Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00786/10.4BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/16/2025
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:PAULA MOURA TEIXEIRA
Descritores:IRC;
PRINCÍPIO DA ESPECIALIZAÇÃO DE EXERCÍCIOS;
Sumário:
I. O princípio da especialização dos exercícios encontra-se consagrado no artigo 18.º do CIRC e tem uma densidade vinculativa elevada, não tolerando, fora dos casos expressamente consignados na lei, qualquer margem de manobra do contribuinte na afetação temporal dos movimentos económico-financeiros da empresa, devendo, no entanto, ser sopesado com os demais princípios constitucionais basilares, mormente, da justiça.

II. Nos termos do artigo 18.º do CIRC, os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica (n.º 1) e as componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores só são imputáveis ao período de tributação quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas (n.º 2).

III. Numa situação em que os “custos diferidos” levados à contabilidade em 2007 decorrem de desconto operado em cessão de exploração por conta das responsabilidades laborais que são transferidas para a cessionária por força de contrato celebrado em 2003, os mesmos violam aquele princípio.

IV. A prevalência do princípio da justiça sobre o princípio da especialização dos exercícios pressupõe que, cumulativamente, esteja apurado que do afastamento daquele último não resulte prejuízo para o erário público e que o erro cometido na contabilização dos proveitos e/ou custos não resultou de omissões voluntárias ou intencionais, com vista a operar transferências de resultados entre exercícios.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
A Recorrente AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA interpôs recurso da sentença que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade [SCom01...], SA., com NIPC ...79, relativa à liquidação de IRC, do ano de 2007, no montante de € 42 167,01 e juros Compensatórios.

A Recorrente formulou nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:
“(…)
A. Salvo o devido respeito, entende a Fazenda Pública que a sentença recorrida padece de erro de julgamento quanto à matéria de facto, quando não aprecia factos dados como provados relativamente às especificidades do contrato de cessão de exploração,
B. e quanto ao direito, por errada interpretação do conceito de especialização do exercício, mormente as normas previstas nos n.º (s) 1 e 5 do artigo 18.º do CIRC.
C. Dos factos dados como provados, ficou assente que o contrato de cessão de exploração previa a transmissão de stocks ligados à actividade de manutenção e comércio de automóveis.
D. Previa também, que ao valor dos stocks seria deduzido o montante de € 1.585.990,00 correspondente ao custo pela transferência para a cessionária da responsabilidade por eventuais despedimentos dos trabalhadores caso a operação de cessão de exploração não se concretizasse.
E. Em paralelo, e de modo independente, a [SCom01...] e a cessionária acordaram o pagamento de uma renda variável, correspondente a 35% dos resultados líquidos antes de impostos da exploração do novo estabelecimento.
F. Relacionar o custo com o pessoal aqui dirimido e os proveitos obtidos com a renda obtida pela [SCom01...], é condição necessária para admitir a sua dedutibilidade para efeitos fiscais nos termos do artigo 23.º do CIRC.
G. Temos então um custo com o pessoal [correspondente à transferência de responsabilidade para a cessionária de eventuais encargos com o despedimento dos trabalhadores caso a operação de cessão de exploração não se concretizasse] que se verificou no ano de 2003.
H. De acordo com o princípio da especialização dos exercícios, previsto no n.º 1 do artigo 18.º do CIVA, os proveitos e custos são obrigatoriamente reconhecidos no exercício económico em que são obtidos e/ou suportados.
I. O princípio da especialização dos exercícios, adapta-se à realidade económica da continuidade da actividade empresarial através do principio da solidariedade dos exercícios, que ganha forma através do reporte de prejuízos.
J. O n.º 5 do artigo 18.º do CIRC aplica-se às actividades cujo ciclo de produção/construção ultrapassa um exercício económico pelo que, grosso modo, serão determinados os custos/proveitos de cada período de tributação segundo graus de acabamento efectivo.
K. Uma vez mais, o cuidado do legislador foi tributar o lucro real e efectivo, ajustando o CIRC às situações que pelas suas especificidades necessitam que haja um cuidado especial na determinação dos proveitos/custos referente a cada exercício económico.
L. No caso em apreço, trata-se de um contrato de cessão de exploração, em que na data da sua celebração foi determinado um valor [diferença entre o valor dos stocks e o valor dos custos com o pessoal] e, durante a vigência do contrato, foi acordado o pagamento de uma renda variável.
M. As variáveis do negócio [preço da transmissão de stocks de deduzido do custo com o pessoal e o valor da renda] são totalmente independentes, pelo que deverão ser registadas e consideradas para efeitos contabilísticos e fiscais à luz do princípio da especialização dos exercícios previsto no n.º 1 do artigo 18.º do CIRC.
N. Quando o tribunal a quo, decide submeter o contrato de cessão de exploração às condicionantes de uma actividade plurianual e deste modo admitir a periodização dos custos com o pessoal, no pressuposto de que a actividade económica não é estanque,
O. faz uma errada interpretação dos factos à luz do direito pois, (i) a comunicabilidade entre os vários exercícios em que actividade de uma empresa se processa é alcançada por via do princípio da solidariedade dos exercícios [reporte de prejuízos], (ii) e o contrato de cessão de exploração não se enquadra no conceito de actividades de carácter plurianual.
P. Ficou ainda assente [ponto 10, 28 e 29 do probatório] que a actividade da [SCom01...], a partir de 2003, passou a estar ligada em exclusivo ao comércio de combustíveis.
Q. Este facto [alteração substancial da natureza da actividade] tem relevância para efeitos fiscais pois, se o custo com o pessoal só era passível de ser deduzido no exercício de 2003, o prejuízo fiscal que daí adviesse, não era dedutível nos termos do n.º 8 do artigo 47.º do CIRC [versão à data dos factos].

Termos em que,
deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, julgando-se impugnação improcedente. (…)”

A Recorrida apresentou contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:
I. No essencial, o que está em causa nos presentes autos é o facto de não terem sido aceites, pela Administração Fiscal, os custos contabilizados pela impugnante por se ter considerado que a mesma não respeitou o princípio da especialização de exercícios.
II. Sucede que, conforme a impugnante logrou demonstrar, os custos em causa, que se prendiam com um contrato de cessão de exploração celebrado e junto aos autos, foram considerados essenciais para assegurar a continuidade dos seus proveitos ligados à exploração automóvel através da renda que passaria a auferir da cessionária (cfr. Ponto .41. e .43. da matéria de facto dada como provada).
III. Dando-se por reproduzida a matéria de facto dada como provada, importa apenas realçar alguns factos da mesma, essenciais à decisão proferida:
ü 10. A partir de 2003 a actividade da impugnante mudou em relação aos anos anteriores, em resultado de uma cessão de exploração da representação da marca « X » para uma empresa sua participada (...).
ü 31. O contrato de cessão teve na sua génese uma alteração da legislação comunitária relativa ao sector automóvel, especificamente denominado Regulamento de Isenção, de 31 de Julho de 2002.
ü 32. Aquela regulamentação determimou que a « X » definisse uma estratégia de reorganização comercial e jurídica da distribuição automóvel.
ü 33. As novas regras então impostas pela « X » implicavam a existência de apenas um concessionário de grande dimensão e influência geográfica, a designar por "Plataforma « X »".
ü 34. A perda de concessão implicaria a cessação da actividade de comércio e manutenção automóvel, com o correspondente despedimento do pessoal a ele afecta e, consequentemente, a necessidade de suportar as respectivas indemnizações por despedimento.
ü 35. O total das indemnizações por despedimento que teria de suportar pela cessação da representação da marca « X » estimou-se entre € 1.535.927,83 e € 2.047.903,77, conforme cálculos então efectuados, por empresa consultora.
ü 36. A impugnante constituiu uma nova sociedade - a [SCom02...] - em associação com outras empresas, capaz de cumprir os requisitos para ser qualificada de "plataforma" « X ».
ü 37. Para a concretização desta estratégia empresarial, a impugnante cedia a exploração e manutenção do comércio automóvel, evitando as indemnizações por despedimentos, e auferiria uma renda pela cedência de exploração, que era contrapartida da cedência de espaços e do seu Know-how.
ü 38. Foi para conseguir manter-se em funcionamento que a impugnante celebrou o contrato de cedência de exploração acima referido.
ü 40. Com o contrato de cessão de exploração a impugnante transferiu a responsabilidade por indemnizações por despedimentos para a cessionário.
ü 41. O montante da compensação dos direitos dos trabalhadores, fixado naquela quantia de € 1.585.990,22 representa a contrapartida pela transferência da responsabilidade por eventuais despedimentos, mas traduz também o esforço económico da impugnante para garantir os postos de trabalho e que a cessionária tivesse condições de dimensão e financeiras para garantir a "plataforma" da « X » e, consequentemente, assegurar a continuidade dos seus proveitos ligados à exploração automóvel através da renda que passaria a auferir da concessionária.
ü 42. O facto da compensação dos direitos dos trabalhadores ter sido designado por "desconto" deve-se a uma questão operacional de tratamento em conta corrente.
ü 43. A compensação dos direitos dos trabalhadores ou "desconto" como foi tratado em termos de conta corrente tem uma natureza plurianual pois foi necessário suportá-la para garantir proveitos da renda de cessão de explicação a obter durante a vigência do contrato.
ü 44. Em 2008.12.10 a impugnante dirigiu uma carta à cessionário a solicitar a anulação do valor ainda em dívida, por se ter verificando que "grande parte dos trabalhadores que constam da listagem então elaborada deixou já de fazer parte da esfera de responsabilidades das empresas do grupo. Assim sendo e à luz do espirito que norteou o calculo das responsabilidades futuras com eventuais indemnizações para despedimentos forçados, resultantes da absorção do pessoal que a cessionária assumiu, entendemos que a divida nesta altura existente (646.408,90) deveria ser reavaliada."
ü 45. Na sequência da reavaliação da situação então efectuada, a impugnante anulou aquela importância de € 646.408,90 que ainda constava de "custos diferidos" a repartir por exercícios futuros.
IV. Verifica-se existir uma questão que deverá ser explicitada no âmbito da matéria de facto dada como provada, o que se requer, e que se trata da aparente contradição entre o ponto 6 da matéria de facto dada como provada e o ponto 41, bem como o terceiro e quarto parágrafos de fls. 27 da sentença proferida.
V. Com efeito, no ponto 6 da matéria de facto dada como provada deverá acrescentar-se a expressão "directa" a seguir à segunda vez que aparece a palavra actividade, porque, conforme consta do ponto 41 da matéria de facto dada como provada, bem como sobejamente demonstrado a fls. 27, ficou demonstrado que a impugnante continua a exercer a actividade da exploração automóvel, e a declarar proveitos relacionados com a mesma, que regista na conta 72.
VI. A recorrente invoca que a douta sentença recorrida padece de erro de julgamento, requerendo a respectiva revogação, não podendo a impugnante concordar com tal pretensão.
VII. Invoca, em primeiro lugar, a recorrente que o valor em causa nos presentes autos foi "deduzido de imediato ao valor de venda dos stocks", sendo certo que não faz sentido a tese da impugnante de que tal "desconto" estaria ligado à continuidade da impugnante e à possibilidade de obter os proveitos auferidos pela cessão de exploração.
VIII. No entanto, se atendermos à douta sentença proferida, e designadamente à matéria de facto dada como provada, tal facto resulta evidente.
IX. Foi para "conseguir manter-se em funcionamento que a impugnante celebrou o contrato de cedência de exploração" (ponto 38), sendo certo que o montante de € 1.585.990,22 tinha "como objectivo (...) a compensação dos direitos dos trabalhadores", mas também "traduz o esforço económico da impugnante para garantir os postos de trabalho e (..) assegurar a continuidade dos seus proveitos ligados à exploração automóvel através da renda que passaria a auferir da concessionária" (pontos 39 e 41).
X. Mais: "O facto da compensação dos direitos dos trabalhadores ter sido designado por "desconto" deve-se a uma questão operacional de tratamento em conta corrente" (ponto 42).
XI. E a demonstração de que não se tratou de um puro e simples desconto foi precisamente o facto de, em 2008, ter ocorrido uma reavaliação da situação por ter ocorrido a reforma de grande parte dos trabalhadores, e a impugnante, em atitude de clara boa fé e verdade, ter anulado os custos que ainda lhe faltava repartir por exercícios futuros (pontos 44 e 45).
XII. Na verdade, é preciso não esquecer que os despedimentos que conduziram à contabilização como custo do valor em causa seriam de elevadíssimo valor, atendendo a que se tratava de trabalhadores com "dezenas de anos de trabalho na empresa" (vd. § 7 de fls. 25 da sentença) e que o valor do custo foi devidamente calculado por entidade externa à empresa, e demonstrado perante o Tribunal (vd. Ponto 35).
XIII. Mais: ficou demonstrado que, caso a empresa não tivesse optado pela estratégia que adoptou teria perdido a concessão que detinha, o que conduziria ao despedimento e consequente indemnização do pessoal a ela afecta (ponto 34).
XIV. Por esse motivo, não se pode aceitar que o raciocínio feito pelo Tribunal a quo não tenha "qualquer aderência com a realidade", como pretende a recorrente - pelo contrário; o Tribunal a quo soube interpretar devidamente a realidade, para além da designação meramente contabilística, e entender que ou a empresa agia da maneira que agiu, e teria a continuação da actividade, a manutenção dos postos de trabalho e continuaria a ter actividade contributiva, ou se conformaria com a realidade de não ter a dimensão requerida pela « X » e fecharia as suas portas - aí sim, só com prejuízos e sem qualquer proveito a ser tributado, atendendo aos elevadíssimos demonstrados custos com as indemnizações do pessoal.
XV. Por tudo isto, ao contrário do que pretende a recorrente, não é de todo estranho que a impugnante tenha entendido que a transferência dos custos com o pessoal teria uma natureza plurianual, posto que tal transferência nada tem que ver com a transferência de stocks, essa sim, circunscrita no tempo.
XVI. E tanto é assim que o valor inicial de tal transferência sofreu ajustamentos alguns anos depois, precisamente tendo em conta as reformas e alterações aos contratos de trabalho que entretanto ocorreram.
XVII. Claro que o custo com o pessoal, em caso de encerramento da empresa, seria do exercício de 2003, sem possibilidade de diferimento, até porque a empresa não teria mais proveitos.
XVIII. Verifica-se que a compensação dos direitos dos trabalhadores tem uma natureza plurianual, pois foi necessário suportá-la para garantir proveitos de renda de cessão de exploração a obter durante e vigência do contrato, o que não sucederia se a impugnante tivesse suportado o efectivo despedimentos dos seus trabalhadores e encerramento da actividade.
XIX. Mas não, suportou tal custo transferindo as suas responsabilidades por despedimentos e garantiu a manutenção dos proveitos nos exercícios seguintes, materializados na renda de exploração a pagar pela cessionária durante a vigência do contrato•
XX. De facto, a impugnante continuou a registar proveitos decorrentes da exploração automóvel, agora auferidos indirectamente a título de rendas de cessão de exploração, conforme consta da matéria de facto dada como provada.
XXI. A actividade económica não é estanque em cada exercício e, por isso, o nº 5 do artº 18º do CIRC prevê que "os proveitos e custos de actividades de carácter plurianual podem ser periodizados tendo em consideração o ciclo de produção ou o tempo de construção".
XXII. O legislador dá-nos exemplos de custos, que embora suportados num exercício, devem ser repartidos por mais que um, já que o seu efeito económico está estritamente ligado à obtenção dos proveitos futuros.
XXIII. Tal é o caso, por exemplo, de urna campanha publicitária, cujo custo seja repartido durante um período mínimo de três anos - o que determina tal entendimento é o facto de esse custo ter uma relação directa com os proveitos (vendas) que vai originar nos exercícios futuros e que com eles deve balancear
XXIV. Isto mesmo é dito no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, processo 0075/05, de 27-02-2007, que reconhece a existência de custos plurianuais e nos quais a Administração fiscal impor a sua repartição por diferentes exercícios.
XXV. A compensação dos direitos dos trabalhadores, aqui em questão, é um custo suportado pela impugnante que lhe permitiu garantir os proveitos a registar nos exercícios seguintes provenientes das rendas da cessão de exploração, conforme o Mmo. Juiz a quo entendeu na douta sentença recorrida, e considerou provado atendendo à prova produzida em sede de inquirição de testemunhas.
XXVI. Só a consideração daquele custo em mais do que um exercício, permite a correcta aplicação do princípio da especialização no bom entendimento que lhe é dado pelo n2 4 do artigo 172 do Decreto Regulamentar 2/90.
XXVII. Se a impugnante tivesse registado o total num só exercício, estaria a desrespeitar aquele normativo, que impõe que devem ser considerados como custos em mais do que um exercício, as despesas ou encargos de projecção económica plurianual.
XXVIII. Aliás, ao não registar num só exercício o valor total em causa, era convicção da impugnante que estava a proceder não só em conformidade com o disposto no Código do IRC e no Decreto Regulamentar nº 2/90, mas também em sintonia com o entendimento da Administração nesta matéria, como se depreende do acórdão acima transcrito.
XXIX. Sendo certo que, se tivesse registado a totalidade da verba nos "custos" de 2003, teria procedido erradamente, já que posteriormente, em 2009, parte do montante inicialmente calculado foi anulado e, por isso, nunca foi registado nos custos da impugnante.
XXX. Ou seja, o registo num só exercício era definitivamente indevido pois se a verba em causa era devida para a manutenção de proveitos futuros e, fundamentalmente, pela transferência de responsabilidades por eventuais despedimentos, naturalmente que se a concessionária não fosse obrigada a efectuar despedimentos, o montante das responsabilidades iria diminuir à medida que os trabalhadores se fossem reformando ou mudassem de emprego.
XXXI. Consequentemente, o montante inicialmente suportado pela impugnante deveria posteriormente ser reavaliado, e de facto foi, o que foi dado como provado.
XXXII. Com efeito, em face do desenvolvimento dos negócios, que o contrato de cessão pretendia manter, e o mais que certo alargamento do prazo de duração do contrato de cessão de exploração, foram recalculados em 2005, e diminuídos, os valores anuais correspondentes ao novo período estimado de vida do acordo de cessão de exploração.
XXXIII. Sem prescindir, e ainda que se entendesse que o recorrente poderia ter razão na questão em causa no presente recurso, o que por mero dever de patrocínio se admite, ainda assim nenhuma correcção à matéria colectável era devida, ao contrário do que sustenta o relatório de inspecção.
XXXIV. Na verdade, os custos do ano de 2003 sempre poderiam ser deduzidos aos lucros tributáveis dos exercícios posteriores, porquanto, ao contrário do que pretende o recorrente, e como ficou demonstrado da matéria de facto dada como provada, a impugnante continua a exercer, agora de modo indirecto através da cessionária do contrato de exploração, a actividade automóvel; e mantém a actividade que sempre exerceu de "comércio a retalho de combustível".
XXXV. E, por isso a impugnante continua a registar proveitos provenientes das mesmas actividades (vd. Ponto 41 da matéria de facto dada como provada e § 3 da pág. 27 da sentença), sendo que apenas houve uma inversão entre actividade principal e 2 (secundária.
XXXVI. O n.º8 do artigo 47º limitava o reporte de prejuízos se "à data do termo do período de tributação em que é efectuada a dedução, que, em relação àquele a que respeitam os prejuízos, foi modificado o objecto social da entidade a que respeita ou alterada, de forma substancial, a natureza da actividade anteriormente exercida.
XXXVII. Esta limitação no reporte de prejuízos é uma norma anti-abuso e "tem subjacente a vontade do legislador em evitar a prática de compra e venda de sociedades com prejuízos fiscais em reporte, com a finalidade de aproveitamento desses prejuízos", como bem refere a Informação vinculativa da Administração fiscal, relativa ao processo 2370/2006.
XXXVIII. Ora, no caso em apreço, a impugnante não "negociou" os seus prejuízos através da transmissão da sua propriedade nem houve início de uma nova actividade que viesse aproveitar os prejuízos gerados anteriormente em actividade distinta, conforme resulta da douta sentença proferida.
XXXIX. O que aconteceu foi que a impugnante continuou a exercer a actividade de comércio a retalho de combustível e a manutenção e reparação de veículos automóveis, a título acessório.
XL. E se esta última actividade passou a acessória, tal facto, como é óbvio por tudo o que já foi descrito, não foi ditado por qualquer motivação fiscal mas por necessidade imperiosa de sobrevivência da empresa e continuidade da actividade, o que foi dado como provado.
XII Assim, ainda que se considerasse que a impugnante não respeitou o princípio da especialização dos exercícios - o que não se aceita, nos termos acima expostos -nenhuma correcção ao lucro tributável deve ser efectuada já que o montante do custo que teria registado em 2003 seria, nos exercícios seguintes, considerado a título de reporte de prejuízos que o exercício de 2003 passaria a evidenciar, se prevalecesse o entendimento da Administração fiscal, que o montante da compensação deveria tem sido na totalidade registado como custo no exercício de 2003.
XLII. Com efeito, o procedimento adoptado pela administração fiscal determinaria que a impugnante nunca veria reconhecido como custo fiscal as importâncias despendidas, em clara violação do princípio da justiça preconizado no artº 55º da Lei Geral Tributária e ainda dos artigos 103º e 104.º da Constituição da República Portuguesa.
XLIII. Verifica-se, assim, que ainda por esta via seria ilegal a liquidação impugnada, impondo-se a sua anulação.
XLIV. Sem prescindir ainda quanto a tudo o que ficou referido, caso se viesse a entender que não existem elementos para clarificar a aparente contradição relativa à caracterização da actividade da empresa impugnante a partir de 2003, ainda assim deveriam os autos baixar novamente à primeira instância no sentido de se clarificar tal questão, o que por mero dever de patrocínio se admite, uma vez que a impugnante considera que a existência de duas actividades resulta clara, quer da matéria de facto dada como provada, quer do texto da própria sentença.
XLV. A douta sentença recorrida fez correcta apreciação dos factos e aplicação do Direito aos mesmos, não merecendo qualquer censura.

Termos em que deve ser negado provimento ao presente recurso, assim se fazendo
JUSTIÇA!(…)”

O Exmº. Procurador-Geral Adjunto junto deste tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Atendendo a que o processo se encontra disponível em suporte informático, no SITAF, dispensa-se os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, com seu consentimento, submetendo-se à Conferência para julgamento.
2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações de recurso nos termos dos artigos 635º, nº 4 e 639º CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, sendo a de saber se a sentença incorreu em erro de julgamento facto, e erro de julgamento quanto ao direito por errada interpretação do conceito de especialização do exercício, mormente as normas previstas no n.º (s) 1 e 5 do artigo 18.º do CIRC.

3. JULGAMENTO DE FACTO
3.1.No Tribunal a quo, o julgamento da matéria de facto foi efectuado nos seguintes termos: “ (…).
1.° - A ora impugnante foi sujeita a acção inspectiva credenciada pela Ordem de Serviço n.°...30 - cf. teor de fls. 4 do relatório de inspecção tributária, ínsito no Processo Administrativo (PA) apenso a este processo.

2.° - A Ordem de Serviço n.°...30 é um procedimento de inspecção parcial, nos termos da alínea b) do número 1 do artigo 14° do Regime Complementar de Inspecção Tributária (RCPIT), com incidência em IRC para os anos de 2006 e 2007- cf. teor de fls. 4 do relatório de inspecção tributária, ínsito no PA apenso a este processo.

3.° - A acção inspectiva foi proposta na sequência de se ter constatado que a [SCom01...], S.A. (doravante [SCom01...]) tem vindo a declarar montantes significativos a título de custos/perdas extraordinários sem que se vislumbre justificação para tal situação - cf. teor de fls. 4 do relatório de inspecção tributária, ínsito no PA apenso a este processo.

4.° - A [SCom01...] encontra-se registada na Conservatória do Registo Comercial ... sob a matrícula n.°...45, com o capital social de € 598.800,00 - cf. teor de fls. 4 do relatório de inspecção tributária, ínsito no PA apenso a este processo.

5.° - A impugnante foi constituída em 1958 com o objecto de "comércio a retalho de veículos automóveis, posto de abastecimento de combustíveis, comércio de peças e acessórios para automóveis e reparação de automóveis" - cf. teor de fls. 4/5 do relatório de inspecção tributária, ínsito no PA apenso a este processo.

6.° - Até 2003 a actividade principal da impugnante, correspondeu ao comércio e manutenção de veículos automóveis, explorando em simultâneo um posto de abastecimento de combustíveis em ..., desde então, a sua actividade passou a corresponder unicamente à exploração do referido posto de abastecimento de combustíveis - cf. teor de fls. 5 do relatório de inspecção tributária, ínsito no PA apenso a este processo.

7.° - Desde o ano de 2004, a impugnante encontra-se enquadrada como desenvolvendo a actividade principal de "comércio a retalho de combustível para veículos a motor, em estabelecimentos especializados", correspondendo ao actual código CAE 47300 - cf. teor de fls. 5 do relatório de inspecção tributária, ínsito no PA apenso a este processo.

8.° - No período em apreço, a impugnante esteve sujeita ao Regime Geral de Tributação em IRC, e em sede de IVA, estive enquadrada no regime normal de periodicidade mensal - cf. teor de fls. 5 do relatório de inspecção tributária, ínsito no PA apenso a este processo.

9.° - A impugnante «é a empresa mãe de um grupo de empresas associadas, cujas participações sociais estão valorizadas pelo método de equivalência patrimonial, sendo que a actividade principal do grupo centra-se no automóvel, e, no contexto do negócio global do grupo, a área dos combustíveis (actualmente explorada pela [SCom01...]) tem pequena expressão - cf. teor de fls. 5 do relatório de inspecção tributária, ínsito no PA apenso a este processo,

10.° - A partir do ano de 2003 a actividade da impugnante mudou em relação aos anos anteriores, em resultado de uma cessão de exploração da representação da marca « X » para uma empresa sua participada (a [SCom02...], S.A. - NIF: ...10), sendo que, desde então, a actividade principal da [SCom01...] consiste unicamente na exploração do referido posto de abastecimento de combustíveis, de marca « Y », em ... - cf. teor de fls. 6 do relatório de inspecção tributária, ínsito no PA apenso a este processo.

