Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02772/15.9BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/19/2024
Tribunal:TAF de Braga
Relator:PAULO FERREIRA DE MAGALHÃES
Descritores:SEGURANÇA SOCIAL; CRIAÇÃO DO PRÓPRIO EMPREGO; PEDIDO DE PAGAMENTO DO MONTANTE GLOBAL DAS PRESTAÇÕES DE DESEMPREGO;
ACUMULAÇÃO COM ACTIVIDADE REMUNERADA; REVOGAÇÃO E RESTITUIÇÃO;
PRINCÍPIOS DA CONFIANÇA E DA SEGURANÇA JURÍDICA; DECRETO-LEI N.º 64/2012, DE 15 DE MARÇO.
Sumário:
1 - No dia 15 de março de 2012 foi publicado o Decreto-Lei n.º 64/2012, de 15 de março, que entrou em vigor no dia 01 de abril de 2012, e que entre o mais aprovou a alteração do artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 03 de novembro, e que, mantendo os normativos que dele inicialmente constavam [os actuais n.ºs 1, 2 e 6], introduziu, novatóriamente, previsão normativa expressa no sentido de que nas situações de criação do próprio emprego e em que tenha sido concedido o montante global das prestações de desemprego, os beneficiários não podem acumular o exercício dessa actividade com outra actividade normalmente remunerada durante o período em que são obrigados a manter aquela actividade, e que em caso de incumprimento injustificado das obrigações decorrentes da aprovação do projecto de criação do próprio emprego [isto é, se fosse constatada essa acumulação], seria aplicado o regime jurídico da restituição das prestações de segurança social indevidamente pagas.

2 - Cotejados os normativos em causa [o artigo 34.º do referido Decreto-Lei, na sua versão inicial e na versão introduzida pelo Decreto-Lei n.º 64/2012, de 15 de março], é com facilidade que se constata que o legislador não atribuiu, nem quis atribuir, natureza interpretativa às normas previstas no artigo 34.º, mais concretamente, aos seus n.ºs 3 e 4, em conformidade o disposto no artigo 13.º do Código Civil, como assim julgado pelo Tribunal a quo, antes porém, regular com base em diferentes pressupostos, uma politica pública por si prosseguida para efeitos de fomentar o incentivo à criação do próprio emprego por parte de desempregados, e o seu exercício em regime de exclusividade sem possibilidade de acumulação com outra actividade normalmente remunerada.

3 - A certeza e segurança jurídica assentam no conhecimento prévio daquilo com que cada um pode contar para, com base em expectativas firmes, governar a sua vida e orientar a conduta, de onde se retira assim que a certeza e segurança jurídica pede que a regra de direito seja uma prescrição de carácter geral formulada com uma precisão suficiente para que os seus destinatários a possam conhecer antes de agir, actuando em conformidade com a sua previsão normativa, e sem equívocos.

4 - À luz do direito, não é admissível a interpretação prosseguida pelo Tribunal a quo, segundo a qual, face ao disposto no referido artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 64/2012, de 15 de março, essa previsão normativa tenha eficácia quanto a situações já constituídas ao abrigo de legislação anterior, na medida em que permitiria uma retroactividade inadmissível, arbitrária ou demasiadamente onerosa das alterações legislativas, visando o regime jurídico de protecção social da eventualidade de desemprego dos trabalhadores por conta de outrem, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 220/2006, de 03 de novembro, quando à data da sua entrada em vigor [em 01 de abril de 2012], o Autor vinha já prosseguindo na realização de actividades licitamente constituídas, num tempo em que lhe era legítimo assim pensar e executar, na decorrência da lei pré-vigente.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:


I - RELATÓRIO


«AA» [devidamente identificado nos autos], Autor na acção que intentou contra o Instituto da Segurança Social, IP [também devidamente identificado nos autos], na qual foi requerida a anulação da decisão do Réu que decidiu pela revogação da atribuição do montante global das prestações de desemprego, e pela obrigação de restituição do montante de € 18.432,60, inconformado com a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, pela qual foi julgada totalmente improcedente a acção e absolvida a entidade demandada do pedido contra si formulado, veio interpor recurso de Apelação.

*

No âmbito das Alegações por si apresentadas, elencou a final as conclusões que ora se reproduzem:

“[…]
CONCLUSÕES:
1 – O Recorrente discorda da Sentença e sua fundamentação.
Com efeito, o disposto no n.º 3 do art.º 34.º do DL n.º 64/2012, de 15/03, determina que na criação de próprio emprego os beneficiários não podem acumular o exercício dessa atividade com outra normalmente remunerada durante o período em que são obrigados a manter o posto de trabalho criado.
2 - Entendendo a Sentença recorrida que este dispositivo legal tem aplicação no caso sub judice, concluiu que o ora Recorrente violou este dispositivo legal ao acumular o exercício da atividade para o qual o projeto foi criado com outra atividade remunerada a partir de 06/02/2012 na empresa “[SCom01...], Lda”, antes do decurso de 3 anos a contar da data do início do projeto
3 - Só que entende o Recorrente que esta decisão é destituída de fundamentação legal, uma vez que, não tem aplicação ao caso concreto, salvo o devido respeito por melhor opinião, o disposto no referido Dec-Lei n.º 64/2012, de 15/03, pese embora o art.º 7 deste diploma legal refira que o mesmo se aplica às relações jurídicas prestacionais constituídas ao abrigo de legislação anterior.
4 - Na verdade, à luz do disposto no artº 12.º do Código Civil, é consagrado o princípio da não retroatividade da lei, ou seja, esta regula as situações futuras, respeitando os factos passados. Assim, a lei nova apenas regula os efeitos presentes e futuros de factos passados quando tal não implicar uma reapreciação destes, pois se a sua aplicação implicar a referida reapreciação, o que seria o caso, então os efeitos presentes e futuros de factos passados serão regulados ainda pela lei antiga.
5 - Realça-se os seguintes factos, dados como provados:
. o Recorrente apresentou a sua candidatura junto da Recorrida de um projecto de criação de próprio emprego em 12/04/2011;
. esta candidatura foi aprovada pela Recorrida em junho de 2011;
. o Recorrente iniciou as suas funções de gerência na sociedade [SCom01...], Lda em 06/02/2012.
6 - Todas estas situações supra enunciadas foram feitas ao abrigo da legislação então em vigor, ou seja, o Dec-Lei n.º 220/2006, de 03/11, o qual não tinha qualquer previsão legal que determinasse que na criação de próprio emprego os beneficiários não pudessem acumular o exercício dessa atividade com outra normalmente remunerada durante o período em que são obrigados a manter o posto de trabalho criado. Situação que só veio a ser legalmente prevista posteriormente, com a publicação do referido Dec-Lei n.º 64/2012, de 15/03.
7 - Resulta assim com clareza que quando o ora Recorrente começou a exercer uma outra atividade remunerada em acumulação com aquela relativa ao projeto em causa, tal era permitido pela legislação então em vigor!
Considerar a aplicação do disposto no Dec-lei n.º 64/2012, de 15/03 ao caso sub judice vai frontalmente contra o disposto no referido art.º 12.º do Código Civil, minando a confiança dos sujeitos na continuidade das suas relações jurídicas e estabilidade das mesmas.
8 - Resta pois analisar se o Recorrente violou o disposto n.º 1 e alínea b) do n.º 9.º do art.º 12.º da Portaria 985/2009, de 04/09.
9 - Afigura-se claro que tal não se verificou no caso sub judice, pois o posto de trabalho criado pelo Recorrente (exercício da atividade de contabilidade) foi realizado a tempo inteiro desde o respetivo deferimento até ao presente.
Sempre o Recorrente concentrou todas as suas energias na boa execução deste projeto de modo a resistir à crise económica extremamente grave que se abateu sobre a Europa, com especial incidência em Portugal, trabalhando com afinco, fidelizando clientes e angariando outros.
10 - E foi com o objetivo de angariar mais clientes para si que o Recorrente. se tornou, em setembro de 2012, sócio da referida empresa “[SCom01...], Lda”, então, designada “[SCom02...], Lda” .
11 - Com efeito, esta empresa detinha uma boa “carteira” de clientes que o Recorrente pôde aproveitar, tornando-se sócio da mesma, revertendo os rendimentos daí resultantes em benefício do seu gabinete de contabilidade.
12 - O Recorrente continuou a exercer a tempo inteiro a atividade de contabilidade, procedendo aos respetivos descontos como trabalhador independente, apenas se tendo tornado gerente da referida sociedade a partir de fevereiro de 2012, na sequência de uma imposição da OTOC (Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas).
13 - E gerente remunerado por imposição da própria Segurança Social, por ser obrigatório proceder a descontos por um valor superior ao IAS (Indexante dos Apoios Sociais), o que não se verificava nos descontos que estava a fazer como trabalhador independente.
14- Assim, esta remuneração reveste apenas um carater formal e não factual, já que as remunerações realmente auferidas pelo Recorrente. resultam do seu trabalho como contabilista na qualidade de trabalhador independente.
15 - Esteve também mal a Sentença recorrida quando entende que o Recorrente não apresentou justificação aceitável para acumulação de actividades, à luz do disposto no n.º 3 e n.º 4 do art.º 34.º do Dec-Lei 64/2012, já que, pelas razões supra aduzidas, não tem aplicação ao caso concreto, salvo o devido respeito por melhor opinião, o disposto no referido diploma legal.
Pelo exposto, e pelo que V. Excelências doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso, e, em consequência revogar-se a Decisão/Sentença recorrida.
Decidindo-se assim, far-se-á JUSTIÇA! […]”

