Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
| Processo: | 00280/23.3BEMDL |
| Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
| Data do Acordão: | 05/29/2025 |
| Tribunal: | TAF de Mirandela |
| Relator: | IRENE ISABEL GOMES DAS NEVES (Por Vencimento) |
| Sumário: | I. No processo tributário são admitidos todos os meios gerais de prova, não se encontrando este limitado a um especifico modo de prova — cfr. artigo 115.° do CPPT. II. Cabe ao Tribunal apurar a matéria de facto relevante com vista a integrar as várias soluções plausíveis da questão de direito suscitada, incumbindo-lhe realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados. III. Podendo a inquirição de testemunhas esclarecer o Tribunal sobre os factos alegados, o julgamento da matéria de facto mostra-se deficitário.* * Sumário elaborado pela relatora (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
| Votação: | Maioria |
| Decisão: | Conceder provimento ao recurso. |
| Aditamento: |
| Parecer Ministério Publico: |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO 1.1. [SCom01...], Lda. (Recorrente), notificada da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, datada de 17.10.2024, que no âmbito de impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de IVA referente a 2018 e 2019, e respectivos juros, no valor global de 16.954,78€, a julgou totalmente improcedente, inconformada vêm dela interpor o presente recurso jurisdicional. Alegou, formulando as seguintes conclusões: «(...) A. O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, que pôs termo à causa absolvendo do pedido a Fazenda Pública por improcedência da impugnação judicial oferecida pela Recorrente ao Tribunal a quo. B. Em suma, está em questão nos presentes autos saber se as aquisições de castanha feitas pela Recorrente (e devidamente declaradas pela mesma) junto da sociedade [SCom02...] seriam operações simuladas. C. Por referência a este assunto há já um conjunto de decisões judiciais transitadas em julgado em sentido favorável à ora Recorrente – um par delas inclusivamente sancionadas por este TCA Norte [processos n.º 425/21.8BEMDL (IVA 2016), 218/21.2BEMDL (IRC 2016)]. D. Tendência que o Tribunal a quo só não terá seguido por força do despacho por si proferido em que proibiu a produção de prova testemunhal requerida pela então Impugnante. Assim, atacando o mérito dessa decisão interlocutória: E. Os factos por referência aos quais a então Impugnante requereu que fossem ouvidas as testemunhas por si arroladas (artigos 31.º a 83.º da petição inicial) são de caráter indispensável para a demonstração da falsidade das conclusões alcançadas pela da AT. F. Para além de que, sendo, em processo tributário, admitidos todos os meios gerais de prova (cfr. artigo 115.º do CPPT), a prova testemunhal não assume, em processo tributário, natureza subsidiária ou residual. G. Ao que acresce ainda o facto de o despacho ora recorrido assentar numa injustificada e ilegal atribuição de força probatória plena ao RIT produzido pela AT. H. Assim se concretizando uma ostensiva violação do princípio da igualdade: não só entre as partes – já que a AT não lhe viu ser negado qualquer meio de prova –, mas também entre a então Impugnante e todas os demais impugnantes em processo tributário, que podem beneficiar livremente dos meios de prova por si requeridos. I. Tudo motivos pelos quais o despacho em crise nos presentes autos de recurso deva ser revogado e substituído por outro que determine a produção da prova testemunhal requerida pela ora Recorrente. Atacando o mérito da sentença recorrida: J. A prova considerada pelo Tribunal a quo – somente o RIT – revela-se manifestamente insuficiente para que possa haver uma justa decisão da causa, afigurando-se à Recorrente que sobre a prova produzida em primeira instância recai dúvida fundada, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 662.º, n.º 2, alínea b), do CPC. K. O que conferirá a este douto Tribunal ad quem a possibilidade de se substituir ao tribunal de primeira instância e ordenar a produção de novos meios de prova. L. Acresce que, no entendimento da Recorrente, o animus da norma permite que sejam carreados para os presentes autos prova testemunhal já produzida no âmbito dos processos em tudo semelhantes ao dos presentes autos [os processos n.