecimento de que o depósito efectuado na conta da [SCom01...] se tinha devido a um lapso através do gerente do Banco e que a única maneira de o corrigir era através do procedimento adoptado.
Em face da prova documental e testemunhal produzida, ficou, pois, o Tribunal convencido da veracidade da versão dos factos apresentada pela Impugnante, acompanhando a argumentação expressa no parecer do Ministério Público, que pela sua relevância e pertinência se passa a transcrever: “Pese embora a existência de uma primeira justificação, dada enquanto decorria a acção inspectiva, pelo TOC, não coincidente com a por fim apresentada, facto é que, por um lado, não foi, na oportunidade, confrontado o TOC, por outro, não se vislumbra ser diverso o entendimento sobre o ocorrido, partindo do princípio da veracidade da versão da Impugnante, se o montante depositado o não tivesse sido em numerário, mas através de cheque. A explicação da testemunha «II», no que respeita aos procedimentos da entidade bancária, afiguram-se consentâneos com o explanado/sustentado pela Impugnante.
Acresce que, pese embora se constate uma variação entre o valor inserto no contrato promessa e o valor por que resultam vendidos os lotes em causa, para além de estarmos perante um negócio dependente da vontade das partes, a testemunha «AA» referiu-se a “negociações difíceis”, ao intuito de venda de um acervo de lotes. Aliás, estando a correr os presentes autos e tendo a Impugnante o total e cabal conhecimento de toda a documentação por si entregue ou que foi junta ao procedimento inspectivo, de acordo com as regras da experiência comum, fácil se tornaria adequar documentação posterior, se fosse esse o intuito e não o contrário.
E ainda que se nos afigura que a explicação dos diversos movimentos, acaba por se tornar linear e plausível.
Donde resulta, salvo melhor e mais abalizado entendimento, não estar comprometida a ligação entre contrato promessa e escritura pública.”.] Fim de transcrição.
Nos termos do artigo 607.º n.º 4 do CPC, o juiz após declarar quais os factos provados e não provados, analisa “…criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras da experiência.”
E nos termos do n.º 5 do mesmo normativo legal, “o Juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exige formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.”
Contudo, a livre convicção é um meio de descoberta da verdade e não uma afirmação sem fundamento da verdade sendo que a apreciação da prova tem de conduzir-se por critérios objetivos e suscetíveis de motivação e controle.
A livre convicção do julgador não pode ser uma convicção meramente subjetiva e não motivável.
Assim, a atividade do julgador tem de ser orientada por um sentido crítico, não bastando que as testemunhas se pronunciem num determinado sentido sobre certa questão, para que ele aceite esse sentido.
Por isso, a atividade do juiz na valoração dos depoimentos, terá de atender a múltiplos fatores, relativos à sua imparcialidade, espontaneidade, razões de ciência, seriedade, hesitações e linguagem corporal, etc,, para tentar se aperceber quem está a falar verdade ou de forma verosímil.
É também por isso, que o juiz do Tribunal a quo, devido à imediação e oralidade, se encontra numa situação privilegiada para apreender as emoções, a sinceridade, as contradições e cumplicidades que escapam na apreciação do recurso, de modo a habilitá-lo a emitir uma boa decisão de facto.
Como se pode constatar da supra motivação, a prova testemunhal e a prova documental foram devidamente ponderadas, captando-se perfeitamente a razão pela qual a matéria de facto foi fixada nos termos realizados.
Apesar de alegar a superficialidade e pouca confiabilidade dos depoimentos, em concreto, nada assinalou, nomeadamente, incongruências, contradições, etc que pudessem colocar em causa o decidido pelo Tribunal a quo no que se refere à motivação da matéria de facto.
Ora a matéria de facto dada como provada e não provada fundamentou-se em prova documental e também em prova testemunhal, que o Tribunal a quo acolheu como segura, rigorosa, circunstanciada e sustentada na prova documental, contribuindo para formar a sua convicção.
E como supra se deixou dito, o julgador na 1.ª instância, está em melhores condições, devido à oralidade e imediação da produção da prova testemunhal, para a perceber, apreciar e valorar.
Acresce que a Fazenda Pública suscita e levanta questões pertinentes que já tinham sido levadas em linha de conta no Relatório de Inspeção Tributária, mas que, contudo, não se mostram suficientes para contrariar a sentença recorrida, mormente, tendo em atenção o teor dos factos provados 19) a 26).
É certo que a Fazenda Pública tem diferente opinião sobre essas questões e à resposta que lhes foi dada, porém, a decisão proferida encontra-se bem apoiada nos factos e sustentada na sua fundamentação.
Assim sendo, atento o bem decidido pelo Tribunal a quo em termos de matéria de facto (cujo recurso foi nos termos supra referidos, rejeitado) e respetiva motivação e ponderação conjugada com a prova documental, não resulta a existência de qualquer erro na aplicação de direito (que, salienta-se, conforme alegado no recurso interposto só existiria no seguimento da alteração da matéria de facto – conclusão 8.ª).
Posto tal entendimento, é forçoso reconhecer que o presente recurso soçobra na totalidade.

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6. Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Subsecção Comum de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso.

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Custas pela Recorrente.
Notifique.

Porto, 21 de março de 2024.

José Coelho (relator)
Virgínia Andrade
Isabel Ramalho dos Santos