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O Recorrido não apresentou Contra Alegações.

*

O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso interposto, fixando os seus efeitos.

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O Ministério Público junto deste Tribunal Superior emitiu parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional, no sentido da sua procedência.

***

Com dispensa dos vistos legais [mas com envio prévio do projecto de Acórdão], cumpre apreciar e decidir.

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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, cujo objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas Alegações - Cfr. artigos 144.º, n.º 1 do CPTA, e artigos 639.º e 635.º n.ºs 4 e 5, ambos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3 do CPTA [sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem deva conhecer oficiosamente], sendo que, de todo o modo, em caso de procedência da pretensão recursiva, o Tribunal ad quem não se limita a cassar a decisão judicial recorrida pois que, ainda que venha a declarar a sua nulidade, sempre tem de decidir [Cfr. artigo 149.º, n.º 1 do CPTA] “… o objecto da causa, conhecendo do facto e do direito.”, reunidos que estejam os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas.

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III - FUNDAMENTOS IIIi - DE FACTO

No âmbito da factualidade considerada pelo Tribunal recorrido em sede da Sentença proferida, dela consta o que por facilidade, para aqui se extrai como segue:

“[…]
Compulsados os autos e analisada a prova documental apresentada e não impugnada, dá-se como provada, com interesse para a decisão a proferir nos presentes autos, a seguinte factualidade:
1. Em 12.04.2011, o Autor remeteu à Entidade Demandada, o requerimento de cujo teor se extrai, para além do mais, o seguinte:
“(…), vem requerer a V. Ex.ª, (…), a concessão do pagamento global das prestações de desemprego a que tem direito, para a criação do próprio emprego.
(…)” (Cfr. Fls. 1 do PA, cujo teor se dá por reproduzido).
2. Em 03.05.2011, o Instituto do Emprego e Formação Profissional, IP elaborou informação designada “Projecto de emprego promovida por beneficiário de prestações de desemprego (…)”, da qual se pode ler, além do mais, o seguinte teor:
“(…).
2. IDENTIFICAÇÃO DO PROMOTOR (…) «AA» (…).
3. IDENTIFICAÇÃO DO PROJECTO
(…)
Actividade: Contabilista (…).
Face ao exposto, somos de propor parecer favorável ao pagamento do subsídio de desemprego, de acordo com o estipulado na Portaria n.º 985/2009, de 4 de setembro.
(…)”
(Cfr. Fls. 2 a 4 do PA, cujo teor se dá por reproduzido).
3. Em 04.05.2011, sobre a informação referida no ponto anterior, foi proferido despacho, emanado pelo Diretor do Instituto do Emprego e Formação Profissional de Braga, no qual se pode ler o seguinte:
“Concordo com a análise técnica e parecer favorável.
Remeta-se ao CDSS de Braga.
(…)” (Cfr. Fls. 2 do PA, cujo teor se dá por reproduzido.)
4. Em 06.05.2011, deu entrada nos serviços da Entidade Demandada - Equipa de Prestações de Desemprego, o ofício elaborado pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional de Braga, sob o assunto: “PEOE – Projectos de Emprego Promovidos por Beneficiários Prestações Desemprego – Portaria n.º 985/2009 de 4 setembro”, do qual se pode ler, além do mais, o seguinte:
“Junto remeto informação, com parecer favorável, sobre a análise da candidatura ao programa (…) do seguinte beneficiário:
- (…) – «AA»
(…)”. (Cfr. Fls. 5 do PA, cujo teor se dá por reproduzido).
5. Em 01.06.2011, a Entidade Demandada elaborou uma informação, na qual se pode ler, além do mais, o seguinte:
“INFORMAÇÃO PARA DESPACHO DE DEFERIMENTO
REQUERIMENTO DE PAGAMENTO DE MONTANTE GLOBAL DE PRESTAÇÕES DE
DESEMPREGO
(…)
NOME DO BENEFICIÁRIO – «AA»
(…).
Propõe-se o deferimento do pagamento global das prestações de desemprego por ter sido considerado elegível pelo respectivo centro de emprego, o projecto de criação do próprio empregos (artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de novembro, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 72/2010).
Mais, se propõe que se notifique o interessado sobre o montante a atribuir de 18.432,60 € (…), referente ao período de 2011/05/06 a 2014/02/06 e, ainda que o emprego deve ser mantido pelo período mínimo de três anos (…).” (Cfr. informação e print informático juntos a fls. 13 e 16 PA, respetivamente, cujo teor se dá por reproduzido).
6. Em 02.06.2011, a Entidade Demandada através de correio eletrónico comunicou ao Diretor do Instituto do Emprego e Formação Profissional de Braga, para, além do mais, o seguinte:
“(…).
Levo ao seu conhecimento que foi deferido o seguinte processo (…), face ao parecer favorável do Centro de Emprego.
(…) «AA» (…) Valor pago 18432,60 €
(…).” (Cfr. e-mail junto a fls. 14 do PA e cujo teor se dá por reproduzido.)
7. O Autor desempenha funções de gerência na sociedade “[SCom01...], Lda.”, anteriormente designada “[SCom02...], Limitada”, NIPC ...80, desde 08.02.2012.
(Cfr. documento n.º ..., junto com a petição inicial e cujo teor se dá por reproduzido). 8. No ano de 2012, o Autor auferiu, para além de rendimentos de natureza profissional e predial, rendimentos de trabalho por conta de outrem, pagos pela sociedade referida no ponto anterior, no valor de € 5.430,77.
(Cfr. Modelo 3 de IRS, junta a fls. 71- 78 do processo físico e cujo teor se dá por reproduzido).
9. No ano de 2013, o Autor auferiu, para além de rendimentos de natureza profissional e predial, rendimentos de trabalho por conta de outrem, pagos pela sociedade referida em 7., no valor de € 4.830,77.
(Cfr. Modelo 3 de IRS, junta a fls. 79-85 do processo físico, cujo teor se dá por reproduzido)
10. No ano de 2014, o Autor auferiu, para além de rendimentos de natureza profissional e predial, rendimentos de trabalho por conta de outrem, pagos pela sociedade referida em 7., no valor de € 3.487,60.
(Cfr. Modelo 3 de IRS, junta a fls. 86-96 do processo físico e cujo teor se dá por reproduzido).
11. Em data não concretamente apurada, a Entidade Demandada elaborou uma informação, na qual consta, para além do mais, o seguinte:
“(…).
Benef. (…) «AA»
Ao beneficiário (…) foram concedidas prestações de o Montante Único a parir 2011-0506, após aprovação por parte do IEFP de projecto para a criação do próprio emprego. Tendo sido realizada consulta em SISS verifica-se que o beneficiário acumulou o exercício da actividade para qual o projeto foi aprovado com outra actividade, normalmente remunerada como MOE a partir de 2012-0206 na entidade [SCom01...], LDA, antes do decurso de 3 anos da data de início do projeto.
(…).
Assim, envia-se para deliberação no sentido de decidir se a situação descrita deve ser considerada incumprimento injustificado do projecto aprovado (…). (…)” (Cfr. Fls. 18-19 do PA, cujo teor se dá por reproduzido).
12. Em 16.01.2015, sobre a informação referida no ponto anterior, imitiu a Chefe de Equipa de Prestações de Desemprego, parecer, de cujo teor se extrai o seguinte:
“Considera-se o incumprimento como injustificado.
Notifique-se conforme proposta
(…)” (Cfr. Fls. 19 do PA, cujo teor se dá por reproduzido.
13. Em 16.01.2015, sobre o parecer referido no ponto anterior, foi proferido pela Diretora do Núcleo de Prestações de Desemprego e Benefícios Diferidos, despacho de concordância, nos termos constantes de fls. 19 do PA, cujo teor se dá por reproduzido.