º 425/21.8BEMDL (IVA 2016), 218/21.2BEMDL (IRC 2016) e 234/22.7BEMDL (IRC 2017)] – nos termos e para os efeitos do artigo 421.º, n.º 1, do CPC. M. O que conviria não só à celeridade da resolução da presente lide, mas também à uniformização de todos os processos análogos, tudo quanto desde já se requer. PEDIDO Nestes termos, e com o douto suprimento de V. Ex.as, ao presente recurso deve ser concedido integral provimento, com todas as consequências legais, designadamente: (i) Revogando-se o despacho proferido pelo Tribunal a quo que deu por dispensada a inquirição das testemunhas arroladas pela Recorrente e substituindo-o por decisão que ordene a produção da referida prova testemunhal, com a subsequente tramitação dos autos de acordo com os gerais critérios legais, a culminar com a prolação de nova sentença; (ii) Subsidiariamente, ordenando-se que seja carreada para os autos a prova testemunhal produzida e gravada no âmbito dos processos os processos n.º 425/21.8BEMDL (IVA 2016), 218/21.2BEMDL (IRC 2016) e 234/22.7BEMDL (IRC 2017), em consequência se substituindo a sentença proferida por uma outra que julgue a matéria de facto em conformidade com o solicitado no corpo das presentes alegações e defira o requerido em sede do pedido formulado na petição inicial. Tudo com as devidas consequências legais e por ser da mais elementar Justiça.». 1.2. A Recorrida (Autoridade Tributária e Aduaneira), notificada da apresentação do presente recurso, não apresentou contra-alegações. 1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer a fls. 657– 674 do SITAF, no sentido da procedência do recurso, concluindo a final que: «1º - Deve ser revogado o despacho judicial interlocutório de 24.06.2024 (cf. fls. 327 SITAF) e, consequentemente anulado todos os atos processuais subsequentes com ele incompatíveis, designadamente a sentença recorrida; E, 2º - Ordenar a remessa do processo ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, a fim de se proceder à diligência instrutória requerida [(inquirição das seis testemunhas arroladas na PI pela impugnante/recorrente ou alternativamente ao aproveitamento probatório dos depoimentos realizados nos Processos de Impugnação nº 425/21.8BEMDL (IVA 2016), 218/21.2BEMDL (IRC 2016) e 234/22.7BEMDL (IRC 2017)] e outras consideradas adequadas conforme indicado supra, e, após, os autos prosseguirem os seus ulteriores termos se a isso nada mais obstar.» 1.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cf. artigo 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso. 1.5. Questões a decidir, objecto do recurso As questões suscitadas pela Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respetivas conclusões [vide artigos 635.º, n.º 4 e 639.º CPC, ex vi alínea e) do artigo 2.º, e artigo 281.º do CPPT] são as da (I) a ilegalidade do despacho interlocutório e (II) o erro de julgamento de facto e de direito da sentença recorrida. 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1. De facto 2.1.1. Matéria de facto dada como provada na 1ª instância e respectiva fundamentação: «(...) Factos provados: 1. A sociedade [SCom01...] dedica-se à comercialização, armazenagem e transformação de castanha fresca e congelada e fruta fresca e congelada, procedendo, na época da colheita a aquisições junto dos produtores e, em particular, junto dos denominados angariadores ou ajuntadores, entre os quais se conta a sociedade “[SCom02...]” – cfr. RIT (Fls. 67 e ss do segmento que o SITAF classifica de 183-314. O RIT não está numerado) e doc 8 da PI; 2. A contabilidade da Impugnante foi objecto de inspecção tributária que incidiu no exercício de 2018 e destinou-se ao controlo em sede de IRC e IVA - (Fls 71 do segmento 183-314 – referente ao Relatório de Inspecção Tributária. RIT) – que aqui se reproduz, e cujos factos relatados se dão-se por provados, com o seguinte destaque (Fls. 67 e ss do segmento que o SITAF classifica de 183-314): “(…) [Imagem que aqui se dá por reproduzida] (…) 3. Através da Ordem de Serviço nº OI20.....87, de 2020-08-12, emitida pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças 1... foi efectuada acção inspectiva externa, que incidiu sobre o IRC e IVA de 2018, ao sujeito passivo [SCom02...] UNIPESSOAL LDA, ([SCom02...]) NIPC ...48, CAE 47210, com sede em Tv. ..., ..., ..., ..., área do Serviço de Finanças ... (Cód. 0353) – Cfr. fls. 334-348 do SITAF; 4. Para o que interessa relevar, consta daquele relatório, e que se dão por provados os factos nele relatados, o seguinte: “(…) O sujeito passivo não procedeu à entrega da declaração de rendimentos modelo 22 de IRC nem à entrega da informação empresarial simplificada / declaração anual de informação contabilística e fiscal (IES/DA), do ano de 2018, (…)// O sujeito passivo não procedeu à entrega das declarações periódicas de IVA do ano 2018 (…)// O sujeito passivo não procedeu à entrega das declarações modelo 10 e de declarações mensais de remunerações (DMR) (…) II.3.3 - Dívidas fiscais De acordo com o sistema informático da AT, à data de 2021-02-11, existem 103 processos de dívidas fiscais activos em nome do sujeito passivo, sendo o valor em divida no montante de 184.338,26€ (…)// II.3.5 - Informação Patrimonial Da consulta ao sistema informático do património, à data de 2021-02-12, não Tribunal constam quaisquer bens imóveis e veículos automóveis em nome do sujeito passivo (…) II.3.6 - Caracterização do SP / Gerência / Atividade De acordo com a informação dos actos societários retirada do site www.publicacoes.mj.pt, e de acordo com o registo na Conservatória do Registo Comercial, datado de 2016-09-12 - constituição da sociedade, designação dos membros de órgãos sociais, o capital social da sociedade encontra-se dividido da seguinte forma: Capital social = 25.000,00€ Detentores do capital: - Sócio - «AA», NIF ...66 = 25.000,00€ - Gerente - «BB», NIF ...50. Conforme consta do registo na Conservatória do Registo Comercial, datado de 2016-09-12, tem como objecto “Comércio por grosso e a retalho de frutas, produtos hortícolas e carvão.” De acordo com os elementos recolhidos junto dos clientes e dos fornecedores, trata-se da atividade de compra e venda de castanhas. II.3.7 Diligências Através do ofício n.º ...65, de 2020-09-21, desta Direcção de Finanças, carta registada, foi remetida notificação para a sede do sujeito passivo que consta da base de dados do cadastro da AT, (…) para, no dia 12 de Dezembro de 2020, pelas 10:30 horas, apresentar na Direcção de Finanças 1... (tendo em conta os constrangimentos do período pandémico) todos os elementos / documentos relacionados com a contabilidade do sujeito passivo, do ano 2018 (…) O representante do sujeito passivo não compareceu na data indicada para o qual estava notificado, não cumprindo ao solicitado na respectiva notificação, isto é, não apresentou todos os elementos / documentos relacionados com a contabilidade do sujeito passivo, do ano 2018. (…) No âmbito do despacho n.º ...26, desta Direcção de Finanças, ao sujeito passivo, com o fim de recolha de elementos relacionados com a contabilidade solicitados pela Direcção de Finanças 2..., foi efectuada visita ao local da sede que consta no cadastro da AT, que corresponde ao domicilio fiscal do gerente «BB», tendo sido indicado que: “No dia 26 de Abril de 2019, deslocamo-nos à morada do sujeito passivo que consta do cadastro da AT e verificou-se que se trata de uma casa particular e ninguém nos respondeu, não aparentando que aí se exerça alguma atividade comercial e/ou industrial. Perguntado no café ao lado da casa visitada, foi-nos dito que o Sr. «BB» não está em Portugal.”// (…) o contabilista certificado remeteu a renúncia à contabilidade do sujeito passivo em 2017-0327, e, relativamente ao ano 2016, informou que “não temos o balancete mês 15 pois desapareceram antes que se tivessem fechado contas …”. Quando foi contactado, telefonicamente, no âmbito dos procedimentos inspectivos n.