Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01020/23.2BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/11/2024
Tribunal:TAF de Braga
Relator:ROSÁRIO PAIS
Descritores:RAC; PENHORA DO DIREITO AO USUFRUTO;
NULIDADE DA NOTIFICAÇÃO DA PENHORA;
CONFISSÃO;
Sumário:
I – A confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária (artigo 352º do C. Civil), estabelecendo o nº 1 do artigo 357º do C. Civil, que «a declaração confessória deve ser inequívoca, salvo se a lei o dispensar».

II - No caso vertente, a Representação da Fazenda Pública não alegou, na sua contestação, que o imóvel cujo usufruto foi penhorado constitui a casa de morada de família da Recorrente, pelo que não pode este facto ter-se como confessado.

III – Acresce que, por força do disposto no 110º, nº 6 e 7 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, a falta de contestação não representa a confissão dos factos pela Fazenda Pública e é livremente apreciada pelo juiz a falta de contestação especificada dos factos alegados pelo autor.

IV – O facto de ter apresentado a reclamação (invocando a nulidade da notificação após a penhora) não era bastante para impor ao OEF a retificação do ofício de notificação da penhora e a repetição do ato, pois resulta inequívoco que a Recorrente não pretendeu requerer a notificação dos elementos que entendeu em falta, ao abrigo do disposto no artigo 37º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, mas sim deduzir reclamação com fundamento, entre o mais, na nulidade da notificação da penhora.

V - Apenas nas situações previstas no nº 12, do artigo 39º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, pode ocorrer a nulidade da notificação sendo que, nos restantes casos, o ato de comunicação ao destinatário de um ato em matéria tributária que não o informa de todos os elementos do ato notificado só é irrelevante para efeitos de determinação dos prazos de reação contra o ato notificado, por via administrativa ou judicial, e mesmo esta única consequência apenas ocorre se for utilizada a faculdade prevista no nº 1 daquele artigo 37º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

VI - Não basta à Recorrente alegar os factos que sustentem a pretensão formulada na reclamação, impendendo sobre si o ónus de provar os factos constitutivos do direito que invoca, como flui do nº 1, do artigo 74º, da LGT.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes da Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


1. RELATÓRIO
1.1. «AA», devidamente identificada nos autos, vem recorrer da sentença proferida em 30.11.2023, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, pela qual foi julgada improcedente a reclamação do ato de penhora praticado pelo Serviço de Finanças ..., no âmbito do processo de execução fiscal ...93 e apensos, que incidiu sobre o direito de usufruto que detém sobre o imóvel inscrito na matriz predial urbana de ..., sob o artigo ...66, da freguesia ....

1.2. A Recorrente terminou as suas alegações formulando as seguintes conclusões:
«A) Vem a Recorrente, inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal a quo que decidiu pela manutenção da decisão do órgão de execução fiscal quanto a penhora do direito de usufruto de imóvel.
B) A Recorrente invocou três fundamentos de ilegalidade no ato da penhora, por forma a colocar termo à mesma, nomeadamente: Nulidade da notificação; ii) Violação do direito fundamental à habitação e iii) Violação do princípio da proporcionalidade e adequação, por excesso de penhora.
C) O Tribunal a quo não considerou nula a citação pós penhora.
D) O Tribunal a quo deveria ter decidido em sentido contrário, julgando nula a citação pós penhora, uma vez que a Recorrente entregou no Serviço de Finanças ... a respetiva Reclamação do ato de penhora, tendo a Recorrida tido a oportunidade de retificar o ato da notificação, procedendo consequentemente a nova citação com todas as informações em falta, voltando a correr o prazo para a Reclamação.
E) Devem, assim, os Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte, reporem a justiça com a alteração da decisão recorrida por outra que considere nula a citação da Recorrida à Recorrente.
F) A Recorrente invocou que a penhora do direito de usufruto do imóvel em causa violava o direito fundamental à habitação.
G) O Tribunal a quo entendeu que tal questão não se colocava, uma vez que a Recorrente não tinha sido ainda desapossada do imóvel.
H) A Recorrente, na Reclamação que dirigiu ao Tribunal a quo, no artº 7º que utilizava o referido imóvel como habitação própria e permanente, de si e do seu agregado familiar.
J) Tal factualidade não foi colocada em crise, pelo que deve-se co[nsiderar] confessado tal facto, uma vez aceite pela Recorrida o facto que lhe é desfavorável.
K) Deve, assim, ser alterada a decisão pelo Venerando Tribunal Central Administrativo Norte, no sentido de conceder razão à Recorrente de que a penhora do direito de usufruto da habitação permanente da Recorrente e agregado familiar violam o direito constitucional à habitação.
L) A decisão proferida pelo Tribunal a quo viola o direito à habitação, constitucionalmente consagrado no art.º 65º da Constituição da República Portuguesa.».

1.3. A Recorrida não apresentou contra-alegações.

1.4. A DMMP junto deste TCAN teve vista dos autos e emitiu parecer aderindo à fundamentação da sentença recorrida, para concluir que esta deve ser confirmada.
*
Dispensados os vistos legais, nos termos do artigo 36º, nº 2, do CPTA, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.
*
2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do Recorrente, cumpre apreciar e decidir se a sentença enferma de erro de julgamento quando à matéria de facto, bem como de erro de julgamento de direito no que respeita à nulidade da notificação da penhora e por violar o direito à habitação da Recorrente, constitucionalmente consagrado no artigo 65º da Constituição da República Portuguesa.
3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO
3.1.1. Factualidade assente em 1ª instância
A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de facto:
«Com interesse para a decisão a proferir, julgam-se provados os seguintes factos:
1. Contra a Reclamante, foram instaurados, pelo Serviço de Finanças ..., entre outros, os processos de execução fiscal n.º ...93 e apensos (...93, ...39, ...65, ...78, ...10, ...39, ...46, ...84, ...32, ...40, ...81, ...62, ...56, ...37, ...64, ...88, ...20, ...40, ...59, ...67, ...75, ...83, ...91, ...05, ...13, ...21, ...30, ...48, ...56, ...72, ...80, ...99, ...02, ...10, ...40, ...10, ...60, ...61, ...60, ...78, ...70, ...03, ...12, ...83, ...52, ...73, ...46, ...46, ...54, ...04, ...88, ...43, ...05, ...96, ...00, ...18, ...26, ...34, ...42, ...30, ...84, ...27, ...72, ...83, ...20, ...57, ...13, ...70, ...24, ...90, ...94, ...75, ...53, ...47, ...51, ...20, ...26, ...20, ...77, ...00, ...66, ...28, ...82 e ...90), por dívidas respeitantes a falta de pagamento de taxas de portagens e respetivas coimas, IUC e respetivas coimas e IRS do ano de 2018, no montante total de € 8890,92 – cfr. informação de fls. 28-31 do documento com a referência SITAF 006837815, print retirado da base de dados da AT, de fls. 301 do documento com a referência SITAF 006852857 e processo de execução fiscal de fls. 332-724 do processo eletrónico.
2. Em 11.01.2023, através da apresentação AP. ...2, foi registada, na Conservatória ..., a penhora do direito de usufruto da Reclamante, que incide sobre o imóvel inscrito na matriz predial urbana, da freguesia ..., sob o artigo ...66, no âmbito processo de execução fiscal n.º ...93 e apensos, tendo como sujeito ativo a Fazenda Nacional – cfr. certidão permanente de fls. 332-416 do documento com a referência SITAF 006884350.
3. Em 21.04.2023 o Diretor de Finanças ... emitiu ofício de notificação, após penhora, endereçado à, aqui, Reclamante, no processo executivo n.º ...93 e apensos, respeitante ao imóvel inscrito na matriz predial urbana da freguesia ..., sob o artigo ...66 – cfr. ofício de notificação de fls. 1-23 do documento com a referência SITAF 006837810.
4. O ofício aludido no ponto anterior foi remetido à Reclamante, por carta registada, em 26.04.2023 – cfr. print de pesquisa de objetos CTT a fls. 750 do documento com a referência SITAF 006924147.
5. Em 12.05.2023 deu entrada, no Serviço de Finanças, a reclamação que deu origem aos presentes autos – cfr. carimbo de entrada na p.i. de reclamação de fls. 1-23 do documento com a referência SITAF 006837810.
Factos não provados
1. A penhora e posterior venda do direito de usufruto colocará a Reclamante numa situação de sem abrigo, uma vez que não dispõe de outros imóveis nos quais possa residir, nem aufere rendimentos que lhe permitam arrendar outro imóvel.
2. As viaturas automóveis da marca Mercedes-Benz, com as matrículas ..-..-GS e 9506-HF e a viatura automóvel da marca Chrysler, matrícula ..-..-RJ, são propriedade da Reclamante.
3. As viaturas aludidas no ponto anterior, em caso de venda, dariam para pagar a dívida em cobrança coerciva nos presentes autos.
Motivação
Os factos elencados na factualidade assente resultaram da análise crítica de toda a prova produzida nos autos, designadamente das informações oficiais, documentos constantes dos autos e do processo de execução fiscal, não impugnados, conforme remissão feita a propósito de cada número do probatório, sendo indicado expressamente, em cada número, o(s) documento(s) do processo eletrónico que contribuíram para a extração de tal facto.
O facto não provado, constante do ponto 1, assim foi julgado por não ter a Reclamante cumprido o ónus da prova que sobre si impendia, nos termos do artigo 342.º do C.C, não tendo logrado demonstrar um único facto respeitante à sua alegação, designadamente através da apresentação de comprovativos da composição do seu agregado familiar, valor dos rendimentos, bens e direitos dos respetivos elementos, bem ainda das despesas e obrigações que sobre aquele incidem.
Quanto aos factos não provados, constantes dos pontos 2 e 3, assim foram julgados, porquanto a Reclamante não fez prova da propriedade dos automóveis em questão, da inexistência de ónus e de encargos sobre os mesmos, tampouco de avaliação do valor patrimonial de cada um compatível com o valor da dívida em cobrança coerciva nos presentes autos.».


3.2. DE DIREITO
3.2.1. Recurso em matéria de facto
Entende a Recorrente que a sentença enferma de erro de julgamento quanto à matéria de facto, porque devia ter sido julgado provado, por confissão, o alegado no artigo 7º da p.i., que «utilizava o referido imóvel como habitação própria e permanente, de si e do seu agregado familiar», uma vez que a Recorrida aceitou tal facto, que lhe é desfavorável.
Labora, porém, em erro, porquanto, de harmonia com o disposto no artigo 352º do C. Civil, a confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária.
Segundo o artigo 355º, nº 1, do mesmo código, a confissão pode ser judicial ou extrajudicial. A confissão judicial é aquela que é feita em juízo e só vale como judicial na ação correspondente (cfr. nºs 2 e 3 do citado artigo 355º).
Nos termos do artigo 356º, nº 1, do mesmo diploma legal, «a confissão judicial espontânea pode ser feita nos articulados, segundo as prescrições da lei processual ou, em qualquer outro acto do processo, firmado pela parte pessoalmente ou por procurador especialmente autorizado», estabelecendo o nº 1 do artigo 357º do C. Civil, que «a declaração confessória deve ser inequívoca, salvo se a lei o dispensar».
O artigo 360º do C. Civil dispõe, por seu turno, que a declaração confessória é indivisível e, como tal, tem de ser aceite na íntegra, salvo provando-se a inexatidão dos factos que transcendem a declaração estritamente confessória.
A confissão judicial feita nos articulados, «consiste em o réu reconhecer, na contestação, como verdadeiros, factos afirmados pelo autor na petição inicial, ou em o autor reconhecer, na réplica, como verdadeiros, factos afirmados pelo réu na contestação (…)» - cfr. Alberto dos Reis, In, “Código de Processo Civil”, Anotado, pág. 86.
Essencial é que “o sujeito processual tenha consciência de que o facto desfavorável que alega é real e, mesmo assim, alega-o, nisto se traduzindo o reconhecimento, que é uma «contra se pronunciatio»” - cfr. Acórdão do STJ, de 11.11.2010, processo nº 1902/06.6TBVRL.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt).
Acresce que a aceitação do facto confessado pela parte contrária, impeditiva da retirada da confissão ou retratação, tem de ser especificada, o que equivale a dizer, segundo os ensinamentos de Antunes Varela [“ Manual de Processo Civil”, 2ª ed., pág. 555] e Alberto dos Reis[ In, “ Código de Processo Civil”, anotado, 4ª ed., Vol. I, pág. 126 e Vol. IV, pág. 113.], que a contraparte tem que fazer menção concreta, individualizada, do facto que aceita, não bastando, para esse efeito, aceitação genérica.
Ora, no caso vertente, a Representação da Fazenda Pública não alegou, na sua contestação, que o imóvel cujo usufruto foi penhorado constitui a casa de morada de família da Recorrente, pelo que não pode este facto ter-se como confessado.
Sem embargo, importa ter presente que, por força do disposto no 110º, nº 6 e 7 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, a falta de contestação não representa a confissão dos factos pela Fazenda Pública e é livremente apreciada pelo juiz a falta de contestação especificada dos factos alegados pelo autor.
Por tudo o que vem exposto, não é possível julgar provado, por confissão, o alegado no artigo 7º da p.i.

3.2.2. Dos erros de julgamento
3.2.2.1. Da nulidade da notificação
A Recorrente não se conforma com a decisão do Tribunal a quo, nesta parte, alegando que entregou a presente reclamação no Serviço de Finanças ..., que assim logo teve conhecimento da arguição de nulidade e a possibilidade de retificar o ato de notificação e de o repetir com todas as informações em falta, voltando a correr o prazo para a Reclamação.
Sobre esta questão, a sentença recorrida colheu a seguinte fundamentação jurídica:
«A reclamação, prevista no artigo 276.º do CPPT, é um meio de reação contra um ato ou uma decisão do órgão de execução fiscal que, no processo de execução, afete direitos e interesses legítimos do executado ou de terceiro.
Conforme dispõe o n.º 1 do artigo 36.º do CPPT relativamente às notificações em geral:
1 - Os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados.”.
Verificando-se uma situação insuficiência de notificação, cabe ao interessado proceder nos termos do disposto no artigo 37.º do CPPT que refere o seguinte:
1 - Se a comunicação da decisão em matéria tributária não contiver a fundamentação legalmente exigida, a indicação dos meios de reacção contra o acto notificado ou outros requisitos exigidos pelas leis tributárias, pode o interessado, dentro de 30 dias ou dentro do prazo para reclamação, recurso ou impugnação ou outro meio judicial que desta decisão caiba, se inferior, requerer a notificação dos requisitos que tenham sido omitidos ou a passagem de certidão que os contenha, isenta de qualquer pagamento. (…)
De acordo com o normativo em questão, a consequência da insuficiência da notificação é que, o prazo para a apresentação de reclamação, recurso ou impugnação, ou outro meio judicial, só começa a correr a partir da notificação ou da entrega da certidão a que se alude no normativo acima mencionado (cfr. n.º 2 do artigo 37.º do CPPT).
Nesta conformidade, estamos perante uma situação de ineficácia do ato (para efeitos de contagem do prazo de reação ao mesmo) e não de uma situação de invalidade intrínseca do referido ato.
No caso, afigura-se que o alegado desconhecimento, por parte da Reclamante, dos n.ºs de processo apensos ao processo principal de execução, em nada afetou o seu direito de defesa, contra o ato de penhora praticado pelo órgão de execução fiscal, porquanto reagiu, atempadamente, contra o mesmo, através do meio processual correto, esgrimindo os argumentos que entendeu mais convenientes, de que se destacam, a título de exemplo, ao alegado excesso de penhora e a existência de bens alternativos para o pagamento da dívida, em cobrança coerciva.
Nestes termos, não se vislumbra de que forma foi afetado, o direito de defesa da Reclamante, pela falta de menção, na notificação posterior à penhora, da identificação dos n.ºs de processo apensos ao processo de execução fiscal principal.
A este facto acresce que, sempre esteve na disponibilidade da Reclamante conhecer o n.º dos processos que se encontram apensos ao processo principal de execução fiscal, abrangidos pela penhora, quer através do expediente previsto no já mencionado artigo 37.º n.º 1 do CPPT, quer através de simples requerimento dirigido ao órgão de execução fiscal.
Não tendo o tendo feito, a alegada nulidade sanou-se.».
Em bom rigor, a Recorrente não aponta qualquer erro ao assim decidido, parecendo querer dizer que o facto de ter apresentado a reclamação (invocando a nulidade da notificação após a penhora) era bastante para o OEF retificar o ofício de notificação da penhora e repetir o ato.
Mas não lhe assiste razão, porquanto resulta inequívoco que a Recorrente não pretendeu requerer a notificação dos elementos que entendeu em falta, mas sim deduzir reclamação com fundamento, entre o mais, na nulidade da notificação da penhora. Perante a vontade assim expressa, incumbia ao OEF pronunciar-se, querendo, sobre os vícios arguidos na petição inicial e remeter o processo ao Tribunal (se verificadas as condições legalmente previstas para esse efeito, o que, no caso, não está em discussão). Não podia, contudo, dar cumprimento ao disposto no artigo 37º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, porquanto a Recorrente não manifestou a vontade de usar da faculdade ali prevista.
Sem prejuízo do que foi considerado pela Meritíssima Juiz do Tribunal a quo, cabe notar que, nos termos do artigo 39º, nº 12, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, «O acto de notificação será nulo no caso de falta de indicação do autor do acto e, no caso de este o ter praticado no uso de delegação ou subdelegação de competências, da qualidade em que decidiu, do seu sentido e da sua data.». Ou seja, apenas nas situações previstas neste normativo pode ocorrer a nulidade da notificação sendo que, nos restantes casos, o ato de comunicação ao destinatário de um ato em matéria tributária que não o informa de todos os elementos do ato notificado só é irrelevante para efeitos de determinação dos prazos de reação contra o ato notificado, por via administrativa ou judicial, e mesmo esta única consequência apenas ocorre se for utilizada a faculdade prevista no nº 1 daquele artigo 37º do Código de Procedimento e de Processo Tributário – neste sentido, cfr. acórdãos do STA de 22.01.2014, proferido no processo 01108/13 e de 08.07.2015, proferido no processo 0389/15, disponíveis em https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/04d507f03031e44380257c6e005bd46a?OpenDocument, https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/5e01ea13f32f11d380257e880039f92a?OpenDocument.
Improcede, assim, o recurso também nesta parte.

3.2.2.2. Da violação do direito constitucional à habitação
A Recorrente sustenta que a sentença recorrida viola o seu direito fundamental à habitação, uma vez que invocou ter no imóvel em causa a sua habitação própria e permanente e que tal facto deve considerar-se provado por confissão.
Vejamos, agora, a fundamentação jurídica que, nesta parte, foi acolhida na sentença:
«No caso, relembre-se, não está em causa penhora sobre bem imóvel e sim penhora sobre o direito de usufruto que incide sobre bem imóvel.
Estando em causa penhora de direito real menor, é aplicável o disposto no artigo 231.º do CPPT, que regula as formalidades a que está sujeita a penhora de figuras parcelares do direito de propriedade, e que dispõe o seguinte:
1 - A penhora de imóveis ou de figuras parcelares do respectivo direito de propriedade é efectuada por comunicação emitida pelo órgão da execução fiscal à conservatória do registo predial competente, emitindo-se uma comunicação por cada prédio, na qual se reproduzem todos os elementos da caderneta predial, bem como a identificação do devedor, o valor da dívida, o número do processo e o número da penhora, observando-se ainda o seguinte:
a) A penhora deve ser registada no prazo máximo de cinco dias;
b) Efectuado o registo, a conservatória comunica ao órgão da execução o número da apresentação, os elementos identificativos do registo e a identificação do ónus ou encargos que recaem sobre o bem penhorado, identificando os respectivos beneficiários, bem como o valor dos emolumentos e a conta;
c) Seguidamente, o órgão da execução fiscal nomeia depositário mediante notificação por carta registada com aviso de recepção, podendo ser escolhido um funcionário da administração tributária, o próprio executado, seja pessoa singular ou colectiva, ou outro, a quem os bens penhorados são entregues;
d) (Revogado pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12)
e) (Revogado pela Lei n.º 67-A/2007, de 31/12)
2 - Os actos e comunicações referidos no número anterior são efectuados, sempre que possível, por via electrónica, podendo os elementos da caderneta predial ser substituídos por consulta directa à matriz predial informatizada.
3 - A comunicação da penhora contém a assinatura electrónica qualificada do titular do órgão da execução, valendo como autenticação a certificação de acesso das conservatórias aos serviços electrónicos da administração tributária.
4 - A comunicação referida no n.º 1 vale como apresentação para efeitos de inscrição no registo.
5 - A penhora de imóveis pode também ser efetuada nos termos do Código de Processo Civil, com as especificidades previstas na presente lei.”.
Face ao normativo acabado de transcrever, é manifesto que a mera penhora do direito de usufruto sobre imóvel, em causa nos presentes autos, não ofende o direito fundamental à habitação da Reclamante porquanto, na prática, o ato de penhora resumiu-se à inscrição, na conservatória do registo predial, da comunicação da penhora do direito de usufruto sobre imóvel.
Afigura-se assim que o argumento invocado pela Reclamante, relativo à ofensa do direito fundamental à habitação, só poderia ser considerado na eventualidade de nomeação de fiel depositário, diverso da Reclamante, que determinasse o desapossamento do imóvel [cfr. artigo 231.º n.º 1 al. c) do CPPT] ou em caso de eventual venda do imóvel que conduzisse ao mesmo resultado.
Ainda que fosse esse o caso, adiante-se já, a pretensão da Reclamante, estaria, ainda assim, votada ao insucesso na presente reclamação.
Na verdade, pese embora o CPPT estabeleça, no n.º 2 do seu artigo 244.º, uma norma de salvaguarda da venda de imóvel destinado, exclusivamente, a habitação própria do devedor e respetivo agregado familiar, quando o mesmo esteja, efetivamente, afeto a esse fim, não ficou demonstrado, nos presentes autos, qualquer facto de que se pudesse inferir, por um lado, que o imóvel em questão está, efetivamente afeto à habitação própria da Reclamante e respetivo agregado familiar e, por outro lado, que a Reclamante ficasse votada a uma situação de “sem abrigo”, em caso de eventual desapossamento do imóvel.
Por outro lado, acresce que, o direito fundamental à habitação, tal como qualquer outro direito constitucionalmente protegido, não é absoluto, tampouco contempla o direito de habitar em imóvel próprio (neste sentido veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães proferido no porcesso n.º 1647/11.5TBVRL-B.G1, em 04.12.20144, disponível em www.dgsi.pt). Nestes termos improcede a invocada violação do direito fundamental à habitação da Reclamante e respetivo agregado familiar.».
A Recorrente apenas dissente do assim decidido na parte em que julgou não provado qualquer facto de que se pudesse inferir que o imóvel em questão está, efetivamente, afeto à habitação própria da Reclamante e respetivo agregado familiar.
Mas, nenhuma crítica merece a sentença nesta parte, porquanto, como já referido supra, não pode julgar-se confessado pela AT o facto em questão, nem a Recorrente juntou qualquer prova documental ou testemunhal que confirme o alegado.
Com efeito, não basta à Recorrente alegar os factos que sustentem a pretensão formulada na reclamação. Conforme decorre do disposto no artigo 74º da LGT, sob a epígrafe “Ónus da prova”, «1 - O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.», daí que incidia sobre ela o encargo de provar que o imóvel cujo usufruto foi penhorado constitui a sua habitação própria e permanente.
Tal prova poderia ser realizada através de documentos ou de testemunhas, mas, nem uns nem outras, foram apresentados pela Recorrente, que omitiu qualquer prova do facto em questão, pretendendo fazer-se valer de uma confissão da AT que, como já vimos, não pode considerar-se que exista.
Na improcedência, também, deste fundamento do recurso e nada mais havendo a apreciar, é de confirmar a sentença recorrida e negar provimento ao presente recurso.

*
Assim, preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I – A confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária (artigo 352º do C. Civil), estabelecendo o nº 1 do artigo 357º do C. Civil, que «a declaração confessória deve ser inequívoca, salvo se a lei o dispensar».
II - No caso vertente, a Representação da Fazenda Pública não alegou, na sua contestação, que o imóvel cujo usufruto foi penhorado constitui a casa de morada de família da Recorrente, pelo que não pode este facto ter-se como confessado.
III – Acresce que, por força do disposto no 110º, nº 6 e 7 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, a falta de contestação não representa a confissão dos factos pela Fazenda Pública e é livremente apreciada pelo juiz a falta de contestação especificada dos factos alegados pelo autor.
IV – O facto de ter apresentado a reclamação (invocando a nulidade da notificação após a penhora) não era bastante para impor ao OEF a retificação do ofício de notificação da penhora e a repetição do ato, pois resulta inequívoco que a Recorrente não pretendeu requerer a notificação dos elementos que entendeu em falta, ao abrigo do disposto no artigo 37º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, mas sim deduzir reclamação com fundamento, entre o mais, na nulidade da notificação da penhora.
V - Apenas nas situações previstas no nº 12, do artigo 39º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, pode ocorrer a nulidade da notificação sendo que, nos restantes casos, o ato de comunicação ao destinatário de um ato em matéria tributária que não o informa de todos os elementos do ato notificado só é irrelevante para efeitos de determinação dos prazos de reação contra o ato notificado, por via administrativa ou judicial, e mesmo esta única consequência apenas ocorre se for utilizada a faculdade prevista no nº 1 daquele artigo 37º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
VI - Não basta à Recorrente alegar os factos que sustentem a pretensão formulada na reclamação, impendendo sobre si o ónus de provar os factos constitutivos do direito que invoca, como flui do nº 1, do artigo 74º, da LGT.

5. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida.

Custas a cargo da Recorrente, que aqui sai vencida, nos termos do artigo 527º do Código de Processo Civil, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe seja concedido.

Porto, 11 de abril de 2024

Maria do Rosário Pais – Relatora
Vítor Salazar Unas – 1º Adjunto
Ana Paula Rodrigues Coelho dos Santos – 2ª Adjunta