14. Em 26.01.2015, a Entidade Demandada dirigiu ao Autor ofício, sob o assunto: “Notificação”, do qual se retira, além do mais, o seguinte:
“Informa-se V. Ex.ª de que haverá lugar à restituição do valor que lhe foi pago a título de montante global das prestações de desemprego de € 18.432,60 (…), com início a 2011.05.06, se no prazo de 5 dias úteis a contar da data de receção deste ofício, não der entrada nestes serviços reposta por escrito, da qual constem elementos que possam obstar à referida restituição, juntando meios de prova se for caso disso.
Mais se informa que o fundamento para se considerarem indevidas as prestações e a consequente restituição foi o incumprimento injustificado do projeto de criação do próprio emprego antes do decurso de 3 anos a contar da data do início do projeto .Verifica-se que, de acordo com o n.º 1 e alínea b) do n.º 9 do art.º 12 da Portaria 985/2009 de 04/09, republicada pela Portaria 7131/2011 de 11/05, o posto de trabalho a criar pelo promotor tem que ser obrigatoriamente a tempo inteiro e mantido pelo prazo mínimo de 3 anos. Também segundo o n.º 3 do art.º 34 do DL n.º 64/2012 de 15/03, nas situações de criação do próprio emprego com recurso ao montante ao montante global das prestações de desemprego, os beneficiários não podem acumular o exercício dessa actividade com outra normalmente remunerada durante o período em que são obrigados a manter o posto de trabalho criado (…).
O beneficiário acumulou o exercício da actividade para qual o projeto foi aprovado, com outra actividade, normalmente remunerada a partir de 2012.02.06 na entidade [SCom01...], LDA, antes do decurso de 3 anos da data de início do projeto.
(…)” (Cfr. documento n.º ..., junto com a petição inicial e Fls. 21-22 do PA, cujo teor se dá por reproduzido).
15. Em 03.02.2015, o Autor apresentou nos serviços da Entidade Demandada, documento, intitulado: “(…) RESPOSTA A NOTIFICAÇÃO”, constante de fls. 28 a 30 do PA, cujo teor se dá por reproduzido.
16. Em 19.05.2015, a Diretora do Núcleo de Prestações de Desemprego e Benefícios Diferidos proferiu despacho, de cujo teor consta, para além do mais, o seguinte:

“Assunto: «AA» (…).
O Decreto-Lei n.º 64/2012, de 15 de março, que alterou o Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de novembro, veio estabelecer que os beneficiários não podem acumular o exercício da atividade criada com recurso ao pagamento global das prestações de desemprego (CPE – criação do próprio emprego) com outra atividade normalmente remunerada durante o período em que são obrigados a manter aquela atividade.
O n.º 1 do artigo 7.º do Decreto-Lei 64/2012, manda aplicar o disposto no artigo 34.º às relações jurídicas prestacionais constituídas ao abrigo da legislação anterior, pelo que se entende que nas situações em que se verifica acumulação de outra atividade com a atividade criada com recurso ao montante único (CPE), na análise das situações o enfoque deve ser colocado na data de início da atividade do CPE e da outra atividade.
O regime de exclusividade consagrado por aquele diploma foi um requisito que acresceu aos requisitos de emprego a tempo inteiro e do período de duração da atividade criada pelo menos 3 anos.
No caso concreto, o início de outra atividade ocorreu em 2012-02-06, depois do início da atividade do CPE, em 2011-05-06, mas antes de 01-04-2012: dado que o início da outra atividade é posterior ao início da atividade do CPE, mas anterior à entrada em vigor da norma que proíbe a cumulação das duas atividades, entende-se que a atividade em acumulação com o CPE pode manter-se desde que o CPE seja exercido a tempo inteiro. Caso o CPE não seja exercido a tempo inteiro considera-se haver incumprimento injustificado do projecto (…).
(…).
Analisada a situação em concreto e face à prova carreada no processo, verifica-se a acumulação de atividades, considera-se que há incumprimento do CPE, pelo que são indevidas as prestações pagas a título de montante único com a consequente restituição das mesmas por incumprimento injustificado do projecto – nos termos do n.º 1 do artigo 7 do Decreto-Lei 64/2012, que manda aplicar o disposto no artigo 34.º às relações jurídicas prestacionais constituídas ao abrigo da legislação anterior.
(…)”. (Cfr. Fls. 35 do PA, cujo teor se dá por reproduzido).
17. Em 26.05.2015, a Entidade Demandada remeteu ao Autor, sob o assunto:
“Notificação de Decisão”, de cujo teor se pode ler, além do mais, o seguinte:
“Serve o presente para informar V. Ex.ª, de acordo com despacho de 19/05/2015, da Sra. Diretora do Núcleo de Prestações de Desemprego e Benefícios Diferidos, foi tomada decisão de restituição do valor que lhe foi pago a título de montante global das prestações de desemprego de 18.432,60 € (…), com início em 06/05/2011.
Mais se informa que o fundamento para se considerarem indevidas as prestações e a consequente restituição, foi o incumprimento injustificado do projeto de criação do próprio emprego antes do decurso de 3 anos a contar da data do início do projeto.
Verifica-se que, de acordo como n.º 1 alínea b) do n.º 9) do art.º 12 da Portaria 985/2009 de 04/09, republicada pela Portaria 58/2011 de 28/01 e Despacho n.º 7131/2011 de 11/05, o posto de trabalho a criar pelo promotor tem que ser obrigatoriamente a tempo inteiro e mantido pelo prazo mínimo de 3 anos.
Também segundo o n.º 3 do art.º 34 do DL n.º 64/2012 de 15/03, nas situações de criação do próprio emprego com recurso ao montante global das prestações de desemprego, os beneficiários não podem acumular o exercício dessa actividade com outra normalmente remunerada, durante o período em que são obrigados a manter o posto de trabalho criado (…).
Acumulou o exercício da actividade para qual o projeto foi aprovado, com outra actividade, normalmente remunerada a partir de 06.02.2012, na entidade “[SCom01...], Lda”, antes do decurso de 3 anos da data de início do projeto.
(…)”. (Cfr. documento n.º ..., junto com a petição inicial e Fls. 37/38 do PA, cujo teor se dá por reproduzido).
18. Em 26.05.2015, a Entidade Demandada remeteu ao Autor ofício, sob o assunto: “Restituição de prestações indevidamente pagas”, do teor constante de fls.
39 do PA, cujo teor se dá por reproduzido.
*
Factos não provados
Inexistem factos não provados, com relevância para a decisão de mérito.
Motivação da decisão de facto
Na determinação do elenco dos factos provados, o Tribunal teve em consideração a posição assumida pelas partes nos respetivos articulados e formou, ainda, a sua convicção no exame e análise crítica do teor dos documentos e informações oficiais juntos com os mesmos articulados e constantes do processo administrativo apenso, conforme o especificado nos vários pontos da factualidade dada como provada.
Tais documentos não foram impugnados e, pela sua natureza e qualidade, mereceram a credibilidade do Tribunal. […]”