11.° - Esta alteração de actividade foi comunicada pela impugnante à Administração Fiscal em 28.05.2004, através da entrega de uma Declaração de Alterações de Actividade onde se procede ao reenquadramento da respectiva actividade económica no então código CAE 50500 (correspondente ao actual código CAE 47300 - Comércio a retalho de combustível para veículos a motor, em estabelecimentos especializados) - cf. teor de fls. 6 do relatório de inspecção tributária, ínsito no PA apenso a este processo.

12.° - Em resultado da análise desenvolvida no âmbito da acção inspectiva externa à impugnante, os serviços de inspecção constataram que «na contabilidade da [SCom01...] se encontra registado numa conta de CUSTOS DIFERIDOS (conta 2723000 - Descontos contratualizados) um montante significativo, parte do qual foi considerado como CUSTO EXTRAORDINÁRIO dos exercícios 2004, 2005 e 2007 (por contrapartida da conta 6983000 - Descontos contratualizados) - cf. teor de fls. 7 do relatório de inspecção tributária, ínsito no PA apenso a este processo.

13.° - Os responsáveis pela regularidade técnica na área contabilística e fiscal da ora impugnante, os senhores «AA» (NIF: ...69) e «BB» (NIF: ...76), justificaram estes custos com a cessão de exploração efectuada em 2003 - cf. teor de fls. 8 do relatório de inspecção tributária, ínsito no PA apenso a este processo.

14.° - Perante tal situação, os serviços de inspecção tributária notificaram a impugnante, onde solicitaram, entre outros, os seguintes documentos e esclarecimentos:
- «"Contrato de Cessão de Exploração outorgado com a sociedade [SCom02...], UNIPESSOAL, LDA (sociedade participada pela [SCom01...], SA) e dos respetivos Anexos e Aditamentos posteriores, bem como de eventuais estudos e pareceres que tenham servido de base à elaboração do referido contrato".
- "Relativamente aos custos extraordinários que têm vindo a ser reconhecidos (conta ...09) pretende-se igualmente:
. Fundamentos legais que permitiram o respectivo apuramento e consideração para efeitos fiscais;
. Comprovação documental da respectiva efectividade, nomeadamente identificação dos respectivos beneficiários e dos meios e data de pagamento dos mesmos;
. Demonstração da observância do princípio da especialização dos exercícios previsto no artigo 18.° do Código do IRC."» - cf. teor de fls. 8 do relatório de inspecção tributária, ínsito no PA apenso a este processo.

15.° - Em resposta à referida notificação, a ora impugnante apresentou cópia do contrato de cessão de exploração celebrado com a [SCom02...], e prestou, entre outros, os seguintes esclarecimentos:
- Origem da conta "Descontos Contratualizados":
Por contrato celebrado em 02/01/2003, do qual se junta cópia em anexo, entre as sociedades [SCom01...], S.A. ([SCom01...]), na qualidade de cedente (1° outorgante) e a [SCom02...] Unipessoal, Lda., como cessionária (2.° outorgante) foi então celebrado um contrato de cessão de exploração dos estabelecimentos comerciais explorados por [SCom01...], entre outras, nas seguintes condições:
1.1. - Objecto do negócio: cessão dos estabelecimentos e venda dos stocks;
1.2. - Preço da cessão dos estabelecimentos: mediante o pagamento de uma renda anual variável correspondente a 35% dos resultados líquidos antes de impostos, da exploração dos estabelecimentos;
1.3- Valor de venda dos stocks: pelo montante de € 2.114.653,62;
1.4. - Duração do contrato: 3 anos, prorrogável por idênticos períodos;
1.5. - Desconto para compensação dos direitos dos trabalhadores: concessão de um desconto de € 1.585.990,22 a deduzir de imediato ao valor de venda dos stocks, "tendo como contrapartida a poupança que a primeira outorgante colhe do facto de não ter que suportar os custos de encerramento dos estabelecimentos, designadamente com indemnizações ao pessoal";
2 - Diferimento dos "descontos contratualizados":
É certo que poderia ser considerado na totalidade no período em que ocorreu a operação.
Porém, tendo em conta a previsível duração do contrato foi assumida no primeiro exercício apenas uma parte do valor do "desconto contratualizado" referido no ponto 1.5 anterior, sendo diferida para os exercícios seguintes a importância restante no montante de € 1.280.025,65.
No ano de 2004 foram de € 320.064,10 os custos imputados ao exercício por força deste desconto concedido, tendo transitado para os exercícios seguintes o valor de € 969.961,55.
No ano de 2005, foi assumido como custo do exercício a importância de € 160.032,05 transitando para os exercícios seguintes o montante de € 799.929,50.
Em face do desenvolvimento dos negócios e o mais que certo alargamento do prazo de duração do contrato de cessão de exploração, foram recalculados os valores anuais correspondentes ao novo período estimado de vida do acordo de cessão de exploração, procedendo-se a um reajustamento do valor dos custos diferidos e respectivas "amortizações" contabilizadas em anos anteriores como custos do exercício, tendo sido diferido para 2007 o montante de € 806.440,95 superior ao valor inicial em € 6.511,45. Deste modo e no que toca à rubrica dos descontos contratualizados, o exercício de 2006 foi afectado positivamente nesta importância.
No ano de 2007, foi levado a custos do exercício o valor de € 160.032,05 sendo diferido o restante de € 646.408,90 importância que até hoje se mantém inalterada.
3 - Diferimento dos "descontos contratualizados"
A justificação para o diferimento dos denominados "descontos contratualizados" tem nomeadamente em conta o período de vigência do contrato de cessão de exploração, não sendo aceitável a sua consideração como custo do exercício no ano em que foi suportado, mas devendo ser repartido de acordo com o número de anos estimado para a duração efectiva do contrato, em conformidade com os princípios contabilísticos geralmente aceites em Portugal.
Por outro lado, o "diferimento" destes custos não pode ser entendido como uma tentativa de "prolongamento" no tempo do direito da Empresa à dedução dos prejuízos fiscais apurados nos 6 exercícios anteriores, em conformidade com o disposto no CIRC, pelo simples facto de serem irrelevantes as matérias colectáveis de [SCom01...] nos últimos exercícios (conf. Alínea f) do n.°4 do POC), não ser previsível nesta matéria qualquer alteração nos próximos anos, por força da matéria colectável mais significativa do Grupo [SCom01...] estar agora concentrada na sociedade [SCom02...]." - cf. teor de fls. 8 A 10 do relatório de inspecção tributária, ínsito no PA apenso a este processo.

16.° - Não foram apresentados os Anexos mencionados no contrato em causa, apesar de expressamente solicitados pelos serviços de inspecção tributária - cf. teor de fls. 10 do relatório de inspecção tributária, ínsito no PA apenso a este processo.

17.° - Os serviços de inspecção tributária, concluíram que foi «indevidamente considerado no ano de 2007 um montante de 160.032,05, o qual foi considerado custo extraordinário (contabilizado numa conta ...09 denominada "Descontos Contratualizados"), pois que nos termos do número 1 do artigo 18.° do Código do IRC este custo apenas poderia ser imputado no período em que foi incorrido (a saber o exercício de 2003 - exercício em que ocorreu a cessão de exploração), pelo que não pode concorrer para o apuramento do lucro tributável do ano de 2007, porquanto se propõe a respectiva correcção ao lucro tributável declarado:
Ano Lucro Tributável Correcção Lucro Tributável
Declarado Corrigido
2007 € 20.382,16 €160.032,05 €180.414,21
- cf. teor de fls. 11 do relatório de inspecção tributária, ínsito no PA apenso a este processo.

18.° - Na declaração de IRC do ano de 2006 entregue pela [SCom01...], aquando do apuramento da matéria colectável, foi deduzido (ao lucro tributável declarado no exercício) o montante de € 92.222,00 referente ao prejuízo fiscal declarado no ano de 2004, o qual, em resultado de acção inspectiva interna (............72) àquele ano (2004) foi corrigido (para lucro tributável) - cf. teor de fls. 11 do relatório de inspecção tributária, ínsito no PA apenso a este processo.

19.° - Os serviços de inspecção tributária entenderam que foi, «indevidamente considerado no ano de 2004 um montante de € 320.064,10, o qual foi considerado custo extraordinário (contabilizado numa conta ...09 denominada "Descontos Contratualizados"), pois que nos termos do número 1 do artigo 18.° do Código do IRC este custo apenas poderia ser imputado no período em que foi incorrido (a saber o exercício de 2003 - exercício em que ocorreu a cessão de exploração), pelo que não pode concorrer para o apuramento do lucro tributável do ano de 2004, porquanto foi proposta a respectiva correcção ao lucro tributável declarado, nos seguintes termos:
Ano Lucro/Prejuízo Correcção Lucro tributável
Tributável Declarado Corrigido
2004 € -140.972,22 € 320.064,10 € 179.091,88
- cf. teor de fls. 11 a 12 do relatório de inspecção tributária, ínsito no PA apenso a este processo.

