Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01617/12.6BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/09/2024
Tribunal:TAF de Braga
Relator:IRENE ISABEL GOMES DAS NEVES
Descritores:IRC; ERRADA APRECIAÇÃO DOS FACTOS;
VERIFICAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS DE RECURSO;
AUTOLIQUIDAÇÃO; MÉTODOS INDIRECTOS;
Sumário:
I. As conclusões exercem a importante função de delimitação do objecto do recurso, como resulta do artigo 635.º do CPC, devendo corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que se pretende obter do Tribunal Superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo Tribunal a quo.

II. Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação (artigo 74.º, n.º 3 da LGT).

III. É à Administração Tributária que cumpre demonstrar que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, competindo-lhe, por isso, especificar os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta da matéria colectável.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


1. RELATÓRIO
1.1. [SCom01...] Unipessoal, Lda. (Recorrente), notificada da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, datada de 05.11.2020, que julgou a ação parcialmente procedente por si deduzida contra as liquidações adicionais de IRC respeitantes aos exercícios de 2008, 2009 e 2010, com os valores incluindo juros compensatórios, respectivamente, de € 12.282,00, € 22.203,20 e € 15.982,49, inconformada vêm dela interpor o presente recurso jurisdicional.
Alegou, formulando as seguintes conclusões:
«(…)
A. O presente recurso tem por objeto a reapreciação da matéria de facto e de direito no que diz respeito à decisão de considerar improcedente a impugnação judicial apresentada contra as liquidações adicionais de IRC de 2008, 2009 e 2010, na parte em que se julgou não verificada a ilegalidade das mesmas por não se verificarem os pressupostos legais que legitimam a tributação por recurso a métodos indiretos e excessiva quantificação da matéria coletável e consequente não violação dos princípios da proporcionalidade, da justiça, da tributação pelo lucro real e da capacidade contributiva.
B. O tribunal de 1ª instância, considerou que a Administração Tributária (doravante AT) cumpriu com o ónus de provar os pressupostos da tributação por métodos indiretos e a impugnante por sua vez não conseguiu provar o excesso na respetiva quantificação.
C. Entende a recorrente que face aos factos dados como provados, prova testemunhal produzida, deveria a oposição ter sido julgada procedente.
D. Mais entende, que o Tribunal não fez a correta apreciação e interpretação dos factos e argumentos que foram produzidos pela recorrente.
E. Pelo que a sentença proferida padece de erro de julgamento e vício de lei.
F. Foram questões essenciais a analisar nos autos: A) a verificação dos pressupostos para a aplicação dos métodos indiretos e B) o excesso na quantificação da matéria tributável por recurso a métodos indiretos.
G. O recurso a métodos indiretos foi justificado pela AT face à existência de irregularidades na contabilidade da Recorrente que impossibilitaram a comprovação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria coletável nos termos do artigo 87º nº1 alínea b) e do artigo 88º alínea a) ambos da LGT.
H. A recorrente ao longo da PI alegou factos e juntou prova documental para demonstrar que não havia irregularidades na contabilidade passando por demonstrar que a metodologia usada pela AT para concluir as tais irregularidades estava errada.
I. Resultou demonstrado a existência de peças que deveriam ter sido consideradas como fazendo parte do stock inicial de 2010 e não o foram.
J. Foi demonstrado a não consideração de 1237 peças constantes nas faturas 15 e 2 (doc 7 e 8 da PI), que por se tratarem de compras efetuadas no período escolhido pela AT para fazer o corte das existências, estas teriam de ser consideradas e não foram.
K. A não consideração de notas de crédito respeitantes a mercadorias rececionadas em 01/2010 devendo por isso ser consideradas como existências iniciais de 2010.
L. Foram erroneamente contabilizadas como peças confecionadas (acabadas) amostras, serviços prestados, acessórios e matérias-primas.
M. Foram contabilizadas peças que não constavam das faturas como o é caso das 16 peças referentes á fatura nº7 que não constam dessa fatura.
N. Os factos alegados na petição inicial e devidamente documentos, foram corroborados pelas testemunhas «AA» e «BB».
O. Assim como foram dados como provados na sentença recorrida.
P. Os factos alegados permitiram demonstrar que a contabilidade da recorrente não padecia de irregularidades que justificassem o recurso a métodos indiretos.
Q. Porém, apesar de dados como provados o tribunal de 1ª Instância considerou que a alegação da Recorrente foi genérica e que não justificou tais divergências.
R. Foi igualmente determinante para se considerar legitimado o recurso a métodos indiretos a existência de desvios dos valores contabilizados pela recorrente face à média nacional e local do rácio da “margem bruta de vendas II”.
S. A recorrente invocou a ilegalidade no recurso a tais rácios em violação com o disposto no artigo 89º da LGT.
T. A aplicação dos rácios para efeitos de aplicação do artigo 89º da LGT afere-se pela atividade efetivamente exercida pelo sujeito passivo.
U. Aquando da inscrição da Recorrente não havia um CAE específico para a atividade de criação e modelação de peças de vestuário, pelo que forçosamente se viu obrigada a ter que escolher o CAE de confeção.
V. Tendo-se dado como provado que a atividade efetivamente exercida pela Recorrente não era o da confeção, nunca aqueles rácios deveriam ter sido considerados no relatório de inspeção.
W. Assim como, nunca tais indicadores deveriam ter sido considerados para aplicação do recurso a métodos indiretos, porquanto, não havia ainda decorrido mais de três anos sobre o início da atividade pela recorrente, conforme igualmente dado como provado.
X. Acresce que, o uso dos indicadores objetivos de atividade, previstos no art. 89.º da LGT, só será possível após a concretização da via regulamentar necessária para o efeito, o que ainda não aconteceu.
Y. Não obstante, o Tribunal de 1ª Instância pugnou pela legalidade dos rácios utilizados pela AT, incorrendo desta forma em erro de julgamento e violação de lei.
Z. Da prova produzida e da matéria de facto dada como provada, entende-se que ficou demonstrada a ilegalidade do recurso a métodos indiretos e erro na determinação dos valores apresentados pela AT.
AA. Termos em que, face à prova produzida deveria a impugnação ter sido julgada provada, improcedendo a sentença recorrida de erro de julgamento e violação de lei.
NESTES TERMOS, e com mui douto suprimento de V/Exas. deve ser dado provimento ao presente recurso, alterando-se a sentença proferida, no sentido de julgar a impugnação procedente, anulando-se em consequências as liquidações impugnadas.
Com o que farão aliás como sempre inteira e sã justiça.»
1.2. A Recorrida (Autoridade Tributária e Aduaneira), notificada da apresentação do presente recurso não apresentou Contra-alegações.
1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal teve vista nos autos.
1.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cf. artigo 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.
Questões a decidir:
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto (em sede de reapreciação e valoração) e erro de julgamento de direito na parte em que julgou verificados os pressupostos legais que legitimam o recurso aos métodos indirectos e erro na determinação dos valores apresentados pela AT.