º OI20.....72 e OI20.....04, referentes aos anos de 2016 e 2017, respectivamente, o contabilista certificado que consta do cadastro da AT, «CC», informou que renunciou à contabilidade do sujeito passivo em 2017-03-27 e que desconhece o paradeiro do mesmo. Informou, também, que o cliente levantou toda a documentação que se encontrava no gabinete de contabilidade e que não tem quaisquer documentos e elementos relacionados com a contabilidade do ano 2017, apenas tem os registos informáticos do ano 2016. (…) Relativamente aos fornecedores que constam do e-fatura, através do número fiscal foram verificados os fornecedores registados por uma atividade agrícola, que corresponderá a compras de mercadorias efectuadas pelo sujeito passivo. De 10 fornecedores com atividade agrícola registada, nove pessoas singulares e uma pessoa colectiva, verifica-se que foram efectuadas compras de mercadorias pelo sujeito passivo no valor total de 31.232,64€, que inclui IVA no valor de 594,67€. Consta o valor de 802.607,00€ indicado pelos clientes no anexo P (declarado por terceiros) que não tem correspondência ao valor das facturas emitidas que constam do e-fatura, porque, conforme já referido, apenas consta o valor de total de 44.895,00€, com IVA incluído de 8.395,00€. (…) II.3.8.3 - Circularização de clientes e fornecedores Foi efectuada a circularização dos clientes e fornecedores que constam do sistema e-factura, bem como mencionados em anexo P (declarado por terceiros), a fim de solicitar cópia das facturas/documentos equivalentes de suporte às transacções comerciais efectuadas e respectivos recibos e notas de crédito emitidas, meios de pagamento utilizados e esclarecer a quem foi efectuado o pagamento, extractos contabilísticos dos movimentos relativos às transacções efectuadas e do registo do pagamento, e esclarecimentos sobre os intervenientes no negócio e sobre o transporte dos bens. A maior parte dos clientes e dos fornecedores do sujeito passivo, que constam do sistema e-factura, respondeu à notificação, tendo remetido os elementos solicitados. Vendas de mercadorias (…) Foram emitidas facturas a cinco clientes com sede em Portugal, no valor de 757.177,90€, ao qual acresce IVA no valor de 45.430,39€, destacando-se alguns elementos: (…) - Cliente [SCom01...] LDA, NIF ...27 - para pagamento das 6 facturas emitidas constam 12 cheques não à ordem de [SCom02...] Unip. Lda, desconhecendo-se o destino dado aos mesmos. Foi-nos remetido os extractos bancários onde consta a saída dos valores dos cheques. (…) Quanto aos intervenientes no negócio, foi-nos informado pelos clientes que as transacções eram efectuadas com o Sr. «BB» ou com o Sr. «DD» (irmãos) e o preço era fixado através de acordo entre as partes. O transporte da mercadoria tanto era efectuado pelo sujeito passivo como por parte dos clientes, como se pode verificar pelas matriculas de viaturas identificadas por alguns clientes. (…) Compras de mercadorias Da circularização dos fornecedores foi possível recolher elementos de compras de mercadoria no valor total de 31.192,64€ (valor base = 30.602,57€ + IVA= 590,07€) (…) Todas as facturas de aquisição de castanhas estão datadas dos meses de Outubro a Novembro de 2018. A maioria refere-se a pequenos agricultores que nos informaram que as transacções foram efectuadas em numerário. A maioria do transporte foi efectuado pelo sujeito passivo, directamente da morada do fornecedor. Das facturas recolhidas junto dos fornecedores, foram adquiridos 8.413 Kg de castanhas. Um dos pequenos agricultores não respondeu à notificação, mas tendo em conta o preço unitário médio de 2,35€, apura-se um valor de 4.125 Kg, aproximadamente. Isto significa que o sujeito passivo adquiriu aproximadamente 12.538 Kg (8.413 + 4.125) de castanhas. Consta do sistema e-fatura aquisições de bens ou serviços apenas no valor total de 5.324,20€, que poderão não estar relacionados com a atividade pela qual esteve registada, que não comportam minimamente o valor das facturas emitidas. Em termos de quantidades de castanha transaccionada, e conforme consta do Anexo II, de acordo com as facturas recolhidas dos clientes e dos fornecedores que responderam à notificação, e partindo do pressuposto que a descrição de “un” referente a quantidade corresponde a Kg (quilogramas) verifica-se o seguinte: - Vendas = 297.066 Kg - Aquisições = 12.538 Kg Deste modo, existe um desfasamento muito grande entre as quantidades de castanhas que constam das facturas de aquisição, possíveis de validar, e as quantidades de castanhas que constam das facturas de alienação. No âmbito dos procedimentos inspectivos n.º OI20.....72 e OI20.....04, referentes aos anos de 2016 e 2017, desta Direcção de Finanças, ao sujeito passivo, verificou-se que relativamente à estrutura física e empresarial, a sede da sociedade corresponde a uma casa particular, do sistema informático da AT não constava qualquer imóvel em nome do sujeito passivo nem constava da contabilidade qualquer registo de despesas de rendas e alugueres, desconhecendo-se a existência de algum local de armazenamento de mercadorias. No âmbito deste procedimento inspectivo (OI20.....87) ao ano de 2018, não existe informação adicional quanto à estrutura física e empresarial do sujeito passivo, além da que foi prestada no âmbito dos procedimentos inspectivos n.º OI20.....72 e OI20.....04, referentes aos anos de 2016 e 2017, desta Direcção de Finanças, apenas concluindo-se que dos elementos que a AT possui, que o sujeito passivo passou a ser um contribuinte faltoso e não contactável. De acordo com os elementos de aquisição, não existem quantidades de castanha comprada que suportem as quantidades vendidas aos clientes, no total de 297.066 Kg de castanhas no valor total de 757.177,90€ pois existe um desfasamento muito grande entre as quantidades de castanhas que constam das facturas de aquisição, possíveis de validar, e as quantidades de castanhas que constam das facturas de alienação. 5. Nesta sequência a impugnante foi notificada da liquidação de IVA adicional referente aos períodos 2018/10, 2018/11, 2018/12, 2019/01 (demonstração de acerto de contas), cujo saldo apurado resultou da diferença entre o estorno e a o acerto da liquidação, e para pagar 16.759,21€ - doc 1 da PI; 6. A reclamação graciosa deduzida pela impugnante foi indeferida por despacho de 27/4/2023, que aqui se reproduz, com o seguinte destaque (doc 2 da PI): “(…) [Imagem que aqui se dá por reproduzida] (…) [Imagem que aqui se dá por reproduzida] (…) 7. De 26/10/2018 a 21/12/2018 a impugnante emitiu à [SCom02...] cheques no montante de 295.579,41€ tendo como referência a compra de castanhas, que foram levantados nas agências bancárias em que foram apresentados, com recurso ao mecanismo de cheque caixa, contendo no verso dos cheques a assinatura de «BB» e o respectivo carimbo da [SCom02...] - cfr. facto 2 e docs 5 e 6 da PI;”. (...)» 2.2. De direito Constitui objecto do presente recurso a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações de IVA e correspondentes juros dos períodos de 2018/10, 2018/11, 2018/12, 2019/01. O Tribunal a quo improcedeu os fundamentos invocados pela Recorrente, por considerar que esta não infirmou as conclusões extraídas pelos serviços da inspeção tributária, que o relatório do procedimento inspectivo se encontrava devidamente fundamentado. A Recorrente, discordando da sentença proferida, vem recorrer do despacho que indeferiu a produção de prova testemunhal, assim como da decisão proferida, invocando deficit instrutório decorrente da dispensa da prova testemunhal arrolada, o erro de julgamento de facto. 2.2.1. Da decisão interlocutória de dispensa de inquirição da testemunha arrolada Para cabal compreensão da questão cumpre aqui relevar o conteúdo do despacho proferido nos autos em 24.06.2024, por via do qual foi dispensada a ra inquirição das testemunhas arroladas, por extracto: “A questão que se discute nos autos prende-se com a facturação emitida unicamente pela sociedade “[SCom02...]” que, na perspectiva da AT, e com a fundamentação exposta no Relatório de Inspecção Tributária, não respeita a operações reais. Ora, salvo o devido respeito, os factos que a Impugnante pretende demonstrar através de prova testemunhal (arts 31.º a 83; 88 a 92) dizem respeito à descrição da sua actividade e à sua área de negócio ou são conclusões. Os factos pertinentes para a decisão, que o impugnante pretende demonstrar através de prova testemunhal e em que se refere à sociedade “[SCom02...]”, são alegados nos arts 84.º a 87º. Ora, para estes factos, tem de se averiguar a fundamentação exposta pela AT no RIT para, depois, apreciar as conclusões que deles retiram a AT e a Impugnante – e deliberar se há ou não coerência ou fundamentação substantiva no acto de liquidação. Pelo exposto indefiro o requerido.”