Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00552/07.4BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/22/2024
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Paula Moura Teixeira
Descritores:IVA;
CORREÇÕES ARITMÉTICAS;
ERRO DE JULGAMENTO POR ERRO NOS PRESSUPOSTOS DE FACTO;
Sumário:
I. A nulidade de sentença/acórdão encontram-se previstas no artigo 668.º (atual 615.º) do CPC e tem a ver com os vícios estruturais ou intrínsecos da sentença também conhecidos por erro de atividade ou da sua construção que não se confunde com erro de julgamento de facto e ou de direito.

II. Decorre do n.º 1 do art.º 82.º CIVA que o chefe de repartição de finanças procederá à retificação das declarações dos sujeitos passivos quando fundamentalmente considere que nelas figuram um imposto inferior ou uma dedução superior aos devidos, liquidando-se adicionalmente a diferença, sem prejuízo das regras do recurso a métodos indiretos.

III. Pese embora os sujeitos passivos possam deduzir o imposto respeitante a créditos considerados incobráveis em processo de execução, processo ou medida especial de recuperação ou a créditos de falidos ou insolventes, quando for decretada a falência da insolvência, o n. º1 do art.º 82.º do CIVA não habilita o chefe de repartição a proceder as correções sujeitas a iniciativa do contribuinte pois não estava na posse de todos os elementos.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder parcial provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
A Recorrente, [SCom01...], LDA., NIPC ...10, melhor identificada nos autos, interpôs recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida das liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), referente aos anos de 2003 e 2004, acrescidas de juros compensatórios, montante global de €21.868,76.

A Recorrente não se conformou com a decisão tendo interposto o presente recurso formulou nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:

1ª CONCLUSÃO:
Tendo-se na sentença recorrida laborado em manifesto erro nos pressupostos de facto e de direito na fundamentação da sua decisão, ao considerar que as liquidações impugnadas se fundamentaram em método indirecto, quando de facto o foram em método directo.
Não se mostra assim devidamente fundamentada na sua decisão de facto a sentença recorrida, por omissão, deficiência e obscuridade na indicação da matéria de facto dada como provada, bem como o seu cabal exame critico, adequado a fundamentar a decisão.
Pelo que no entender da Recorrente, este vício gera a nulidade da sentença, prevista nos artigos 125° e 123° n° 2 do CPPT e 659° n° 3, aplicável por força do disposto no art. 2.°, alínea e), do CPPT.

2ª CONCLUSÃO:
Não tendo a sentença recorrida, discriminado nos factos dados como provados ou nos não provados, em violação do disposto no art. 123° n° 2 do CPPT.
Não se mostra assim devidamente fundamentada na sua decisão de facto a sentença recorrida, por omissão, deficiência e obscuridade na indicação da matéria de facto dada como provada e não provada, bem como o seu cabal exame crítico, adequado a fundamentar a decisão.
Pelo que no entender da Recorrente, este vicio gera a nulidade da sentença, prevista nos artigos 125° e 123° n° 2 do CPPT e 659° n° 3, aplicável por força do disposto no art. 2.°, alínea e), do CPPT.

3ª CONCLUSÃO:
A sentença recorrida enferma de erro de julgamento, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito na sua análise e decisão, derivado da consideração de que a tributação impugnada havia sido efectuada com recursos a métodos indirectos, quando para tal a AT não careceu.
Ao não dar provimento à Recorrente quanto à dedução do IVA o IVA a regularizar no montante de 23.389,68 €, também provado por documentos a partir do mesmo relatório de inspecção tributária fundamentante das liquidações impugnadas.