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 De facto
2.1.1 Matéria de facto dada como provada na 1ª instância e respectiva fundamentação:
«Factos Provados
Com relevância para a decisão da causa, considera-se provada a seguinte factualidade:
1) Em 06/06/2008, a Impugnante iniciou a sua atividade, encontrando-se, desde então, inscrita no CAE 014131 («Confeção de outro vestuário exterior em série») e operando na base da criação e modelação de peças de vestuário, subcontratando todas as fases de fabrico das referidas peças de vestuário – confeção – e utilizando a malha como matéria prima [facto não controvertido].
2) A Impugnante encontra-se no regime geral de determinação do lucro tributável, para efeitos de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas [facto não controvertido].
3) A Impugnante foi objeto de uma ação de inspeção tributária, levada a cabo pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças ..., a coberto das ordens de serviço n.ºs ...45 e ...46, de âmbito geral para os exercícios de 2008 e 2009 e de âmbito parcial – Imposto Sobre Valor Acrescentado – para o exercício de 2010 [cfr. RIT a fls. 151 a 191 do Processo Administrativo, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais].
4) Em 12/12/2011, na sequência da ação inspetiva referida no ponto anterior, foi elaborado projeto de RIT [cfr. projeto de RIT a fls. 5 a 38 do Processo Administrativo, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais].
5) Em 15/12/2011, para a Impugnante, foi remetido, pela Fazenda Pública, o ofício com a referência n.º ...09 13016, que aquela rececionou, dando-lhe conhecimento do projeto de RIT referido no ponto anterior e dos respetivos anexos, e para querendo se pronunciar quanto ao respetivo teor [cfr. ofício e aviso de receção e RIT a fls. 1 e 2 e 151 a 191 do Processo Administrativo, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais].
6) Em 03/01/2012, na sequência da ação inspetiva referida em 3), foi elaborado RIT, no âmbito do qual se propuseram as seguintes correções à matéria tributável – quer de natureza meramente aritmética, quer com recurso a métodos indiretos – em matéria de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas:
- Ano de 2008: € 95.053,27 (aritmética: €947,00; indireta: €94.106,27)
- Ano de 2009: €84.491,70 (aritmética: €6.788,72; indireta: €77.704,98).
[cfr. documento e RIT a fls. 148 e 151 a 191 do Processo Administrativo, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais].
7) O RIT referido no ponto anterior tem, em parte, o seguinte teor:
«(…)
II – 2. MOTIVO E INCIDÊNCIA TEMPORAL
1. Motivo: Esta ação surge na sequência da proposta de inspeção (...88) emitida pela Divisão de Inspeção Tributária (DIT III), onde são evidenciadas divergências entre as guias de retenção emitidas e os valores constantes na declaração anual modelo 10; e, ainda, a existência de regularizações de IVA a favor do sujeito passivo, de montantes elevados.
(…)
II-3.3 OUTRAS INFORMAÇÕES
1. A [SCom01...] tem um capital social realizado de € 5.000,00.
2. Nos quadros seguintes são apresentados os rácios da Margem Bruta das Vendas II (MV-II), do sujeito passivo, bem como, a sua comparação com a média e mediana dos valores praticados por todas as empresas pertencentes ao mesmo CAE e ao mesmo distrito (unidade orgânica). Este rácio é calculado com base na seguinte fórmula:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
3. Volume de negócios declarado, nos anos em análise:
a. Ano de 2008 (a partir de 2008.06.06) = € 239.178,06
b. Ano de 2009 = € 708.490,81
c. Ano de 2010 = € 939.678,81
4. Os resultados, contabilísticos e fiscais, dos últimos 3 anos foram os seguintes:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)
II-3.5. OUTRAS SITUAÇÕES
Obrigações de pagamento – Imposto Único sobre Veículos
1. A [SCom01...] é proprietária de 2 viaturas em 2008 e de 4 em 2009. De acordo com a base de dados da DGCI, relativamente ao imposto único de circulação (IUC), constam pagamentos em atraso, conforme quadro seguinte:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
2. Conclui-se pois, que está em falta o IUC de 2010, das viaturas com as matrículas ..-JI-.. e 63IJ-26. Por esta infração é levantado o auto devido conforme capítulo VII.
Retenções de IR
1. Do confronto entre as guias de pagamento, os extratos contabilísticos da conta 242-Retenções na fonte de IR (Anexo I), e os valores constantes da declaração modelo 10, resultam as seguintes divergências:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
2. Estas divergências sendo materialmente irrelevantes, têm, no entanto, a seguinte justificação:
• O valor de € 674,52, retido no ano de 2008, foi pago em fevereiro de 2009, através da guia n.º 80200904698.
• O valor de € 160,30 foi retido e pago em 2009, não tendo sido incluído na declaração modelo 10.
Regularizações do IVA
1. O sujeito passivo efetuou regularizações de IVA a seu favor, de valor significativo, e que resultaram de devoluções de vendas.
2. As devoluções dizem respeito, essencialmente, ao cliente que detém a Marca S..., [SCom02...], S.A., NIPC ...84. A [SCom02...], S.A., quando recebe uma encomenda verifica 5% das peças que a compõe. Caso encontre defeitos em algumas peças, toda a encomenda é devolvida para que se proceda à recuperação das peças com erro.
3. Os valores das devoluções, obtidos a partir das declarações anuais de informação contabilística e fiscal dos balancetes, são conforme o quadro seguinte:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
4. No que respeita às regularizações de IVA a favor do sujeito passivo, foi verificado o cumprimento dos requisitos exigidos no artigo 78.º do CIVA, não tendo sido detetadas irregularidades.
Empréstimos da sócia gerente
1. No ano de 2009, a [SCom01...] adquiriu uma quota, no valor de €97 500, 00, correspondente a 30% do capital da empresa [SCom03...] S.A., NIPC ...04. Quando fez o movimento contabilístico da compra da quota, registou o valor a débito da conta 4113 (partes da capital Outras empresas) e a crédito da conta da sócia gerente (268110001 - «CC» Quota [SCom03...]).
2. Numa primeira observação do registo, constatamos que [SCom01...] adquiriu uma parte do capital de uma empresa terceira e, por essa via, ficou em divida para com a sócia gerente, no valor dessa quota.
3. A [SCom01...] foi notificada para apresentar documentos de suporte deste movimento. Em resposta, apresentou uma declaração assinada pela gerência da [SCom03...], com data de 2009.02.23, a confirmar que a [SCom01...] é sócia da empresa, com um valor de €97 500, 00 do total do seu capital social.
4. A própria empresa [SCom03...] S.A., também foi notificada sobre o processo de aquisição da quota. Em resposta, confirmou que a [SCom01...] adquiriu o estatuto da sócia em 2009 e que a quota foi adquirida a um sócio, através de negociação direta. Acrescentou ainda que, essa transação não implicou qualquer movimento contabilístico na [SCom03...].
5. A resposta à notificação, efetuada por nós à [SCom01...], sobre o documento de suporte do referido movimento não é uma resposta adequada à notificação, pois aquele documento visa provar a qualidade de sócia da [SCom01...] na empresa [SCom03...], mas nada documenta sobre qualidade de credora, da sócia gerente sobre a [SCom01...], nem sobre o movimento bancário que suporta a aquisição. De acordo com os registos contabilísticos, a [SCom01...] não ficou em vida para com a empresa [SCom03...] S.A.