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IIIii - DE DIREITO

Está em causa a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que com referência ao pedido formulado pelo Autor a final da Petição inicial, no sentido da anulação do acto administrativo proferido pelo Réu Instituto da Segurança Social, IP, que decidiu pela revogação da decisão da atribuição do montante global das prestações de desemprego, e pela obrigação de restituição do montante de € 18.432,60, veio a julgar pela sua total improcedência e a absolver a entidade demandada [o Instituto da Segurança Social], do pedido contra si formulado.

Como assim dispõe o artigo 627.º, n.º 1 do CPC, as decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos, para efeitos de poderem ser evidenciadas perante o Tribunal Superior as irregularidades de que a Sentença pode enfermar [que se reportam a nulidades que afectam a Sentença do ponto de vista formal e provocam dúvidas sobre a sua autenticidade], assim como os erros de julgamento de facto e/ou de direito, que por si são resultantes de desacerto tomado pelo Tribunal na formação da sua convicção em torno da realidade factual, ou da interpretação e aplicação do direito, em termos tais que o decidido não está em correspondência com a realidade fáctica ou normativa.

Constituindo os recursos jurisdicionais os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, por via dos quais os recorrentes pretendem alterar as sentenças recorridas, nas concretas matérias que os afectem e que sejam alvo da sua sindicância, é necessário e imprescindível que no âmbito das alegações de recurso os recorrentes prossigam de forma clara e objectiva as premissas do silogismo judiciário em que se apoiou a decisão recorrida, por forma a evidenciar os erros em que a mesma incorreu.

Aqui chegados.

Cotejadas as conclusões das Alegações de recurso apresentadas pelo Recorrente, delas se extrai que a sua pretensão está ancorada, no essencial, no entendimento que prossegue de que o Tribunal a quo errou na interpretação e aplicação do direito por si convocado para efeitos de prolação da Sentença proferida, mais concretamente, do disposto no artigo 7.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 64/2012, de 15 de março, e do artigo 34.º, n.ºs 3 e 4 do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 03 de novembro [na redação introduzida pelo artigo 3.º daquele mesmo Decreto-Lei n.º 64/2012, de 15 de março], assim como do disposto no artigo 12.º, n.º 1, e n.º 9.º, alínea b) da Portaria n.º 985/2009, de 04 de setembro.

Nesse sentido, referiu que os normativos em causa não são passíveis de aplicação na sua situação de facto e de direito, e assim, de poder ser julgado que se impunha ao Recorrido o dever de reclamar de si a quantia de €18.432,60 atinente ao montante global das prestações de desemprego que lhe foram atribuídas, e tanto, pelo facto de a sua candidatura ter sido aprovada em junho de 2011, e de o posto de trabalho por si criado, atinente ao exercício da actividade de contabilista ter sido realizado e concretizado a tempo inteiro desde o respetivo deferimento e pelo respectivo período de 3 anos, e bem assim, porque a acumulação dessa actividade com outra actividade remunerada, a partir de 08 de fevereiro de 2012 na empresa [SCom01...], Ld.ª, antes do decurso de 3 anos a contar da data do início do projeto, não se mostrava incompatível, sustentando a final e em suma, que não tem aplicação ao caso concreto o disposto no Decreto-Lei n.º 64/2012, de 15 de março, em particular o vertido sob o seu artigo 7.º deste diploma legal, pese embora nele vir previsto que o mesmo se aplica às relações jurídicas prestacionais constituídas ao abrigo de legislação anterior.

Enfatizou o Recorrente [Cfr. conclusão 7 das suas Alegações de recurso], que quando começou a exercer uma outra actividade remunerada, enquanto gerente de uma sociedade comercial, em acumulação com a actividade relativa ao projecto em causa, essa sua actuação não violou a legislação vigente, e que considerar a aplicação do disposto no Decreto-Lei n.º 64/2012, de 15 de março, à situação em apreço nos autos, vai frontalmente contra o disposto no referido art.º 12.º do Código Civil, minando a confiança dos sujeitos na continuidade das suas relações jurídicas e estabilidade das mesmas.

Neste conspecto, cumpre para aqui extrair a essencialidade da fundamentação aportada pelo Tribunal a quo, como segue:

Início da transcrição
“[…]
O Autor impugna a decisão, datada de 19.05.2015, proferida pela Diretora do Núcleo de Prestações de Desemprego e Benefícios Diferidos, que lhe determinou a restituição do valor de € 18.432,60, por reparação da situação de desemprego e incentivo à criação do próprio emprego, pago de uma só vez, por entender que a mesma padece de vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito.
Vejamos
Do vício de violação de lei
Do erro nos pressupostos de direito (da não aplicação do Decreto-Lei n.º 64/2012, de 15 de março):
Sustenta o Autor que no caso em apreço, não se aplica o regime legal previsto no artigo 34.º, do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 03/11, com a redação que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 64/2012, de 15/03, não obstante, o artigo 7.º, deste último diploma legal, determinar que o mesmo se aplica às relações jurídicas prestacionais constituídas ao abrigo de legislação anterior, na medida em que, o artigo 12.º do Código Civil consagra o princípio da não retroatividade da lei.
[...]
Ora, atento ao anteriormente explanado, e pese embora o legislador não o diga expressamente, temos para nós que o legislador atribuiu natureza interpretativa às normas previstas no artigo 34.º, mais concretamente, às normas previstas nos n.ºs 3 e 4, em conformidade o disposto no artigo 13.º do CC, quando manda aplicar as sobreditas normas do artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, com a redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 64/2012, às relações jurídicas constituídas ao abrigo da legislação anterior.
Assim sendo, a redação introduzida pelo Decreto-lei n.º 64/2012 ao artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, tem aplicação ao caso sub judice.
Termos em que improcede o invocado vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito.
*
Do vício de violação de lei
Do erro nos pressupostos de facto:
Invoca o Autor que não ocorreu a violação do n.º 1, alínea b), do n.º 9.º, do artigo 12.º da Portaria 985/2009, de 04 de setembro, porquanto o posto de trabalho criado foi realizado a tempo inteiro desde o respetivo deferimento até ao presente momento, concentrando todas as suas energias na boa execução do projeto, atinente ao exercício da atividade de contabilidade, de modo a resistir à crise económica extremamente grave que se abateu sobre a Europa, com especial incidência em Portugal, tendo-se tornado sócio da empresa “[SCom01...], Lda”, anteriormente designada “[SCom02...], Lda”, com vista a angariar mais clientes, revertendo os rendimentos daí resultantes em benefício do seu gabinete de contabilidade e que apenas se tornou gerente da referida sociedade, a partir de fevereiro de 2012, na sequência de uma imposição da Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas e, ainda, gerente remunerado por imposição da própria Entidade Demandada, por ser obrigatório proceder a descontos por um valor superior ao Indexante dos Apoios Sociais, o que não se verificava nos descontos que estava a fazer como trabalhador independente, revestindo, portanto, esta remuneração, apenas um caráter formal e não factual, já que as remunerações realmente auferidas, resultam do seu trabalho como contabilista na qualidade de trabalhador independente.
E, a Entidade Demandada alega, em síntese, que o Autor estava legalmente obrigado ao exercício da sua atividade de contabilista, atividade constante do projeto pelo qual obteve incentivos do Estado, em exclusividade e por um período mínimo de 3 anos.
[...]
Temos, assim, que o fundamento subjacente à decisão sindicada, foi a acumulação do exercício da atividade criada com recurso ao projeto de criação do próprio emprego (atividade de contabilidade) (Cfr. ponto 2. da matéria fáctica assente) -, com outra atividade remunerada (exercício de funções de gerência) – (Cfr. pontos 7., 8., 9. e 10. da matéria fáctica assente) -, durante o período de três anos, ou seja, durante o período temporal em que o Autor estava obrigado a exercer, em regime de exclusividade, a atividade de contabilista (Cfr. ponto 5. da matéria fáctica assente), tendo a Entidade Demandada concluído que a conduta (acumulação de funções remuneradas) era imputável ao Autor e que inexistia da prova carreada para os autos administrativos, nomeadamente, após a notificação do Autor do projeto da decisão sindicada, qualquer justificação para a mesma (Cfr. ponto 16. da matéria fáctica assente).
Importa, pois, retirar que a Entidade Demandada demonstrou os pressupostos legais (vinculativos) da sua atuação, pelo que, caberia ao Autor apresentar prova bastante da ilegitimidade do ato impugnado, o que, adiante-se, não logrou fazer.
Na verdade, da profunda análise da matéria fáctica assente, não vislumbra o Tribunal que o incumprimento (o exercício da segunda atividade profissional, maxime, o exercício de funções de gerência) se encontre justificado.
[...]“
Fim da transcrição

Analisada a Sentença recorrida dela extraímos que a Mm.ª Juíza do Tribunal a quo julgou que a decisão proferida pelo ora Recorrido Instituto da Segurança Social, IP, não padecia de nenhuma das invalidades que lhe apontou o Autor [ora Recorrente] no ãmbito da Petição inicial, atinente à ocorrência de erro nos pressupostos de facto e de direito, por ter a mesma sido proferida com ampla cobertura do princípio da legalidade, e que não podia a Administração tomar outra decisão que não fosse o de reclamar ao Autor a integralidade dos montantes por si prestados, por não ter o Autor respeitado a obrigação que para si decorria da aprovação do projecto de criação do seu próprio emprego [e de não exercer outra actividade durante o período de 3 anos], e bem assim, porque o exercício cumulativo dessa actividade com a de gerente da sociedade comercial não se mostrou justificado em termos de ser necessário para a sua sobrevivência e do seu agregado familiar.

Mas como assim julgamos, o julgamento prosseguido pelo Tribunal a quo não pode manter-se, na medida em que está inquinado de um erro de interpretação de normas contidas no Decreto-Lei n.º 64/2012, de 15 de março [que introduziu a quarta alteração ao Decreto -Lei n.º 220/2006, de 3 de novembro, introduzida pelo Decreto Lei n.º 68/2009, de 20 de março, pela Lei n.º 5/2010, de 5 de maio, e pelo Decreto Lei n.º 72/2010, de 18 de junho].

Entre o mais, aquele diploma legal alterou o artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 03 de novembro, e aditou o artigo 34.º-A a este mesmo diploma legal [Cfr. artigos 3.º e 4.º], tendo ainda o legislador disposto em torno do início da vigência daquele Decreto-Lei n.º 64/2012, de 15 de março, no dia 01 de abril de 2012.

Por julgarmos com interesse para a decisão a proferir, para aqui extraímos aqueles normativos do Decreto-Lei n.º 64/2012, de 15 de março, como segue:

“Artigo 34.º
[...]
1 - . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
2 - . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
3 - Nas situações de criação do próprio emprego com recurso ao montante global das prestações de desemprego, os beneficiários não podem acumular o exercício dessa atividade com outra atividade normalmente remunerada durante o período em que são obrigados a manter aquela atividade.
4 - O incumprimento injustificado das obrigações decorrentes da aprovação do projeto de criação do próprio emprego ou a aplicação, ainda que parcial, das prestações para fim diferente daquele a que se destinam implica a revogação do apoio concedido, aplicando-se o regime jurídico da restituição das prestações de segurança social indevidamente pagas, sem prejuízo da responsabilidade contraordenacional ou penal a que houver lugar.
5 - Sem prejuízo das competências dos centros de emprego, os serviços de fiscalização da segurança social podem, para efeitos do número anterior, verificar o cumprimento das condições de atribuição do pagamento, por uma só vez, do montante global das prestações de desemprego.
6 - (Anterior n.º 3.)

Artigo 34.º -A
Pagamento parcial do montante único das prestações de desemprego
1 - O subsídio de desemprego ou o subsídio social de desemprego inicial a que os beneficiários tenham direito pode ser pago parcialmente de uma só vez, nos casos em que os interessados apresentem projeto de criação do próprio emprego e as despesas elegíveis não ultrapassem o valor do montante único.
2 - Na situação prevista no número anterior, continuam a ser pagas aos beneficiários as prestações de desemprego correspondentes ao remanescente do período de concessão que não foi pago de uma só vez, salvo se se verificar o enquadramento no regime dos trabalhadores por conta de outrem em que há lugar à suspensão do seu pagamento.

Artigo 7.º
Produção de efeitos
1 - O disposto nos artigos 12.º, 17.º, 20.º, 24.º, 34.º, 34.º -A, 45.º, 49.º, 60.º, 70.º, 72.º e 76.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 3 de novembro, na redação dada pelo presente decreto -lei, aplica -se às relações jurídicas prestacionais constituídas ao abrigo da legislação anterior.
[…]”

Artigo 8.º
Vigência
1 - O presente decreto-lei entra em vigor no 1.º dia do mês seguinte ao da sua publicação, salvo o disposto no número seguinte.”


Para aqui também extraímos a versão inicial do artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 03 de novembro, e que se manteve em vigor até ao dia 31 de março de 2012, como segue:

“Artigo 34.º
Montante único das prestações de desemprego
1 - O subsídio de desemprego ou o subsídio social de desemprego inicial a que os beneficiários tenham direito pode ser pago globalmente, por uma só vez, nos casos em que os interessados apresentem projecto de criação do próprio emprego.
2 - O montante global das prestações corresponde à soma dos valores mensais que seriam pagos aos beneficiários durante o período de concessão, deduzido das importâncias eventualmente já recebidas.
3 - A regulamentação do pagamento do montante global das prestações de desemprego consta de diploma próprio.”

Neste patamar, e tendo presente o que assim resulta patenteado no probatório [Cfr. pontos 1 e 5], isto é e entre o mais, de que o pedido de concessão por parte do Autor, do pagamento global das prestações de desemprego a que tem direito por via criação do próprio emprego, foi apresentado em 12 de abril de 2011 e que depois de corridos termos seja no IEFP seja no seio do Recorrido, no 01 de junho de 2011 veio a ser proposto o deferimento desse pedido, dessa concatenação resulta que nada obstava no ordenamento jurídico a que esse pedido do Autor não pudesse ser concedido.

Por sua vez, como assim resulta do ponto 7 do probatório, a partir de 08 de fevereiro de 2012, o Autor passou a desempenhar funções de gerência na sociedade [SCom01...], Ld.ª, sendo que nos 3 anos subsequentes à concessão do pagamento global das prestações de desemprego, ou seja, em 2012, 2013 e 2014, o Autor passou então a auferir rendimentos de natureza profissional [devido à criação do próprio emprego], e rendimentos de trabalho por conta de outrem [devido ao desempenho da função de gerente naquela sociedade comercial].

Ora, seja por reporte às datas em que o Autor pediu e lhe foi deferido o pagamento do montante global das prestações de desemprego [o que ocorreu dentro do 1.º semestre de 2011], seja à data em que passou a exercer a função de gerente na referida sociedade comercial, e a ser remunerado por isso, o que ocorreu no dia 08 de fevereiro de 2012, a posição jurídica do Autor, em torno do exercício cumulativo de funções remuneradas [considerando o facto de ter recebido a totalidade as prestações de desemprego] estava a coberto do disposto no artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 03 de novembro, na sua redacção inicial, que como assim deixamos extraído supra, não prescrevia a impossibilidade e/ou indisponibilidade ou proibição de poder acumular o exercício da actividade aprovada em sede da criação do próprio emprego, com qualquer outra actividade normalmente remunerada durante o período de 3 anos em que se obrigou a manter a actividade, ou seja, de 06 de maio de 2011 a 06 de fevereiro de 2014 [Cfr. o teor das informações constantes dos pontos 5 e 14 do probatório].

É certo que em 15 de março de 2012 foi publicado o Decreto-Lei n.º 64/2012, de 15 de março, que entrou em vigor no dia 01 de abril de 2012, e que entre o mais aprovou a alteração do artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 03 de novembro, e que, mantendo os normativos que dele inicialmente constavam [os actuais n.ºs 1, 2 e 6], introduziu, novatóriamente, previsão normativa expressa no sentido de que nas situações de criação do próprio emprego e em que tenha sido concedido o montante global das prestações de desemprego, os beneficiários não podem acumular o exercício dessa atividade com outra actividade normalmente remunerada durante o período em que são obrigados a manter aquela actividade, e que em caso de incumprimento injustificado das obrigações decorrentes da aprovação do projecto de criação do próprio emprego [isto é, se fosse constatada essa acumulação], seria aplicado o regime jurídico da restituição das prestações de segurança social indevidamente pagas.

Cotejados os normativos em causa [o artigo 34.º do referido Decreto-Lei, na sua versão inicial e na versão introduzida pelo Decreto-Lei n.º 64/2012, de 15 de março], é com facilidade que se constata que o legislador não atribuiu, nem quis atribuir, natureza interpretativa às normas previstas no artigo 34.º, mais concretamente, aos seus n.ºs 3 e 4, em conformidade o disposto no artigo 13.º do Código Civil, como assim julgado pelo Tribunal a quo, antes porém, regular com base em diferentes pressupostos, uma politica pública por si prosseguida para efeitos de fomentar o incentivo à criação do próprio emprego por parte de desempregados, e o seu exercício em regime de exclusividade sem possibilidade de acumulação com outra actividade normalmente remunerada.

O que o legislador veio dispor, para futuro, isto é, a partir de 01 de abril de 2012, ainda que visando também relações jurídicas prestacionais já constituídas, é que a partir dessa data, aqueles cidadãos que já tivessem visto aprovado o seu projecto [antes do dia 01 de abril de 2012] e que nesse tempo passariam a ter o direito de poder receber as prestações de desemprego, o respectivo montante global poderia serlhes concedido de uma só vez, mas parcialmente [e já não na sua totalidade], continuando a ser-lhes pagas as prestações correspondentes ao remanescente do que lhe foi atribuído mas ainda não pago, o que sempre ocorrerá até ao momento em que se complete o período de duração do projecto aprovado sem que se verifique o seu enquadramento no regime dos trabalhadores por conta de outrem, caso em que, nessa situação, há então lugar à suspensão do pagamento desse remanescente que que vinha sendo prestado.

Uma decisão administrativa como a de que tratam os autos, mina o núcleo essencial da relação jurídica administrativa estabelecida entre o Autor e a Segurança Social, já que coloca em causa a confiança e a segurança jurídica que devem necessária existir e ser preservadas.

O princípio da confiança está ínsito no princípio do Estado de direito democrático, constante do artigo 2º. da CRP, o qual [Estado de direito], conforme defendem Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, pág. 63, “… mais do que constitutivo de preceitos jurídicos, é sobretudo englobador e integrador de um amplo conjunto de regras e princípios dispersos pelo texto constitucional, que densificam a ideia da sujeição do poder a princípios e regras jurídicas, garantindo aos cidadãos liberdade, igualdade e segurança”. Ou seja, o princípio do Estado de direito democrático garante seguramente um mínimo de certeza nos direitos das pessoas e nas suas expectativas juridicamente criadas e, consequentemente, a confiança dos cidadãos e da comunidade na tutela jurídica.

Em conformidade com o que refere J. Baptista Machado, in Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1983, página 56, a certeza e segurança jurídica assentam no conhecimento prévio daquilo com que cada um pode contar para, com base em expectativas firmes, governar a sua vida e orientar a conduta, de onde se retira assim que a certeza e segurança jurídica pede que a regra de direito seja uma prescrição de carácter geral formulada com uma precisão suficiente para que os seus destinatários a possam conhecer antes de agir, actuando em conformidade com a sua previsão normativa, e sem equívocos.

Como refere Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª edição, Almedina, página 257, “O homem necessita de segurança para conduzir, planificar e conformar autónoma e responsavelmente a sua vida. Por isso, desde cedo se consideraram os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança como elementos constitutivos do Estado de direito. [...] Em geral, considera-se que a segurança jurídica está conexionada com elementos objectivos da ordem jurídica – garantia de estabilidade jurídica, segurança de orientação e realização do direito – enquanto a protecção da confiança se prende mais com as componentes subjectivas da segurança, designadamente a calculabilidade e a previsibilidade dos indivíduos em relação aos efeitos jurídicos dos actos dos poderes públicos”. E mais adiante, refere que “O princípio geral da segurança jurídica em sentido amplo (abrangendo, pois, a ideia de protecção da confiança) pode formular-se do seguinte modo: o indivíduo tem o direito de poder confiar em que aos seus actos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições ou relações jurídicas alicerçados em normas jurídicas vigentes e válidas se ligam os efeitos jurídicos previstos e prescritos no ordenamento jurídico.

Ou seja, as normas em causa aprovadas pelo Decreto-Lei n.º 64/2012, de 03 de novembro, são aplicáveis a situações como a do Autor, mas já não quando à data da sua entrada em vigor [em 01 de abril de 2012], o Autor vinha já prosseguindo na realização de actividades licitamente constituídas, num tempo em que lhe era legítimo assim pensar e executar, na decorrência da lei pré-vigente.

De outro modo, se até à data de 31 de março de 2012 o Autor apenas tivesse visto aprovado o seu projecto de criação do seu próprio emprego, e nessa medida tivesse feito constar desse seu projecto que iria aplicar a totalidade das prestações de desemprego a que tinha direito, julgamos até que lhe assistiria o direito de formular esse pedido e de o ver deferido [se assim estivesse enunciado no seu projecto de criação de emprego, sob pena de poder implicar o fracasso do projecto por si delineado], mas já não o direito de poder acumular o próprio emprego por si criado, com uma outra actividade normalmente remunerada.

Como assim julgamos, a alteração legislativa introduzida pelo Decreto-lei n.º 64/2012, de 15 de março, veio alterar o paradigma fixado pelo legislador desde o Decreto-Lei n.º 220/2006, de 03 de novembro [e que se manteve inalterado por cerca de 6 anos], ao dispor, em suma, por um lado, pela concessão parcial [e não na totalidade] das prestações de desemprego, e por outro, pela impossibilidade de poder ser acumulada uma actividade normalmente remunerada, durante o período em que o proponente está obrigado a manter a actividade proposta em sede da criação do próprio emprego.

Ou seja, e como assim julgamos, o legislador quis observar a garantia e o respeito pelo princípio da segurança nas relações jurídicas, e também o respeito pela protecção da confiança por parte do Autor face a norma futura, quanto a uma situação de facto e de direito já constituída na sua esfera jurídica e na relação estabelecida com a Administração.

Como assim veio a dispôr o legislador por via do aditamento do artigo 34.º-A, continuou a ser possível o pagamento [ainda que apenas parcialmente, de uma só vez], do subsídio de desemprego ou o subsídio social de desemprego inicial a que os beneficiários tenham direito, nos casos em que os interessados apresentem projeto de criação do próprio emprego, continuando a ser pagas aos beneficiários as prestações de desemprego correspondentes ao remanescente do período de concessão que não foi pago, estabelecendo o legislador que tal deixará de ser feito quando se verificar o enquadramento dos beneficiários no regime dos trabalhadores por conta de outrem, ou seja, quando passem a exercer outra actividade normalmente remunerada, tempo em que em que há lugar à suspensão do seu pagamento.

Neste conspecto, por julgarmos com interesse para a decisão a proferir, para aqui extraímos parte do Acórdão n.º 594/2003, proferido pelo Tribunal Constitucional no
Processo n.º 745/00, em 03 de dezembro de 2003 [disponível em www.tribunalconstitucional.pt], como segue:

Início da transcrição
“[...]
Na sua vertente de Estado de direito, o princípio do Estado de direito democrático – nas palavras de Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, cit., p. 63) – “mais do que constitutivo de preceitos jurídicos, é sobretudo englobador e integrador de um amplo conjunto de regras e princípios dispersos pelo texto constitucional, que densificam a ideia da sujeição do poder a princípios e regras jurídicas, garantindo aos cidadãos liberdade, igualdade e segurança”.
De acordo com a jurisprudência da Comissão Constitucional, o princípio do Estado de direito democrático “garante seguramente um mínimo de certeza nos direitos das pessoas e nas suas expectativas juridicamente criadas e, consequentemente, a confiança dos cidadãos e da comunidade na tutela jurídica” (Parecer n.º 14/82, Pareceres da Comissão Constitucional, 19º vol., p. 183 ss).
Por sua vez, o princípio da segurança jurídica, implicado no princípio do Estado de direito democrático, abrange duas ideias nucleares (Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 6ª ed., Coimbra, 1993, p. 380): a de estabilidade, no sentido de que as decisões estaduais, incluindo as leis, “não devem poder ser arbitrariamente modificadas, sendo apenas razoável a alteração das mesmas quando ocorram pressupostos materiais particularmente relevantes”; e a de previsibilidade, “que, fundamentalmente, se reconduz à exigência de certeza e calculabilidade, por parte dos cidadãos, em relação aos efeitos jurídicos dos actos normativos”.
A realização do princípio do Estado de direito, no quadro da Constituição, exige portanto que seja assegurado um certo grau de calculabilidade e previsibilidade dos cidadãos sobre as suas situações jurídicas, ou seja, exige a garantia da confiança na actuação dos entes públicos.
Assim, o princípio da protecção da confiança e segurança jurídica pressupõe um mínimo de previsibilidade em relação aos actos do poder, de modo que cada pessoa possa ver garantida a continuidade das relações em que intervém e dos efeitos jurídicos dos actos que pratica. Nestes termos, e em regra, as pessoas têm o direito de poder confiar que as decisões sobre os seus direitos ou relações jurídicas tenham os efeitos previstos nas normas que os regulam.
[...]“
Fim da transcrição

Na situação em apreço nos autos, a interpretação do disposto pelo artigo 7.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 64/2012, de 15 de março, como assim foi tirada pelo Tribunal a quo, no sentido de que o Autor ora Recorrente se tem de ter por enquadrado sob esse regime jurídico superveniente quer à apresentação do seu projecto de criação de emprego, quer ao pedido que apresentou de pagamento do montante global das prestações de desemprego, quer ainda à data em que passou a acumular o exercicio do emprego por si criado com a gerência de uma sociedade comercial, contende com tais princípios.

Efectivamente, no âmbito da relação jurídica administrativa estabelecida entre o Autor e a Segurança Social [e também com o IEFP], assiste-lhe o direito, por um lado, de não ver frustradas as legítimas expectativas jurídicas formadas com a aprovação do seu projecto e bem assim como o deferimento do seu pedido de pagamento do montante global das prestações de desemprego, e por outro, de que o regime jurídico se mantenha pelo menos quanto ao âmbito dos actos já concretizados no domínio dessa relação jurídica, que a bem dizer, se resumiria à observância pelo respeito do prazo de 3 anos.

Essa expectativa é uma verdadeira expectativa jurídica, e não uma mera expectativa de facto, porquanto merece a tutela da ordem jurídica, em conformidade com o disposto no artigo 12.º do Código Civil, sendo que a decisão da Segurança Social veio a traduzir-se na lesão intolerável das expectativas do Autor ora Recorrente, pois que quando iniciou funções na sociedade comercial não podia, com razoabilidade, contar com a decisão impugnada, que se revela excessiva, e sem critério legal de base, desde logo, porque assim não foi disciplinado pelo legislador.

Conforme apreciado e decidido pelo Acórdão n.º 287/90 do Tribunal Constitucional, proferido em 30 de outubro de 1990 no Processo n.º 309/88, “[…] a jurisprudência constante deste Tribunal tem-se pronunciado no sentido de que «apenas uma retroactividade intolerável, que afecte de forma inadmissível e arbitrária os direitos e expectativas legitimamente fundados dos cidadãos, viola o princípio de protecção da confiança, ínsito na ideia do Estado de direito democrático» (cfr. o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 11/83, de 12 de Outubro de 1982, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 1.º Vol., pp. 11 e segs.; no mesmo sentido se havia já pronunciado a Comissão Constitucional, no Acórdão n.º 463, de 13 de Janeiro de 1983, publicado no Apêndice ao Diário da República de 23 de Agosto de 1983, p. 133 e no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 314, p. 141, e se continuou a pronunciar o Tribunal Constitucional, designadamente através dos Acórdãos n.ºs 17/84 e 86/84, publicados nos 2.º e 4.º Vols. dos Acórdãos do Tribunal Constitucional, a pp. 375 e segs. e 81 e segs., respectivamente). […] Em que se traduz esta «inadmissibilidade, arbitrariedade ou onerosidade excessiva»- A ideia geral de inadmissibilidade poderá ser aferida, nomeadamente, pelos dois seguintes critérios:
a) afectação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não possam contar; e ainda
b) quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes (deve recorrerse, aqui, ao princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição, desde a 1.ª revisão).
Pelo primeiro critério, a afectação de expectativas será extraordinariamente onerosa. Pelo segundo, que deve acrescer ao primeiro, essa onerosidade torna-se excessiva, inadmissível ou intolerável, porque injustificada ou arbitrária.



Os dois critérios completam-se, como é, de resto, sugerido pelo regime dos n.ºs 2 e 3 do artigo 18.º da Constituição. Para julgar da existência de excesso na «onerosidade», isto é, na frustração forçada de expectativas, é necessário averiguar se o interesse geral que presidia à mudança do regime legal deve prevalecer sobre o interesse individual sacrificado, na hipótese reforçado pelo interesse na previsibilidade de vida jurídica, também necessariamente sacrificado pela mudança. Na falta de tal interesse do legislador ou da sua suficiente relevância segundo a Constituição, deve considerar-se arbitrário o sacrifício e excessiva a frustração de expectativas.
[…]”

À luz do direito, não é assim admissível a interpretação prosseguida pelo Tribunal a quo, segundo a qual, face ao disposto no referido artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 64/2012, de 15 de março, essa previsão normativa tenha eficácia quanto a situações já constituídas ao abrigo de legislação anterior, na medida em que, permitiria uma retroactividade inadmissível, arbitrária ou demasiadamente onerosa das alterações legislativas visando o regime jurídico de protecção social da eventualidade de desemprego dos trabalhadores por conta de outrem, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 220/2006, de 03 de novembro [tempus regit actum, com as alterações introduzidas ela Declaração de Rectificação n.º 85/2006; Decreto-Lei n.º 68/2009; Lei n.º 5/2010; Decreto-Lei n.º 72/2010; Decreto-Lei n.º 64/2012; Declaração de Retificação n.º 23/2012; Lei n.º 66-B/2012; Decreto-Lei n.º 13/2013; Decreto-Lei n.º 167-E/2013; e pela Lei n.º 83-C/2013].

Do exposto para enfatizar que o princípio da confiança foi violado pela Segurança Social, IP, havendo o direito à não frustração das expectativas do Autor, que assim foram fixadas ao abrigo de um regime jurídico que não proibia, ainda que de forma implícita, a acumulação de empregos, contendendo assim a decisão da Administração numa lesão intolerável das suas expectativas [do Autor ora Recorrente], na medida em que as mesmas saem afectadas em termos que lhe são desfavoráveis, pois que aquando da apresentação da sua candidatura e bem assim do pedido de concessão do montante global das prestações de desemprego, não podia supor com razoabilidade, até por inexistência de norma legal de tanto impeditivo, que teria de exercer o emprego por si criado em regime de absoluta exclusividade, sem que pudesse, no seu tempo livre e/ou no fim de semana, por exemplo, exercer uma qualquer outra função remunerada, com o que se julga ter sido proferido um acto administrativo injustificado e arbitrário.

Face ao julgamento alcançado supra, sendo legítima a actuação do Autor ora Recorrente no sentido da acumulação de outra actividade com a originada pela criação do próprio emprego, resulta objectivamente prejudicada a apreciação da violação do invocado artigo 12.º, n.ºs 1 e 9, alínea b) da Portaria n.º 985/2009, de 04 de setembro, pois que o Instituto da Segurança Social, IP, não decidiu que o Autor tenha incumprido o prazo de 3 anos, antes porém e apenas, que o posto de trabalho criado tinha de ser efectuado a tempo inteiro [em regime de exclusividade] e mantido pelo prazo de 3 anos.

Termos em que, face ao que deixamos expendido supra, o Tribunal tendo o Tribunal a quo incorrido em erro na interpretação e aplicação do direito, a solução jurídica a que chegou não pode manter-se, sendo merecedora da censura jurídica que lhe dirige o Recorrente.

Em suma, a pretensão recursiva da Recorrente tem assim, forçosamente, de proceder, pelo facto de o acto administrativo constante da notificação de que foi alvo, atinente à decisão datada de 19 de maio de 2015, gerada na relação jurídica estabelecida com a Segurança Social, IP, padecer das invalidades que lhe imputa o Autor ora Recorrente na Petição inicial, razão por que a Sentença recorrida tem de ser revogada e em substituição, ser julgado procedente o pedido, anulando assim a decisão do Réu ora Recorrido por via do qual decidiu pela revogação da atribuição do montante global das prestações de desemprego, e pela obrigação de restituição do montante de € 18.432,60.



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E assim formulamos as seguintes CONCLUSÕES/SUMÁRIO:

Descritores: Segurança Social; Criação do próprio emprego; Pedido de pagamento do montante global das prestações de desemprego; Acumulação com actividade remunerada; Revogação e restituição; Princípios da confiança e da segurança jurídica; Decreto-Lei n.º 64/2012, de 15 de março.

1 - No dia 15 de março de 2012 foi publicado o Decreto-Lei n.º 64/2012, de 15 de março, que entrou em vigor no dia 01 de abril de 2012, e que entre o mais aprovou a alteração do artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 220/2006, de 03 de novembro, e que, mantendo os normativos que dele inicialmente constavam [os actuais n.ºs 1, 2 e 6], introduziu, novatóriamente, previsão normativa expressa no sentido de que nas situações de criação do próprio emprego e em que tenha sido concedido o montante global das prestações de desemprego, os beneficiários não podem acumular o exercício dessa actividade com outra actividade normalmente remunerada durante o período em que são obrigados a manter aquela actividade, e que em caso de incumprimento injustificado das obrigações decorrentes da aprovação do projecto de criação do próprio emprego [isto é, se fosse constatada essa acumulação], seria aplicado o regime jurídico da restituição das prestações de segurança social indevidamente pagas.

2 - Cotejados os normativos em causa [o artigo 34.º do referido Decreto-Lei, na sua versão inicial e na versão introduzida pelo Decreto-Lei n.º 64/2012, de 15 de março], é com facilidade que se constata que o legislador não atribuiu, nem quis atribuir, natureza interpretativa às normas previstas no artigo 34.º, mais concretamente, aos seus n.ºs 3 e 4, em conformidade o disposto no artigo 13.º do Código Civil, como assim julgado pelo Tribunal a quo, antes porém, regular com base em diferentes pressupostos, uma politica pública por si prosseguida para efeitos de fomentar o incentivo à criação do próprio emprego por parte de desempregados, e o seu exercício em regime de exclusividade sem possibilidade de acumulação com outra actividade normalmente remunerada.

3 - A certeza e segurança jurídica assentam no conhecimento prévio daquilo com que cada um pode contar para, com base em expectativas firmes, governar a sua vida e orientar a conduta, de onde se retira assim que a certeza e segurança jurídica pede que a regra de direito seja uma prescrição de carácter geral formulada com uma precisão suficiente para que os seus destinatários a possam conhecer antes de agir, actuando em conformidade com a sua previsão normativa, e sem equívocos.

4 - À luz do direito, não é admissível a interpretação prosseguida pelo Tribunal a quo, segundo a qual, face ao disposto no referido artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 64/2012, de 15 de março, essa previsão normativa tenha eficácia quanto a situações já constituídas ao abrigo de legislação anterior, na medida em que permitiria uma retroactividade inadmissível, arbitrária ou demasiadamente onerosa das alterações legislativas, visando o regime jurídico de protecção social da eventualidade de desemprego dos trabalhadores por conta de outrem, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 220/2006, de 03 de novembro, quando à data da sua entrada em vigor [em 01 de abril de 2012], o Autor vinha já prosseguindo na realização de actividades licitamente constituídas, num tempo em que lhe era legítimo assim pensar e executar, na decorrência da lei pré-vigente.


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IV – DECISÃO

Nestes termos, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, os juízes da Subsecção Administrativa Social da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, Acordam em conferência:

A) em CONCEDER PROVIMENTO ao recurso interposto pelo Recorrente «AA»;
B) em revogar a Sentença recorrida; e em
C) julgar procedente o pedido deduzido na Petição inicial.

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Custas a cargo do Recorrido – Cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.

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Notifique.
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Porto, 19 de abril de 2024.

Paulo Ferreira de Magalhães, relator
Rogério Martins
Isabel Costa