4ª CONCLUSÃO:
Por erro de julgamento, na sentença recorrida por injustamente no que respeita à violação dos princípios constitucionais da capacidade contributiva e da proporcionalidade, invocados pela Recorrente, conclui-se que as liquidações efectuadas e impugnadas, não violam estes princípios.
Ora, não pode haver conformidade com os princípios constitucionais da capacidade contributiva e da proporcionalidade, quando se está a exigir uma tributação em IVA, que está fora dos princípios da tributação do imposto, que diz respeito ao valor acrescentado.
Pois nos presentes autos, para além de estar em causa o IVA devido pela Recorrente, também está em casa o IVA que liquidou, entregou nos cofres do Estado, e que não lhe foi pago, que por sinal é superior ao que é por si devido, IVA que não pagou precisamente porque não tinha meios para o fazer, porque lhos ficaram a dever.
Estando a ser exigido à Recorrente, uma tributação, estribada apenas no incumprimento de obrigações acessórias de imposto, que sem dificuldade e nos termos da lei, a Inspecção Tributária teve oportunidade e meios para o suprir.

Termos em que a Recorrente confia que a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, recorrida em apelação com os fundamentos alegados no presente recurso, será substituída por acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte - Secção de Contencioso Tributário, que declare nula a decisão que põe termo ao processo com total improcedência da impugnação judicial deduzida, nos termos do art. 715° do C.P.C.
Produzindo nova decisão judicial, que mande anular as liquidações impugnadas, dando procedência à impugnação judicial.
Como sempre, farão V.(s) Ex.a(s), inteira e objectiva JUSTIÇA .(…)”

1.2. A Recorrida não apresentou contra-alegações.
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Atendendo a que o processo se encontra disponível em suporte informático, no SITAF, dispensa-se os vistos do Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, com o seu consentimento, submetendo-se à Conferência para julgamento.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, sendo a de saber se a sentença recorrida incorreu em nulidade, e em erro de julgamento nos pressupostos de facto e de direito.

3. JULGAMENTO DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“(…)
a) Ao abrigo das ordens de serviço com os nºs ...02 e ...03, a impugnante foi alvo de uma acção inspectiva que decorreu entre 18/05/2006 e 31/08/2006, com incidência sobre o IRC e o IVA dos exercícios de 2003, 2005 e 2005 (respectivamente (cf. doc. de fls. 45 a 65 dos autos).
b) Naquela acção os SIT constataram que “Para efeitos de IVA a actividade encontrava-se cessada com data de 2006-01.25 (...). Declarou nas periódicas de IVA dos exercícios de 2002, 2003 e 2004 bases tributáveis nos montantes de 418.306,19, 80.773,94 e 396.576,01 euros. Não entregou as declarações periódicas de IVA de 03 09T, 0312T e 0412T. No exercício de 2004, tem pagamentos em falta de IVA no montante de 7.931,81 euros, sendo 1.112,58€ do período de 04 03T e 6.819,23€ de 04 06T. Tem uma liquidação oficiosa de IVA de 2003 no montante de 1.558,92€ não regularizada” (cf. doc. de fls. 49 dos autos).
c) Resulta do relatório inspectivo que (cf. fls. 50 e 51 dos autos):
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
d) No capitulo dedicado à “descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria colectável” da impugnante, os SIT referem que (fls. 51 e 52 dos autos):
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
e) A situação detectada pelos SIT levou ao recurso a métodos indirectos, uma vez que a impugnante “não deu cumprimento à notificação para organizar e regularizar a escrita pelo facto de terem-se extraviado os livros e todos os documentos de escrituração da actividade empresarial (...)” (cf. doc. de fls. 52 dos autos).
f) A impugnante veio a pronunciar-se em sede de audição prévia nos termos expostos a fls. 92 a 95 dos autos.
g) A impugnante requereu o procedimento de revisão da matéria tributável ao abrigo do disposto no art. 92º da LGT, vindo a ser elaborada a acta nº 106 de 05/12/2006, na qual não se chegou a acordo, mantendo-se, posteriormente, as conclusões do relatório inspectivo (cf. doc. de fls. 52 a 64 do processo administrativo apenso aos autos, doravante apenas PA).
h) No processo especial de recuperação de empresa da “[SCom02...], SA” reconheceu-se que a, aqui, impugnante detinha um crédito de €442.623,77, reconhecido por sentença de 24/02/2003 (cf. doc. de fls. 96 a 105 dos autos).
i) Em face do que foi apurado em sede inspectiva considerou-se que a impugnante tinha IVA em falta nos exercícios de 2003, 2004 e 2005, nos montantes de €14.606,52, €5.130,86 e €79,73, respectivamente (cf. doc. de fls. 47 dos autos).
j) Na sequência do acima referido foram emitidas as liquidações de IVA nºs.....395 – 0303T, no montante de €8.434,96; .....399 – 0306T, no montante de €109,74; .....400 – 0309T, no montante de €3.744,96; ......402 – 0312T, no montante de €2.315,86; .....404 – 0403T, no montante de €73,70; .....405 – 0406T, no montante de €99,75; .....406 – 0409T, no montante de €119,28; .....407 – 0412T, no montante de €4.838,13; e de juros compensatórios nº .....396 -0303T no montante de €1.142,53; .....401 – 0309T, no montante de €430,93; .....403 – 0312T, no montante de €242,98; .......408 – 0412T, no montante de €314,94 todas com data limite de pagamento de 31/12/2006 (cf. fls. 21 a 36 dos autos).
k) A presente impugnação foi deduzida em 05/03/2007 (cf. doc. de fls. 2 dos autos).

Factos não provados
Dos autos não resultam provados outros factos com interesse para a decisão da causa.
*** ***
O Tribunal firmou a sua convicção na consideração dos documentos juntos aos autos. (…)”

4. JULGAMENTO DE DIREITO
4.1. Nas conclusões 1.ª e 2.ª a Recorrente alega que a sentença recorrida laborou em manifesto erro nos pressupostos de facto e de direito na fundamentação da sua decisão, ao considerar que as liquidações impugnadas se fundamentaram em método indireto, quando de facto o foram em método direto.
E que não se se mostra assim devidamente fundamentada na sua decisão de facto a sentença recorrida, por omissão, deficiência e obscuridade na indicação da matéria de facto dada como provada, bem como o seu cabal exame critico, adequado a fundamentar a decisão.
Alega ainda que a sentença recorrida, não tendo discriminado nos factos dados como provados ou nos não provados, em violação do disposto no art. 123° n° 2 do CPPT.
Não se mostra assim devidamente fundamentada na sua decisão de facto a sentença recorrida, por omissão, deficiência e obscuridade na indicação da matéria de facto dada como provada e não provada, bem como o seu cabal exame crítico, adequado a fundamentar a decisão.
Pelo que no entender da Recorrente, este vicio gera a nulidade da sentença, prevista nos artigos 125° e 123° n° 2 do CPPT e 659° n° 3, aplicável por força do disposto no art. 2.°, alínea e), do CPPT.
Vejamos.
4.1.1. Se bem entendemos a pretensão da Recorrente imputa à sentença recorrida nulidade, por omissão, deficiência e obscuridade na indicação parcial da matéria de facto dada como provada assim como os que não foram dados como não provados.
Da leitura das motivações de recurso, a Recorrente refere que com base nas alíneas d), e) e g) da matéria facto provada deve concluir que a sentença recorrida laborou em manifesto erro de pressupostos de facto e de direito na fundamentação da sua decisão ao considerar que as liquidações impugnadas se fundamentaram em métodos indiretos de apuramento deste imposto quando de facto foram por método direto erro que gera a nulidade da mesma.
Como é sabido a nulidade de sentença/acórdão encontram-se previstas no artigo 668.º (atual 615.º) do CPC e tem a ver com os vícios estruturais ou intrínsecos da sentença também conhecidos por erro de atividade ou da sua construção que não se confunde com erro de julgamento de facto e ou de direito.
Nesta conformidade a omissão, deficiência e obscuridade na indicação parcial da matéria de facto dada como provada assim como os que não foram dados como não provados poderá consubstanciar um erro de julgamento da matéria de facto e não a nulidade da sentença recorrida.

4.1.2. Alega ainda que a questão central da causa de pedir da Recorrente não foi sequer discriminado nem nos factos dados como provados nem nos não provados em violação do artigo 123.º do CPPT, nem sequer foi efetuada um exame crítico desse facto em que assenta a causa de pedir da Recorrente.
A nulidade por falta de especificação dos fundamentos de facto encerra tanto a falta de discriminação dos factos provados e não provados, exigida pelo artigo 123º, nº 2 do CPPT, como a falta do exame crítico das provas previsto no n.º 3 do artigo 659.º do CPC (atual art. 607º, nº 4).
Por força do n.º 2 do art.º 123.º CPPT o juiz discriminará também a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões.
Determinava o n.º 2 do art.º 653.º do CPC relativamente à matéria de facto que a decisão proferida declarará quais os fundamento de facto que o tribunal julgue provados e quais os que julgue não provados, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador.
O art.º 655.º do CPC determina que tribunal aprecia livremente as provas decidindo segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.
Decorre da conjugação do n.º 1 do art.º 125º e n.º 2 do art.º 123.º do CPPT, art.º 668º CPC (atual art.º 615º)] a CPPT e 655.º do CPC que a sentença deve conter fundamentação da matéria de facto a qual consiste na indicação dos elementos de prova utilizados para formar a convicção do juiz e a sua apreciação crítica de modo a perceber o itinerário cognoscitivo e valorativo da decisão.
Como refere Jorge Lopes de Sousa, in Código do Processo e Procedimento Tributário, Anotado, II, 2011, pp. 321 e 322 (In CPPT anotado, II, 2011, pp. 321 e 322) “(…) A fundamentação da sentença, no que concerne à fixação da matéria de facto, é exigida pelo n.° 2 do art. 123. do CPPT.
Essa fundamentação deve consistir na indicação dos elementos de prova que foram utilizados para formar a convicção do juiz e na sua apreciação crítica, de forma a ser possível conhecer as razões por que se decidiu no sentido decidido e não noutro.
A fundamentação da sentença visa primacialmente impor ao juiz reflexão e apreciação crítica da coerência da decisão, permitir às partes impugnar a decisão com cabal conhecimento das razões que a motivaram e permitir ao tribunal de recurso apreciar a sua correcção ou incorrecção. Mas, à semelhança do que sucede com a fundamentação dos actos administrativos, a fundamentação da sentença tem também efeitos exteriores ao processo assegurando a transparência da actividade jurisdicional.
Assim, a fundamentação de facto não deve limitar-se à mera indicação dos meios de prova em que assentou o juízo probatório sobre cada facto, devendo revelar o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo juiz ao decidir como decidiu sobre todos os pontos da matéria de facto.
Nos casos em que os elementos probatórios tenham um valor objectivo (como sucede, na maior parte dos casos, com a prova documental) a revelação das razões por que se decidiu dar como provados determinados factos poderá ser atingida com a mera indicação dos respectivos meios de prova, sem prejuízo da necessidade de fazer uma apreciação crítica, quando for questionável o valor probatório de algum ou alguns documentos ou existirem documentos que apontam em sentidos contraditórios.
Mas, quando se tratar de meios de prova susceptíveis de avaliação subjectiva (como sucede com a prova testemunhal) será indispensável, para atingir tal objectivo de revelação das razões da decisão, que seja efectuada uma apreciação crítica da prova, traduzida na indicação das razões por que se deu ou não valor probatório a determinados elementos de prova ou se deu preferência probatória a determinados elementos em prejuízo de outros, relativamente a cada um dos factos relativamente aos quais essa apreciação seja necessária.(…)”(sublinhado nosso).
Assim, a fundamentação da matéria de facto, deve consistir na indicação dos factos provados e não provados, elementos de prova que foram utilizados para formar a convicção do julgador e a sua apreciação crítica, de maneira a ser possível conhecer as razões por que se decidiu num sentido e não noutro.
No que concerne ao exame crítico da prova, o juiz deve revelar, esclarecendo, quais foram os elementos probatórios que o levaram a decidir como decidiu e não de outra forma e caso haja elementos probatórios divergentes, explicar as razões porque se valorizou um em detrimento do outro.
Se a sentença não contiver análise crítica da prova documental e testemunhal e outras provas produzidas no processo e que foram relevantes para a decisão incorre em nulidade nos termos do n.º 1 do art.º 125.º n.º 1 do CPPT alínea b) do art.º 668.º do CPC (atual 615.º).
No caso sub judice não estamos perante nulidade a sentença, mas sim um eventual, erro de julgamento da matéria de facto ou erro de julgamento de direito que infra melhor se verá.
Acresce ainda referir que o eventual erro de julgamento de facto, sempre teria que dar cumprimento ao disposto no n. º1 do art.º 685.ºB, do CPC, sob pena de rejeição do mesmo.
Assim, improcede a alegada nulidade de sentença