6. De notar que, de acordo com o n.º 2 do artigo 63. ° C, da Lei Geral Tributária (LGT), devem ser efetuados através de conta bancária, associada exclusivamente à atividade, todos os suprimentos e outras formas de empréstimos e adiantamentos de sócios, e outros movimentos de ou a favor dos sujeitos passivos.
7. Foram feitas diligências para obter mais esclarecimentos, junto da [SCom01...], sem resultados até ao momento. Esta matéria deve ser analisada na esfera individual da sócia, para verificar os pressupostos constantes no artigo 89. ° A da LGT.
III- DESCRIÇÃO DOS FATOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÖES MERAMENTE ARITMETICAS À MATÉRIA COLETAVEL
III.1 AMORTIZAÇÕES NÃO ACEITES FISCALMENTE
1. No caso de viaturas ligeiras de passageiros, há limites às amortizações que podem ser aceites como custo, impostos pela alínea e), do n.º 1, do artigo 33. ° do CIRC. Assim, não são aceites socialmente as amortizações na parte em que excedam valor €29 927,87.
2. Sujeito passivo possui uma viatura ligeira de passageiros, marca Audi, adquirida em 2009, matricula ..-1J-.., com um custo de aquisição de €64 500, 01 e amortizável em 4 anos.
3. Então o volume do valor da amortização não aceite como custo fiscal é, conforme o quadro seguinte:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
4. O sujeito passivo acresceu (no exercício de 2009 e 2010) no quadro 07, da declaração de IRC modelo 22, o valor de €6125,00, em vez de €8.643,03, registando-se uma diferença de €2518,02, que tem de ser corrigida (ponto III.3).
III.2 Ofertas
1. O sujeito passivo relevou contabilisticamente, vários documentos relativos a ofertas (Anexo Ill), que compreendem:
a. Sessões de "SPA". Cada sessão tem um valor próximo dos ¬ 50, 00. O total destas despesas é de €947, 00, em 2008, e €1.028,70, em 2009;
b. Uma fatura emitida pela empresa "[SCom04...], Lda.", conhecido como "X...", NIPC ...42, de 2009.12.04, que refere "1 serviço", quantidade 1, como o valor de €3 240, O0.
2. Em qualquer destas despesas, não foi deduzido o IVA. Em IRC, coloca-se a dúvida da relação destas despesas com a atividade da [SCom01...] e, por essa via, da imprescindibilidade ou não das mesmas. O sujeito passivo foi questionado no sentido de prestar esclarecimentos adicionais.
3. A socia gerente da [SCom01...] apresentou a seguinte explicação (Anexo IV):
“Fundei a [SCom01...], comecei a trabalhar, a lutar no mercado, contatos de fornecedores, clientes, trabalhadores especializados, empresas especializadas para subcontratar, etc. um mundo que me fascina e adoro, daí sentir-me como o peixe na agua.
Ao fim d cerca de um ano a criar lações e contatos diversos, resolvi jogar uma cartada, pensei em organizar um meeting, para juntar clientes, e potenciais clientes, estilistas, modelistas, fornecedores, trabalhadores especializados desses fornecedores e de alguns potenciais clientes, ou seja, fazer um encontro/apresentação da minha empresa, mostrar o meu empreendedorismo, o meu projeto para vencer num mercado difícil, com muita concorrência, mas aliciante.
Juntei cerca de 100 pessoas, fiz um portfólio dos meus trabalhos, dos meus projetos, daquilo que a [SCom01...] se propunha alcançar no mercado. Mostrei que precisava da ajuda de todos os fornecedores, subcontratados, claro de clientes que acreditassem no projeto e comprassem, pois sem eles nada é possível.
Joguei forte, arrisquei, investi. Agreguei num jantar uma panóplia de acontecimentos, como passagem de modelos e powerpoint’s, que para a contabilidade/fisco não passa de uma fatura que foi paga e contabilizada, mas a [SCom01...] foi um excelente investimento. O considero que pequenas oferendas como vouchers que ofereci pelo Natal de 2009 aos meus clientes e potenciais clientes, viriam a resultar muito além das minhas expectativas. Foi um investimento, pois o retorno foi magnifico, senão vejamos a minha faturação média mensal:
Em 2008= 35.00,00€; em 2009=67.500,00€; em 2010 = 100.000,00€; em 2011 vai em 130.000,00€.
4. Não obstante a justificação apresentada, a prova testemunhal não substitui a prova documental, para efeitos de suporte contabilístico.
5. O código de IRC, define as regras para a aceitação dos custos para efeitos fiscais, sendo:
o Nos termos do n.º 3, do artigo 17. °, temos: " De modo a permitir o apuramento referido no nº 1, a contabilidade deve: b) Refletir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo e ser organizada de modo que os resultados das operações e variações patrimoniais sujeitas ao regime geral do IRC possam claramente distinguir-se das restantes."
o O artigo 115.º refere que o sujeito passivo deve "dispor de contabilidade organizada nos termos da lei comercial e fiscal que, além dos requisitos indicados no n.º 3, do artigo 17. permita o controlo do lucro tributável."
o Acrescenta a alínea a), do n.º 2, do artigo 115.° que "todos os lançamentos devem estar em apoiados em documentos justificativos, datados e suscetíveis de serem apresentados sempre que necessário".
o Por fim, o artigo 23.° considera que são "custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora (...).
6. As despesas de SPA e do restaurante estão “devidamente documentadas”, pois existem na contabilidade da [SCom01...], documentos que obedecem aos requisitos legais, contendo a identificação do comprador, do vendedor e o montante gasto. Deste modo e de acordo com os esclarecimentos adicionais prestados pela sócia-gerente é conhecida a sua natureza, origem e finalidade. Contudo, não é conhecida a identificação dos beneficiários destas ofertas, pelo que desconhecemos se os mesmos são pessoas com as quais o sujeito passivo se relaciona, nomeadamente clientes e fornecedores ou, pelo contrário, pessoas que não tem qualquer relação com o sujeito passivo, mas sim com a sócia-gerente.
7. Por outro lado, verifica-se a impossibilidade de fazer o nexo de conexão entre as despesas – Por exemplo, um "banho de hidromassagem e massagem anti age cream spf 15" - e a atividade do sujeito passivo.
8. Nestes termos, as despesas acima referidas não podem ser aceites como custo para efeitos fiscais, dada a sua não imprescindibilidade para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nos termos do artigo 23. ° do CIRC. (Ponto I1.3).
III.3 Quadro das correções aritméticas resultantes da análise efetuada
1. Do exposto resultam as seguintes correções na esfera de IRC, por métodos diretos conforme o quadro que se segue:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida][Imagem que aqui se dá por reproduzida]
IV- MOTIVOS E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRETOS
IV.1 Objetivos
Procedemos à verificação da contabilidade seguindo o Programa de Trabalho Padrão constante no Manual de metodologias de Inspeção Tributária, fazendo incidir a nossa análise, de uma forma mais acentuada, nas áreas que consideramos de maior risco e de maior relevância fiscal, nomeadamente as seguintes: Venda de Produtos Acabados, Compras, Custo das Existências Vendidas e Matérias Consumidas, Fornecimentos e Serviços Externos.