. – Cfr. fls.327-328 do SITAF. Acontece que as questões suscitadas nestes autos são, em ampla medida, idênticas – até por apesar de estarmos perante partes distinta, a fundamentação constante do RIT assenta a jusante no mesmo processo inspectivo realizado em sede da “[SCom02...], Unipessoal, Ld.ª”, razão pela qual existe uma similitude do quadro conclusivo constante do RIT, por um lado, e posição coincidente da 1ª instância no indeferimento da prova testemunhal apresentada– àquelas já tratadas, com a devida profundidade e detalhe, em acórdãos deste TCA Norte, proferido no processo n.º 94/22.8BEMDL, de 27.03.2025 e 96/22.4BEMDL, de 10.04.2025. Assim, por semelhança ao caso sub judice e por economia de meios, visando a interpretação e aplicação uniforme do direito (cf. artigo 8.º n.º 3 do Código Civil), acolhemos a argumentação e análise jurídica ali aduzida no acórdão de 27.03.2025 desta Secção do contencioso tributário (acórdão esse que a aqui Relatora subscreveu na qualidade de adjunta), razão pela o transcrevendo a ele aderimos, apenas estabelecendo as particularidades próprias que decorram dos autos. «Vem a Recorrente invocar que a decisão recorrida padece de deficit instrutório, com o consequente erro no julgamento da matéria de facto, decorrente da indevida dispensa de prova testemunhal, relevante para a decisão de mérito. Vejamos. A dispensa de produção da prova testemunhal arrolada pela Recorrente, a verificar-se, traduz erro de julgamento de facto, por insuficiência da matéria de facto, cumprindo assim aferir se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento da matéria de facto decorrente da dispensa de inquirição de testemunhas Nos termos do disposto no artigo 411.° do Código do Processo Civil, "incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer", consagrando-se assim o princípio do inquisitório, que no seu sentido restrito, que é o rigoroso, "opera no domínio da instrução do processo tendo o juiz aí poderes mais amplos do que no domínio da investigação dos factos, na medida em que pode determinar quaisquer diligências probatórias que não hajam sido solicitadas pelas partes" — cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil Anotado, volume 2°, 3a Edição, Almedina, pág 207. No mesmo sentido, o n.º 1 do artigo 99.° da Lei Geral Tributária, sob a epigrafe "Princípio do inquisitório e direitos e deveres de colaboração processual", estabelece que "O tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se lhe afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente pode conhecer". De igual forma, dispõe o n.º 1 artigo 13.° Código de Procedimento e de Processo Tributário ao estatuir que "aos juízes dos tribunais tributários incumbe a direção e julgamento dos processos da sua jurisdição, devendo realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhes seja lícito conhecer". Por fim, o artigo 114.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, prevê que "não conhecendo logo do pedido, o juiz ordena as diligências de produção de prova necessárias (...)". Com efeito, "cabe ao tribunal apurar a matéria de facto relevante com vista a integrar as várias soluções plausíveis da questão de direito suscitada. Para além das diligências requeridas, o tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados" — cfr. Acórdão do TCA Sul de 10.11.2022, proc. 2222/15.0BESNT. Ademais, como dispõe o artigo 115.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário, no processo tributário são admitidos todos os meios gerais de prova, não se encontrando assim limitado a um especifico modo de prova. Nestes termos, "não obstante o juiz não estar obrigado à realização de todas as provas que sejam requeridas pelas partes, contudo deve ponderar sobre a admissibilidade dos meios de prova no caso concreto. Nesse sentido deve ponderar a realização de diligências úteis à descoberta da verdade material, mormente quando existam factos controversos que careçam de prova bastante, de modo a que seja, sempre que possível, a não ficarem dúvidas sobre essa factualidade controvertida. Significa isto, que a omissão de diligências necessárias à descoberta da verdade material, acarreta um défice instrutório, quando em face do alegado e da análise dos elementos dos autos, se possa antever que a realização de algum meio de prova poderia ser modo de aquisição processual de melhor esclarecimento dos factos, tanto mais que não se vislumbra fossem diligências irrelevantes para os termos da causa." — cfr. Acórdão do TCA Norte de 23.11.2023, proc. n.° 01045/11.1BEBRG.» Volvendo aos nossos autos temos que, as liquidações de IVA e de juros impugnadas decorreram das correcções efectuadas pelos serviços de inspecção tributária da Direcção de Finanças 2... terem considerado que a Recorrente deduziu IVA indevidamente em facturas dos períodos de 1810, 1811, 1812 e 1901 relativas à aquisição de castanhas ao fornecedor [SCom02...] — Unipessoal, Lda., considerando que se tratavam de facturas simuladas. Tais conclusões decorreram dos indícios recolhidos, tendo sido colocados em causa, os mesmos pela Recorrente através da presente impugnação por via dos artigos 31º a 83º da petição inicial veio invocar factos atinentes à quele fornecedor relacionados com i) a estrutura organizativa e funcionamento do tipo de negócio; ii) os pagamentos efectuados e o seu modum operandi, veja-se doc. n.º 5 e 6 juntos iii) o transporte das mercadorias, iv) a negociação de preços, requerendo para prova do alegado a audição de testemunhas. O Tribunal a quo, após elencar as constatações emergentes do RIT em sede da fornecedora “[SCom02...]”, considerou que "A impugnante não contraria a circunstância declarada de falta de exibição dos elementos contabilísticos solicitados àquele seu fornecedor que fundamentasse a validação da legitimidade do IVA deduzido ao longo dos períodos em apreciação, e que, para além de resultar de operações simuladas (Art.º 19.º, n.º 3 do CIVA), por impossibilidade de controlo previsto no art.º 44.º do CIVA, não foi possível enquadrar no art. 19º, nº 2 do CIVA. Assim, a liquidação adicional de IVA em causa não pode ser anulada porque ficou demonstrado que as operações constantes das facturas emitidas por aquele fornecedor, e levadas à contabilidade pela Impugnante, não reflectem quaisquer operações económicas reais e, portanto, resultaram de operações simuladas – art.º 19.º, n.º 3 do CIVA.” «Nesta medida, o Tribunal a quo considerou que a Recorrente não apresentou factualidade capaz de contrariar os indícios recolhidos pela Autoridade Tributária e Aduaneira. No entanto, como aqui demos conta, a Recorrente invocou factos passiveis de puderem infirmar o considerado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista à anulação das liquidações impugnadas. Assim, e face ao que ficou dito, surge desde logo à evidência que o Tribunal a quo apenas teve em consideração a prova documental, sendo completamente omisso quanto à prova testemunhal, por a ter dispensado. Na verdade, tendo em consideração a elencada causa de pedir e os factos alegados, conclui-se que o mesmos carecem não só de prova documental mas, também, de prova testemunhal que possa esclarecer e complementar aquela, sendo que da matéria assente nada consta relativamente a tal prova. Nessa medida, tais factos são passíveis de produção de prova testemunhal, obstando a que se conclua pela sua dispensa, para, a final concluir pela sua não alegação e comprovação. Saber se a prova testemunhal a produzir, conjugada com os documentos que se encontram nos autos, será suficiente para comprovar a factualidade alegada pela Recorrente é questão a verificar a final, não se podendo permitir que o direito que a Recorrente tem a provar o alegado seja coarctado pela dispensa da inquirição das testemunhas arroladas. Com efeito, não poderia o Tribunal a quo ter concluído que a Recorrente não apresentou prova convincente, uma vez que lhes foi coartada a possibilidade de realização plena da prova sugerida e a que se propôs apresentar, sob pena de ter firmado a convicção sem a produção de toda a prova que a Recorrente colocou à disposição do Tribunal, afigurando-se que da audição da prova testemunhal resultará um quadro factual mais vasto e firme do que aquele em que se baseia a decisão recorrida, podendo eventualmente influenciar o mérito da causa. Podendo a inquirição de testemunhas esclarecer o Tribunal a quo sobre os factos alegados, a sentença recorrida padece de défice instrutório, suscetível de afectar o julgamento da matéria de facto, na medida em que os factos invocados não são meramente conclusivos nem inócuos para a apreciação da causa, torna-se evidente a necessidade de proceder às diligências probatórias requeridas, de forma a possibilitar-lhe o cumprimento do ónus da prova que lhe incumbe. No mesmo sentido, vide Acórdão do STA 22.05.2013, proc. n.° 0984/12. Concludentemente, no caso sob apreço, a realização da prova testemunhal é pertinente para a boa decisão da causa. Nesta senda, o Tribunal a quo, ao não ter procedido à referida diligência de prova, incorreu em défice instrutório, determinante da anulação oficiosa da sentença recorrida ao abrigo do disposto no artigo 662º n.º 2 alínea c) do Código do Processo Civil, impondo-se a devolução dos autos ao Tribunal a quo, para que este proceda à diligência requerida e à subsequente prolacção de nova decisão. Nos termos do exposto fica prejudicado o conhecimento do recurso quanto às demais questões suscitadas.» [fim de citação do acórdão deste TCA Norte de 27.03.2024, proferido no âmbito do processo n.º 94/22.8BEMDL] Para o efeito, ordena-se a baixa dos autos à 1.ª instância, para que sejam realizadas as pertinentes diligências de prova no sentido desse apuramento, sem prejuízo do aproveitamento de prova que possa vir a ser considerado, atento o alegado pela Recorrente de que as aqui testemunhas arroladas já foram inquiridas no âmbito dos processos de impugnação processos n.º425/21.8BEMDL (IVA 2016), 218/21.2BEMDL (IRC 2016) e 234/22.7BEMDL (IRC 2017), nos termos e para os efeitos do artigo 412º, n.º1 do CPC. Assim, ao abrigo das alíneas e c) do n.º 2 do artigo 662.º do Código de Processo Civil, a Sentença recorrida deve ser anulada e após melhor aquisição de prova, ser proferida nova decisão. 2.3. Conclusões, que se acolhem do supracitado acórdão I. No processo tributário são admitidos todos os meios gerais de prova, não se encontrando este limitado a um especifico modo de prova — cfr. artigo 115.° do CPPT. II. Cabe ao Tribunal apurar a matéria de facto relevante com vista a integrar as várias soluções plausíveis da questão de direito suscitada, incumbindo-lhe realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados. III. Podendo a inquirição de testemunhas esclarecer o Tribunal sobre os factos alegados, o julgamento da matéria de facto mostra-se deficitário. 3. DECISÃO Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso, anular a sentença recorrida, ordenar a baixa dos autos ao tribunal recorrido, para proceder à inquirição de testemunhas arroladas, ampliar a matéria de facto, se for o caso, e proferir nova decisão. Custas a cargo da Recorrida, Fazenda Pública, não sendo devida taxa de justiça nesta instância, por não ter contra-alegado. Porto, 29 de maio de 2025 Irene Isabel das Neves (Relatora por vencimento) Serafim José da Silva Fernandes Carneiro (conforme voto de vencido que se segue) Maria Celeste Oliveira (2.ª Adjunta) Voto de vencido: Relativamente à questão do eventual défice instrutório, negaríamos provimento ao recurso porque entendo que o despacho interlocutório que indefere de forma fundamentada a inquirição das testemunhas e dispensa a realização da audiência contraditória é suscetível de recurso de apelação autónomo (acórdão do Colendo Supremo Tribunal Administrativo (STA) de 9/6/2022, proferido no processo n.º 163/21.1 BECBR). Só não seria assim se fosse um despacho tabelar (acórdão do STA de 23/1/2025, do processo n.º 228/13.3 BECBR). Se as partes não recorrem dessa decisão é porque a aceitam e se conformam com a prova existente nos autos, pelo que o despacho transita em julgado e faz caso julgado formal. A sentença que se segue, que julga a causa com a prova consolidada no processo, não padece de défice instrutório. Face à prova existente nos autos, a sentença recorrida não merece qualquer reparo. Por isso, negaríamos provimento ao recurso. Porto, 29 de maio de 2025. Serafim José da Silva Fernandes Carneiro. |