4.2. Na conclusão 3.ª alega que a sentença recorrida enferma de erro de julgamento, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito na sua análise e decisão, derivado da consideração de que a tributação impugnada havia sido efetuada com recursos a métodos indiretos, quando para tal a AT não careceu.
Ao não dar provimento à Recorrente quanto à dedução do IVA o IVA a regularizar no montante de 23.389,68 €, também provado por documentos a partir do mesmo relatório de inspeção tributária.
Vejamos.
No presente processo estão em questão as liquidações do IVA, do ano de 2003 e 2004, que deram lugar às liquidações adicionais de IVA nºs .....395 – 0303T, no montante de €8.434,96; .....399 – 0306T, no montante de €109,74; .....400 – 0309T, no montante de €3.744,96; ......402 – 0312T, no montante de €2.315,86; .....404 – 0403T, no montante de €73,70; .....405 – 0406T, no montante de €99,75; .....406 – 0409T, no montante de €119,28; .....407 – 0412T, no montante de €4.838,13; e de juros compensatórios nº .....396 -0303T no montante de €1.142,53; .....401 – 0309T, no montante de €430,93; .....403 – 0312T, no montante de €242,98; .......408 – 0412T, no montante de €314,94.
Analisado a fundamentação do Relatório de Inspeção verificamos que no capítulo I foram efetuadas correções ao IVA, dos anos de 2003 e 2004, no valor de € 14 606,52 e € 5 130,86, por recurso a correções aritméticas, para além de correções à matéria tributável, por recurso a métodos indiretos.
No Capítulo II sob a epigrafe “Descrição dos factos e fundamentos de correcções meramente aritméticas à matéria coletável.” transcrito na alínea c) e d) dos factos provados, no subitem “1. IVA liquidado nas faturas não declarado” consta o seguinte: “(…) o sujeito não entregou as declarações periódicas do 3º e 4º trimestre de 2003 e 4º trimestre de 2004.
Constata-se do Anexo-2 (duas folhas) deste relatório, que resume por trimestres a informação obtida dos documentos remetidos pelos clientes presentemente conhecidos, que no 3º e 4º trimestres de 2003 e 4.º trimestre de 2004, o sujeito passivo emitiu faturas para os clientes [SCom02...] e [SCom03...], com liquidação de imposto conforme o seguinte mapa:
(…)
Concluiu-se que o IVA liquidado nas faturas, não declarado e em falta de entrega nos ao Estado nos exercícios de 2003 e 2004 é respectivamente de 6.061,82 e 4 838,13 euros.”
Porém no subitem 2. sob o título “IVA dedutível constante das declarações periódicas remetidas” consta o seguinte: “Conforme o anexo 3 deste relatório, que discrimina por trimestre os valores que o sujeito passivo declarou nas declarações periódicas de IVA, constata-se que deduziu o imposto nos exercícios de 2003, 2004 e 2005 nos montantes de 8 544, 70; 292,73 e 79, 73 euros.
(…)
Devido à inexistência de escrita e documentação já referida, não é possível o cumprimento do disposto no artigo 44 [CIVA] e, por conseguinte, aferir a legitimidade do IVA dedutível pelo que o mesmo não pode ser aceite como tal e encontrando-se por isso em falta de entrega ao Estado.”
Nesta conformidade teremos de dar razão ao Recorrente pois as correções do IVA, foram efetuadas por recurso a métodos diretos, tendo a sentença recorrida partido de pressuposto de facto, não correto, no entanto, desde já se diga que este erro não afeta a decisão final.
Importa agora verificar se a sentença recorrida incorreu em erro nos pressupostos de direito.
A questão que foi posta pela Recorrente, na petição inicial, era a de saber se as liquidações de IVA, enfermavam de vicio de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito, por inobservância do artigo 82.º n.º 1 e art.º 71.º n.º 8 ambos do CIVA, já que as liquidações impugnadas se fundamentam em correções constantes do relatório de fiscalização as quais não estão fundamentadas.
Dispõem o n.º 1 do art.º 82.º do CIVA que: “Sem prejuízo do disposto no artigo 84.º, o chefe de repartição de finanças procederá à retificação das declarações dos sujeitos passivos quando fundamentalmente considere que nelas figuram um imposto inferior ou uma dedução superior aos devidos, liquidando-se adicionalmente a diferença.”
Dispõem o n.º 8 do art.º 71.º do CIVA que: “Sujeitos passivos poderão deduzir ainda o imposto respeitante a créditos considerados incobráveis em processo de execução, processo ou medida especial de recuperação ou a créditos de falidos ou insolventes, quando for decretada a falência da insolvência.”
Decorre do n.º 1 do art.º 82.º CIVA que o chefe de repartição de finanças procederá à retificação das declarações dos sujeitos passivos quando fundamentalmente considere que nelas figuram um imposto inferior ou uma dedução superior aos devidos, liquidando-se adicionalmente a diferença, sem prejuízo das regras do recurso a métodos indiretos.
Pese embora os sujeitos passivos possam deduzir o imposto respeitante a créditos considerados incobráveis em processo de execução, processo ou medida especial de recuperação ou a créditos de falidos ou insolventes, quando for decretada a falência da insolvência, o n. º1 do art.º 82.º do CIVA não habilita o chefe de repartição a proceder as correções sujeitas a iniciativa do contribuinte.
Como refere a sentença recorrida a falta de contabilidade e dos respetivos documentos de suporte não permitem aos competentes serviços o cálculo do imposto e respetivo controlo no seu todo, não sendo, viável a dedução dos créditos que detinha, sobre a [SCom02...] e [SCom03...], e que foi considerado incobrável, sem que os respetivos serviços possam proceder a qualquer controlo do imposto devido.
A Impugnante/Recorrente não pode ignorar que o direito à dedução efetua-se de forma global, relativamente ao conjunto de operações realizadas pelo sujeito passivo com a referência a um período determinado (mês ou trimestre), mediante a subtração ao total do imposto devido pelas operações a jusante no decurso desse período, do total do impostos dedutível pelas operações efetuadas a montante e exigível durante o mesmo período.
O apuramento do imposto a entregar nos cofres do Estado, ou a recuperar, em cada período fiscal, o preenchimento das declarações legalmente exigidas e a confirmação pela AT dos montantes declarados pelos sujeitos passivos apenas serão possíveis se tiverem sido cumpridas as regras definidas nos artigos 44.º, n.º 2, 3 e 4, 45.º e 48.º todos do CIVA, o que não aconteceu como demonstra o relatório de inspeção.
Nesta conformidade, teremos de concluir tal como a sentença recorrida, não possuindo a Impugnante/Recorrente quaisquer registos na sua contabilidade das operações que efetuou, por não ter exibido quaisquer documentos contabilísticos que possibilitassem de forma clara e inequívoca o cálculo do imposto e seu controlo, não pode pretender a dedução do crédito que detinha sobre a [SCom02...] e [SCom03...] que foram considerados como incobráveis.
Nesta conformidade, a sentença recorrida não incorreu em erro de julgamento, ao considerar que não ocorreu o alegado vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito, nem a violação dos referidos preceitos legais do CIVA.