A metodologia de análise à contabilidade do sujeito passivo passou, fundamentalmente, pela realização de testes substantivos às quantidades de artigos transacionados.
A opção por esta metodologia visou validar o valor das vendas de mercadorias e de produtos acabados, os inventários das existências e consequentemente o valor da produção, refletidos nas demonstrações financeiras e fiscais. Foram efetuados os seguintes testes:
Corte das existências
Controlo quantitativo das vendas
No sentido de conferir validade e eficácia aos cálculos efetuados, foi necessário tomar conhecimento do processo produtivo desenvolvido pela [SCom01...], cuja descrita sucinta consta do ponto seguinte:
IV.2. Processo Produtivo
1. Como foi já referido no ponto II, a [SCom01...] exerce a atividade de Confeção de Outro Vestuário em série – CAE 014131.
2. A atividade da [SCom01...] desenvolve-se da seguinte forma, conforme auto de declarações (Anexo IX):
“Primeiro fazem o desenvolvimento das amostras: algumas são criadas por conta própria e apresentadas aos clientes e outras surgem na sequência de protótipos cedidos pelos clientes. Segundo, vendem as amostras da coleção aos clientes.
As tarefas para fazer as peças da coleção são subcontratadas. Para as empresas deste ramo existem duas estações, Verão e Inverno e o pronto moda. O pronto moda são peças pontuais, novidades que se vão acrescentar à coleção. As marcas principais para quem a [SCom01...] trabalha são a Marca S..., a Marca T... e a C117, sendo que as vendas mais significativas são efetuadas à Marca S....
A [SCom01...] compra malhas acabadas e material acessório como elásticos, botões, etc.”
3. Todas as tarefas de confeção são subcontratadas e consistem nas seguintes:
- corte, estampagem, confeção, embalagem, lavagem e tinturaria. Embalagem inclui o engomar, dobrar, colocar a etiqueta de cartão com o código de barras. Os serviços de lavandaria raramente se verificam, assim como os de tinturaria. No caso dos serviços de tinturaria, a [SCom01...] compra malha acabada, já colorida, pelo que os mesmos só acontecem quando se quer criar determinado efeito na cor.
IV.3 RECOLHA E ANÁLISE DOS DADOS – “CORTE” DAS EXISTÊNCIAS
1. A opção por este teste visou validar as quantidades constantes dos inventários das existências. Para tal, efetuamos o confronto entre as quantidades vendidas e as quantidades de confeção adquiridas, no mês de janeiro, e as quantidades existentes no início de cada um dos anos em causa.
Deste modo:
a. Foram consideradas acabadas as peças com a designação de “peças em embalamento já confecionadas”, porque, apesar de estarem fora das instalações da [SCom01...] para embalamento, encontram-se totalmente confecionadas.
b. Por outro lado, não foram consideradas acabadas as peças com a designação de “peças em confeção” ou “frentes em estamparia e costas”, porque, como a própria designação indicada, trata-se de peças que estão em diversas fases de confeção, ou seja, não estão acabadas.
2. Procedemos, então, à recolha e sistematização dos seguintes agregadas
- Existências iniciais de “peças em embalamento já confecionadas”;
- Subcontratos (janeiro);
- Vendas (janeiro).
3. Relação das compras (confeção) efetuadas durante o mês de janeiro (Anexo V):
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
Nota: Não há faturas de compras nos primeiros 5 dias de fevereiro (artigo 35.º do CIVA – prazo de 5 dias para emitir faturas).
4. Relação das vendas efetuadas durante o mês de janeiro (Anexo VI):
[Imagem que aqui se dá por reproduzida][Imagem que aqui se dá por reproduzida]
5. Quadro resumo
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
6. Verifica-se, assim, que a [SCom01...], em janeiro de 2010, vendeu mais 4.744 unidades do que as que tinha disponíveis para venda, ou seja, em inventários e adquiridas.
IV – 4. Recolha e análise de dados – controlo quantitativo das vendas
1. A opção por este teste visou validar as vendas de mercadorias e produtos declarados pela [SCom01...]. Para tal procedemos à recolha e sistematização dos seguintes agregados:
- Subcontratos;
- Vendas;
- Existências iniciais e finais
2. Assim, foi efetuada a contagem das peças vendidas, constantes nas faturas emitidas pela [SCom01...] e das peças confecionadas constantes nas faturas emitidas pelas diversas entidades subcontratadas.
3. Esta recolha abrangeu todos os tipos de peças de vestuário, como se um artigo único se tratasse, ou seja, sem ter em consideração as referências das mesmas, isto devido aos constrangimentos provocados pelos inventários, que mais à frente será relatado.
4. As faturas da confeção subcontratada mencionam sempre a quantidade e a identificação da peça de vestuário (camisola, vestido, top etc.). Acrescentam ou não o número de referência da peça, que é dado pela empresa que subcontrata, e o número da guia de transporte da entidade confecionadora. Em algumas situações, menos frequentes, na fatura não é identificada a peça de vestuário, mencionando apenas “peças” e o número de referência.
5. No final da recolha efetuada, as quantidades adquiridas por via dos subcontratados, depois de se considerar as quantidades existentes nos inventários Iniciais e Finais de Produtos Acabados serão comparadas as quantidades vendidas.
IV – 4.1 Pressupostos e metodologia de análise dos dados
6. Colocou-se, então, uma questão fundamental, ou seja, esclarecer se, sobre a mesma peça de vestuário, são operadas diferentes tarefas de confeção por entidades subcontratadas distintas.
7. Para ajudar no esclarecimento desta questão, vamos recorrer ao descritivo das faturas emitidas pelos fornecedores de subcontratos e que passamos a exemplificar (Anexo VIII):
(…)
8. Nos exemplos acima, são apresentados a negrito os trabalhos complementares à confeção ou de acabamento da peça propriamente dita. Identificamos, desde logo, uma linha orientadora ao nível do preço destas tarefas complementares e de acabamento. Nos exemplos apresentados o preço mais elevado é de € 0,35/peça.
9. Por vezes, são efetuados vários trabalhos complementares, como por exemplo, “fechar, meter o folho e meter etiqueta”, cujo preço chega aos € 0,70/peça. No entanto, sobre esta peça já foram operadas outras tarefas parciais, no mesmo ou noutro confecionador, conforme será esclarecido mais à frente, neste relatório.
10. Relativamente aos arranjos das peças com defeito de confeção, estes são faturados à hora como se verifica através do registo n.º 30050002/2010, onde se mencionam 5 horas de trabalho a um custo/hora de € 4,6. No entanto, acontece que, muitas vezes, estes trabalhos não são faturados, conforme declarações de diversos confecionadores.
11. Os confecionadores podem executar trabalhos parcelares e trabalhos completos de confeção. A distinção é feita pelo descritivo das faturas emitidas, pois, tratando-se de trabalhos parcelares, são identificados os trabalhos executados; tratando-se de trabalhos completos de confeção, aqueles documentos fazem referência aos diversos tipos de peças de vestuário, sem menção a uma tarefa particular.
12. Temos esse exemplo no registo n.º 30050096/2010. Este registo diz respeito a uma das poucas empresas que, além da confeção e de outros trabalhos complementares e de acabamento, executa o corte da malha, a aplicação de transferes e o embalamento. Na fatura que corresponde ao registo, são mencionadas, numa linha, 1.984 peças confecionadas e embaladas, depois do corte do tecido. E, noutra linha, são mencionadas as mesmas 1.984 peças, agora sujeitas à aplicação de acessórios, trabalho complementar ao trabalho de dar forma à peça de vestuário.
13. Torna-se clara a distinção entre o que é a peça confecionada inteira e o que é o trabalho parcial de realização de um acessório de uma peça de vestuário cuja confeção estará contemplada numa outra fatura de compra.
14. Existem trabalhos complementares que são feitos por empresas especializadas, algumas delas que não estão inscritas na atividade de confeção, mas em outras atividades. São exemplo desses trabalhos específicos o casear e pregar botões, o corte, a aplicação de transferes, o bordado, o embalamento, entre outros.
15. As faturas emitidas por «DD», número de contribuinte ...89, entidade subcontratada, suscitou-nos algumas dúvidas. São faturas recorrentes e apresentam-se em quantidades elevadas. Os seus preços oscilam entre € 0.25 e € 0,35 e o descritivo não evidencia o trabalho executado. Questionada a sócia gerente da [SCom01...] sobre que tipos de serviços lhes estão associados, fomos informados que se tratam de serviços de embalamento.
16. No sentido de conferir validade e eficácia aos dados recolhidos, importa distinguir a confeção de peças inteiras, dos trabalhos parciais realizados. Para tal, ouvimos em declarações reduzidas a termos, que se juntam para fazer parte integrante deste Relatório (Anexos IX e X), a sócia gerente da [SCom01...] e alguns confecionadores, para esclarecimento da questão colocada.
17. De acordo com a sócia gerente (Anexo IX): “não obstante ter vários confecionadores na sua carteira de fornecedores, a confeção de um modelo é entregue, por regra, a um confecionador só, para realizar inteira. A exceção são alguns casos em que está em causa o prazo de entrega da encomenda e por causa do tempo, certos acabamentos são entregues a outra empresa. Acabamentos, como tirar linhas, cozer botões (…). Algumas faturas falam dos itens de arranjos que se trata de reparar as peças que os próprios confecionaram e que resultaram com defeito ou reparar peças com defeito de outros confecionadores. No caso de peças com defeito, a maioria assume o erro”.
18. Das declarações prestadas pelos confecionadores (Anexo X), ressaltam as seguintes afirmações:
- «EE»
“recebemos o tecido cortado e fazemos a montagem da peça, costurar ombros, magas e lados, fazer bainhas, mais concretamente confeção a feitio, fazemos a peça inteira. Não fazemos certos acabamentos como exemplo embalamento, bordado, casear (…)
(…)
19. Pelos testemunhos verifica-se que:
- a confeção é realizada inteira, por um só confecionador;
- quando são efetuados trabalhos parciais sobre uma peça de vestuário esses trabalhos são especificados;
- quando se trata de realizar a peça de vestuário inteira, menciona-se na fatura a peça de vestuário ou, simplesmente, peças e referência;
- os preços mínimos apontados são variados, porque depende das peças de vestuário, se são mais básicas ou mais elaboradas. Uma das confecionadoras indicou-nos que já lhe aconteceu ter sido paga a €0,45, outra apresentou um preço mínimo de 0,80 e outra ainda de 0,90.
20. No caso anteriormente referido, do registo 30060001/2010 (“top de rendas unir meter clorete e pespontos”), este item também não foi considerado como confeção inteira. Estas peças não serão consideradas uma única vez, na contagem de controlo, isto porque, e de acordo com as declarações prestadas, numa primeira fase teriam a descrição “unir ombros e braços” e numa segunda fase “unir e fazer bainhas”. Ora, sendo ambos os trabalhos, faturados em momentos diferentes, trabalhos parciais sobre a peça de vestuário, não são tidos em conta no controlo de quantidades. Estes exemplos são exemplos de itens residuais. De qualquer modo, pretende-se garantir a exclusão de todos os itens que possam suscitar alguma dúvida sobre se uma peça é contada uma única vez ou mais que uma vez.
21. Em face dos dados conhecidos e acima descritos, a análise efetuada assumiu desde logo o seguinte pressuposto: para efetuar a comparação com as quantidades vendidas, serão recolhidas as quantidades provenientes da confeção, mas apenas quando estão em causa trabalhos completos de confeção e que obedeçam cumulativamente aos seguintes critérios:
- atividade do prestador de serviços: confeção a feitio;
- preços unitários de venda iguais ou superiores a € 0,70
- descritivo da fatura referindo a peça de vestuário e não tarefas complementares.
22. Foram analisadas as devoluções, uma vez que a [SCom01...] efetua com regularidade devoluções, como se pode retirar das declarações da sua sócia gerente (Anexo IX) (…)
23. Se verificarmos os documentos associados a uma devolução, confirmamos que existem a fatura de venda, a nota de crédito e uma segunda fatura de venda das peças devolvidas. Também verificamos que as devoluções não refletem, regra geral, nas faturas de aquisição de serviços de confeção.
24. De acordo com as declarações prestadas pela sócia gerente (Anexo IX) “normalmente a entidade que fez o erro é que assume o custo”
25. Também as empresas confecionadoras contactadas (Anexo X) corroboram esta afirmação, afirmando que não cobram os arranjos que efetuam por erros seus realizados nas peças de vestuário.
26. E podemos fazer esta mesma constatação da seguinte forma:
- tomamos como exemplo a fatura de venda n.º 231, de 09.10.2009 e n.º de registo 4010006. O seu conteúdo refere a venda de 1015 unidades de “sweats”. Pela devolução destas peças de vestuário foi emitida a nota de crédito n.º 40, de 14.10.2009, e n.º de registo 5010003. Foi emitida nova fatura de venda, n.º 236, em 15.10.2009.
- durante o mês de outubro não existem de entre as faturas que consideramos faturas de confeção da peça inteira, qualquer aquisição de serviços de confeção de “sweats” com a referência das “sweats” devolvidas. A fatura correspondente ao n.º de registo 3010031, refere 397 unidades de “sweats”, mas com uma referência diferente da referência das peças devolvidas. A referência das peças devolvidas é o n.º 825400820151006 e a referência das pelas adquiridas via confeção a feitio na respetiva fatura é o n.º 825400840158004.
27. Por outro lado, verificando-se, em algumas situações específicas, a faturação dos serviços de arranjos pelos confecionadores, os mesmos estão identificados nas faturas, bem como o cálculo do seu valor, quando há valor, este é calculado à hora e não à peça.