20.° - Desta correcção resultou o não reconhecimento do prejuízo fiscal apurado no ano de 2004, no montante de € 140.972,22, o qual foi deduzido nos anos de 2005 e 2006, nos montantes de € 48.750,22 e € 92.222,00, respectivamente - cf. teor de fls. 12 do relatório de inspecção tributária, ínsito no PA apenso a este processo.

21.° - Os serviços de inspecção tributária concluíram pela não existência de prejuízos fiscais dedutíveis para o ano de 2006, dado terem sido corrigidos - cf. teor de fls. 12 do relatório de inspecção tributária, ínsito no PA apenso a este processo.
22.° - Motivo pelo qual, os serviços de inspecção tributária procederam à correcção dos prejuízos fiscais deduzidos no enquadramento da matéria colectável do ano de 2006, no montante de € 92.222,00.

23.° - A ora impugnante foi notificada para, querendo, exercer o direito de audição, sobre o projecto de relatório da inspecção tributária - cf. teor de fls. 40 a 41 do PA apenso aos autos.

24.° - Direito que exerceu em 10.12.2009 - cf. teor de fls,42 a 47 do PA apenso aos autos.

25.° - A pretensão da ora impugnante foi indeferida - cf. teor de fls. 66 a 73 do PA apenso aos autos.

26.° - Em 22.03.2010, a ora impugnante veio deduzir reclamação graciosa, da demonstração de liquidação n.°...07, de montante a pagar de € 42.167,01, correspondente ao IRC de 2007, juros compensatórios e estorno de liquidação n.°...15,

27.° - A qual foi indeferida por despacho de 19.10.2010 - cf. teor do doc. de fls. 93 do PA apenso aos autos.

28.° - Em 2003, a impugnante procedeu à cessão da exploração de parte da sua actividade, que correspondia ao comércio e manutenção de automóveis de marca « X » - cf. depoimento das testemunhas «BB», «AA» e «CC».

29.° - Até 2003, a impugnante exercia directamente a actividade de comércio e manutenção de automóveis, enquanto representante da marca « X », e o comércio a retalho de combustíveis, através da exploração de um posto de abastecimento - cf. depoimento das testemunhas «BB», «AA» e «CC».

30.° - Em 2003 elaborou um contrato de cessão de exploração pelo qual cede a actividade de comércio e manutenção de automóveis de marca « X » - cf. depoimento das testemunhas «BB», «AA» e «CC».

31.° - O contrato de cessão teve na sua génese uma alteração da legislação comunitária relativa ao sector automóvel, especificamente o denominado Regulamento de Isenção, de 31 de Julho de 2002- cf. depoimento da testemunha «BB».

32.° - Aquela regulamentação determinou que a « X » definisse uma estratégia de reorganização comercial e jurídica da distribuição automóvel - cf. depoimento das testemunhas.

33.° - As novas regras então impostas pela « X » implicavam a existência de apenas um concessionário de grande dimensão e influência geográfica, a designar por "plataforma « X »" - cf. prova testemunhal.

34.° - A perda da concessão implicaria a cessação da actividade de comércio e manutenção automóvel, com o correspondente despedimento do pessoal a ela afecta e, consequentemente, a necessidade de suportar as respectivas indemnizações por despedimento - cf. prova testemunhal.

35.° - O total das indemnizações por despedimento que teria de suportar pela cessação da representação da marca « X » estimou-se entre € 1.535.927,83 e € 2.047.903,77, conforme cálculos então efectuados, por empresa consultora, e constantes do documento junto peia impugnante com o n° 3 e prova testemunhal.

36.° - A impugnante constituiu uma nova sociedade - a [SCom02...] em associação com outras empresas, capaz de cumprir os requisitos para ser qualificada de "plataforma" por parte da "« X »" - cf. prova testemunhal.

37.° - Para a concretização desta estratégia empresarial, a impugnante cedia a exploração e manutenção do comércio automóvel, evitando as indemnizações por despedimentos, e auferiria uma renda pela cedência de exploração, que era a contrapartida da cedência de espaços e do seu Know-How -cf. prova testemunhal.

38.° - Foi para conseguir manter-se em funcionamento que a impugnante celebrou o contrato de cedência de exploração acima referido.

39.° - O montante de € 1.585.990,22, tem como objectivo, conforme expresso no contrato, a compensação dos direitos dos trabalhadores - cf. prova testemunhal.

40.° - Com o contrato de cessão de exploração a impugnante transferiu a responsabilidade por indemnizações por despedimentos para a cessionária.

41.° - O montante da compensação dos direitos dos trabalhadores, fixado naquela quantia de €1.585.990,22, representa a contrapartida pela transferência da responsabilidade por eventuais despedimentos, mas traduz também o esforço económico da impugnante para garantir os postos de trabalho e que a cessionária tivesse condições de dimensão e financeiras para garantir a "plataforma" da « X » e, consequentemente, assegurar a continuidade dos seus proveitos ligados à exploração automóvel através da renda que passaria a auferir da concessionária - cf. prova testemunhal.

42.° - O facto da compensação dos direitos dos trabalhadores sido designado por "desconto", deve-se a uma questão operacional de tratamento em conta corrente - cf. prova testemunhal.

43.°- A compensação dos direitos dos trabalhadores ou "desconto" como foi tratado em termos de conta corrente, tem uma natureza plurianual pois foi necessário suportá-la para garantir proveitos de renda de cessão de exploração a obter durante e vigência do contrato - cf. prova testemunhal.

44.° - Em 2008.12.10, a impugnante dirigiu uma carta à cessionária a solicitar a anulação do valor ainda em divida, por se ter verificado "que grande parte dos trabalhadores que constam da listagem então elaborada deixou já de fazer parte da esfera de responsabilidades das empresas do grupo. Assim sendo e à luz do espírito que norteou o cálculo das responsabilidades futuras com eventuais indemnizações para despedimentos forçados, resultantes da absorção do pessoal que a cessionária assumiu, entendemos que a divida nesta altura existente (€ 646.408,90) deveria ser reavaliada.".

45.° - Na sequência da reavaliação da situação então efectuada, a impugnante anulou aquela importância de € 646.408,90, que ainda constava dos "custos diferidos" a repartir por exercícios futuros.

Com relevância para a decisão a proferir não resultam provados outros factos. (…)”

3.2. Nas conclusões do recurso, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou procedente a impugnação judicial e anulou a liquidação de IRC de 2007. Alega a Recorrente que a sentença sob recurso incorreu em erro de julgamento quanto à matéria de facto ao não apreciar factos dados como provados relativamente às especificidades do contrato de cessão de exploração.
Resulta da conjunção dos art.ºs 662.º e 640.º do CPC que a Relação [in casu o TCA] deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se a prova produzida impuserem decisão diversa e desde que o recorrente especifique os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados indique os concretos meios probatórios e a decisão que, no seu entender deve ser proferida.
A Recorrente limita-se vaga e genericamente a alegar erro de julgamento quanto à matéria de facto ao não apreciar factos dados como provados relativamente às especificidades do contrato de cessão de exploração, sem concretizar, nem indicar os concretos meios probatórios e a decisão que, no seu entender deve ser proferida.
Logo não cumprindo o seu ónus de alegação, rejeita-se nesta parte o recurso, nos termos do 640.º do CPC.

4. JULGAMENTO DE DIREITO
4.1. A questão a resolver é a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento por errada interpretação do conceito de especialização do exercício, mormente as normas previstas nos n.º(s) 1 e 5 do artigo 18.º do CIRC.
As questões suscitadas nestes autos foram já objeto de recentes acórdãos deste TCAN, salientando-se o acórdão proferido no processo n.º 783/10.0BEPNF em 23/05/2023, processo idêntico ao dos autos, em que estão as mesmas partes envolvidas, deste processo, sendo a ora Recorrente a Recorrida, o mesmo imposto (IRC) do ano de 2004. E no acórdão proferido no processo n.º 784/10.0BEPNF de 03.10.2024, a Recorrente é a mesma dos presentes autos, o mesmo imposto e o ano de 2005, ambos transitados em julgado.
Por semelhança ao caso sub judice e por economia de meios, visando a interpretação e aplicação uniforme do direito (cfr. artigo 8.º n.º 3 do Código Civil), acolhemos a argumentação jurídica aduzida no acórdão desta Secção, proferido no processo n.º 783/10.0BEPNF.
No caso sub judice, na sequência de uma ação de inspeção, a Administração Tributária não considerou enquanto custo extraordinário um encargo com projeção económica plurianual e, por isso, repartido pelos exercícios futuros relativos à vigência do contrato de cessão de exploração que a Recorrida celebrara com a [SCom02...], Unipessoal, Lda., aplicando correções aos prejuízos declarados, e das quais resultou aumento da coleta em sede de IRC.
A correção, de € 160 032,05 [custo extraordinário (contabilizado numa conta ...09 denominada "Descontos Contratualizados")], respeita a custos contabilizados pela ora Recorrida, que AT desconsiderou, na formação do lucro tributável por entender que não foi respeitado o princípio da especialização dos exercícios previsto no n.º 1 do artigo 18º do Código do IRC, dando origem à liquidação impugnada.
Relativamente à apreciação jurídica consta da jurisprudência do acórdão proferido no proc. 783/10.0 BEPNF de 23/05/2023, com a qual concordamos que: “(…) Para o efeito, convoquemos o quadro normativo e os considerandos que reputamos relevantes para o caso sub judice.
Por imposição constitucional, a tributação das pessoas coletivas obedece ao princípio da tributação do rendimento real efectivo, ou seja, o imposto deve incidir sobre o rendimento efectivamente obtido (artigo 104.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa - CRP).
Em obediência a este princípio, determina artigo 16.º, n.º 1 do CIRC que a matéria tributável é, por regra, determinada com base na declaração do contribuinte, sem prejuízo do controlo que a Administração Tributária (AT) venha a fazer da mesma.
O IRC incide, então, sobre o “lucro das sociedades comerciais”, sendo que, conforme estabelece o n.º 2 do artigo 3.º do CIRC “o lucro consiste na diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correcções estabelecidas no código”.
O lucro tributável das pessoas colectivas, de acordo com o artigo 17.º do CIRC, é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas nesse mesmo período e não refletidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos daquele Código.
De modo a permitir o apuramento do lucro tributável, a contabilidade deve estar organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respetivo sector (sem prejuízo da observância das disposições previstas no CIRC), e refletir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo, sendo organizada de modo que os resultados das operações e variações patrimoniais sujeitas ao regime geral do IRC (al. a) e b) do n.º 3 do art. 17.º do CIRC).
Por força do artigo 47 °, n.ºs 1 e 8, do CIRC, os prejuízos fiscais são deduzíveis, nas seguintes condições:
"1 - Os prejuízos fiscais apurados em determinado exercício, nos termos das disposições anteriores, são deduzidos aos lucros tributáveis, havendo-os, de um ou mais dos seis exercícios posteriores. (...)
8 - O previsto no n.º 1 deixa de ser aplicável quando se verificar, à data do termo do período de tributação em que é efetuada a dedução, que foi modificado o objeto social da entidade a que respeita ou alterada, de forma substancial, a natureza da atividade anteriormente exercida".
Mais se refira, com particular interesse para os presentes autos, que vigora, neste âmbito, o princípio da especialização dos exercícios, ou seja, “os proveitos e custos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao exercício que digam respeito”, sendo que “as componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a exercícios anteriores só são imputáveis ao exercício quando na data de encerramento das contas daquele a que deveriam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas” (cf. artigo 18.º, n.ºs 1 e 2 do CIRC).
Conforme refere Rui Duarte Morais, in Apontamentos ao IRC, Almedina, Coimbra, 2009, pág. 64 em sede de IRC, ¯[h]á, (…), que dividir a vida da empresa em períodos, a cada uns desses períodos deverão ser imputados determinados ganhos e perdas (incluindo variações patrimoniais), dos quais decorrerá o cálculo do lucro desse exercício. (…) A imputação de um proveito ou custo a certo exercício obedece a um critério económico (e não a um critério financeiro), ou seja, as operações nele efectuadas afectam o respectivo resultado, independentemente do recebimento ou pagamento do respectivo preço ou outra contrapartida. Contabilizam-se créditos e débitos e não pagamentos e recebimentos”.
Para os efeitos deste preceito legal, o exercício corresponde ao ano fiscal, o qual, por seu turno, coincide com o ano civil [neste sentido vide o acórdão do STA, proferido no processo n.º 0291/08, de 25.06.2008].
Como sobredito, o princípio da especialização dos exercícios encontra-se consagrado no artigo 18.º do CIRC e tem uma densidade vinculativa elevada, não tolerando, fora dos casos expressamente consignados na lei, qualquer margem de manobra do contribuinte na afectação temporal dos movimentos económico-financeiros da empresa, devendo, no entanto, ser sopesado com os demais princípios constitucionais basilares, mormente, o da justiça.
Cumpre ainda uma chamada de atenção para o Plano Oficial de Contabilidade (POC) então vigente, no âmbito dos quais dominavam como princípios fundamentais, o princípio da continuidade; o princípio da consistência; o princípio da especialização ou do acréscimo; o princípio do custo histórico; o princípio da pendência; o princípio da substância sobre a forma e o princípio da relevância ou da materialidade.
E, quanto ao principio da especialização dos exercícios, do acréscimo ou da periodização económica, em sede contabilística, postulava o mesmo que a contabilidade de uma empresa deve ser elaborada de forma criteriosa e rigorosa, de tal modo que os proveitos e os custos devem ser reconhecidos quando obtidos ou ocorridos independentemente do seu recebimento ou do seu pagamento, pelo que os mesmos devem ser incluídos nas demonstrações financeiras dos períodos a que dizem respeito. Dito de outro modo, este princípio é uma emanação da técnica contabilística em resposta à necessidade prática de calcular, dentro de intervalos regulares, o lucro obtido por uma empresa", consubstanciando "um corte artificial num processo que é contínuo. E por isso a determinação do momento contabilístico em que ocorreu uma despesa ou uma receita tem de ser também objecto de definição" (José Luís Saldanha Sanches, Da Quantificação da Obrigação Tributária, Deveres de Cooperação, Autoavaliação e Avaliação Administrativa, pág. 294).
Este princípio impõe que sejam imputados "a cada exercício os proveitos e custos que lhe são inerentes e só esses". (...) A imputação a um dado exercício de um encargo ou perda simplesmente provável é concretizada através do mecanismo das provisões" (Freitas Pereira, in A periodização do lucro tributável, pág.79 e 80), pois que tal princípio, em correlação com os outros princípios, mormente o da justiça, não impede que sejam incluídos nos custos de um exercício os encargos a pagar no futuro, mas com origem no mesmo desde que essas inscrições não se reconduzam a comportamentos voluntários e intencionais, com vista a operar a transferência de resultados entre exercícios (vide artigo 18º, n.º 2 do CIRC).
Em síntese, o princípio da especialização dos exercícios, ou, na terminologia do POC, “Da especialização” (ou do acréscimo), é, sem dúvida, um dos Princípios Contabilísticos Fundamentais ou os Princípios Contabilísticos Geralmente Aceites que mereceu mais importância por parte do legislador do Código do IRC, justificado pela necessidade de evitar o diferimento de custos ou perdas e de proveitos ou ganhos com finalidades de economia e/ou politicas financeiras, ou de ilícita planificação ou gestão fiscal.
O princípio da especialização dos exercícios é um princípio geral, por força do qual os proveitos e os custos de um período devem ser registados contabilisticamente no exercício a que dizem respeito, independentemente do momento em que são pagos ou recebidos.
Com efeito, não obstante o rendimento das empresas fluir em continuidade, é necessário segmentar a vida das mesmas em períodos de certo modo independentes entre si, para atender a necessidades não só de índole fiscal, como também de natureza económica, contabilística e de gestão. E, na esteira do princípio da anualidade dos impostos, estabeleceu-se que o lucro tributável das empresas será determinado anualmente, correspondendo, em regra, cada período de tributação, ao ano civil – cf. o que se escreve em comentário ao artigo 18.º, no Código do IRC, comentado e anotado, da Direcção Geral dos Impostos (DGCI).
Sobre a “Periodização do lucro tributável”, dispõe o artigo 18.º do Código do IRC que «Os proveitos e os custos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao exercício a que digam respeito, de acordo com o princípio da especialização dos exercícios» [n.º 1]; e que «As componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a exercícios anteriores só são imputáveis ao exercício quando na data de encerramento das contas daquele a que deveriam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas» [n.º 2]. (fim de citação).
Baixando ao caso dos autos, resulta da matéria de facto provada que em resultado da análise desenvolvida no âmbito da ação inspetiva externa à impugnante/Recorrida, os serviços de inspeção constataram que na contabilidade da [SCom01...] se encontra registado numa conta de CUSTOS DIFERIDOS (conta 2723000 - Descontos contratualizados) um montante significativo, parte do qual foi considerado como CUSTO EXTRAORDINÁRIO dos exercícios 2004, 2005 e 2007 (por contrapartida da conta 6983000 - Descontos contratualizados) -
A Inspeção relativamente ao ano de 2007, (ano em questão neste recurso) desconsiderou o montante de € 160 032,05, o qual foi considerado custo extraordinário (contabilizado na conta 6983000 denominada “descontos contratualizados”) por considerar que nos termos do n.º1 do artigo 18.º do Código do IRC este custo apenas poderia ser imputado ao período em que foi incorrido, ou seja ao exercício de 2003 (data em que ocorreu a cessão da exploração) não podendo concorrer para o apuramento do tributável do ano de 2007, procedendo à respetiva correção do lucro tributável declarado.
Decorre ainda da matéria de facto provada que em 2003 a Recorrida procedeu à cessão da exploração da parte da sua atividade que correspondia ao comércio manutenção de automóveis de marca « X ». Até essa data exercia diretamente à atividade do comércio manutenção de automóveis enquanto representante da referida marca e o comércio a retalho de combustíveis através da exploração de um posto de abastecimento.
Nesse ano elaborou um contrato de cessão de exploração para qual cedeu à atividade de comércio e manutenção de automóveis da marca « X » a [SCom02...], que constitui em associação com outras empresas para dar cumprimento aos requisitos exigidos pela marca, para ser qualificada de “plataforma” « X ».
Do ano de 2004 a Recorrida encontra-se enquadrada como desenvolvendo a atividade principal de comércio a retalho de combustível para veículos a motor em estabelecimento especializado tendo atualmente o CAE 47 300. (cfr pontos 12,17, 28,29, 30 e 7 da matéria provada).
No ponto 15 dos factos dados como provados, a Recorrida esclareceu aquando do procedimento inspetivo que:
“Por contrato celebrado em 02/01/2003, do qual se junta cópia em anexo, entre as sociedades [SCom01...], S.A. ([SCom01...]), na qualidade de cedente (1° outorgante) e a [SCom02...] Unipessoal, Lda., como cessionária (2.° outorgante) foi então celebrado um contrato de cessão de exploração dos estabelecimentos comerciais explorados por [SCom01...], entre outras, nas seguintes condições:
1.1. - Objecto do negócio: cessão dos estabelecimentos e venda dos stocks;
1.2. - Preço da cessão dos estabelecimentos: mediante o pagamento de uma renda anual variável correspondente a 35% dos resultados líquidos antes de impostos, da exploração dos estabelecimentos;
1.3- Valor de venda dos stocks: pelo montante de € 2.114.653,62;
1.4. - Duração do contrato: 3 anos, prorrogável por idênticos períodos;
1.5. - Desconto para compensação dos direitos dos trabalhadores: concessão de um desconto de € 1.585.990,22 a deduzir de imediato ao valor de venda dos stocks, "tendo como contrapartida a poupança que a primeira outorgante colhe do facto de não ter que suportar os custos de encerramento dos estabelecimentos, designadamente com indemnizações ao pessoal";
2 - Diferimento dos "descontos contratualizados": (…)
Da interpretação dos elementos do contrato temos uma cessão do estabelecimento comercial mediante o pagamento de uma renda anual variável correspondente a 35% dos resultados líquidos antes de impostos. Acompanhada de venda dos stocks, os quais foram valorizados no valor de € 2.114.653,62. ao qual foi efetuado um desconto de € 1.585.990,22 a deduzir de imediato a esse valor.
Na versão da Recorrida e constante do contrato, o desconto para compensação dos direitos dos trabalhadores tinha como contrapartida a poupança que a mesma colhia do facto de não ter de suportar os custos de encerramento dos estabelecimentos, designadamente com indemnizações ao pessoal.
Como supra se citou “O princípio da especialização dos exercícios é um princípio geral, por força do qual os proveitos e os custos de um período devem ser registados contabilisticamente no exercício a que dizem respeito, independentemente do momento em que são pagos ou recebidos.
Com efeito, não obstante o rendimento das empresas fluir em continuidade, é necessário segmentar a vida das mesmas em períodos de certo modo independentes entre si, para atender a necessidades não só de índole fiscal, como também de natureza económica, contabilística e de gestão.”
O desconto contratualizado ao desonerar das responsabilidades laborais a Recorrida cristalizou-se naquele momento e nos proveitos do exercício em que foram incorridos (2003), não se repercutindo nos exercícios posteriores.
Assume relevância apenas no exercício em que foi convencionado (2003), pelo que o seu custo não pode ser relevado nos exercícios que lhe sucedem em conformidade com o princípio da especialização dos exercícios.
Como refere a Recorrente nas suas alegações relacionar o custo com pessoal dirimido e os proveitos obtidos com a renda obtida pela [SCom02...] é condição necessária para admitir a sua dedutibilidade para efeitos fiscais nos termos do artigo 23.º do CIRC.
A Mª Juíza ao considerar que a compensação dos direitos dos trabalhadores, ou “desconto” apenas foi idealizado, concebido e firmado no âmbito do contrato de cessão de exploração com natureza plurianual, aplicando o n.º 5 do art. 18.º do CIRC incorreu em erro de julgamento de direito.
O n.º 5 do art. 18.º do CIRC dispunha que os proveitos e os custos de atividades de caráter plurianual podem ser periodizados tendo em consideração o ciclo de produção e ou o tempo de construção.
No caso sub judice a Recorrida alterou a sua atividade, em 2003 e procedeu à cessão da exploração da parte da sua atividade que correspondia ao comércio e manutenção de automóveis de marca « X », não ocorreu continuidade da atividade empresarial, em questão, passou a ter uma atividade exclusivamente ligada comércio de combustíveis [através de um posto de abastecimento] logo, o custo com o pessoal se tivesse sido reconhecido e considerado na sua totalidade no ano de 2003, tal como referiram os serviços de inspeção tributária no seu relatório, não poderia ser deduzido aos lucros tributáveis de exercícios posteriores por força da alteração substancial da atividade ocorrida a partir daquele ano e em obediência ao n.º 8 do artigo 47.° do CIRC.
Acresce ainda referir que a atividade desenvolvida pela Recorrida, quer antes da cessão, quer depois da cessão, não é enquadrável na exceção do n. º5 do art.º 18.º do CIRC, cujo alcance respeitava a sector da construção, empreitadas ou similares.
E também não tem qualquer razão a Recorrida nas suas contra-alegações nomeadamente nos pontos XLII e XLII, na qual refere que o procedimento adotado pela Administração Fiscal determinaria que a Impugnante/Recorrida nunca veria reconhecido como custo fiscal as importâncias despendidas, em clara violação do princípio da justiça preconizado no art° 55º da Lei Geral Tributária e ainda dos artigos 103° e 104° da Constituição da República Portuguesa. E, assim, ainda por esta via seria ilegal a liquidação impugnada, impondo-se a sua anulação.
Mais uma vez, por uma questão de economia de meios, convocamos a jurisprudência no Proc. 783/10.0BEPNF, supra citado, onde se diz que: (…) Resta então saber se ainda assim se imporia a consideração da predita justiça material. Ora,
Como refere Tomás Cantista Tavares, in Da Relação de Dependência Parcial entre a Contabilidade e o Direito Fiscal na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Colectivas: Algumas Reflexões ao Nível dos Custos, p. 250, "A periodização do rendimento das sociedades encaixa-se, assim, em dois magnos princípios que se interpenetram numa relação de complementaridade — e por vezes de contraposição: por um lado, o conjunto das regras técnicas e operacionais que definem a imputação temporal das componentes positivas e negativas do rendimento, aglutinadas no chamado princípio prático da especialização dos exercícios ou, na actual nomenclatura, no princípio do acréscimo..
Por outro lado, o princípio material da justiça, concretizado, em grande medida, na regra da solidariedade dos exercícios, onde na constatação da real continuidade do rendimento, se permite uma certa interpenetração entre os vários períodos temporais, que não funcionam assim como compartimentos completamente estanques”
Destarte, pese embora do artigo 18.º, n.º 1, do Código do IRC resultar uma vinculação para a AT no sentido de, em regra, dever aplicar o princípio da especialização dos exercícios na sua actividade de controle das declarações apresentadas pelas empresas, não podemos escamotear o facto de que o exercício daquele poder de controle por parte da AT, predominantemente vinculado, pode conduzir a uma situação flagrantemente injusta e, nessas situações, é de fazer operar o princípio da justiça, consignado no artigo 266.º, n.º 2, da CRP e no artigo 55.º da LGT, para obstar a que se concretize essa situação de injustiça.
Como evidenciado pelas posições doutrinais e jurisprudenciais, na ponderação dos valores em causa – por um lado, o princípio da periodização económica e, por outro lado, o princípio da justiça – é manifesto que, em caso de incompatibilidade, deve ser dada prevalência a este último princípio nos casos em que não tenha resultado prejuízo para o erário público e se constate que não estamos perante comportamentos voluntários e intencionais, com o objetivo de obter vantagens fiscais
Vejamos, como doutrinado no recentíssimo arresto do STA, proferido no processo n.º 1382/14.2BEBRG, de 10 de abril de 2024:
“permitem concluir que o Supremo Tribunal Administrativo fez sempre depender a prevalência daqueles princípios, particularmente do princípio da justiça, consagrado nos artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 50.º da LGT, sobre o princípio da especialização dos exercícios do prévio julgamento de inexistência de prejuízo para o erário público e de estar verificado que o erro cometido na contabilização dos proveitos e/ou custos não resultou de omissões voluntárias ou intencionais, com vista a operar transferências de resultados entre exercícios.
É esta jurisprudência que emerge dos acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo em que a Recorrente sustenta a sua pretensão, pelo menos, dos indicados e que se mostram efectivamente pertinentes (como se constata do seu teor, já que se encontram integralmente disponíveis para consulta em www.dgsi.pt), já que neles se pode ler (passamos a transcrever por ordem cronológica) que o princípio da especialização de exercícios deve tendencialmente conformar-se e ser interpretado de acordo com o princípio da justiça previsto no artigo 20.º da CRP e 55.º da LGT se «não havendo qualquer prejuízo para a FP (por todos os custos terem sido contabilizados, embora no tocante aos exercícios respectivos)» a transferência de resultados «não resultar de omissões voluntárias ou intencionais, com vista a operar transferências de resultados entre exercícios» (acórdão de 5-2-2003, proferido no processo n.º 1648/02); «não ofende» o princípio da especialização de exercícios» a não contabilização» que «não resultou de omissão voluntária e intencional» (acórdão de 25-1-2006, proferido no processo n.º 830/05); o princípio da especialização dos exercícios «visa tributar a riqueza gerada em cada exercício e daí que os respectivos proveitos e custos sejam contabilizados à medida que sejam obtidos e suportados, e não à medida que o respectivo recebimento ou pagamento ocorram» devendo «tendencialmente conformar-se e ser interpretado de acordo com o princípio da justiça, com conformação constitucional e legal (artigos 266.º, n.º 2 da CRP e 55.º da LGT), por forma a permitir a imputação a um exercício de custos referentes a exercícios anteriores, desde que não resulte de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar transferência de resultados entre exercícios», como é o caso, da situação em que, «constituída uma provisão para crédito vencido, por lapso de contabilização, o sujeito passivo efectiva as reposições devidas pelos pagamentos parciais entretanto feitos, apenas e pela totalidade em determinado exercício e não, como era devido, de forma discriminada nos exercícios correspondentes em que esses pagamentos foram concretizados» (acórdão de 2-4-2008, proferido no processo n.º 807/07); «Em matéria de custos, o princípio da especialização dos exercícios – artigo 18.º do CIRC – traduz-se na consideração, como custo de determinado exercício, dos encargos que economicamente lhe sejam imputáveis», não pondo «em causa tal princípio a imputação, a um exercício, de custos referentes a exercícios anteriores, desde que não resulte de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar transferência de resultados entre exercícios», por tal ser «exigido pelo princípio da justiça, consagrado nos artigos 266.º, n.º 2, da CRP, e 50.º da LGT», porém, nos termos do n.º 2 do mesmo dispositivo legal, “as componentes positivas ou negativas” não são “imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas” quando a sua não consideração, no exercício a que respeitam, se deve a erro contabilístico ou outro, do próprio contribuinte, já que tal norma há-de interpretar-se no sentido de que tais pressupostos, para serem relevantes, hão-de decorrer de situações externas que aquele não pode controlar. (acórdão de 25-6-2008, proferido no processo n.º 291/08); «O princípio da especialização dos exercícios visa tributar a riqueza gerada em cada exercício e daí que os respectivos proveitos e custos sejam contabilizados à medida que sejam obtidos e suportados, e não à medida que o respectivo recebimento ou pagamento ocorram», sendo que, «não existe violação ao princípio da especialização dos exercícios» se não estamos perante situação em que se verificou a imputação de proveitos ou de encargos que não tenham tido lugar nos respectivos exercícios, e não consta do probatório, nem do relatório da inspecção, nem tão pouco vem alegado pela Fazenda pública, que as operações realizadas tenham tido em vista a manipulação de resultados» (acórdão de 9-5-2012, proferido no processo n.º 269/12).”
Ora, transpondo a fundamentação expendida no acórdão citado, para o caso vertente, temos que resulta do acervo fáctico dos autos que para além de não se sabermos, com segurança, quais as razões que determinaram a Recorrente [aqui Recorrida] a repercutir de modo fraccionado nos anos o custo suportado, mormente no ano de 2004, quais as razões que presidiram a contabilização dos valores em questão, de modo aleatório e dispares, a título de custos, (e, consequentemente, quais as verdadeiras ou efectivas implicações dessa distribuição do “custo” suportado em 2003, repercutido aleatoriamente naquele ano e nos anos posteriores e, que implicações geraram em termos de apuramento da matéria tributável em cada um dos exercícios que medeia um e outro dos anos, in casu 2003 e 2004) [in casu 2007] é absolutamente seguro afirmar-se que não foram razões externas e incontroláveis que determinaram a elaboração da contabilidade nos termos apurados, que a contabilidade tal como apresentada não resultou de “lapsos contabilísticos”, alias a sua designação de “custos diferidos” e “custos extraordinários”, diz tudo. Nem a actuação da recorrente [aqui Recorrida] pode ser definida como de boa-fé, designadamente por não ter sido determinada, como a jurisprudência também já aceitou, por uma interpretação séria e plausível dum comando complexo, assente em interpretações abertas e dúbias da sua estatuição, a operação desconto como ela própria afirma discorre de uma operação de reestruturação elaborada com recurso a uma auditoria e acompanhamento fiscal.
No caso, como se provou, insista-se, o que se registou foi uma actuação deliberada e intencional de transferência de resultados tendo em vista a obtenção de vantagens, absolutamente alheia à verdade fiscal que aquela contabilidade devia assegurar, não nos podemos abstrair que estamos no âmbito de uma cessão entre empresas de um mesmo grupo o que exige uma preocupação acrescida de transparência. Daí que, no caso, se deva concluir que a actuação da Administração Fiscal, nos termos recortados no probatório, constitui um rigoroso cumprimento ou observância do preceituado no artigo 18.º do CIRC, totalmente conforme com entendimento que a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo vem firmando no que respeita à ponderação de princípios e valores que estão legal e constitucionalmente consagrados. (…)”
Acresce ainda referir que apesar do artigo 405.º do Código Civil consagrar o princípio da liberdade contratual não permite que os sujeitos envolvidos nos negócios se desobriguem das regras impostas quer pelo Código das Sociedades Comerciais quer do regime de tributação nos termos do Código do CIRC, ou seja, as normas de incidência subjetiva e objetiva do IRC, não as podendo alterar ao abrigo deste princípio.
Em suma, não refletindo o registo contabilístico em causa um custo em que a Recorrida haja incorrido no exercício de 2007, nem estando verificadas circunstâncias que legitimem a transferência de resultados operada, a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento por violação do artigo 18.º do CIRC.

4.2. E assim com a merecida vénia apropriando-nos das conclusões do citado acórdão formulamos as seguintes conclusões/sumário:

I. O princípio da especialização dos exercícios encontra-se consagrado no artigo 18.º do CIRC e tem uma densidade vinculativa elevada, não tolerando, fora dos casos expressamente consignados na lei, qualquer margem de manobra do contribuinte na afetação temporal dos movimentos económico-financeiros da empresa, devendo, no entanto, ser sopesado com os demais princípios constitucionais basilares, mormente, da justiça.
II. Nos termos do artigo 18.º do CIRC, os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica (n.º 1) e as componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores só são imputáveis ao período de tributação quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas (n.º 2).
II. Numa situação em que os “custos diferidos” levados à contabilidade em 2007 decorrem de desconto operado em cessão de exploração por conta das responsabilidades laborais que são transferidas para a cessionária por força de contrato celebrado em 2003, os mesmos violam aquele princípio.
IV. A prevalência do princípio da justiça sobre o princípio da especialização dos exercícios pressupõe que, cumulativamente, esteja apurado que do afastamento daquele último não resulte prejuízo para o erário público e que o erro cometido na contabilização dos proveitos e/ou custos não resultou de omissões voluntárias ou intencionais, com vista a operar transferências de resultados entre exercícios.

5. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, e julgar a impugnação improcedente e manter a liquidação efetuada.

Custas pela Recorrida, em ambas as instâncias, nos termos do art.º 527.º do CPC.

Porto, 16 de janeiro de 2025

Paula Maria Dias de Moura Teixeira (Relatora)
Serafim José da Silva Fernandes Carneiro (1.º Adjunto)
Carlos Alexandre Morais de Castro Fernandes (2.º Adjunto)