4.3. Na conclusão 4.ª a Recorrente, alega erro de julgamento, na sentença recorrida no que respeita à violação dos princípios constitucionais da capacidade contributiva e da proporcionalidade, ao concluir que as liquidações efetuadas e impugnadas, não violam estes princípios.
E que estando a ser exigido à Recorrente, uma tributação, estribada apenas no incumprimento de obrigações acessórias de imposto, que sem dificuldade e nos termos da lei, a Inspeção Tributária teve oportunidade e meios para o suprir.
Vejamos:
A sentença recorrida sobre esta questão discorreu o seguinte: “ No que tange à alegada violação dos princípios constitucionais da capacidade contributiva e da proporcionalidade, pelo que se acaba de dizer, os mesmos também não ocorrem, pois a impugnante ao colocar-se, como se colocou, na situação de não possuir quaisquer elementos contabilísticos que permitam apurar o imposto e respectivo controle do mesmo, não pode defender a violação daqueles princípios, uma vez que em sede inspectiva resulta de forma muito clara os elementos que foram recolhidos e permitiram chegar às correcções e posteriores liquidações impugnadas.”
Pese embora as liquidações do IVA tenha sido efetuadas por recurso a correções aritméticas, o Recorrente não pode ignorar, como supra se referiu que as deduções efetuam-se de forma global, relativamente ao conjunto de operações realizadas pelo sujeito passivo com a referência a um período determinado, mediante a subtração ao total do imposto devido pelas operações a jusante no decurso desse período, do total do impostos dedutível pelas operações efetuadas a montante e exigível durante o mesmo período.
Perante a inexistência da escrita, registos e documentos de atividade empresarial que exerceu nos anos de 2003 e 2004, falta de apresentação das declarações periódicas de IVA, no período em questão, a AT apurou o referido valor através de cruzamento da declaração anual (Anexos O e P.) sem que a Recorrente fizesse um menor esforço de apresentar os elementos em falta.
Nesta conformidade, a liquidação ocorreu por falta de cumprimento dos deveres legais da Recorrente, pelo que não pode pretender anulação da liquidação, por violação dos princípios constitucionais da capacidade contributiva e da proporcionalidade, sendo que foi próprio que colocou nessa situação.
Destarte, improcede a pretensão da Recorrente.

4.3. E assim formulamos as seguintes conclusões:
I. A nulidade de sentença/acórdão encontram-se previstas no artigo 668.º (atual 615.º) do CPC e tem a ver com os vícios estruturais ou intrínsecos da sentença também conhecidos por erro de atividade ou da sua construção que não se confunde com erro de julgamento de facto e ou de direito.
II. Decorre do n.º 1 do art.º 82.º CIVA que o chefe de repartição de finanças procederá à retificação das declarações dos sujeitos passivos quando fundamentalmente considere que nelas figuram um imposto inferior ou uma dedução superior aos devidos, liquidando-se adicionalmente a diferença, sem prejuízo das regras do recurso a métodos indiretos.

II. Pese embora os sujeitos passivos possam deduzir o imposto respeitante a créditos considerados incobráveis em processo de execução, processo ou medida especial de recuperação ou a créditos de falidos ou insolventes, quando for decretada a falência da insolvência, o n. º1 do art.º 82.º do CIVA não habilita o chefe de repartição a proceder as correções sujeitas a iniciativa do contribuinte pois não estava na posse de todos os elementos.

5. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, conceder parcial provimento ao recurso, mantendo-se sentença recorrida, embora com a presente fundamentação.

Custas pela Recorrente termos dos artigos 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.
Porto, 22 de fevereiro de 2024

Paula Maria Dias de Moura Teixeira (Relatora)
Maria da Conceição Soares (1.ª Adjunta, em regime de substituição)
José Coelho (2.ª Adjunto)