28. Conclui-se portanto que as devoluções não têm reflexos na contagem das peças adquiridas via confeção a feitio mas que têm reflexos nas vendas, pois dão origem ao registo de duas vendas.
IV – 4.2 Cálculos
1. Tendo em conta as considerações efetuadas, passamos a fazer o controlo das quantidades nos termos que se seguem e tendo em consideração o seguinte: (…)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida][Imagem que aqui se dá por reproduzida][Imagem que aqui se dá por reproduzida]
2.. Estas quantidades têm incoerências entre si, senão vejamos:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
IV – 5 JUSTIFICAÇÃO DOS MOTIVOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRETOS
1. Os testes quantitativos efetuadas demonstraram clara e inequivocamente que os valores declarados pela [SCom01...], e que constam das suas demonstrações financeiras, não correspondem à verdade.
2. No vaso do mês de janeiro de 2010, verificamos que as quantidades vendidas são superiores às existências iniciais e às compras. Ora, a [SCom01...] não pode ter vendido produtos que não tinha, pelo que, se presume que as quantidades em falta (4.744) não foram incluídas nas existências iniciais de 2010, nem nas existências finais de 2009.
3. Contudo, esta divergência no inventário inicial do ano de 2010 não justifica, na totalidade, as divergências encontradas (9.834 unidades em 2009 e 7.741 unidades em 2010). O restante respeita a omissões de vendas.
4. As divergências encontradas, não podem ser todas atribuídas a uma deficiente inventariação pois:
a. Tal implicaria uma diminuição significativa dos rácios, acentuando o fosso com os rácios de outras empresas do mesmo setor de atividade.
b. A [SCom01...] possui instalações nas quais se verifica o armazenamento de rolos de malha e pouco mais (acessórios e algumas peças de confeção). Por outro lado, a [SCom01...], pouco depois de receber as peças subcontratadas, vende-as. Aliás as peças são subcontratadas quando há uma encomenda do cliente dono da marca e este impõe um prazo para receber a encomenda.
5. A [SCom01...] regista as suas existências em regime de inventário intermitente. De acordo com o POC, nos termos do Decreto-Lei 44/99, de 12 de fevereiro, o inventário intermitente deve cumprir certas regras. As contagens físicas devem ser efetuadas com referência ao final do exercício; na contagem referida ao final do exercício deve ser elaborada, para cada uma das contagens, uma lista contendo os seguintes elementos:
Código do artigo, se existir;
Descrição do artigo;
Unidade de contagem;
Quantidade à data da contagem;
Custo unitário;
Custo total;
Critérios de valorimetria.
6. No caso da [SCom01...], o inventário não está devidamente elaborado pois apresenta peças de vestuário, no global, agrupadas pela fase da sua fabricação.
7. A [SCom01...] foi notificada para esclarecer o critério valorimétrico e a forma de cálculo utilizados na valorimetria das suas existências. Em resposta, fomos informados que:
“os valores apresentados são valores médios, calculados conforme a percentagem de acabamento das peças fabricadas. Como já expliquei, a minha empresa unicamente faz a conceção e desenvolvimento de peças de moda. A execução das mesmas é por nós supervisionada, mas todo o processo produtivo é subcontratado. Confeção a feitio, estamparia, bordador, embalamento, etc.”
8. Ora, o critério valorimétrico utilizado é aceite pela Administração Fiscal Contudo, não foram exibidos elementos adicionais (fichas de custeio, ou outros), demonstrativos do cálculo do custo unitários, ou seja, o valor da matéria-prima aplicada, o custo das diferentes tarefas de confeção, etc.
9. Acresce, ainda a título complementar, que a margem bruta das vendas, que compara as vendas com o CMVMC e os FSE, está significativamente inferior à média e à mediana das margens das empresas do mesmo CAE e da mesma unidade orgânica, isto é, o distrito ....
[Imagem que aqui se dá por reproduzida][Imagem que aqui se dá por reproduzida]
10. Não existem, ainda, rácios comparativos para o ano de 2010. Não obstante, dos valores do sujeito passivo, resulta uma margem bruta de 7,8%.
11. Face a tudo o que foi exposto, verifica-se que a contabilidade da [SCom01...] apresenta irregularidades que impedem a determinação direta e exata da matéria tributável.
12. As circunstâncias que motivaram o recurso à avaliação indireta da matéria tributável da [SCom01...] para os exercícios de 2008, 2009 e 2010, baseiam-se no pressuposto estatuído na alínea b) do n.º 1 do artigo 87.º da Lei Geral Tributária (LGT), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de dezembro, por força do disposto na alínea a), do artigo 88.º do mesmo diploma.
V – CRITÉRIOS DE CÁLCULO DOS VALORES CORRIGIDOS COM RECURSO A MÉTODOS INDIRETOS
1. Não obstante a aplicação de métodos indiretos, nos termos do artigo 85.º da LGT, são de aproveitar todos os elementos que permitem a determinação exata e direta dos valores das operações realizadas.
(…)
3. Assim, vamos determinar um preço unitário médio de venda, que será aplicado às quantidades omitidas em cada um dos anos, obtendo-se o valor das vendas omitidas, conforme os cálculos apresentados nos quadros seguintes.
[Imagem que aqui se dá por reproduzida][Imagem que aqui se dá por reproduzida][Imagem que aqui se dá por reproduzida]
Variação da produção – ano de 2009
A correção das quantidades em existências finais tem, na esfera do IRC, reflexo na variação da produção. A produção que se encontra em vias de fabrico, cujos custos estão assumidos em resultados, por via desta correção terá de ser superior na medida do valor desses produtos. Para os valorizar, consideramos o valor unitário assumido pelo sujeito passivo no inventário final de 2009, para as peças no estádio de fabricação em “embalamento já confecionadas”.
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
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Nota: A correção das quantidades em existências iniciais terá, na esfera do IRC, reflexo no custo das mercadorias vendidas e das matérias consumidas. O procedimento inspetivo, para o ano de 2010, apenas contempla a matéria em IVA, pelo que essas correções serão efetuadas posteriormente, quando for feito o cálculo das correções em IRC, em procedimento inspetivo instaurado para o efeito.
4. A imputação das vendas omitidas aos períodos de imposto foi efetuada de forma proporcional às vendas declaradas, respeitando, desta forma, o ciclo de vendas do sujeito passivo. A taxa de IVA aplicada foi a taxa normal, nos termos da alínea c) do n.º 1 do art. 18.º do CIVA.
5. O IVA em falta, por período de imposto e resultante da omissão de vendas é conforme os quadros seguintes:
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Ano 2009
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Ano 2010
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6. IRC
Ano de 2008
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
O lucro tributável proposto, relativo ao exercício de 2008, terá em consideração as correções meramente aritméticas (capitulo lIl) e a correção por métodos indiretos, sendo fixado em €105.126,97.
Ano de 2009
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
O lucro tributável proposto, relativo ao exercício de 2009, terá em consideração as correções meramente aritméticas (capitulo ll) e a correção por métodos indiretos, sendo fixado em e
94.984,05.
Ano de 2010
Posteriormente será desencadeado um procedimento inspetivo interno para efetuar as correções de IRC do exercício de 2010, apresentadas no quadro seguinte:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
O lucro tributável proposto, relativo ao exercício de 2010, terá em consideração as correções meramente aritméticas (capitulo ll) e a correção por métodos indiretos, sendo fixado em €71.767,28.
7. Finalmente, importa sublinhar o fato de, depois de operadas as correções propostas ao volume de negócios, apuram-se rácios que apresentam valores que se encontram dentro dos parâmetros normais para o setor de atividade em que a [SCom01...] está inserida, conforme quadros seguintes:


[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)
IX – DIREITO DE AUDIÇÃO
O sujeito passivo foi notificado (…) não tendo recebido até à data qualquer informação que consubstancie o exercício do direito de audição».
[cfr. RIT a fls. 151 a 191 do Processo Administrativo, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais].
8) Em 04/01/2012, sobre o RIT referido em 6) e parcialmente transcrito em 7), foi aposto despacho do Diretor de Finanças em substituição, com o seguinte teor:
«Concordo com o teor do presente relatório e com as suas correções. Considerando os fundamentos dele constantes, deve o lucro tributável de IRC dos anos de 2008 e 2009 (…) ser determinados por avaliação indireta».
[cfr. despacho a fls. 151 do Processo Administrativo, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais].
9) Em 04/01/2012, para a Impugnante foi remetido, pela Fazenda Pública, o ofício com a referência n.º ...8, que aquela rececionou, comunicando-lhe o teor do RIT referido em 6) e parcialmente transcrito em 7) [cfr. aviso de receção e ofício a fls. 147 e 148 do Processo Administrativo, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devido efeitos legais].
10) Na sequência das diligências efetuadas no âmbito da ação inspetiva referida em 3), a Impugnante foi objeto de uma ação de inspeção tributária interna, levada a cabo pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças ..., a coberto da ordem de serviço n.º ...87 de âmbito parcial em sede de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas para o exercício de 2010 [cfr. RIT a fls. 351 a 375 do Processo Administrativo, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais].
11) Em 14/12/2011, na sequência da ação inspetiva referida no ponto anterior, foi elaborado projeto de RIT [cfr. projeto de RIT a fls. 325 a 349 do Processo Administrativo, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais].
12) Em 15/12/2011, para a Impugnante, foi remetido, pela Fazenda Pública, o ofício com a referência n.º ...09 13048, que aquela rececionou, dando-lhe conhecimento do projeto de RIT referido no ponto anterior e dos respetivos anexos, e para querendo se pronunciar quanto ao respetivo teor [cfr. ofício e aviso de receção e RIT a fls. 323, 324 e projeto de RIT a fls. 325 a 349 do Processo Administrativo cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais].
13) Em 03/01/2012, na sequência da ação inspetiva referida em 10), foi elaborado RIT, no âmbito do qual se propuseram as seguintes correções à matéria tributável – quer de natureza meramente aritmética, quer com recurso a métodos indiretos – em matéria de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas:
- Ano de 2010: € 65.595,78 (aritmética: €2.518,02; indireta: €63.077,76)
[cfr. documento e RIT a fls. 350 a 375 do Processo Administrativo, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais].
14) O RIT referido no ponto anterior tem um teor muito semelhante ao do RIT referido em 6) e transcrito parcialmente em 7), destacando-se diferenças nas partes que em seguida se transcrevem:
«(…)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida][Imagem que aqui se dá por reproduzida][Imagem que aqui se dá por reproduzida]
IV- MOTIVOS E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRETOS
(…)
IV- 4.2. Cálculos
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]




[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)
V – CRITÉRIOS DE CÁLCULO DOS VALORES CORRIGIDOS COM RECURSO A MÉTODOS INDIRETOS
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida][Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)
IX – DIREITO DE AUDIÇÃO – FUNDAMENTAÇÃO
O sujeito passivo foi notificado (…) não tendo sido recebido até à data qualquer informação que consubstancie o exercício do direito de audição».
[cfr. RIT a fls. 29 do SITAF e a fls. 350 a 375 do Processo Administrativo, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais].
15) Em 04/01/2012, sobre o RIT referido em 13) e parcialmente transcrito em 14), foi aposto despacho do Diretor de Finanças em substituição, com o seguinte teor:
«Concordo com o teor do presente relatório e com as suas correções. Considerando os fundamentos dele constantes, deve o lucro tributável de IRC do ano de 2010 ser determinado por avaliação indireta. Procedimento necessários».
[cfr. despacho a fls. 353 do Processo Administrativo, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais].
16) Em 04/01/2012, para a Impugnante foi remetido, pela Fazenda Pública, o ofício com a referência n.º...03.76, que aquela rececionou, comunicando-lhe o teor do RIT referido em 13) e parcialmente transcrito em 14) [cfr. ofício a fls. 350 do Processo Administrativo, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devido efeitos legais].
17) Em 03/02/2012, a Impugnante apresentou junto da Direção de Finanças ... um pedido de revisão da matéria tributável fixada como base em métodos indiretos, nos termos do artigo 91.º da Lei Geral Tributária [cfr. documento de fls. 196 a 213 do PA, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais].
18) Em 03/03/2012, na sequência do pedido referido no ponto anterior, pelo perito nomeado pela Impugnante foi elaborado um «Relatório», com, em parte, o seguinte teor:
«(…)
Na minha opinião, não existem fundamentos/motivos para a aplicação de métodos indiretos, no entanto e sempre com o intuito de colaborar com a Administração Tributária, propus-me desde o início a discutir um possível acordo, pelo que acabamos por suspender os trabalhos e agendar nova reunião.
Durante a segunda reunião, voltamos a resumir todos os assuntos tantos do relatório da inspeção tributária como da reclamação do contribuinte.
Como já tinha, entretanto, falado com a contribuinte, realcei que a mesma estaria disposta a um acordo razoável, unicamente com o intuito de evitar futuras custas judiciais.
Tentando sempre chegar a uma lógica de correção da matéria tributável, nunca foi possível chegar a acordo, pois no meu entender, o relatório da inspeção tributária, enferma de graves irregularidades, demonstradas e provadas na reclamação do contribuinte.
(…)
Resumindo, não foi possível chegar a acordo, pelo que elaboro o presente relatório, aproveitando ainda para apelar ao bom senso, para se evitar custos futuros com processos judiciais, bem como contribuir para o aumento do desemprego direto e indireto (…)».
[cfr. «Relatório» a fls. 217 a 219 do PA, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais].
19) Na sequência do pedido referido em 17), pelo perito nomeado pela Administração Tributária foi elaborado «Parecer», em parte com o seguinte teor:
«(…)
RECURSO A MÉTODOS INDIRETOS
5. A Administração Tributária entende que o recurso à avaliação indireta da matéria tributável se encontra devidamente fundamentada, designadamente, nos seguintes motivos.
6. Nas divergências relativas ao controlo quantitativo de existências, tendo por base as faturas de subcontratos relativas às peças de vestuário confecionadas, as existências iniciais e finais, e as quantidades vendidas (…)
7. Nos testes quantitativos de existências, designadamente de janeiro de 2010, que demonstram que as quantidades vendidas foram superiores às existências iniciais e aquisições a confecionadores.
8. No facto de, notificado o sujeito passivo do imposto para esclarecer o critério valorimétrico e forma de cálculo do custo das peças confecionadas que constam do inventário de 2009, nomeadamente matéria prima e encargos gerais de fabrico, não ter sido feita a comprovação dos valores que constam como custo dos produtos.
9. No facto da margem bruta de vendas, que compara as vendas com os dois principais fatores de custo na produção, matéria-prima e fornecimentos e serviços externos, registados na contabilidade do sujeito passivo do imposto, ser significativamente inferior à margem média de venda que consta da base de dados da Direção-Geral dos Impostos para este setor de atividade (…)
11. A reclamante na sua petição de revisão do lucro tributável e na reunião para apreciar a matéria tributável, alega em síntese várias inexatidões cometidas pela inspeção na recolha das quantidades das peças confecionadas e vendidas, que retiram, em sua opinião, credibilidade à quantificação da matéria coletável.
12. O perito da Administração Tributária entende que, numa avaliação global dos fundamentos que estiveram na base da aplicação de métodos indiretos, não ficou demonstrado por parte da reclamante que os erros de contagem, tenham reflexo na quantificação da matéria coletável para efeitos de IRC e IVA conforme a seguir se pretende demonstrar.
QUANTIFICAÇÃO DA MATÉRIA COLETÁVEL
(…)
20- Comparando, a estimativa de vendas que consta do relatório de inspeção e a estimativa do volume de negócios resultante dos custos de matéria prima e fornecimento serviços externos, registados na contabilidade, conclui-se que os acréscimos de vendas propostos pela inspeção para os exercícios económicos de 2009 e 2010 nos montantes de 40.701 EUR e 100.080 EUR, respetivamente, são perfeitamente compatíveis com a rentabilidade normal dos fatores de produção da matéria-prima e fornecimento de serviços externos.
21- – A conclusão retirada no ponto anterior poderá não ter aplicação para o exercício de 2008, a reforçar este entendimento encontra-se o facto de a empresa ter declarado o início de atividade em 06.06.2008.
(…)
23- Com base nos factos e razões apontadas, sou do parecer que se deve manter os montantes da matéria e impostos fixados com base no relatório de inspeção».
[cfr. «parecer» a fls. 220 a 223 do Processo Administrativo, cujo tero se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais].
20) Em 04/04/2012, na sequência do pedido referido 17) e das posições parcialmente transcritas em 18) e 19), o Diretor de Finanças em substituição proferiu decisão, em parte com o seguinte teor:
« “(…)
A Administração Tributária efetuou a prova de que se mostram verificados os pressupostos para a avaliação indireta.
(…)
Apesar de o perito do contribuinte referir que os rácios utilizados pela Administração Tributária são desproporcionados para a atividade por si exercida, que recorre à subcontratação, o certo é que, utilizando o rácio designado de “margem bruta II”, que toma unicamente em consideração as matérias-primas consumidas e os fornecimentos e serviços externos, onde se integram os subcontratos, sem qualquer influência, portanto, dos gastos com mão-de-obra própria, se chega, em relação aos anos de 2009 e 2010, a volumes de vendas suscetíveis de terem sido obtidos, bastante mais elevados do que aqueles que estão na base da determinação do lucro tributável de IRC e do IVA postos em causa no presente procedimento de inspeção tributária. O mesmo não se passa em relação ao ano de 2008, parecendo, neste caso, assistir razão ao contribuinte.
E, assim, não tendo o sujeito passivo efetuado a prova da existência de excesso na determinação da matéria tributável de IRC e do IVA referentes aos anos de 2009 e 2010, ambos determinados por avaliação indireta, a minha decisão vai no sentido do indeferimento do pedido em relação à matéria tributável de IRC e de IVA determinados com referência aos anos de 2009 e 2010, mantendo, na totalidade, os valores anteriormente fixados (…) Em relação ao ano de 2008, tendo o perito da Administração Tributária chegado à conclusão que o valor das vendas inicialmente estimadas e, consequentemente, o IVA devido, se mostram desproporcionados em relação aos valores que se determinam a partir da utilização do rácio designado por “margem bruta II”, defiro parcialmente o pedido (…), fixando os seguintes valores:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[cfr. «decisão» a fls. 228 a 230 do Processo Administrativo, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais].
21) Em 29/05/2012, na sequência das ações inspetivas referidas em 3) e 10) e do procedimento referido em 17) foram elaboradas as seguintes liquidações de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas:
- Liquidação n.º ...28, relativa ao exercício de 2010, com o valor a pagar valor de €15.982,49 – aqui se incluindo os juros compensatórios – com a compensação n.º ...51;
- Liquidação de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas n.º ...13, relativa ao exercício de 2009, com o valor a pagar de €22.203,20 – aqui se incluindo os juros compensatórios – com a compensação n.º ...30;
- Liquidação de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas n.º ...03, relativa ao exercício de 2008, com o valor a pagar de €12.282,00 – aqui se incluindo juros compensatórios – com a compensação n.º ...13.
[cfr. demonstrações de liquidação de IRC, demonstrações de acertos de contas e demostrações de liquidação de juros compensatórios, juntos como documento 2 com a Petição Inicial apresentada neste processo e em cada um dos respetivos apensos].
Mais se provou que:
22) Em 2008, a Impugnante adquiriu «vouchers», no valor de €947,00, para sessões de SPA, os quais foram oferecidos aos melhores clientes na época de natal, tendo em vista a sua fidelização [prova testemunhal].
23) Em 2009, a Impugnante adquiriu «vouchers», no valor de €1.028,70 para sessões de SPA, os quais foram oferecidos aos melhores clientes na época de natal, tendo em vista a sua fidelização [prova testemunhal].
24) Em 2009, a Impugnante realizou um jantar, no valor de €3.240,00 em que estiveram presentes clientes, potenciais clientes e fornecedores, com vista a promover a sua atividade, dando-lhes a conhecer o seu trabalho [prova testemunhal].
25) A Impugnante, por vezes, compra várias peças de vestuário que são posteriormente confecionadas e agregadas em conjunto (como um “pack”), sendo vendidas e faturadas ao cliente final como uma peça só [cfr. documentos n.º 31 a 42 juntos com a Petição Inicial a fls. 114 a 135 do processo físico prova testemunhal].
26) No mapa onde são determinadas as existências finais de 2009 e iniciais de 2010 não constam 4600 peças, as quais se encontravam em fase de acabamento, e às quais faltava realizar apenas uma operação – embalamento – para que ficassem completas [cfr. RIT a fls. 151 a 191 e 350 a 375 do Processo Administrativo. documentos 4, 5 e 6, juntos com a Petição Inicial a fls. 62 a 64 do processo físico (processo principal) e prova testemunhal].
27) Os serviços de inspeção tributária na elaboração da relação de compras referente a janeiro de 2010, não consideraram as seguintes faturas:
- