Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00407/13.3BEPNF |
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Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
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Data do Acordão: | 12/18/2020 |
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Tribunal: | TAF de Penafiel |
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Relator: | Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão |
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Descritores: | ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL/MARCOS DE DELIMITAÇÃO DOS LIMITES DA PROPRIEDADE; |
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Recorrente: | P. |
Recorrido 1: | Município de (...) |
Votação: | Unanimidade |
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Meio Processual: | Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional |
Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | Emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento. |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO P., residente em Avenue (…), Bélgica, titular do NIF (…)’, instaurou ação administrativa especial contra o Município de (...), com sede na Praça (…), na sequência do despacho de 24/05/2013 do vereador do ambiente e urbanismo da Câmara Municipal de (...), que determinou a remoção de “marcos de delimitação” dos limites da sua propriedade, formulando os seguintes pedidos: Nestes termos, e nos melhores de direito que suprirá, requer se digne: A) Anular o acto administrativo praticado a 24 de maio de 2013 pela Câmara Municipal de (...), de ordem de retirada de marcos de delimitação da propriedade da Autora; B) Reconhecer à Autora o direito a livremente delimitar a sua propriedade, mesmo tratando-se, o que não se concede, de uma zona non aedificandi segundo a CM (...); C) Reconhecer o direito da Autora, de numa parte do seu terreno com 30 metros que confronta com um leito de terra batida e que se limita a dar acesso a uma propriedade privada, de construir um muro de vedação no limite da propriedade, uma vez que não se trata de uma zona non aedificandi e segundo a Câmara Municipal de (...) não existir interesse público; D) Reconhecer o direito da Autora de na parcela de terreno com 70 metros, que confronta com um caminho municipal, de construir um muro de vedação em pedra no limite da sua propriedade, uma vez que a Ré tem permitido a edificação de muros em betão por todo o concelho, estribada no artº 60º nº 2 da Lei 2110 de 19/08/1961 (Princípio da igualdade de tratamento) e tal edificação não causar qualquer embaraço ao trânsito automóvel naquela artéria municipal; E) Condenar a Ré a Indemnizar a Autora pelos gastos que a mesma suportou com a edificação do muro de vedação, bem como com os prejuízos e outros encargos que desembolsou com todo o processo administrativo que melhor se quantificarão em liquidação de sentença; F) Condenar a Ré em custas judiciais e procuradoria condigna. Por decisão proferida pelo TAF de Penafiel foi decidido assim: a) Julgo improcedente o pedido de anulação do despacho de 24/05/2013, que ordenou a retirada, por parte da Autora, dos marcos por si colocados; b) Julgo procedente o pedido formulado pela Autora sob a alínea C), reconhecendo-lhe o direito a construir um muro de vedação no limite da sua propriedade, na parte em que esta confronta com um caminho a Leste; c) Julgo improcedentes todos os restantes pedidos formulados pela Autora, absolvendo nomeadamente o Município da indemnização peticionada em E) do petitório. Desta vem interposto recurso. Alegando, a Autora formulou as seguintes conclusões: 1. O presente recurso vem interposto, pela Autora P., da sentença proferida pelo Mmo. Juiz a quo, que: (a) julgou improcedente o pedido de anulação do despacho de 24.05.2013, que ordenou a retirada, por parte da autora, dos marcos por si colocados; (b) julgou procedente o pedido formulado pela autora sob a alínea C), reconhecendo-lhe o direito a construir um muro de vedação no limite da sua propriedade, na parte em que esta confronta com um caminho a leste; (c) julgou improcedentes todos os restantes pedidos formulados pela autora, absolvendo nomeadamente o Município da indemnização peticionada em E) do petitório. 2. A decisão do Mmo. Juiz a quo, aqui posta em causa, não foi acertada, nem bem fundada, quer no tocante à apreensão, valoração e decisão da matéria de facto que deve ter-se como provada e como não provada, e cuja reapreciação, nomeadamente da prova gravada, se pretende obter por via do presente recurso, quer, também, no que respeita a várias questões de direito suscitadas nos autos. 3. Entende a aqui Recorrente que, a ser feita uma análise/exame crítico do conjunto da prova produzida e apreciada esta de acordo com as regras da experiência e decididas, devidamente, as questões de direito em apreciação nos autos, se impunha/se impõe, com o devido respeito, que a presente acção seja julgada procedente, por provada, devendo o réu Município ser condenado em todos os pedidos contra ele formulados, excepto o pedido E) [alínea c) das "Questões a Decidir" da sentença a quo]. 4. O Mmo. Juiz a quo cometeu um erro de apreensão, apreciação e decisão do conjunto da prova produzida, tendo dado como provada a matéria referida nos números 6° e 10° dos "Factos provados", matéria que, em função da confissão do Réu reconhecendo a implantação dos marcos de delimitação da Autora Recorrente dentro da sua propriedade, da prova documental (processo instrutor e documentos juntos com a PI) e testemunhal produzida, deveria ter sido dado como não provada. 5. Ao contrário do que refere a sentença na sua motivação quanto aos factos provados 6° e 10°, o depoimento das testemunhas A., A., L. e J. não permite que se conclua: a. Que o caminho conhecido por "Caminho do Seixo", tem pelo menos a largura de três metros, no seu ponto mais estreito (facto provado 6°); b. Que o caminho conhecido por "Caminho do Seixo" é utilizado pelos donos das propriedades que o ladeiam e pelo público em geral, desde tempos imemoriais (facto provado 10°); 6. Aquilo que se retira dos depoimentos em causa e dos quais se socorre a sentença a quo para dar como provados os factos 6° e 10° é que o dito "Caminho do Seixo" surgiu aquando da construção do actual caminho municipal (este caminho é o que liga a Estrada Nacional 221 e a Estrada Nacional 108 - cfr. facto provado 4 - estabelecendo a confrontação Norte (70m) da "parcela pequena" - cf. Facto provado 2 - da Autora/Recorrente), pelo que é um caminho relativamente recente (não existe desde tempos imemoriais), que já existiu outro caminho de acesso às casas e propriedades ali existentes, que o "Caminho do Seixo" é uma consequência da construção/surgimento do actual caminho municipal e que as suas dimensões e largura não são as indicadas no facto provado 10°. 7. Vejamos, agora, a questão do erro de julgamento 8. Como bem resume a sentença, a Autora/Recorrente pretende, em primeiro lugar, a anulação do despacho de 24 de Maio de 2013, que ordenou a retirada dos marcos de delimitação da sua propriedade. Além disso, a Autora/ Recorrente pretende, também, que o tribunal lhe reconheça o direito de delimitar livremente a sua propriedade, mesmo tratando-se de uma zona non aedificandi, bem como o direito de, na parte do seu terreno que confronta com um leito de terra batida e se limita a dar acesso a uma propriedade privada, construir um muro de vedação, por não se tratar de uma zona non aedificandi. A autora pede ainda, com relevância para o presente recurso, que o tribunal lhe reconheça o direito a construir um muro em pedra no limite da sua propriedade. 9. Os fundamentos jurídicos invocados pela Autora/ Recorrente para as suas pretensões não deveriam limitar a averiguação e concreta subsunção jurídica a efectuar por parte do tribunal a quo. 10. A interpretação jurídica dada pelo Réu às regras relativas à servidão non aedificandi e à vedação de propriedades confinantes com vias municipais, constantes da Lei n.° 2110, de 19/08/1961, que foi sufragada na sentença a quo, levaria à criação das condições para a apropriação, pelo decurso do tempo, de tais faixas de terreno, sem qualquer indemnização, algo evidentemente inconstitucional. 11. Uma solução jurídica que não permita a vedação, qualquer tipo de vedação, mais ou menos sólido (não se diz permanente, pois este conceito tem que ver com a finalidade da construção e não com a sua solidez), de um terreno confinante com a via pública junto a tal limite é uma solução que conduzirá, com o tempo, à perda dessa faixa de terreno a favor do domínio público e sem qualquer indemnização para o proprietário. 12. Esta solução jurídica é inconstitucional por violação do disposto no art. 62°, n° 2 da CRP, que impõe indemnização a todo o acto ablativo de propriedade, inconstitucionalidade que se invoca para todos os efeitos. 13. O Tribunal a quo identifica, correctamente, quais os concretos artigos daquela Lei aplicáveis ao caso: os arts. 43° e segs. e sobretudo artigos 58° e 60° daquela Lei n.° 2110, de 19.08.1961. 14. O que o Tribunal a quo faz, todavia, uma incorrecta interpretação dos artigos em causa, dos princípios a eles subjacentes. 15. Não está em causa na presente acção, nem nunca esteve, quais sejam os limites da propriedade da Autora/Recorrente, até porque, em momento algum, o Réu/Recorrido impugna ou põe em causa esses limites, tal como definidos pelos marcos de delimitação ali implantados, quer seja no limite a Norte, com cerca de 70 metros, quer seja no seu limite Leste, com cerca de 30 metros, confrontante com o caminho conhecido por "Caminho do Seixo" (e a propósito do qual a douta sentença a quo faz a observação que aqui se transcreveu). 16. Confissão constante da contestação do Réu/Recorrido, sob os artigos 12° e 27° e ponto 3 do Ofício com a Ref. 3534/2013, de 23.05.2013, contendo parecer jurídico relativo à exposição da Autora datada de 25.03.2013, e que aqui expressamente se aceita para não mais ser retirado. 17. Começamos pelo julgamento feito na sentença a quo quanto aos pedido D) e B) da Autora/ Recorrente, julgados improcedentes, porque a argumentação ali seguida quanto ao sentido do disposto no artigo 60°, parágrafo 2°, da Lei 2110 de 19.48.1961, sendo errada, está na base daquilo que foi, também, a errada abordagem jurídica feita quanto aos demais pedidos também eles julgados improcedentes. 18. uma correcta interpretação do disposto no artigo 60°, parágrafo 2°, da Lei 2110 de 19.08.1961, conjugado com o princípio da proporcionalidade, levará necessariamente a uma decisão diferente quanto a alguns dos pedidos julgados improcedentes. 19. QUANTO AO RECONHECIMENTO DO DIREITO À DELIMITAÇÃO DA PROPRIEDADE E À CONSTRUÇÃO DE MUROS DE VEDAÇÃO NO LIMITE DA PROPRIEDADE [questão a decidir b)]. 20. Pedido D): O pedido para reconhecer o direito da Autora de na parcela de terreno com 70 metros, que confronta com um caminho municipal, de construir um muro de vedação em pedra no limite da sua propriedade, uma vez que a ré tem permitido a edificação de muros de betão por todo o concelho, estribada no art. 60° n.° 2 da Lei 2110 de 19.08.1961 (principio da igualdade de tratamento) e tal edificação não causar qualquer embaraço ao trânsito automóvel naquela artéria municipal. 21. A Autora/Recorrente estribou esta sua pretensão no artigo 60°, parágrafo 2°, da Lei 2110 de 19,08 1961, no facto de o Réu ter permitido a edificação de muros de betão por todo o concelho (princípio da igualdade de tratamento) e ainda na circunstância de tal edificação não causar qualquer embaraço ao trânsito automóvel naquela artéria municipal [alínea D) do petitório]. 22. Atenta esta exigência legal de provisoriedade das vedações, conclui a sentença que «dificilmente se concebe que um "muro em pedra", constitua uma vedação provisória, admissível à luz do regime legal.» 23. A sentença a quo considerou, pois, que era ilegal a pretensão da Autora/Recorrente de construir um muro em pedra, que considera ser um muro não provisório e ainda que não cabe invocar o princípio da igualdade na ilegalidade. 24. É esta errada interpretação dada pelo Mmo. Juiz a quo relativamente ao sentido da expressão "vedação provisória" que o leva a concluir, erradamente, pela ilegalidade ou falta de fundamento do presente pedido da Autora/Recorrente, bem como da generalidade das suas restantes pretensões. 25. Qual seja a correcta interpretação da expressão "vedação provisória" é, pois, o cerne do presente recurso e o critério para avaliar do acerto da sentença quanto à generalidade dos pedidos da Autora/ Recorrente. 26. A provisoriedade da vedação de que fala a norma em causa não diz respeito ao tipo de construção (ao concreto tipo de construção do muro/vedação), ao "carácter de permanência" da construção, como sugere a sentença a quo, mas antes à sua condicionalidade (resolutiva), à sua provisoriedade temporal: decidido que seja o alargamento da via a vedação terá de ser removida, sem direito a indemnização. 27. O adjectivo "provisória" com que a norma designa a vedação (que é por ela permitida) nada tem que ver com o conceito de "permanência" (como seu antónimo) que a sentença usa para qualificar o tipo de muro (em pedra) pretendido pela Autora/Recorrente, na medida em que qualquer vedação que se imagine, por mais aligeirada que seja, terá sempre carácter de permanência, no sentido jurídico do termo: implantação a o solo através de elementos vários que permitam a sua fixação ou ligação ao solo dos vários elementos que integram a construção; que tem um fim que não é transitório. 28. Acresce que a propósito do tipo de vedações autorizadas e suas características, o artigo 59° e 59°, n° 1 da Lei 2110 de 19/08/1961 fala não apenas em muro (e grades), como em muro de suporte, algo que evidentemente tem de ter uma ligação especial e reforçada ao solo. 29. São estes muros que, não representando inconveniente para o interesse público de viação, o artigo 60°, parágrafo 2°, permite sejam implantados na extrema das propriedades confinantes com a via pública. 30. Esta interpretação no sentida de que a provisoriedade da vedação se refere, apenas, à temporalidade da mesma, à circunstância da vedação estar sujeita a uma condição resolutiva (o alargamento da via) e não ao tipo de construção é também a única consentânea com o princípio da proporcionalidade a que está vinculada a Administração na sua actuação, ou que é exigível numa situação de restrição de um direito como o de propriedade: a imposição de uma servidão non aedificandi obedece ao princípio da proporcionalidade, logo tal servidão terá de ter o conteúdo mínimo necessário à satisfação do interesse público que o fundamenta. 31. Tendo presente o invocado princípio da proporcionalidade, não podemos deixar de concluir que estipulada que está, legalmente (art. 60°, parágrafo 2º do RGECM), a provisoriedade temporal da vedação, ou seja a condicionalidade (resolutiva) da mesma a um futuro possível alargamento da via, sem qualquer direito de indemnização pelo proprietário, seria excessivo (proporcionalidade stricto senso) e desadequado considerar, cumulativamente, que a expressão "vedação provisória" se refere também ao tipo de construção da vedação, aos materiais e técnicas usadas. 32. A Autora/ Recorrente invocou o principio da igualdade, pedindo que a sua situação, o seu pedido, merecesse da parte do Réu o mesmo tratamento que todos os demais proprietários confinantes com via pública: que lhe fosse concedida licença para, nos termos do parágrafo 2° do artigo 60° da Lei 2110 de 19/08/1961, poder vedar a sua propriedade no respectivo limite com o domínio público mediante a construção de um muro em pedra. 33. Face ao entendimento defendido sobre o que significa a expressão "provisória" no que se refere às vedações, fica explicado e carente de mais justificações a existência de tantos muros, perenes, em pedra e betão, ao longo das vias municipais do Réu, sem cumprir com os exigidos afastamentos: estes muros não estão em situação de ilegalidade, antes foram autorizados com carácter provisório (têm caráter provisório) e não deixarão de ser removidos quando seja necessário alargar as vias em causa. 34. Esta conclusão, como se antecipou no início, tem implicações no julgamento feito pelo tribunal a quo nos restantes pedidos enumerados. 35. Vejamos agora o pedido B) feito no petitório e que a sentença trata juntamente com o pedido D), 36. Pedido B): O pedido de reconhecimento à Autora/Recorrente do direito de livremente delimitar a sua propriedade, mesmo tratando-se, o que não se concede, de uma zona non aedificandi segundo a CM Baião. 37. Este pedido da Autora/Recorrente deveria ter sido interpretado tendo presente a globalidade do peticionado pela Autora/Recorrente e aquilo que havia sido concretamente pedido, previamente ao Réu na fase administrativa. 38. A Autora/Recorrente, como se percebeu do D) já aqui tratado, o que pretende é delimitar livremente a sua propriedade, com um muro de pedra, betão ou qualquer outro material, uma vez que não existe, nem o Réu invocou, qualquer inconveniente para o interesse público da viação e tal foi permitido a todos os demais confinantes daquela via. 39. É este sentido de liberdade de delimitar que a Autora/Recorrente se referia e que, em face do que se referiu a propósito do peticionado em D), ou seja; que a lei não impede a construção de um muro de pedra, terá de ser julgado procedente. 40. Assim e face ao exposto, teremos que concluir que a questão a decidir b), indicada nas questões a decidir identificadas na sentença a quo, terá de ter uma resposta positiva quanto a ambas as partes [petitório D) e B)] em que se decompõe, mas sem qualquer dúvida quanto à sua segunda parte: o direito de construir um muro de vedação de pedra no limite que confina com a via pública. 41. II — O PEDIDO DE ANULAÇÃO DO DESPACHO DE 24 DE MAIO DE 2013, QUE ORDENOU A RETIRADA DOS MARCOS DE DELIMITAÇÃO DA SUA PROPRIEDADE. 42. Se o proprietário tem a "liberdade", bem entendida, de vedar a sua propriedade nas extremas confrontantes com a via pública, com muros de pedra ou betão, então e por maioria de razão poderá implantar marcos nessas mesmas extremas. 43. Tudo o mais que aborda a sentença a propósito da natureza dos marcos à luz do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE) prende-se com a circunstância de a sentença ter considerado ilegal a possibilidade de construção de um muro em pedra na extrema (norte) da propriedade da Autora/Recorrente. 44. A sentença caracteriza os marcos de delimitação, e bem, como um "documento", nos termos do art. 362° do Código Civil, e considera que os mesmos não se enquadram nas "obras de escassa relevância urbanística, prevista no art. 6°-A do RJUE. 45. Os "marcos de delimitação" não se enquadram no conceito de "edificação", tal como vem definido na al. a) do art. 2° do RJUE (imóvel destinado a utilização humana), nem como "construção", tal como vem definida na al. b) do art. 2° do RJUE (fala em "obras de construção" definindo-as como obras de criação de novas edificações, ou seja, como criação de um novo imóvel destinado a utilização humana). 46. Não se tratando de "edificação" ou de uma "obra de construção", a implantação de marcos numa propriedade não está abrangida por aquele Regime Jurídico da Urbanização e Edificação: carece de licença. 47. Os marcos não são, portanto, construções, com o sentido e para os efeitos mencionados no RJUE, ou no artigo 58° da Lei 2110 de 19/08/1961, são antes e apenas objectos elaborados pelo homem com o fim, no caso, de representar uma extrema de uma propriedade. 48. A implantação de "marcos" na extrema de uma propriedade, ainda que confinante com via pública, não carece, pois, de qualquer licença ou autorização municipal, aliás tal como sucede com as vedações feitas com sebes vivas que estão expressamente excluídas da necessidade de licenciamento (cfr. parágrafo 4° do artigo 59° da Lei 2110 de 19.08.1961). 49. Uma vez que o fundamento invocado pelo Réu no despacho de 24/05/2013, que determinou a retirada pela Autora/ Recorrente dos marcos de delimitação da sua propriedade, foi o de que os mesmos estavam implantados em zona non aedificandi e uma vez que, como se viu, tal fundamento não tem suporte legal, ter-se-á de concluir que o despacho em causa padece de manifesta ilegalidade e como tal deve ser anulado, julgando-se procedente também este pedido da Autora/ Recorrente. 50. A sentença recorrida, considerando o que precede, violou, pois, por erro de interpretação e de aplicação, nomeadamente, o disposto nos artigos 9°, 352° e 362° do Código Civil, art. 465° do C. P. Civil, art. 58°, parágrafo 1, al. a), art. 59° e 59°, n.° 1 e art. 60°, parágrafo 2°, da Lei 2110 de 19.08.1961, artigo 18.°, n.° 2 e 62°, n.° 2 da Constituição da República Portuguesa (princípio da proporcionalidade), e art. 2°, als. a) e b) do DL 555/99, de 16/12 (com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.° 79/2017, de 18/08). NESTES TERMOS, E COM O SUPRIMENTO, DEVERÁ SER DADO INTEIRO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, REVOGANDO-SE, EM CONSEQUÊNCIA, A SENTENÇA RECORRIDA, A QUAL DEVERÁ SER SUBSTITUÍDA POR ACORDÃO, EM QUE, ACOLHENDO-SE AS RAZÕES SUPRA INVOCADAS, SE JULGUE A ACÇÃO ACIMA IDENTIFICADA PROCEDENTE, COM TODAS AS DEMAIS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS. ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA. O Réu juntou contra-alegações, sem conclusões, finalizando assim: Bem andou, portanto, o Tribunal recorrido, pois fundamentou devidamente as respostas dadas à matéria de facto, apreciou devidamente as provas que lhe foram levadas e aplicou corretamente o Direito, nada havendo, pois, a apontar à sentença recorrida. De resto, a abordagem jurídica da situação concreta revela uma correta interpretação das disposições legais aplicáveis, a qual não poderia conduzir a decisão diferente daquela que foi proferida, pelo que deve ser inteiramente mantida e, desse modo, não deve ser dado provimento o recurso da Autora/recorrente. O Senhor Procurador Geral Adjunto, notificado ao abrigo do disposto no artigo 146º/1 do CPTA, emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso. A este respondeu a Autora nos termos que aqui se dão por reproduzidos. Cumpre apreciar e decidir. FUNDAMENTOS DE FACTO Na sentença foi fixada a seguinte factualidade: 1. A autora é dona e legítima possuidora do prédio misto denominado “Propriedade do Vale do Adoeiro”, sito (…), inscrito na matriz predial daquela freguesia sob os artigos 226 Urbano e 129 rústico, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Baião sob o n.º 199/19981014 – cf. documentos de fls. 26/27 e 28/29 do suporte físico dos autos; 2. Por via da construção de um caminho municipal, aquele prédio foi dividido em duas partes, uma com cerca de 14.000 m2, e outra com uma área entre os 900 m2 e os 1.000 m2 [doravante designada por parcela pequena]; 3. Quanto àquela parcela pequena, no seu limite Norte esta confronta, em cerca de 70 metros de comprimento, com o caminho municipal, tendo este, pelo menos, 5 metros de largura; 4. Em que transitam veículos automóveis, ligeiros e pesados, fazendo a ligação entre a estrada nacional 221 e a estrada nacional 108; 5. A mesma parcela pequena, no seu limite Leste, confina, ao longo de 30 metros, com um caminho de terra batida; 6. Este caminho, conhecido por “Caminho do Seixo”, tem pelo menos a largura de três metros, no seu ponto mais estreito; 7. E não está provido de qualquer sistema de drenagem de águas pluviais, não tem postes de eletricidade nem de telefones, não tem infraestruturas de fibra ótica ou outras destinadas a telecomunicações, bem como não tem infraestruturas de abastecimento de águas da rede pública ou de saneamento; 8. Sendo que também não se encontra pavimentado, nomeadamente através de asfalto, paralelepípedos ou tout venant; 9. Mas faculta o acesso a vários terrenos agrícolas e habitações devolutas, servindo de ligação entre o lugar do Forno e outros lugares da freguesia de (...), bem como a diversos lugares da freguesia de (...); 10. E é utilizado pelos donos das propriedades que o ladeiam e pelo público em geral, desde tempos imemoriais; 11. A autora decidiu vedar toda a sua propriedade com lintel e rede, mantendo no referido limite Norte um corredor de cerca de um metro entre a rede e o limite ideal do caminho, como proteção à rede, à laia de sombra da mesma; 12. E nessa faixa de um metro a autora plantou uma linha de ciprestes, tendo ainda colocado estruturas de betão, com a altura de um metro acima do solo, e espessura de meio metro, enterrados de modo a ficarem estáveis e permanentes; 13. Da mesma forma, no limite Leste da parcela pequena, a autora plantou ciprestes e colocou as referidas estruturas de betão na faixa de um metro contado desde o lintel e rede para o lado do caminho; 14. Com efeito, já em setembro de 2009 a autora deu entrada nos serviços da Câmara Municipal de (...) de um projeto de vedação da parcela pequena, sendo que a mesma seria composta por 70,00 metros lineares que se fixariam face ao caminho municipal (limite Norte) com um afastamento de 4,00 metros ao eixo da via e 30,00 metros lineares à face do caminho do lado Leste, com a reconstrução de um muro aí pré-existente – cf. todo o processo de obras 32/2009, entretanto apenso aos autos; 15. Em Outubro de 2009, os serviços da Câmara Municipal responderam à autora, exigindo que esta respeitasse um afastamento de 4,00 metros do eixo da via na parte relativa aos 30,00 metros lineares, ou seja, no limite Leste da parcela em causa – cf. informação de fls. 29 do processo de obras 32/2009, apenso aos autos; 16. Tendo a autora manifestado a sua discordância – cf. documento de fls. 33/35 do processo de obras 32/2009, apenso aos autos; 17. Sendo que o Município manteve a sua posição, no sentido de obrigar a autora a cumprir com o afastamento de 4 metros ao eixo da via – cf. documento de fls. 45 do processo de obras 32/2009, apenso aos autos; 18. Em 30.09.2010, a aqui autora e o presidente da Câmara Municipal de (...) firmaram um documento escrito, intitulado de “Cedência de Terreno”, pelo qual a primeira declarava ceder à Câmara Municipal de (...) 30 m2 do prédio referido em 1, com o fim de garantir o alargamento do caminho público de forma a garantir a largura de 3.50 m em toda a sua extensão, mais se estabelecendo como compromisso da Câmara Municipal “levar a efeito a vedação em rede plastificada de cor verde com a altura de 2 metros que será assente num lintel de betão armado com 0,20 m de largura e 0,70 m de altura, sendo que 0,30 m serão enterrados, conforme planta apresentada no processo de obras 32/2009, suportada por tubos de perfil em T, numa extensão de 30 mL.” – cf. certidão de fls. 31/32 do suporte físico dos autos; 19. Em 06.06.2011, realizou-se uma reunião na Câmara Municipal de (...), na qual estiveram presentes a autora e o presidente da Câmara Municipal de (...); 20. Entretanto, o Município de (...) remeteu à autora ofício de referência 6725/2011, datado de 18.08.2011, identificando como assunto “Cedência de Terreno para Alargamento de Caminho em Forno – (...)”, e no qual se pode ler: “(…) Reportando-me ao assunto em epígrafe, sou a comunicar e remeter a V. Exa. o seguinte: 1 – Na reunião de 06/06/2011, ficou assente considerar sem efeito a cedência de terreno para alargamento do caminho no lugar de Forno, freguesia de (...) e por consequência a Câmara não faria qualquer tipo de vedação ao terreno de V. Exa. confrontante com o mesmo caminho. 2 – Por tal motivo, considera-se sem efeito o acordo constante da ficha de cedência de terreno assinada por ambas as partes, documento que remeto a V. Exa. como sendo uma cópia autenticada de acordo com o original constante do Processo GSE 6763/2010. 3 – Como muito bem sabe, no seguimento da referida reunião e no próprio local ficaram definidos os alinhamentos das vedações que tiveram por base o licenciamento requerido para o efeito. 4 – O não envio do original da ficha de cedência não servirá para qualquer utilização indevida por parte desta autarquia, em primeiro lugar porque a cópia agora remetida tem a mesma validade do original, em segundo lugar porque qualquer aproveitamento só prejudicará o erário público e em terceiro lugar porque os responsáveis pela gestão desta autarquia, onde se inclui o Presidente da Câmara, são pessoas idóneas e agem sempre de boa fé para com os seus concidadãos. 5 – Por último, fico ciente que este assunto está definitivamente encerrado. (…)”; Cf. documento de fls. 33 do suporte físico dos autos; 21. Em resposta a este ofício, a autora apresentou documento escrito dirigido ao presidente da Câmara Municipal de (...), do seguinte teor: “(…) serve a presente para, desde já, agradecer a amabilidade que teve no envio do ofício, melhor identificado em epígrafe. No entanto e apesar de a referida certidão ter a mesma validade do original apresentado, nada impede que um interessado qualquer, solicite junto dos v/ serviços uma cópia autenticada do referido documento de cedência e que possa utilizar tal expediente para fins indevidos. Por isso, na reunião de 06.06.2011 ficou acordado com V. Ex.a que o original seria devolvido imediatamente. Assim sendo, para que dúvidas não subsistam, roga-se mui respeitosamente a V. Ex.a se digne ordenar a devolução do original apresentado ou, em alternativa, que seja mencionada no original a indicação de que o teor dele foi anulado, tanto mais que só dessa forma parece ficarem os meus interesses devidamente salvaguardados. Acresce o facto de os titulares dos órgãos da autarquia, obviamente, terem também de submeter-se ao princípio constitucional da limitação dos mandatos, pelo que se me afigura mais avisado ser possuidora, já, do original do documento. (…)”; Cf. documento de fls. 34 do suporte físico dos autos; 22. Em resposta, os serviços da Câmara Municipal de (...) remeteram à autora ofício datado de 25.05.2012, de referência 3597/2012, do seguinte teor: “(…) encarrega-me o Exmo. Senhor Presidente desta Câmara Municipal, no seguimento de participação apresentada em 17-05-2012, de informar V. Exa. que o original da ficha de cedência está já inutilizado, por não se encontrar, por extravio. De todo o modo, remeteu-se cópia autenticada do documento em formato digital, sendo que este assunto ficou definitivamente encerrado na reunião tida em 6-06-2011, ficando sem efeito qualquer cedência de terreno e qualquer obra a realizar por esta Câmara. No local foi feita a implantação dos muros de vedação com a presença e concordância de V. Exa. e da Junta de Freguesia, e com base nesta foi feito o respectivo licenciamento. (…)”; Cf. documento de fls. 35 do suporte físico dos autos; 23. A autora construiu a expensas suas a vedação que se encontra edificada na parcela pequena do seu prédio; 24. Em 17.07.2012, o presidente da Junta de Freguesia de (...) remeteu um email aos serviços da Câmara Municipal de (...), do seguinte teor: “Tendo sido surpreendido pela colocação de diversos pilares de vedação no meio de um caminho público (Caminho do Seixo, Lugar do Forno) que serve habitações e terrenos por ordem de Paula Verónica Figueiredo V. P. Correia, sou pelo presente a solicitar à secção de fiscalização e ao Pelouro responsável para que deslocando-se ao local apure responsabilidade com a máxima urgência uma vez que estão a ser lesadas diversas pessoas, que só podem usar o caminho a pé. (…)” – cf. documento de fls. 1 do PA apenso aos autos, de referência 5086/2012; 25. Na sequência da apresentação deste email, em 04.02.2013 foi proferido despacho pelo vereador da Câmara Municipal de (...) responsável pelo pelouro do urbanismo, no sentido de se projetar a decisão de determinar a remoção dos marcos colocados pela autora, concedendo o prazo de 15 dias para esta, querendo, se pronunciar sobre aquela decisão – cf. documento de fls. 4 do PA apenso aos autos, de referência 5086/2012; 26. A autora veio a pronunciar-se sobre a intenção de decisão manifestada pelo Município, mediante documento escrito, expedido em 25.03.2013, sob correio registado – cf. documento de fls. 16 a 41 do PA apenso aos autos, de referência 5086/2012; 27. Em 24.05.2013, o vereador da Câmara Municipal de (...) responsável pelo pelouro do urbanismo proferiu despacho no qual, para o que aos autos releva, se lê: “(…) a)- definitivamente na retirada dos marcos em zona non aedificandi, que o(s) proprietários levou(aram) a efeito no local identificado na participação, dado que os interessados não, apresentaram quaisquer fundamentos de facto e de direito, na pronúncia, em sede de audiência prévia, que permitissem inverter o sentido da decisão manifestada pelo respetivo ofício da Câmara e dado que também não deu(ram) cumprimento voluntariamente à demolição da obra em causa, mantendo-se a situação, à presente data, inalterável, conforme decorre da informação prestada pela fiscalização municipal; (…)”; Cf. documento de fls. 44 do PA apenso aos autos, de referência 5086/2012; 28. Este despacho foi notificado à autora pelo ofício datado de 24.05.2013, de referência 3603/2013, expedido por correio registado sob aviso de receção, que aquela rececionou em 08.06.2013 – cf. documento de fls. 45 do PA apenso aos autos, de referência 5086/2012; 29. No lado oposto ao terreno da autora, no que respeita à confrontação Norte, existe um muro de betão que serve de vedação do respetivo prédio; 30. Foram construídos em confrontação com o mesmo arruamento com o qual confina o terreno da autora a Norte muros de vedação em blocos de cimento, e existem outras vedações feitas em rede. Em sede de factualidade não provada o Tribunal exarou: Factos Não Provados: que A) O caminho referido nos pontos 5 e 6 dos factos provados tem uma largura de dois metros e meio; B) E nasce num caminho público, dirigindo-se a uma casa antiga atualmente em ruínas, onde termina, constituindo um meio de acesso a essa casa e adotando o formato de uma manga; C) O mesmo caminho não dá acesso a mais nenhuma propriedade, nem se torna necessário, porque para além desta propriedade, todos os outros prédios vizinhos têm acesso por outro lado, que até permite a passagem de carros de boi; D) Trata-se, por isso, de um caminho não inserido na rede viária da freguesia, nem é objeto de uso direto e imediato de qualquer cidadão, desde tempos imemoriais; E) Não oferecendo qualquer utilidade à generalidade dos cidadãos para se deslocarem, sendo apenas acesso facultativo ao referido prédio em ruínas pelos proprietários deste ou por quem se lhe dirigir; F) No limite Leste da sua propriedade, e na execução da vedação do mesmo, a autora manteve um corredor de cerca de um metro entre a rede e o limite ideal do caminho; G) A faixa referida em 13 dos factos provados, na qual a autora plantou os ciprestes e colocou as estruturas betão, integra o prédio do qual é dona, referido em 1 do mesmo elenco; H) Foi referido pelos serviços da Câmara Municipal de (...), quanto ao afastamento referido em 15 dos factos provados, que o mesmo tinha em vista facilitar a passagem de veículos automóveis naquela artéria; I) Pelo que a Câmara Municipal pretendia que a autora doasse parte do seu terreno para que o caminho passasse a ser viário; J) Inconformada com a informação transmitida pelo ofício referido em 15, a autora solicitou uma reunião com o presidente da Câmara Municipal de (...), a qual aconteceu em 24.01.2011, e na qual este último referiu o seguinte: (i) onde existiam muros, é obrigatório deixar reconstruir no mesmo local; (ii) a existência ou não de muros antigos deveria ter sido verificada pelos técnicos da Câmara, através de sondas próprias para o efeito; (iii) as vedações que a Câmara faz como contrapartida de cedências são muito mais simples e baratas da que foi acordada; (iv) ia solicitar informação mais precisa para confirmar o interesse público; mais se comprometeu o presidente da Câmara Municipal a dar resposta no prazo de um mês; K) A autora, por não ter obtido resposta nos termos da alínea anterior, solicitou nova reunião com o presidente da Câmara Municipal de (...), e em consequência realizou-se em 06.06.2011 uma audiência privada entre ambos, no qual aquele referiu à autora: (i) não existia interesse público no acordo de cedência e que a Câmara não tinha interesse em verificar por meio de sondas onde estariam as pedras do antigo muro; (ii) tal como sugerido pela junta de freguesia e de forma a ir de encontro ao interesse de particulares, o caminho no início deveria ter 7 metros de largura; (iii) que a autora teria duas opções, ou mantinha a pretensão apresentada e a Câmara não aprovaria qualquer vedação, ou aceitava doar parte do terreno do domínio público e a Câmara aprovaria a vedação; L) Os muros referidos em 29 e 30 dos factos provados foram construídos a menos de 4 metros do eixo do arruamento com o qual confrontam, sem que o Município de (...) a tal tivesse obstaculizado ou exigido que fosse respeitada a referida distância de pelo menos 4 metros, existindo centenas de muros em idêntica situação ao longo do concelho de (...). Em sede de motivação o Tribunal consignou: Para determinar o acervo factual relevante, o tribunal considerou e analisou, de modo crítico e conjugado, à luz das regras da experiência comum, os meios de prova produzidos, nomeadamente os documentos juntos aos autos, o depoimento das testemunhas arroladas pelas partes e ainda as conclusões obtidas da sua perceção direta resultante da inspeção ao local em que se situa a propriedade da autora. No que diz respeito ao conjunto de factos elencados nos pontos 1 a 5, que no essencial dizem respeito à propriedade da autora sobre o prédio em causa, bem como quanto à sua composição e confrontação, o tribunal firmou a sua convicção com base nos documentos juntos e na sua perceção direta do local. Com efeito, a autora juntou aos autos documento comprovativo da inscrição do prédio a seu favor no registo predial, bem como as cadernetas prediais urbanas, sendo certo que o réu não colocou em causa os factos relativos ao direito de propriedade – o que sempre se revelaria contraditório, atenta a leitura dos elementos juntos ao PA apenso. No restante, o tribunal pôde confirmar in locu que o prédio em causa se encontra efetivamente dividido, e é hoje atravessado por um caminho municipal, pavimentado em cubos de granito. Ainda de salientar, sobre estes factos, que assumiu relevo o depoimento da testemunha G., topógrafo que, a solicitação da autora, fez um levantamento topográfico da propriedade. Nesta parte – adiante se tratará a matéria relativa à composição do caminho com o qual confronta a propriedade da autora a Leste – a testemunha demonstrou conhecer a propriedade em causa, o que aliás resultou dos serviços que prestou. De facto, o tribunal não duvida da testemunha neste ponto concreto, desde logo na medida em que a descrição que fez coincide plenamente com a realidade física que o tribunal também encontrou em sede de inspeção ao local. Além disso, e sempre no que respeita aos factos em causa, depôs de modo espontâneo e sem hesitações, e não mostrou quaisquer dificuldades em identificar o local em causa e o levantamento topográfico elaborado, quando confrontado com esses elementos. Como adiante se verá, impõe-se uma análise distinta apenas em relação à questão do caminho do Seixo. Vejamos agora o conjunto dos factos enunciados sob os pontos 6 a 10 dos factos provados, bem como os que constam das alíneas A) a E) dos factos não provados. Neste caso, estamos essencialmente perante a caracterização e finalidade do “caminho do Seixo”, precisamente aquele com o qual confronta, a Leste, a parcela pequena do prédio da autora. Ora, assumiu particular importância a prova testemunhal produzida a este propósito, em especial no que respeito às testemunhas A., A., L. e J.. Começando pela testemunha A., arrolado pela autora, este referiu que teve no local um terreno e uma casa, pese embora nunca lá tenha vivido. Demonstrou conhecer bem o local em questão, e explicou com detalhe que o atual caminho surgiu aquando da construção do atual caminho municipal. Segundo a testemunha, passavam naquele caminho do Seixo carros de boi, e atualmente era o único acesso às casas e propriedade ali existentes – caso contrário, disse a testemunha, “só de helicóptero”. Quando confrontado com fls. 19 do processo de obras, entretanto junto aos autos, não hesitou em afirmar que o caminho era toda a largura, e não apenas até ao limite ideal ali assinalado a vermelho, no que transmitiu segurança e naturalidade na resposta, sem sequer hesitar quanto à configuração do caminho que conhecia. Ainda segundo a testemunha – de 72 anos de idade – o caminho serve cerca de 10 proprietários dos terrenos que com ele confinam, e termina no ribeiro, algumas centenas de metros adiante. Para cima, o caminho prossegue ligando as freguesias de (...) e (...). Também neste ponto foi notório que depôs com presença e conhecimento do local, definindo sem dificuldades o percurso marcado pelo caminho, a sua finalidade e configuração. No mesmo sentido depôs a testemunha A., o qual desempenhou as funções de presidente da junta de freguesia de (...) entre 1997 e 2013 (sendo que apenas esteve ausente, durante a sua vida, por seis anos, emigrado na Alemanha). Demonstrou um conhecimento profundo do local em questão, e explicou com nitidez e presença o surgimento do atual caminho municipal, e o que com o mesmo sucedeu ao caminho do Seixo; foi claro ao afirmar, de forma assertiva e sem hesitações, que o caminho tem início no lugar de Forno e termo em Pedregal, com cerca de 400 metros de extensão, e que no mesmo passavam tratores e carros, ainda que hoje todas as casas que aí eram habitadas estejam em ruínas. Neste ponto, importa introduzir o depoimento da testemunha J., que também exerceu várias funções na junta de freguesia, mas sobretudo porque viveu efetivamente no local em discussão, cerca de dois anos, na década de 60, numa das casas do lugar de Forno, hoje todas elas desabitadas. Por lá, disse, passavam os carros de boi carregados de mato e os agricultores para acesso às suas propriedades. Na medida em que a testemunha viveu no local em questão e que o conhece desde tenra idade (desde os 9 anos pelo menos), demonstrou ser conhecedor da anciã realidade do caminho em causa, e depôs de modo coerente, descomprometido e objetivo, não se lhe podendo imputar qualquer circunstância que afete a sua credibilidade. Pelo contrário. Além das pessoas já referidas, a este propósito cumpre ainda aludir ao depoimento de L., atual presidente da junta da união de freguesias de (...) e (...), que aliás confirmou ter sido o autor da participação feita em Julho de 2012 [ponto 24 dos factos provados], e que afirmou que o caminho está em condições de aí circularem viaturas, sendo limpo e mantido pela junta de freguesia. Acrescentou que o caminho sempre foi usado pelo público, e que era um espaço amplo, no qual passavam viaturas, e que no ponto mais estreito tinha 3 metros de largura, sendo bastante mais largo na entrada. Ora, pelas funções que exerce também conhece o local em apreço, e o seu depoimento fez-se de modo coerente e assertivo, sem denotar comprometimento de qualquer ordem, ou constrangimento derivado de eventuais pressões dos habitantes. Existe, na verdade, uma coerência espontânea e descomprometida entre o depoimento destas testemunhas, todas elas, mesmo que por motivos distintos, conhecedoras do local em causa, sendo que pelo modo espontâneo com que depuseram, sem denotar qualquer parcialidade na defesa de quaisquer interesses pessoais, o tribunal não detetou qualquer concertação nos seus discursos. Aliás, foram arrolados pela autora, mas depuseram em seu desfavor. Mais do que isso, a inspeção ao local realizada pelo tribunal permitiu confirmar a veracidade do alegado quanto ao caminho do Seixo. Trata-se, como pudemos constatar, de um caminho agrícola, mas apresenta claramente traços ancestrais demonstrativos da sua afetação ao público desde tempos imemoriais. É certo que a esta data todas as casas do lugar estão desabitadas – foi notório que as construções estavam em ruínas – mas também foi patente que os terrenos se apresentavam murados, muitos deles em granito, completamente definidos em relação ao caminho, que se caracteriza por um acesso carral. Ao tribunal ficou patente a ideia de que a parte em que este caminho confronta com o prédio da autora é mais recente, porque resulta da abertura da atual estrada municipal com que se cruza, mas seguramente que sempre ali estaria assegurado o acesso a veículos, nomeadamente tratores (já que estão em desuso os veículos a tração animal). Anote-se apenas que na parte que designaremos “de cima”, a que confronta com a maior parcela do prédio da autora, o caminho encontra-se realmente abandonado, com sinais de falta de manutenção ou limpeza; o que contrasta com a parte de baixo, em que claramente se mostra mais limpo, sem vegetação que impeça o trânsito e o acesso às muitas propriedades parcelares ali existentes. Além disso, dos depoimentos referidos e da perceção direta do tribunal resultou que o caminho do Seixo, na parte que confina com a parcela pequena do prédio da autora, não tem qualquer infraestrutura e é de terra batida; como se disse, atualmente dá acesso a propriedades agrícolas, não vivendo ninguém no antigo lugar do Forno (a casa ali existente será servida pelas infraestruturas da estrada municipal, com a qual também confina). Também ficou claro que é o único acesso a essas propriedades agrícolas, e que é utilizado por proprietários e público em geral. A grande dúvida cingia-se à largura do caminho na parte em que confina com a parcela pequena do prédio da autora, numa extensão de 30 metros. A autora alegava que tal caminho teria cerca de 2,5 metros de largura. A prova produzida leva, no entanto, a conclusão diversa. Em primeiro lugar, da prova produzida ficou o tribunal profundamente convicto de que nunca foi feita qualquer delimitação física do caminho, nomeadamente através de um suposto muro. Apenas a testemunha Gil Alves se referiu a esta hipótese, mas, sem no entanto, dispor de qualquer razão de ciência que o sustente; na verdade, a testemunha limitou-se a dizer que indicou vestígios de um antigo muro, que terá desaparecido com o tempo, mas fez questão de anotar “possivelmente”. Ora, a testemunha nunca viu muro algum no local e partiu do que considera vestígios de fundações. Por outro lado, as testemunhas já referidas (sobretudo o A., o J. e o A., que conhecem o local, por diferentes motivos, já explicados, há longos anos) não se referiram a qualquer muro, e todos eles foram perentórios a indicar o limite do caminho quando confrontados com a foto de fls. 19 do processo de obras apenso aos autos, sendo que o J. (que, repita-se, viveu naquele local na década de 60 do século XX) disse que o caminho é “mais ou menos como está hoje”, considerando que hoje o caminho corresponde ao mesmo limite indicado pelas outras testemunhas (onde a autora implantou a vedação). Ainda sobre este ponto da largura do caminho/existência ou não de um muro antigo, importa sublinhar que a inspeção realizada no local permitiu ao tribunal concluir, por perceção imediata, que não existem quaisquer vestígios de algum muro em pedra. Seguramente, e isso o tribunal constatou, existem muitas pedras no caminho, algumas enterradas, mas sem que seja possível adivinhar qualquer estrutura ali pré-existente. De facto, as pedras em causa assemelhavam-se mais a um lajeado, estando espalhadas pelo caminho, do que a qualquer muro. Aliás, o tribunal cruzou a sua experiência com a mesma foto de fls. 19 do processo de obras com que as testemunhas foram confrontadas, e na verdade o que dali resulta é que o caminho se estenderia até ao topo do pequeno talude. Pensamos até que este pequeno talude seria, ele próprio, a delimitação do caminho calcorreado por quem ali passava. Mediante a apreciação de todas estas provas, pôde o tribunal concluir como nos pontos 6 a 10 dos factos provados, por confronto com os factos vertidos nas alíneas A) a E) dos factos não provados. Em relação aos factos provados elencados nos pontos 11 a 13, a prova resulta evidente dos vários elementos documentais disponíveis, a começar pelas fotografias juntas com a PI, mas também pela análise do processo de obras entretanto apenso aos autos. Apenas não se provou, no que respeita ao limite Leste, que a autora tenha colocado os blocos de cimento numa faixa de terreno que ainda integrava o prédio da autora [cf. alíneas F) e G) dos factos não provados]. Esta conclusão resulta dos depoimentos acima referidos, bem como da inspeção realizada ao local, do que ficou patente que os blocos foram colocados em pleno caminho, e não na propriedade da autora. Para lá remetemos, evitando repetições desnecessárias. No que diz respeito ao facto elencado no ponto 19, a sua análise tem de ser feita em conjugação com as alíneas J) e K) dos factos não provados. Resultou da prova produzida que se realizou na Câmara de (...) uma reunião, e que aí esteve presente o presidente da Câmara Municipal. Para esta conclusão, baseou-se o tribunal no depoimento do J., que disse ao tribunal ter existido uma reunião na Câmara Municipal, estando presente o presidente da Câmara, o engenheiro C. e o fiscal J., justificando-se a sua presença por, à data, exercer funções na junta de freguesia. O referido engenheiro é a testemunha C., chefe da divisão de licenciamento e urbanismo à data dos factos, que confirmou a reunião, bem como uma deslocação ao local para tentar estabelecer um acordo com a autora. Dúvidas não subsistem que a reunião se realizou, e que lá esteve o presidente da Câmara. Porém, nenhuma prova concreta foi produzida acerca de uma suposta audiência privada com o presidente da Câmara Municipal, realizada em Janeiro de 2011, e uma outra em 06.06.2011. Menos ainda foi produzida prova sobre qual terá sido o teor dessas reuniões. Não tendo sido produzida qualquer prova, restava concluir como nas alíneas J) e K) dos factos não provados. Relativamente ao facto elencado no ponto 23, bastou-se o tribunal com os documentos entretanto juntos a fls. 201/203 do suporte físico dos autos. Sobre os pontos 29 e 30, resulta a conclusão do tribunal da sua perceção direta, aquando da deslocação ao local, constatando a existência dos muros de vedação e das redes com a mesma finalidade. Finalmente, no que tange aos factos descritos nos pontos 14 a 18, 20 a 22, e 24 a 28, baseou-se o tribunal na prova documental que se encontra junta aos autos e aos processos administrativos apensos, a qual não foi objeto de impugnação pelas partes, inexistindo fundamentos que façam duvidar da sua genuinidade ou da fidedignidade do seu conteúdo, razão pela qual foi merecedora de crédito para efeitos probatórios. Para melhor elucidação, ficou identificado a propósito de cada facto o documento que, em concreto, alicerçou a convicção do tribunal. No que respeita aos factos não provados das restantes alíneas H), I) e L, a conclusão obtida pelo tribunal resulta igualmente da falta de prova que permitisse concluir em sentido inverso. Sobre a al. H), de nenhum depoimento das testemunhas ligadas ao Município de (...) resultou que tenha alguma vez sido referida a finalidade do afastamento. Na verdade, as testemunhas R., técnico do município que interveio nos licenciamentos, C., como se disse chefe de divisão de urbanismo, e L., vereador do urbanismo à data dos factos, nada disseram a respeito de qualquer informação transmitida pelo Município naquele sentido. Pelo contrário, todos eles relataram as dúvidas que se vieram a suscitar sobre os limites Leste da parcela da autora, sendo que o Município partia sempre da boa-fé dos requerentes. No caso, começaram a levantar-se problemas pelas denúncias feitas de que estaria a ser ocupada a via pública. De resto, e como já se disse, resultou evidente ao tribunal que nunca a propriedade terá sido formalmente delimitada em relação ao caminho em questão, o que levantou todas as dificuldades inerentes ao procedimento. Foi também por estas razões que se concluiu como em I), sendo certo que o tribunal ficou mesmo com a ideia inversa ao alegado pela autora, atenta a prova produzida e já referida: não era o Município que queria a doação do terreno, mas sim a autora que queria impor ao município os limites da sua propriedade, fixados de acordo com um levantamento topográfico mandado fazer por si. Finalmente, sobre a alínea L), apenas se dirá que não foi produzida qualquer prova sobre aquela matéria, pelo que restava dar o facto por não provado. DE DIREITO Está posta em causa a sentença que ostenta este discurso fundamentador: A autora deduz várias pretensões nos presentes autos. Em primeiro lugar, pretende a anulação do despacho de 24.05.2013, que ordenou a retirada dos marcos de delimitação da sua propriedade. Mas, além disso, a autora pretende ainda que o tribunal lhe reconheça o direito de delimitar livremente a sua propriedade, mesmo tratando de uma zona non aedificandi, bem como o direito de na parte do seu terreno que confronta com um leito de terra batida e se limita a dar acesso a uma propriedade privada, construir um muro de vedação, por não se tratar de uma zona non aedificandi. Ainda em matéria de reconhecimento de direitos, a autora pede que o tribunal lhe reconheça o direito a construir um muro em pedra no limite da sua propriedade, na medida em que o Município assim o tem permitido por todo o concelho de (...). Finalmente, é pretensão da autora que a ré a indemnize pelos gastos que suportou com a edificação do muro de vedação. A tudo se opôs o Município de (...), pugnando pela legalidade da sua atuação à luz do regime legal vigente em matéria de confronto entre propriedade privada e estradas e caminhos municipais. Sintetizadas as posições das partes, cumpre apreciar o mérito das pretensões deduzidas pela autora, começando por aludir ao regime jurídico relevante de modo a enquadrar os termos da presente decisão. A regulamentação em matéria de caminhos e estradas municipais continua a ser a que resulta da Lei n.º 2110, de 19.08.1961, diploma que se mantém em vigor, pelo menos no que diz respeito às disposições que não foram tacitamente revogadas por diplomas mais recentes e que possam versar sobre idêntica matéria. Pois bem, nos seus artigos 43.º e seguintes, esta Lei define o conjunto de direitos e deveres dos proprietários confinantes com as estradas e caminhos municipais. A este propósito, importa ter sobretudo presente o disposto no art.º 58.º do diploma em mérito, no qual se lê o seguinte: “Art. 58.º Não é permitido efectuar qualquer construção nos terrenos à margem das vias municipais: 1.º Dentro das zonas de servidão non aedificandi, limitadas de cada lado da estrada por uma linha que dista do seu eixo 6 m e 4,5 m, respectivamente para as estradas e caminhos municipais. As câmaras municipais poderão alargar as zonas de servidão non aedificandi até ao máximo de 8 m e 6 m, para cada lado do eixo da via, respectivamente para as estradas e caminhos municipais, na totalidade ou apenas em alguma ou algumas das vias municipais; 2.º Dentro das zonas de visibilidade do interior das concordâncias das ligações ou cruzamentos com outras comunicações rodoviárias: a) Fora das povoações, o limite das zonas de visibilidade nas concordâncias é assim determinado: Depois de traçada a curva de concordâncias das vias de comunicação em causa, com o raio regulamentar que lhes couber nos termos do Decreto-Lei n.º 34593, de 11 de Maio de 1945, aumentam-se 5 m à respectiva tangente sobre o eixo de qualquer das vias, quando de igual categoria, ou sobre o eixo da de maior categoria, quando diferentes. O ponto obtido projecta-se perpendicularmente sobre a linha limite da zona non aedifcandi dessa via para o lado do interior da concordância. Pela projecção assim determinada traça-se uma recta igualmente inclinada sobre os eixos das vias a concordar. Esta recta limita a zona de visibilidade desejada; b) Dentro das povoações, o limite das zonas de visibilidade é determinado conforme estampas apropriadas anexas a este regulamento, quando não exista plano ou anteplano de urbanização aprovado. § 1.º Exceptuam-se do disposto neste artigo: a) As vedações; b) As construções a efectuar dentro dos centros populacionais, quando para os mesmos existam planos ou anteplanos de urbanização geral ou parcial ou planos de alinhamentos aprovados aos quais essas construções deverão ficar subordinadas; c) As construções simples, especialmente de interesse agrícola, como tanques, poços, minas, eiras, espigueiros, ramadas, alpendres, pérgulas, terraços e outras obras congéneres, que poderão ser autorizadas pelas câmaras municipais, não devendo, porém, os alinhamentos a fixar aproximar-se mais do eixo da via do que as vedações cujos alinhamentos são estabelecidos no presente regulamento; d) As construções junto de estradas e caminhos municipais com condições especiais de traçado em encostas de grande declive, de acordo com os regulamentos das câmaras municipais aprovados pelo Ministério das Obras Públicas. § 2.º Nas zonas de visibilidade referidas no n.º 2.º deste artigo, também não é permitida a plantação de árvores ou quaisquer espécies arbustivas que possam vir a prejudicar a visibilidade do trânsito.” Como decorre do disposto no parágrafo 1.º, é estabelecida uma zona non aedificandi à margem das estradas e caminhos municipais, fixada, respetivamente, em 6 metros e 4,5 metros contados desde o eixo da via. Mas, tal como resulta da al. a) do § 1.º da mesma norma, esta disposição não se aplica a vedações, matéria que é especialmente tratada no art.º 60.º, cujo teor é o seguinte: “Art. 60.º Nas vedações à margem das vias municipais, os alinhamentos a adoptar serão paralelos ao eixo dessas vias e deverão distar dele 5 m e 4 m, respectivamente para as estradas e caminhos municipais. § 1.º Nos troços de estradas ou caminhos com perfis-tipo especiais ou nos existentes dentro de centros populacionais com planos ou anteplanos de urbanização, geral ou parcial, ou ainda com planos de alinhamento aprovados, as vedações deverão obedecer aos respectivos condicionamentos. § 2.º Quando se reconhecer que não há inconveniente para o interesse público da viação, será consentida vedação provisória pela linha que divide o terreno particular do chão do domínio público, sem observância das distâncias referidas neste artigo e respeitando-se tanto quanto possível a regularidade do alinhamento. Se se tornar necessário remover a vedação, no todo ou em parte, para um alargamento da estrada que não ultrapasse o alinhamento normal ou para serviço respeitante à estrada, o proprietário não terá direito a qualquer indemnização. Observar-se-á neste caso, na parte aplicável, o disposto no § 2.º do artigo anterior.” Ou seja, no caso concreto das vedações, os alinhamentos a respeitar são diminuídos para 5 metros (no caso das estradas municipais) e 4 metros (quanto aos caminhos municipais). Antes de mais, merece ser sublinhada, ainda que em traços necessariamente breves, a evolução legislativa em matéria de classificação de vias públicas. Foi com o Decreto-Lei n.º 34593, de 11.05.1945, que pela primeira vez, e de modo sistemático, se classificaram as vias. De acordo com o regime estabelecido neste diploma, as vias rodoviárias foram classificadas em (i) estradas nacionais, (ii) estradas municipais e (iii) caminhos públicos. Estes caminhos, por sua vez, podiam classificar-se em municipais ou vicinais. Um caminho público, na aceção deste diploma, era uma ligação de interesse secundário e local, dizendo-se municipais os que se destinam a permitir o trânsito automóvel, e vicinais os que normalmente se destinam ao trânsito rural. O Decreto-Lei n.º 34593 veio a ser revogado pelo Decreto-Lei n.º 380/85, de 25 de setembro, que estabelecia o regime de classificação das comunicações públicas rodoviárias nacionais. Era suposto, de acordo com o art.º 13.º deste Decreto-Lei, ter surgido um diploma regulamentador da rede municipal. De facto, só assim se compreendia a revogação integral do diploma de 1945, já que este tinha um âmbito mais lato, versando não apenas sobre vias nacionais, mas também sobre vias municipais e caminhos públicos. Regulamentação que, tanto quanto se sabe, nunca veio a surgir. Aliás, o Decreto-Lei n.º 380/85, de 25.09, veio a ser revogado em 1998 pelo Decreto-Lei n.º 222/98, de 17.07, que redefiniu o plano rodoviário nacional e criou as estradas regionais, e que no seu art.º 14.º voltava a remeter para regulamentação própria, a qual, porém, nunca veio a surgir. Ou seja, o legislador revogou a anterior legislação que versava sobre a matéria da classificação dos caminhos públicos, no pressuposto de surgir nova regulamentação sobre o assunto; a qual, no entanto, nunca veio a surgir. Não se trata, note-se, de uma discussão meramente teórica. Com o desaparecimento da classificação feita em 1945, a Lei n.º 2110 perdeu contexto, pois tinha em vista os conceitos então existentes. Quando se referia a estradas e caminhos municipais, tinha por base os conceitos jurídicos em que essas realidades assentavam. A falta de regulamentação e o vazio legal entretanto gerado têm suscitado dificuldades de vária ordem. Não obstante, é à luz deste regime – ou da falta dele – que importará saber se merecem acolhimento as pretensões formuladas pela autora. Sobre a anulação do despacho que ordenou a remoção dos “marcos de delimitação” Exposto o regime legal pertinente, cumpre apreciar o mérito da pretensão da autora no que diz respeito à anulação do despacho que ordenou a retirada dos “marcos de delimitação”. Deve começar por dizer-se que a utilização da expressão “marcos” para designar os blocos de cimento colocados pela autora é correta. Na verdade, aqueles blocos foram colocados com o propósito de delimitar a propriedade privada confinante com o domínio público. Nesse sentido, constituem um documento para efeitos do disposto no art.º 362.º do Código Civil, pois correspondem a um objeto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto. Ora, a autora começa por invocar como fundamento para a ilegalidade do ato a violação do princípio constitucional da igualdade, com fundamento na circunstância de existiram, por todo o concelho de (...), muros de vedação que não respeitam os afastamentos, e o Município tem permitido a construção de muros em blocos e betão ao abrigo do art.º 60.º, n.º 2, da Lei n.º 2110, apenas não o permitindo à autora. Além disso, socorre-se a autora de diversas disposições do Código Civil em matéria de direito de propriedade privada, nomeadamente no que respeita ao direito a delimitar a propriedade. Por último, faz corresponder a colocação dos marcos ao conceito de obras de escassa relevância urbanística, como tal definidas no RJUE, pelo que não carecida de qualquer controlo prévio. Vejamos, começando pelo princípio da igualdade. Lê-se no n.º 2 do art.º 266.º da CRP que os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem atuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé. Esta disposição constitucional era complementada pelo art.º 5.º, n.º 1, do CPA de 1991 (diploma aplicável in casu, atento o princípio tempus regit actum), no qual se estabelecia o seguinte: “nas suas relações com os particulares, a Administração Pública deve reger-se pelo princípio da igualdade, não podendo privilegiar, beneficiar, prejudicar, privar de qualquer direito ou isentar de qualquer dever nenhum administrado em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social. Sintetizando, qualquer órgão administrativo, no exercício das suas competências, deve salvaguardar a igualdade material da sua atuação, concedendo o mesmo tratamento perante situações idênticas. O princípio da igualdade não é uma realidade meramente teórica ou jurídica, e tem particular significância nos casos em que o legislador confere à Administração margens de discricionariedade ou de decisão. De tal modo que se, perante uma situação de liberdade de decisão, a Administração optar por determinado sentido decisório, não lhe será lícito que, arbitrariamente, opte por soluções diversas em casos idênticos, sem que para tal exista fundamento para a diferenciação da atuação. Tendo por base as disposições acima citadas, escrevia Diogo Freitas do Amaral: “[a] igualdade impõe que se trate de modo igual o que é juridicamente igual e de modo diferente o que é juridicamente diferente, na medida da diferença. Ou seja, como vem sendo reconhecido pela doutrina e pela jurisprudência, que o princípio da igualdade se projecta fundamentalmente em duas direcções: - proibição de discriminação; e obrigação de diferenciação.” – cf. Curso de Direito Administrativo, vol. II, Almedina, 2001, pág. 125. Assim, e por referência ao caso concreto, se o art.º 60.º, § 2.º da Lei 2110 permite que sejam feitas vedações provisórias, mesmo sem respeitar o afastamento de 4 metros ao eixo do caminho municipal, a entidade responsável por autorizar a vedação está obrigada a tratar de modo igual todos os que o pretendem fazer e que estejam em igualdade de circunstâncias. Se, por exemplo, entende o Município que uma rede de 1,20 metros de altura é uma vedação provisória adequada a certo local, terá de garantir o mesmo direito a todos os proprietários; porém, se em outro local do concelho o caminho se desenvolve em curva ou num plano acentuadamente inclinado que desaconselha a existência de qualquer vedação, de modo a não comprometer a segurança do trânsito automóvel e/ou dos peões, já não se pode falar em desigualdade, por existirem circunstâncias que justificam o tratamento diverso. Além disso, tem sido uniformemente recusada a ideia de “igualdade na ilegalidade”, precisamente pela razão de que não é pela multiplicação da ilegalidade que a situação se torna legal. Neste sentido, se pronunciou o STA por acórdãos (entre outros) de 14.07.1993, proferido no processo n.º 014218, de 06.11.2001, proferido no processo n.º 47833, de 17.11.2004, proferido no processo n.º 01316/03, de 29.11.2005, proferido no processo n.º 0509/05, e de 30.01.2003, proferido no processo n.º 01106/02. Também o TCA Norte, por acórdão de 08.11.2013, proferido no processo n.º 02155/10.7BEPRT alinhou por este entendimento, tendo aí deixado escrito que “[a] existência e a manutenção de edificações ilegais, bem como a ocupação ou utilização de construções e do solo sem a devida licença ou autorização administrativa não têm protecção constitucional; os princípios constitucionais visam salvaguardar a legalidade, pelo que não é defensável a igualdade na ilegalidade, tanto mais que o acto impugnado se insere no exercício de um poder vinculado e não discricionário do aqui Recorrido, sendo que, no caso, foram respeitados todos os princípios jurídicos que vinculam o exercício da actividade deste (Recorrido), nomeadamente, os princípios da igualdade, da justiça, da proporcionalidade e da boa-fé, cujo apelo por parte dos Recorrentes não passa de uma forma desesperada de tentarem obter ganho de causa.” Logo por este motivo fica vedada a possibilidade de o tribunal anular o ato com fundamento na circunstância de existirem outros muros em situação ilegal, v. g., sem respeitar os afastamentos legais em relação ao eixo da via. Caso se pudesse permitir essa conclusão, bastaria então a primeira ilegalidade para perpetuar a possibilidade de construir em violação do disposto na lei, tonando-se a ilegalidade comum e o respeito pela lei uma mera opção por parte de quem a quisesse voluntariamente cumprir. Mas não se veja aqui qualquer espécie de aprovação ou justificação para o comportamento de qualquer entidade pública, nomeadamente como forma de sustentar o perpetuar de situações ilegais. Muito pelo contrário. De qualquer modo, não ficou sequer provado que o muro de betão que se encontra do lado oposto à propriedade da autora (no caminho municipal com o qual confronta a Norte) se encontre a menos de 4 metros do eixo da via, o que só por si implica a improcedência do vício. E também não ficou provado que assim sucede quanto a centenas de outros muros existentes por todo o concelho de (...). Bem como nada se provou no sentido de que os muros de vedação entretanto construídos no mesmo caminho municipal se encontrem a menos de 4 metros do eixo da via. A referência à existência de vedações em rede nem sequer faz sentido, na medida em que a utilização de rede reconduz-se ao conceito de provisoriedade, subsumível ao § 2.º do art.º 60.º da Lei 2110, pelo que nunca fundamentaria qualquer violação do princípio da igualdade. Pois bem, era sobre a autora que competia alegar e provar os factos essenciais de que dependia a conclusão sobre a verificação do vício invocado. O que não sucede, razão pela qual só poderá concluir-se no sentido da improcedência da invocada violação do princípio da igualdade. Versando agora sobre a aplicação ao caso do disposto no RJUE em matéria de obras de escassa relevância urbanística. Trata-se neste caso, de interpretar e ter em mente o disposto no art.º 6.º-A do diploma referido, de cujo n.º 1 resulta o seguinte: “1 - São obras de escassa relevância urbanística: a) As edificações, contíguas ou não, ao edifício principal com altura não superior a 2,2 m ou, em alternativa, à cércea do rés do chão do edifício principal com área igual ou inferior a 10 m2 e que não confinem com a via pública; b) A edificação de muros de vedação até 1,8 m de altura que não confinem com a via pública e de muros de suporte de terras até uma altura de 2 m ou que não alterem significativamente a topografia dos terrenos existentes; c) A edificação de estufas de jardim com altura inferior a 3 m e área igual ou inferior a 20 m2; d) As pequenas obras de arranjo e melhoramento da área envolvente das edificações que não afetem área do domínio público; e) A edificação de equipamento lúdico ou de lazer associado a edificação principal com área inferior à desta última; f) A demolição das edificações referidas nas alíneas anteriores; g) A instalação de painéis solares fotovoltaicos ou geradores eólicos associada a edificação principal, para produção de energias renováveis, incluindo de microprodução, que não excedam, no primeiro caso, a área de cobertura da edificação e a cércea desta em 1 m de altura, e, no segundo, a cércea da mesma em 4 m e que o equipamento gerador não tenha raio superior a 1,5 m, bem como de coletores solares térmicos para aquecimento de águas sanitárias que não excedam os limites previstos para os painéis solares fotovoltaicos; h) A substituição dos materiais de revestimento exterior ou de cobertura ou telhado por outros que, conferindo acabamento exterior idêntico ao original, promovam a eficiência energética; i) Outras obras, como tal qualificadas em regulamento municipal.” Não vemos como a implementação dos marcos de delimitação se possa subsumir a alguma destas disposições. Na verdade, apenas a al. b) se refere a vedações, mas sempre no pressuposto de que as mesmas não confinem com a via pública, o que não é o caso dos autos. Estando em questão a delimitação/vedação do terreno da autora com a via pública, então nesse caso é impossível subsumir-se a pretensão ao art.º 6.º-A do RJUE. Tanto mais que o art.º 60.º, § 2.º da Lei 2110 é claro no sentido de a vedação ter de ser consentida, pressupondo sempre o prévio controlo sobre a mesma, nos casos em que se pretenda não respeitar a zona de proteção. Não assiste, deste modo, razão à autora. Sobre a aplicação ao caso das regras do Código Civil, remete-se para momento ulterior, pois entende-se que o local mais adequado a essa análise será aquando da apreciação do direito da autora à delimitação da sua propriedade. Desde já se pode concluir que o despacho não padece dos vícios assacados pela autora, por referência ao princípio da igualdade ou à eventual inclusão no disposto no art.º 6.º-A do RJUE. Quanto ao reconhecimento do direito à delimitação da propriedade, e à construção de muros de vedação no limite da propriedade Sob a alínea B), pede a autora ao tribunal que lhe reconheça o direito livremente delimitar a sua propriedade, mesmo tratando-se, o que não se concede, de uma zona non aedificandi segundo a CM Baião. Tendo por base o disposto nas normas da Lei n.º 2110 acima transcritas, o pedido formulado nestes termos não pode proceder. Nomeadamente tendo por base o disposto no art.º 60.º da mencionada Lei. De facto, a autora tem o direito a delimitar a sua propriedade. Mas dizer-se que a autora tem esse direito, mesmo na parte confinante com estradas e caminhos municipais, não equivale a dizer que a autora o possa fazer como lhe aprouver, sem respeitar as disposições vigentes em matéria urbanística e de salvaguarda do tráfego rodoviário. É que, e note-se, o pedido que a autora apresenta consiste em ser-lhe reconhecido o direito a livremente delimitar a sua propriedade. O que, à luz da lei, se mostra inadmissível. Senão vejamos. De facto, é lícito à autora construir vedações da sua propriedade, desde que o faça respeitando os afastamentos impostos por lei, no caso de quatro metros, contados desde o eixo da via e tal seja autorizado. É o que resulta do art.º 60.º da Lei n.º 2110, sobejamente referido. Porém, a questão que a autora coloca é distinta desta, porque reside em saber se a vedação poderá ser feita dentro da faixa de proteção (ou faixa de respeito, ou zona non aedificandi, como se pretenda chamar), ou seja, no limite da sua propriedade. Tal como está provado, mesmo o caminho municipal que confronta a Norte com a parcela pequena do prédio da autora tem (pelo menos) 5 metros de largura [cf. ponto 3 dos factos provados]. Considerando o eixo da via nos 2,5 metros, e o disposto na Lei n.º 2110, a faixa de respeito seria de pelo menos 1,5 metros (ou seja, 4 metros ao eixo da via, 2,5 metros + 1,5 metros). Assim sendo, dado que o terreno da autora confronta a Norte com um caminho municipal, nunca o tribunal lhe poderia reconhecer o direito a livremente delimitar a sua propriedade. Se assim o fizesse, estaria a violar a Lei n.º 2110, que estabelece vários condicionalismos às vedações, construções e edificações a efetuar por proprietários de prédios confinantes com estradas e caminhos municipais. O peticionado terá, assim, de improceder. Em concretização do pedido acabado de referir (segundo se depreende da ordem de cumulação) pretende igualmente a autora que se lhe reconheça o direito a construir um muro de vedação em pedra no limite da sua propriedade, e já não apenas no limite da zona de proteção. E faz esse pedido quer quanto à confrontação Norte, quer quanto à Leste, embora com fundamentos distintos: no primeiro caso, deriva a pretensão de o município o ter vindo a permitir por todo o concelho; no segundo, por não existir sequer uma zona non aedificandi. Vejamos. O art.º 60.º, parágrafo segundo, da Lei n.º 2110 é bastante claro no que respeita a vedações a efetuar em desrespeito dos afastamentos legais, ao estabelecer que quando se reconhecer que não há inconveniente para o interesse público da viação, será consentida vedação provisória pela linha que divide o terreno particular do chão do domínio público, sem observância das distâncias referidas neste artigo e respeitando-se tanto quanto possível a regularidade do alinhamento. Ou seja, e sintetizando, o legislador permite que as vedações se façam mesmo sem respeito das faixas de proteção, mas impõe que: (i) não haja inconveniente para o interesse público da viação (ou seja, que não coloque em perigo a circulação rodoviária, incluindo a dos transeuntes); (ii) a vedação seja provisória; (iii) e precedida de autorização municipal (“será consentida”, de acordo com os termos empregados pelo legislador). Ora, dificilmente se concebe que um “muro em pedra” constitua uma vedação provisória, admissível à luz do regime legal. A teleologia da norma é, em nosso entender, relativamente simples: por um lado, o legislador deixa em aberto a possibilidade de o proprietário delimitar o prédio até ao confronto com o domínio público; mas, por outro, apenas o permite na medida em que essa delimitação se faça com recurso a vedação provisória, sem caráter de permanência, de modo a garantir uma eventual futura necessidade de alargamento da estrada ou caminho, consoante a predominância do interesse público que o legitime. Em todo o caso, e para o que à situação em apreço diz respeito, cingindo-se o pedido da autora a que o tribunal reconheça o direito a vedar a sua propriedade no respetivo limite com o domínio público correspondente a caminho municipal mediante a construção de um muro em pedra (limite Norte), a resposta só pode ser negativa, na exata medida em que a construção do muro não pode ser considerada como “vedação provisória”, atento o caráter de perenidade associado a esse tipo de construção. Não ignoramos que a autora baseia a sua pretensão na circunstância de o réu permitir a construção de muros de betão por todo o concelho. Porém, remetemos neste ponto concreto para o já exposto sobre o princípio da igualdade e a inexistência deste na ilegalidade, mas sobretudo para a circunstância de não se ter sequer provado o desrespeito pelos afastamentos legais. Mas será que o que vem de dizer-se é válido para a construção de um muro na propriedade da autora, na confrontação a Leste? Note-se que a autora não logrou sequer provar os pressupostos do seu direito, nomeadamente quanto aos concretos limites da propriedade em causa (por confronto com o caminho, já que qualquer eventual reivindicação de propriedade privada apenas pode ser requerida, a título principal, junto dos tribunais comuns), mas sobretudo no que diz respeito à não existência do caminho público. Com efeito, neste caso, a autora baseava a sua pretensão na circunstância de a propriedade confinar com um “leito de terra batida” que se limita a dar acesso a uma propriedade privada. Naturalmente que se assim fosse não se poderia falar da existência de um qualquer caminho público municipal, e logo ficaria afastada a aplicação de qualquer faixa de proteção ou zona non aedificandi, tudo se passando como se do confronto entre duas propriedades privadas se tratasse. Noutros termos, pode então dizer-se que a autora invocava – ainda que indiretamente – um suposto erro nos pressupostos da decisão da entidade demandada (de remoção dos marcos), que consistia na errada consideração da natureza jurídica do “leito em terra batida”. No entanto, a matéria de facto provada permite concluir que não se pode apontar qualquer erro à entidade demandada, ao considerar que também neste caso se tratava de um caminho municipal. E, repita-se, neste caso nem sequer a autora conseguiu provar que implantou os blocos de cimento ainda na sua propriedade ou no respetivo limite. Mas o pedido consiste apenas em saber se no limite Leste (no confronto com o “leito de terra batida”) deve ser reconhecido à autora o direito de murar a sua propriedade, no respetivo limite confinante com a via pública. É neste ponto que se faz sentir a dificuldade da evolução legislativa em matéria de classificação das vias de circulação. De facto, se estivesse em vigor o acima referido Decreto-Lei de 1945, chegar-se-ia à conclusão de que estamos perante um caminho, vicinal, v. g., sem qualquer infraestrutura, sem pavimentação, e que se destina a dar acesso a propriedades agrícolas. Quando a Lei 2110 surgiu, é nítido que tinha em mente a regulamentação existente, referindo-se aos concretos conceitos de estradas e caminhos municipais, deixando de fora os caminhos vicinais. Compreendia-se a razão de ser assim, na medida em que o objetivo essencial seria o de proteger o trânsito automóvel. Após a revogação do Decreto-Lei de 1945, e a orfandade legislativa em matéria de classificação das vias municipais, muito se tem dito sobre o modo de classificar as vias. Claro está que essa classificação será fácil nos casos em que constem do cadastro municipal, ou quando a Câmara Municipal tenha designado a via no momento da sua criação. O problema coloca-se quanto aos antigos caminhos vicinais, de características predominantemente rurais, e que acabaram esquecidos pelo legislador. De qualquer modo, pensamos que se impõe uma interpretação atualista da Lei 2110. Mesmo que não subsista a classificação em vigor à data da sua criação, é manifesto que esta Lei apenas visa proteger as vias destinadas ao trânsito automóvel, não regulando a matéria da confrontação com caminhos não destinados a esse fim, mas antes ao trânsito rural e ao acesso a propriedades agrícolas. Ou seja, a Lei n.º 2110 apenas se aplica a esses casos, e não a caminhos rurais, destinados ao trânsito agrícola. O caminho com o qual confronta a propriedade da autora a Leste corresponde a esse conceito, pois está provado que não está provido de qualquer sistema de drenagem de águas pluviais, não tem postes de eletricidade ou telefones, ou outras infraestruturas de telecomunicações ou de abastecimento de água ou recolha se saneamento; também não está pavimentado, mas faculta o acesso a vários terrenos agrícolas, sendo utilizado pelos donos e pelo público em geral desde tempos imemoriais. O mesmo é dizer que no seu limite Leste o terreno da autora não está sujeito aos afastamentos previstos na Lei n.º 2110, v. g., de quatro metros ao eixo da via, podendo edificar o muro no limite da sua propriedade. Sublinhe-se, no entanto, que o pedido consiste apenas em reconhecer o direito a construir um muro de vedação no limite da propriedade. Assim, não está em causa o reconhecimento do direito a construir o muro no local em que se encontravam os marcos, pois a autora nem sequer conseguiu provar que os implantou na sua propriedade. Da mesma forma, o reconhecimento do direito não dispensa a autora de cumprir os inerentes procedimentos de controlo prévio da legalidade urbanística, dado que, como acima referido, não lhe pode ser reconhecido o direito de livremente vedar a sua propriedade. Impõem-se duas notas adicionais sobre a apreciação da argumentação expendida na petição inicial. A autora lança mão, para justificar este direito de delimitar livremente a sua propriedade, de várias disposições do Código Civil, nomeadamente os artigos 1354.º, n.º 1, 1305.º, 1308.º, 1310.º e 1314.º. Todavia, este regime legal não se aplica sequer à situação em discussão nos autos. Aliás, conviria ter presente o disposto no art.º 1304.º daquele compêndio legal, o qual esclarece que “o domínio das coisas pertencentes ao Estado ou a quaisquer outras pessoas colectivas públicas está igualmente sujeito às disposições deste código em tudo o que não for especialmente regulado e não contrarie a natureza própria daquele domínio”. Sendo discutível que esta disposição diga respeito aos bens do domínio público (na medida em que se afigura estar a referir aos bens do domínio privado do Estado e demais pessoas coletivas públicas), sempre se diria que a matéria em análise se encontra especialmente regulada nas disposições que versam sobre a vedação das propriedades confinantes com estradas e caminhos municipais, afastando-se por isso a aplicação do regime civilista. De resto, e como se adiantou, se o que a autora pretende discutir é a reivindicação da propriedade, terá de fazê-lo junto dos tribunais comuns. Da mesma forma, não cumpre aqui falar de qualquer privação do direito de propriedade da autora, muito menos de qualquer expropriação. O que existe é uma restrição ou compressão do direito de propriedade, que fica afetado na sua plenitude por imposições de interesse público (no caso, a existência de faixas de proteção e de limitação à vedação da propriedade), mas que não deixa de existir. Tão-pouco a autora pode vir falar de uma suposta “expropriação” encapotada, quando não logrou sequer provar que os blocos de betão colocados na parte do prédio que confina com o caminho do Seixo se encontram efetivamente no limite do seu terreno. Funda ainda a autora a sua pretensão no disposto no art.º 59.º, n.º 5, § 4, da Lei n.º 2110, segundo o qual “para a vedação de terrenos confinantes com vias municipais com sebes vivas não é necessária licença”. Seguramente que não está a autora a referir-se, neste caso, aos blocos de betão por si colocados, mas apenas aos ciprestes que igualmente plantou, como de resto resulta dos factos provados. Carece a autora de razão também quanto a este ponto. O art.º 59.º refere-se, com efeito, à vedação dos terrenos, mas no limite da faixa de proteção. Sobre a possibilidade de a vedação se fazer no limite do domínio público (aquilo que o legislador de 1961 designa de “linha que divide o terreno particular do chão do domínio público”) rege apenas a norma excecional do art.º 60.º, § 2.º, que não dispensa qualquer espécie de vedação do prévio consentimento da entidade responsável pela via, no caso o Município. Pelo que, no limite da faixa de proteção, poderá seguramente a autora vedar o seu terreno com sebes vivas, sem necessidade de licenciamento; mas, se o quiser fazer no limite do confronto da propriedade privada com o domínio público cairá já no âmbito de aplicação do art.º 60.º, § 2, da Lei n.º 2110, e não do art.º 59.º do mesmo diploma. Em síntese, apenas procederá a pretensão da autora vertida em C) do petitório, improcedendo todas as demais, incluindo os vícios assacados ao ato. Do Pedido Indemnizatório Por último, a autora deduz um pedido indemnizatório, que consiste na condenação do Município de (...) a ressarcir a autora pelo que esta gastou com a edificação da vedação, bem como com os encargos desembolsados com o processo administrativo. Se bem se compreende a alegação, a autora entende que o Município de (...) deve pagar-lhe a quantia que despendeu com a construção do muro no lado Leste da sua propriedade, na medida em que aquele desistiu de um anterior acordo de cedência de parte do terreno, em troca de executar a vedação. Esta pretensão indemnizatória revela-se destituída do mínimo fundamento, e mal se compreende de onde emerge o direito da autora: será do incumprimento contratual? Será a título de responsabilidade civil extracontratual? Basicamente, a autora pretende que o Município de (...) lhe pague uma obra que sempre teria de executar. Compreender-se-ia a pretensão indemnizatória se a autora tivesse alegado e conseguido provar que efetivamente acabou a ceder terreno ao domínio público, sem que o Município tivesse cumprido a sua parte no acordado. O que está longe de suceder. Desde logo, nem se pode falar em incumprimento. Com efeito, a autora não alega sequer que tenha cedido ao domínio público qualquer parcela de terreno. Muito pelo contrário, não conseguiu provar que colocou os blocos de cimento/marcos na sua propriedade. Invoca que o Município a quer obrigar a uma “doação forçada”, mas o elenco dos factos provados aponta nitidamente no sentido inverso. Mesmo que se queira imputar a responsabilidade ao Município a título extracontratual, não existe facto ilícito algum. A ilicitude dependeria de a autora demonstrar a lesão de um qualquer direito que se encontrasse na sua titularidade – noutros termos, teria de ter provado que o seu direito de propriedade foi violado. O que, repete-se, não fez. Menos ainda consta da petição inicial um único facto suscetível de demonstrar a culpa do Município, seja a que título for. Ou seja, não está provado (nem sequer alegado, em rigor) qualquer incumprimento do acordo efetuado, bem como não existem factos que demonstrem a ilicitude da conduta do Município ou qualquer culpa no facto de a autora ter construído a vedação a expensas próprias. É, de facto, extravagante que a autora pretenda que o Município lhe pague a vedação – cuja responsabilidade já seria sua – como contrapartida de coisa nenhuma. É bem aplicado neste caso o dito popular “querer sol na eira e chuva no nabal”. Improcede, portante, o pedido indemnizatório. X É objeto de recurso esta sentença que julgou parcialmente improcedente a acção.Na ótica da Recorrente ela enferma de erro de julgamento de facto e de direito. Cremos que carece de razão. Vejamos: Do erro de julgamento de facto - Conforme tem sido sistematicamente entendido, quer pela doutrina quer pela jurisprudência, no que respeita à modificação da matéria de facto dada como provada pela 1ª instância, o Tribunal de recurso só deve intervir quando a convicção desse julgador não seja razoável, isto é, quando seja manifesta a desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando-se, assim, a devida relevância aos princípios da oralidade, da imediação e da livre apreciação da prova, bem como à garantia do duplo grau de jurisdição sobre o julgamento da matéria de facto - acórdão do STA, de 19/10/2005, proc. 0394/05. Aí se refere, no que aqui releva, que “o art. 690º-A do CPC impõe ao recorrente o ónus de concretizar quais os pontos de facto que considera incorretamente julgados e de indicar os meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa da recorrida. Este artigo deve ser conjugado com o 655° do CPC que atribui ao tribunal o poder de apreciar livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto. Daí que, dos meios de prova concretamente indicados como fundamento da crítica ao julgamento da matéria de facto deva resultar claramente uma decisão diversa. É por essa razão que a lei utiliza o verbo “impor”, com um sentido diverso de, por exemplo, “permitir”. Esta exigência decorre da circunstância de o tribunal de recurso não ter acesso a todos os elementos que influenciaram a convicção do julgador, só captáveis através da oralidade e imediação e, muitas vezes, decisivos para a credibilidade dos testemunhos. (É pacífico o entendimento dos Tribunais da Relação, neste ponto. Só deve ser alterada a matéria de facto nos casos de manifesta e clamorosa desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando assim prevalência ao princípio da oralidade, da prova livre e da imediação - cfr. Abrantes Geraldes “Temas da Reforma do processo Civil, II vol., 4ª edição, 2004, págs. 266 e 267 Este entendimento tem sido seguido pela generalidade da jurisprudência (...): “A garantia do duplo grau de jurisdição não subverte, nem pode subverter, o princípio da livre apreciação das provas e não se pode perder de vista que na formação da convicção do julgador entram, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova e fatores que não são racionalmente demonstráveis”, de tal modo que a função do Tribunal da 2.ª instância deverá circunscrever-se a “apurar a razoabilidade da convicção probatória do 1.° grau dessa mesma jurisdição face aos elementos que agora lhe são apresentados nos autos” Acórdão de 13/10/2001, em Acórdãos do T. C. vol. 51°, pág. 206 e ss..)”. Na verdade, decorre do regime legal vertido nos artºs 140º e 149º do CPTA que este Tribunal ad quem conhece de facto e de direito sendo que na apreciação do objeto de recurso jurisdicional que se prende com a impugnação da decisão de facto proferida pelo tribunal a quo se aplica ou deve reger-se, na ausência de regime legal especial, pelo regime que se mostra fixado em sede da legislação processual civil nesta sede. Ora com a revisão do CPC operada pelo DL 329-A/95, de 12/12, e pelo DL 180/96, de 25/09, foi instituído, de forma mais efectiva, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto. Importa, porém, ter presente que o poder de cognição deste Tribunal sobre a matéria de facto ou controlo sobre a decisão de facto prolatada pelo tribunal a quo não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento de facto, sendo certo que da situação elencada (impugnação jurisdicional da decisão de facto - artº 690º-A do CPC) se distinguem os poderes previstos no n.º 2 do artº 149º do CPTA que consagram solução diversa e de maior amplitude da que se mostra consagrada nos artº 712º e 715º do CPC. Assim, pese embora tal regime e situações diversas temos, todavia, que referir que os poderes conferidos no artº 149º/2 do CPTA não afastam os poderes de modificação da decisão de facto por parte deste Tribunal ao abrigo do artº 712º do CPC por força da remissão operada pelos arts. 1º e 140º do CPTA porquanto o TCA mantém os poderes que assistem ao tribunal de apelação no âmbito da fixação da matéria de facto quando esta constitui objeto ou fundamento de recurso jurisdicional. Daí que sobre o Recorrente impenda um especial ónus de alegação quando pretenda efetuar impugnação com aquele âmbito mais vasto, impondo-se-lhe, por conseguinte, dar plena satisfação às regras previstas no artº 690º-A do CPC. É que ao TCA assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal a quo desde que ocorram os pressupostos vertidos no artº 712º/1 do CPC, incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objecto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos. A este propósito e tal como sustentado pelo Prof. Mário Aroso e pelo Cons. Fernandes Cadilha “(…) é entendimento pacífico que o tribunal de apelação, conhecendo de facto, pode extrair dos factos materiais provados as ilações que deles sejam decorrência lógica (…). Por analogia de situação, o tribunal de recurso pode igualmente sindicar as presunções judiciais tiradas pela primeira instância pelo que respeita a saber se tais ilações alteram ou não os factos provados e se são ou não consequência lógica dos factos apurados. (…) ” (em Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, pág. 743). (…) “Retomando o que supra fomos referindo sobre a amplitude dos poderes de cognição do tribunal de recurso sobre a matéria de facto temos que os mesmos não implicam um novo julgamento de facto, porquanto, por um lado, tal possibilidade de conhecimento está confinada aos pontos de facto que o Recorrente considere incorretamente julgados e desde que cumpra os pressupostos fixados no artº 690º-A n.ºs 1 e 2 do CPC, e, por outro lado, o controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialeticamente na base da imediação e da oralidade. Os poderes de modificabilidade da decisão de facto que o artigo 712º do CPC atribui ao tribunal superior envolvem apenas a deteção e correção de pontuais, concretos e excepcionais erros de julgamento e não uma reapreciação sistemática e global de toda a matéria de facto.” “Para que seja alterada a matéria de facto dada como assente é necessário que, de acordo com critérios de razoabilidade, apreciando a prova produzida “salte à vista” do Tribunal de recurso um erro grosseiro da decisão recorrida, aparecendo a convicção formada em 1ª instância como manifestamente infundada”. E como ressalta ainda do sumário do proc. nº 00242/05.2BEMDL, de 22/02/2013, acolhido por este TCAN em 22/05/2015 no âmbito do proc. 840/05.4BEVIS I. “Como tem sido jurisprudencialmente aceite, a garantia do duplo grau de jurisdição não subverte o princípio da livre apreciação das provas (art. 655º, n.º 1 do CPC) já que o juiz aprecia livremente as provas e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, sendo que na formação dessa convicção não intervêm apenas fatores racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que em caso algum podem ser importados para o registo escrito, para a gravação vídeo ou áudio. II. Será, portanto, um problema de aferição da razoabilidade, à luz das regras da ciência, da lógica e da experiência da convicção probatória do julgador no tribunal «a quo», aquele que, no essencial, se coloca em sede de sindicabilidade ou fiscalização do julgamento de facto pelo tribunal “ad quem”. Voltando ao caso concreto, entende a aqui Recorrente que deve ser feita uma análise/exame crítico do conjunto da prova produzida e apreciada esta de acordo com as regras da experiência. Continua: O senhor Juiz cometeu um erro de apreensão, apreciação e decisão do conjunto da prova produzida, tendo dado como provada a matéria referida nos números 6° e 10° dos “Factos provados”, matéria que, em função da confissão do Réu reconhecendo a implantação dos marcos de delimitação da Autora/Recorrente dentro da sua propriedade, da prova documental (processo instrutor e documentos juntos com a PI) e testemunhal produzida, deveria ter sido dado como não provada. Ao contrário do que refere a sentença na sua motivação quanto aos factos provados 6° e 10°, o depoimento das testemunhas A., A., L. e J. não permite que se conclua: c. Que o caminho conhecido por "Caminho do Seixo", tem pelo menos a largura de três metros, no seu ponto mais estreito (facto provado 6°); d. Que o caminho conhecido por "Caminho do Seixo" é utilizado pelos donos das propriedades que o ladeiam e pelo público em geral, desde tempos imemoriais (facto provado 10°); Não vemos que assim seja. Como acima se deixou relatado, o Tribunal a quo justificou, minuciosa e detalhadamente, a forma como formou a sua convicção, tendo explicado: vejamos agora o conjunto dos factos enunciados sob os pontos 6 a 10 dos factos provados, bem como os que constam das alíneas A) a E) dos factos não provados. Neste caso, estamos essencialmente perante a caracterização e finalidade do “caminho do Seixo”, precisamente aquele com o qual confronta, a Leste, a parcela pequena do prédio da autora. Ora, assumiu particular importância a prova testemunhal produzida a este propósito, em especial no que respeito às testemunhas A., A., L. e J.. Começando pela testemunha A., arrolado pela autora, este referiu que teve no local um terreno e uma casa, pese embora nunca lá tenha vivido. Demonstrou conhecer bem o local em questão, e explicou com detalhe que o atual caminho surgiu aquando da construção do atual caminho municipal. Segundo a testemunha, passavam naquele caminho do Seixo carros de boi, e atualmente era o único acesso às casas e propriedade ali existentes - caso contrário, disse a testemunha, “só de helicóptero”. Quando confrontado com fls. 19 do processo de obras, entretanto junto aos autos, não hesitou em afirmar que o caminho era toda a largura, e não apenas até ao limite ideal ali assinalado a vermelho, no que transmitiu segurança e naturalidade na resposta, sem sequer hesitar quanto à configuração do caminho que conhecia. Ainda segundo a testemunha – de 72 anos de idade – o caminho serve cerca de 10 proprietários dos terrenos que com ele confinam, e termina no ribeiro, algumas centenas de metros adiante. Para cima, o caminho prossegue ligando as freguesias de (...) e (...). Também neste ponto foi notório que depôs com presença e conhecimento do local, definindo sem dificuldades o percurso marcado pelo caminho, a sua finalidade e configuração. No mesmo sentido depôs a testemunha A., o qual desempenhou as funções de presidente da junta de freguesia de (...) entre 1997 e 2013 (sendo que apenas esteve ausente, durante a sua vida, por seis anos, emigrado na Alemanha). Demonstrou um conhecimento profundo do local em questão, e explicou com nitidez e presença o surgimento do atual caminho municipal, e o que com o mesmo sucedeu ao caminho do Seixo; foi claro ao afirmar, de forma assertiva e sem hesitações, que o caminho tem início no lugar de Forno e termo em Pedregal, com cerca de 400 metros de extensão, e que no mesmo passavam tratores e carros, ainda que hoje todas as casas que aí eram habitadas estejam em ruínas. Neste ponto, importa introduzir o depoimento da testemunha J., que também exerceu várias funções na junta de freguesia, mas sobretudo porque viveu efetivamente no local em discussão, cerca de dois anos, na década de 60, numa das casas do lugar de Forno, hoje todas elas desabitadas. Por lá, disse, passavam os carros de boi carregados de mato e os agricultores para acesso às suas propriedades. Na medida em que a testemunha viveu no local em questão e que o conhece desde tenra idade (desde os 9 anos pelo menos), demonstrou ser conhecedor da anciã realidade do caminho em causa, e depôs de modo coerente, descomprometido e objetivo, não se lhe podendo imputar qualquer circunstância que afete a sua credibilidade. Pelo contrário. Além das pessoas já referidas, a este propósito cumpre ainda aludir ao depoimento de L., atual presidente da junta da união de freguesias de (...) e (...), que aliás confirmou ter sido o autor da participação feita em Julho de 2012 [ponto 24 dos factos provados], e que afirmou que o caminho está em condições de aí circularem viaturas, sendo limpo e mantido pela junta de freguesia. Acrescentou que o caminho sempre foi usado pelo público, e que era um espaço amplo, no qual passavam viaturas, e que no ponto mais estreito tinha 3 metros de largura, sendo bastante mais largo na entrada. Ora, pelas funções que exerce também conhece o local em apreço, e o seu depoimento fez-se de modo coerente e assertivo, sem denotar comprometimento de qualquer ordem, ou constrangimento derivado de eventuais pressões dos habitantes. Existe, na verdade, uma coerência espontânea e descomprometida entre o depoimento destas testemunhas, todas elas, mesmo que por motivos distintos, conhecedoras do local em causa, sendo que pelo modo espontâneo com que depuseram, sem denotar qualquer parcialidade na defesa de quaisquer interesses pessoais, o tribunal não detetou qualquer concertação nos seus discursos. Aliás, foram arrolados pela autora, mas depuseram em seu desfavor. Mais do que isso, a inspeção ao local realizada pelo tribunal permitiu confirmar a veracidade do alegado quanto ao caminho do Seixo. Trata-se, como pudemos constatar, de um caminho agrícola, mas apresenta claramente traços ancestrais demonstrativos da sua afetação ao público desde tempos imemoriais. É certo que a esta data todas as casas do lugar estão desabitadas - foi notório que as construções estavam em ruínas – mas também foi patente que os terrenos se apresentavam murados, muitos deles em granito, completamente definidos em relação ao caminho, que se caracteriza por um acesso carral. Ao tribunal ficou patente a ideia de que a parte em que este caminho confronta com o prédio da autora é mais recente, porque resulta da abertura da atual estrada municipal com que se cruza, mas seguramente que sempre ali estaria assegurado o acesso a veículos, nomeadamente tratores (já que estão em desuso os veículos a tração animal). Anote-se apenas que na parte que designaremos “de cima”, a que confronta com a maior parcela do prédio da autora, o caminho encontra-se realmente abandonado, com sinais de falta de manutenção ou limpeza; o que contrasta com a parte de baixo, em que claramente se mostra mais limpo, sem vegetação que impeça o trânsito e o acesso às muitas propriedades parcelares ali existentes. Além disso, dos depoimentos referidos e da perceção direta do tribunal resultou que o caminho do Seixo, na parte que confina com a parcela pequena do prédio da autora, não tem qualquer infraestrutura e é de terra batida; como se disse, atualmente dá acesso a propriedades agrícolas, não vivendo ninguém no antigo lugar do Forno (a casa ali existente será servida pelas infraestruturas da estrada municipal, com a qual também confina). Também ficou claro que é o único acesso a essas propriedades agrícolas, e que é utilizado por proprietários e público em geral. A grande dúvida cingia-se à largura do caminho na parte em que confina com a parcela pequena do prédio da autora, numa extensão de 30 metros. A autora alegava que tal caminho teria cerca de 2,5 metros de largura. A prova produzida leva, no entanto, a conclusão diversa. Em primeiro lugar, da prova produzida ficou o tribunal profundamente convicto de que nunca foi feita qualquer delimitação física do caminho, nomeadamente através de um suposto muro. Apenas a testemunha Gil Alves se referiu a esta hipótese, mas sem, no entanto, dispor de qualquer razão de ciência que o sustente; na verdade, a testemunha limitou-se a dizer que indicou vestígios de um antigo muro, que terá desaparecido com o tempo, mas fez questão de anotar “possivelmente”. Ora, a testemunha nunca viu muro algum no local e partiu do que considera vestígios de fundações. Por outro lado, as testemunhas já referidas (sobretudo o A., o J. e o A., que conhecem o local, por diferentes motivos, já explicados, há longos anos) não se referiram a qualquer muro, e todos eles foram perentórios a indicar o limite do caminho quando confrontados com a foto de fls. 19 do processo de obras apenso aos autos, sendo que o J. (que, repita-se, viveu naquele local na década de 60 do século XX) disse que o caminho é “mais ou menos como está hoje”, considerando que hoje o caminho corresponde ao mesmo limite indicado pelas outras testemunhas (onde a autora implantou a vedação). Ainda sobre este ponto da largura do caminho/existência ou não de um muro antigo, importa sublinhar que a inspeção realizada no local permitiu ao tribunal concluir, por perceção imediata, que não existem quaisquer vestígios de algum muro em pedra. Seguramente, e isso o tribunal constatou, existem muitas pedras no caminho, algumas enterradas, mas sem que seja possível adivinhar qualquer estrutura ali pré-existente. De facto, as pedras em causa assemelhavam-se mais a um lajeado, estando espalhadas pelo caminho, do que a qualquer muro. Aliás, o tribunal cruzou a sua experiência com a mesma foto de fls. 19 do processo de obras com que as testemunhas foram confrontadas, e na verdade o que dali resulta é que o caminho se estenderia até ao topo do pequeno talude. Pensamos até que este pequeno talude seria, ele próprio, a delimitação do caminho calcorreado por quem ali passava. Mediante a apreciação de todas estas provas, pôde o tribunal concluir como nos pontos 6 a 10 dos factos provados, por confronto com os factos vertidos nas alíneas A) a E) dos factos não provados. Não encontramos qualquer suporte para bulir no probatório. Com efeito, a convicção do Tribunal encontra-se devida e sobejamente fundamentada; as provas foram criticamente analisadas e criteriosamente valoradas, designadamente através dos depoimentos prestados, da prova documental junta e da inspeção ao local. Em resumo: -O julgador, no uso dos seus poderes de direcção e de julgamento do processo, deve nortear a selecção dos factos provados pela essencialidade dos mesmos para a decisão da causa segundo as várias soluções plausíveis de direito. Factos e não meras considerações conclusivas e/ou de direito. O que realizará de acordo com a sua íntima e fundada convicção, face às alegações das partes, provas constantes dos autos, no contexto da questão jurídica que lhe cabe decidir. Os poderes conferidos ao tribunal ad quem pelo artigo 662º/1, do CPC, devem ser articulados com o disposto no artigo 607º/5º, quando refere que “o juiz aprecia livremente as provas, segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.”. Pelo que o tribunal ad quem procederá à alteração da decisão de facto ou determinará a sua anulação apenas se, apurando a razoabilidade da convicção probatória do juiz, face aos elementos e alegações que agora lhe são apresentados em recurso, verificar que a mesma padece de claras deficiências de apreciação ou se mostra insuficiente, considerando indispensável a sua ampliação - cfr. artigos 660º e 642º do CPC e, entre outros, os Acórdãos do STA, de 25/09/2012, proc. nº 0990/12, deste TCAN, de 06/12/2013, proc. nº 01035/05BEVIS e na doutrina Miguel Teixeira de Sousa, em Estudos sobre o Novo Processo Civil, pág. 348; -Os poderes dados à Relação sobre a alteração da matéria de facto provada em 1ª instância têm que se cingir a casos de flagrante desconformidade entre o que foi produzido em termos de prova e aquilo que foi dado como assente; -Só em casos extremos é que a Relação poderá alterar a matéria de facto dada como provada pelo julgador da 1ª instância e apenas quando se verifique que as respostas dadas não têm qualquer fundamento face aos elementos de prova trazidos ao processo ou que estão totalmente desapoiadas do que se produziu em audiência de julgamento; -Decidiu-se no Acórdão do STJ, de 10 de março de 2005, que a plenitude do segundo grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto sofre naturalmente a limitação que a inexistência de imediação necessariamente acarreta, não sendo, por isso, de esperar do tribunal superior mais do que a sindicância de erro manifesto na livre apreciação das provas. Na verdade, não basta ao recorrente discordar quanto ao julgamento da matéria de facto para o tribunal de recurso fazer “um segundo julgamento”, com base na gravação da prova: o poder de cognição deste tribunal, em matéria de facto, constitui apenas remédio para os vícios do julgamento em 1ª instância, sem assumir a amplitude de um novo julgamento que faça tábua rasa da livre apreciação da prova, da oralidade e da imediação daquela mesma instância. -É que “Na impugnação da decisão da matéria de facto do tribunal de 1ª instância, o objecto precípuo da cognição do Tribunal da Relação não é a coerência e racionalidade da fundamentação da decisão de facto, mas antes uma apreciação e valoração autónoma da prova produzida, labor que, contudo, se orienta para a detecção de qualquer erro de julgamento naquela decisão da matéria de facto. Por isso, não bastará uma qualquer divergência na apreciação e valoração da prova para determinar a procedência da impugnação, sendo necessário constatar um erro de julgamento” - Acórdão da RC de 28/06/2011, proc. 185/07.5TBANS-B.C1. -No presente recurso não há lugar à modificação da matéria de facto dada como provada e/ou não provada e, com tal, não pode haver qualquer mexida nos pontos 6) e 10) do probatório. -A fixação da matéria de facto não merece o menor reparo, uma vez que teve na devida consideração a globalidade do acervo probatório que foi trazido aos autos e não se vislumbra qualquer omissão ou contradição quanto aos factos provados e não provados; a decisão fundamentou, ponto por ponto, e assentou na interpretação e aplicação das regras acerca do ónus da prova, incidente sobre os factos a demonstrar pelas partes. X Do erro de julgamento de direito (da suposta violação, por erro de interpretação e de aplicação, nomeadamente do disposto nos artigos 9°, 352° e 362° do Código Civil, 465° do CPC, 58°, parágrafo 1, al. a), 59° e 59°, n° 1 e 60°, parágrafo 2°, da Lei 2110 de 19/08/1961, 18°, n° 2 e 62°, n° 2 da Constituição da República Portuguesa (princípio da proporcionalidade), e artigo 2°, als. a) e b) do DL 555/99, de 16/12 (na redação dada pela Lei 79/2017, de 18/08) - Está, pois, em causa a sentença transcrita, além do mais, na parte que, conforme o decidido na al. a) do seu item “Decisão”, julgou improcedente o pedido de anulação do despacho de 24/05/2013, que ordenou a retirada, por parte da Autora, dos marcos por esta colocados. Ora, foi correcta a prolação do despacho do vereador do ambiente e urbanismo da Recorrida Câmara Municipal de (...), de 24/05/2013, que ordenou a retirada dos marcos de delimitação da propriedade da Recorrente, por terem sido construídos em zona non aedificandi, sem licença ou autorização camarária, em contrário da Lei 2110, de 19/08/1961 e do Regulamento Municipal de Urbanização e Edificação; tal tem de conduzir, como pretendido, à demolição de tal obra e à consequente reposição da legalidade. Como é sabido, a demarcação de um prédio consiste no modo como um proprietário apresenta publicamente aos outros por onde entende ser a estrema do seu prédio e cuja responsabilidade lhe pertence. Poderá esse mesmo proprietário estar sujeito a critérios de correção da delimitação dos terrenos, uma vez que têm de conhecer as efetivas delimitações e condicionantes dos seus prédios, porque elas constituem restrições que limitam o exercício do direito da propriedade - artigo 1354º/1 do Código Civil. Por outro lado, a rede viária de terrenos do domínio público prevalece sobre os terrenos privados enquanto restrição à propriedade, mas sem que daqui resulte uma privação - cfr. artº 1308º do mesmo diploma legal. Esta está sujeita a normas jurídico-públicas, como sejam as normas de direito do urbanismo e de ordenamento do território, que impõem limitações gerais ao jus aedificandi / non aedificandi, que se enquadram na “ordem de regulação” que a Constituição dirige ao legislador ordinário, nos termos do seu artigo 62º, nº 1, para que se adeque a propriedade de acordo com os seus próprios valores e com os respetivos critérios de legalidade. Daí que se justifique, em abstrato, nos termos legalmente prescritos e de acordo com os regulamentos municipais, a compressão da faculdade que detém o particular de construir no terreno de que é proprietário, por ocorrerem exigências de defesa e de segurança do tráfego rodoviário das vias públicas, ditadas por uma superioridade do interesse público sobre o interesse privado, pelo que as estradas e caminhos camarários devem ter faixas de proteção que se destinam a garantir a confiança da sua circulação e a permitir a realização de futuros alargamentos, de obras de beneficiação ou de qualquer outro tipo de trabalhos, tal como o que resulta da sentença sub judice - lê-se no parecer do MP e aqui corrobora-se. Como tal merece ser mantido na ordem jurídica o acto administrativo de 24 de maio de 2013 da Câmara Municipal de (...), por não padecer de qualquer vício, bem como a decisão jurisdicional que o secundou. Em suma: -A Autora/Recorrente alega que, em função da “confissão” do Réu/Recorrido, este reconheceu “a implantação dos marcos de delimitação da Autora/Recorrente dentro da sua propriedade” (conclusão 4) e que “em momento algum o Réu/Recorrido impugna ou põe em causa esses limites (da propriedade da A.), tal como definidos pelos marcos de delimitação ali implantados" (conclusões 15 e 16), pelo que a matéria referida nos números 6 e 10 dos factos provados deveria ter sido dada como não provada; -Ora, apesar de não se vislumbrar a relevância da alegada “confissão”, (que não se divisa), para se concluir pela não prova de tais factos, aquela, a existir, nunca teria o alcance que a Recorrente lhe pretende atribuir; -Com efeito, o Recorrido não tinha como duvidar da veracidade dos factos alegados pela Autora/Recorrente na petição inicial - e que, aliás, decorria dos elementos constantes do processo de licenciamento por ela apresentado -, e partiu do princípio de que a Autora não estava deliberadamente a faltar à verdade ao indicar como estrema do seu prédio, a leste, uma faixa de terreno pertencente ao domínio público da Freguesia de (...) e (...). Ou seja: o Réu/Recorrido desconhecia na altura que o exato local onde a Autora/Recorrente colocou os marcos não integrava a sua propriedade e, portanto, não lhe pertencia, fazendo parte, ao invés, do leito do caminho público dito do “Seixo”; -Tal só veio a discutir-se e a demonstrar-se em julgamento, acabando por resultar provada a matéria dos ditos factos 6 e 10, mas também como não provado que a faixa referida em 13 dos factos provados, na qual a Autora plantou os ciprestes e colocou as estruturas de betão, integra o prédio do qual é dona, referido em 1 do mesmo elenco (al. G); -O Réu/Recorrido supôs que os elementos trazidos pela Autora/Recorrente ao processo de licenciamento e, depois, ao processo judicial, estivessem corretos, razão pela qual a admissão por parte daquele nunca poderia constituir confissão com efeito probatório pleno - neste sentido, e relativamente à confissão feita em articulado, vide o Acórdão do STJ de 11/11/2010, proferido no âmbito do processo 1902/06.6TBVRL.P1.51, onde se sumariou: I- A confissão, no plano jurídico-substantivo que é aquele no qual se insere sistematicamente o art° 352° do Código Civil, não se confunde com a simples alegação de um facto feita pelo mandatário da parte em articulado processual. II- Por outro lado, não há que confundir a admissão dos factos por acordo, também designada por confissão tácita ou presumida ou pela expressão latina “confessio ficta” resultante do efeito cominatório pleno ou semi-pleno ou do incumprimento do ónus de impugnação especificada, com a confissão como meio de prova, de que trata o preceito legal indicado. III- A confissão feita fora dos articulados também pode adquirir força probatória plena, como modalidade de confissão judicial, designadamente quando feita espontaneamente, mas carece de ser “firmado pela parte pessoalmente ou por procurador especialmente autorizado” ( artº 356º/1 do CC). Como ensinou o Prof. Antunes Varela, “as declarações confessórias feitas pelo advogado, oralmente ou por escrito, com simples procuração “ad litem”, não valem como confissão” ( Código Civil anotado, I, 4ª edição, pg.316). No entanto tal exigência de poderes especiais não é necessária quando a confissão, expressa ou tácita, é feita nos articulados. IV- Dito isto, convém precisar o que é a confissão feita nos articulados, ou seja, convém ter em atenção que nem todas as alegações de factos pelas partes valem como confissões, como acontecerá, v. g., se o facto for alegado na suposição de estar correcto, vindo a demonstrar-se no julgamento da causa que assim é ou não vindo a confirmar-se. V-A confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária, segundo dispõe o artº 352º do Código Civil. Alberto dos Reis, dava este exemplo: “A confissão nos articulados consiste em o réu reconhecer, na contestação, como verdadeiros, factos afirmados pelo autor na petição inicial, ou em o autor reconhecer, na réplica, como verdadeiros, factos afirmados pelo Réu, na contestação, ou em o réu reconhecer, na tréplica, factos afirmados pelo autor na réplica” (Código de Processo Civil, anotado, IV, pg. 86). O que é essencial é que o sujeito processual tenha consciência de que o facto desfavorável que alega é real e, mesmo assim, alega-o, nisto se traduzindo o reconhecimento, que é uma “contra se pronunciatio”, como diziam os praxistas. VI- Em boa verdade, quando alguém alega no petitório que é dono de um prédio de que foi esbulhado por outrem, não está a confessar coisa alguma, está, tão somente, a dar a conhecer (alegar) ao destinatário da petição - o Tribunal ao qual se dirige em demanda da tutela - de que aquele prédio é seu e que o seu direito de propriedade foi violado. Por outras palavras, não está alegar nada que lhe seja desfavorável e que favoreça a parte contrária, está apenas a alegar factos necessários à tutela do seu direito de propriedade, independentemente do uso que a parte contrária possa fazer do facto alegado. Se, pelo contrário, o Autor alegar um facto que seja desfavorável ao Réu e este o admitir expressa ou tacitamente, então, sim, haverá confissão do Réu sobre tal facto, por isso que o reconheceu como verdadeiro. -Como se disse, ao invés do que a Recorrente alega e consta da conclusão 5, não foi apenas o depoimento das testemunhas aí referidas que levou a considerar como provada a matéria dos factos insertos nos pontos 6 e 10, mas, para além disso, a verificação no local feita presencialmente pelo Tribunal. -Contrariamente ao alegado pela Recorrente (conclusão 6), o que resultou do depoimento das testemunhas é que apenas um pequeno troço do “Caminho do Seixo” foi alterado aquando da abertura do caminho municipal existente a norte do prédio daquela, na extensão de cerca de trinta metros, troço esse que confronta a leste com o mesmo prédio. E desse depoimento resultou ainda que essa “alteração” de percurso, isto é, a construção daquele novo troço, foi levada a cabo pelo Município por exigências construtivas decorrentes da abertura do caminho municipal e a pedido expresso do anterior proprietário do prédio da Recorrente, que, desse modo, via o seu prédio valorizado por ficar a confrontar, de leste, com um caminho público com largura suficiente para o trânsito de veículos de qualquer espécie. -Dito isto, forçoso é concluir-se que a prova produzida foi devidamente apreendida, apreciada e valorada, pelo que não se existem motivos para a alteração da matéria de facto. -Ademais, a Recorrente alega que o “Caminho do Seixo” se limita a dar acesso a uma propriedade privada (v. conclusão 8), o que não se mostra conforme à realidade, pois foi dado como provado que “faculta o acesso a vários terrenos agrícolas e habitações devolutas, servindo de ligação entre o lugar do Forno e outros lugares da freguesia de (...), bem como a diversos lugares da freguesia de (...)” (ponto 9 do probatório). -Este entendimento a propósito da bondade da apreciação da prova colide com o também apontado erro de julgamento de direito, pois que a decisão recorrida não violou, por erro de interpretação e de aplicação, norma legal alguma, tendo, antes, respeitado as normas jurídicas aplicáveis ao caso concreto. -A Recorrente alude ao parecer jurídico proferido pelos serviços jurídicos do Município na sequência de uma sua exposição como configurando também “confissão” do Réu/Recorrido quanto aos limites da propriedade. Mas, como já se referiu, nunca se poderiam pôr em causa esses limites, até por uma questão de respeito pelo princípio da boa fé dos intervenientes processuais, pois, não havendo elementos em contrário, o Município não tem como não aceitar as declarações do requerente do pedido de licenciamento; -Só que, em julgamento, concluiu-se pela não correspondência com a realidade desses elementos; -Quanto à alegação da Recorrente contida na conclusão 33, apenas se dirá que nenhuma prova foi feita nesse sentido, como, aliás, consta da alínea L) dos factos não provados. -No mais, fazemos nossa a argumentação do senhor Juiz: Além disso, tem sido uniformemente recusada a ideia de “igualdade na ilegalidade”, precisamente pela razão de que não é pela multiplicação da ilegalidade que a situação se torna legal. Também o TCA Norte, por acórdão de 08.11.2013, proferido no processo n.º 02155/10.7BEPRT alinhou por este entendimento, tendo aí deixado escrito que “[a] existência e a manutenção de edificações ilegais, bem como a ocupação ou utilização de construções e do solo sem a devida licença ou autorização administrativa não têm protecção constitucional; os princípios constitucionais visam salvaguardar a legalidade, pelo que não é defensável a igualdade na ilegalidade, tanto mais que o acto impugnado se insere no exercício de um poder vinculado e não discricionário do aqui Recorrido, sendo que, no caso, foram respeitados todos os princípios jurídicos que vinculam o exercício da actividade deste (Recorrido), nomeadamente, os princípios da igualdade, da justiça, da proporcionalidade e da boa-fé, cujo apelo por parte dos Recorrentes não passa de uma forma desesperada de tentarem obter ganho de causa.” Logo por este motivo fica vedada a possibilidade de o tribunal anular o ato com fundamento na circunstância de existirem outros muros em situação ilegal, v. g., sem respeitar os afastamentos legais em relação ao eixo da via. Caso se pudesse permitir essa conclusão, bastaria então a primeira ilegalidade para perpetuar a possibilidade de construir em violação do disposto na lei, tonando-se a ilegalidade comum e o respeito pela lei uma mera opção por parte de quem a quisesse voluntariamente cumprir. Mas não se veja aqui qualquer espécie de aprovação ou justificação para o comportamento de qualquer entidade pública, nomeadamente como forma de sustentar o perpetuar de situações ilegais. Muito pelo contrário. De qualquer modo, não ficou sequer provado que o muro de betão que se encontra do lado oposto à propriedade da autora (no caminho municipal com o qual confronta a Norte) se encontre a menos de 4 metros do eixo da via, o que só por si implica a improcedência do vício. E também não ficou provado que assim sucede quanto a centenas de outros muros existentes por todo o concelho de (...). (…) De facto, a autora tem o direito a delimitar a sua propriedade. Mas dizer-se que a autora tem esse direito, mesmo na parte confinante com estradas e caminhos municipais, não equivale a dizer que a autora o possa fazer como lhe aprouver, sem respeitar as disposições vigentes em matéria urbanística e de salvaguarda do tráfego rodoviário. É que, e note-se, o pedido que a autora apresenta consiste em ser-lhe reconhecido o direito a livremente delimitar a sua propriedade. O que, à luz da lei, se mostra inadmissível. (…) Assim sendo, dado que o terreno da autora confronta a Norte com um caminho municipal, nunca o tribunal lhe poderia reconhecer o direito a livremente delimitar a sua propriedade. Se assim o fizesse, estaria a violar a Lei n.º 2110, que estabelece vários condicionalismos às vedações, construções e edificações a efetuar por proprietários de prédios confinantes com estradas e caminhos municipais. O peticionado terá, assim, de improceder. (…) Remetemos neste ponto concreto para o já exposto sobre o princípio da igualdade e a inexistência deste na ilegalidade, mas sobretudo para a circunstância de não se ter sequer provado o desrespeito pelos afastamentos legais. Não se detetando qualquer atropelo à lei ordinária ou constitucional, improcedem as conclusões da alegação. -De resto o entendimento de que o muro proposto não é um muro provisório, tal como decorre do n° 2 do artigo 60° da Lei 2110 de 19/08/1961, também nos parece inquestionável. “§ 2.º Quando se reconhecer que não há inconveniente para o interesse público da viação, será consentida vedação provisória pela linha que divide o terreno particular do chão do domínio público, sem observância das distâncias referidas neste artigo e respeitando-se tanto quanto possível a regularidade do alinhamento. Se se tornar necessário remover a vedação, no todo ou em parte, para um alargamento da estrada que não ultrapasse o alinhamento normal ou para serviço respeitante à estrada, o proprietário não terá direito a qualquer indemnização. Observar-se-á neste caso, na parte aplicável, o disposto no § 2.º do artigo anterior.”, não se retirando daqui, contrariamente ao alegado, que a provisoriedade não diga respeito ao tipo de vedação, às suas características construtivas, mas antes à sua situação de condicionalidade: está autorizado enquanto não for necessário o alargamento da via, sendo que em tal caso não haverá direito a indemnização ao proprietário. -É notório que por força do princípio da proporcionalidade (artigo 266º/2 da CRP), a administração, na sua atuação com vista à prossecução do interesse público, deve utilizar apenas os meios adequados e na justa medida necessária aos fins concretos que visa atingir. O princípio da proporcionalidade vem definido no nº 2 do artigo 5º do CPA, segundo o qual “as decisões da Administração que colidem com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar”.
-Sucede que isto mesmo foi tido em conta pelo Tribunal recorrido, pese embora a argumentação da Parte. (…) O art.º 60.º, parágrafo segundo, da Lei n.º 2110 é bastante claro no que respeita a vedações a efetuar em desrespeito dos afastamentos legais, ao estabelecer que quando se reconhecer que não há inconveniente para o interesse público da viação, será consentida vedação provisória pela linha que divide o terreno particular do chão do domínio público, sem observância das distâncias referidas neste artigo e respeitando-se tanto quanto possível a regularidade do alinhamento. Ou seja, e sintetizando, o legislador permite que as vedações se façam mesmo sem respeito das faixas de proteção, mas impõe que: (i) não haja inconveniente para o interesse público da viação (ou seja, que não coloque em perigo a circulação rodoviária, incluindo a dos transeuntes); (ii) a vedação seja provisória; (iii) e precedida de autorização municipal (“será consentida”, de acordo com os termos empregados pelo legislador). Ora, dificilmente se concebe que um “muro em pedra” constitua uma vedação provisória, admissível à luz do regime legal. A teleologia da norma é, em nosso entender, relativamente simples: por um lado, o legislador deixa em aberto a possibilidade de o proprietário delimitar o prédio até ao confronto com o domínio público; mas, por outro, apenas o permite na medida em que essa delimitação se faça com recurso a vedação provisória, sem caráter de permanência, de modo a garantir uma eventual futura necessidade de alargamento da estrada ou caminho, consoante a predominância do interesse público que o legitime. -Como é sabido, na interpretação de uma norma jurídica, isto é, na tarefa de fixar o sentido e o alcance com que ela deve valer, intervêm, para além do elemento gramatical (o texto, a letra da lei), elementos lógicos, que a doutrina subdivide em elementos de ordem histórica, racional ou teleológica e sistemática. O elemento teleológico consiste na razão de ser da lei (ratio legis), no fim visado pelo legislador ao elaborar a norma, “o conhecimento deste fim sobretudo quando acompanhado do conhecimento das circunstâncias (políticas, sociais, económicas, morais, etc.) em que a norma foi elaborada ou da conjuntura político-económico-social que motivou a “decisão” legislativa (occasio legis) constitui um subsídio da maior importância para determinar o sentido da norma. Basta lembrar que o esclarecimento da ratio legis nos revela a “valoração” ou ponderação dos diversos interesses que a norma regula e, portanto, o peso relativo desses interesses, a opção entre eles traduzida pela solução que a norma exprime. Sem esquecer ainda que, pela descoberta daquela “racionalidade” que (por vezes inconscientemente) inspirou o legislador na fixação de certo regime jurídico particular, o intérprete se apodera de um ponto de referência que ao mesmo tempo o habilita a definir o exato alcance da norma e a discriminar outras situações típicas com o mesmo ou com diferente recorte”, como ensinava o Prof. João Baptista Machado - v. “Introdução ao Direito Legitimador”, 1983-182/183. -O aresto recorrido, contrariamente ao avançado, fez escorreita leitura dos preceitos e princípios visados e captou o espírito das normas, como bem o atesta a análise da sentença, pelo que se impõe a sua manutenção na ordem jurídica. DECISÃO Termos em que se nega provimento ao recurso. * Custas pela Recorrente. * Notifique e DN.* Porto, 18/12/2020Fernanda Brandão Hélder Vieira Helena Canelas |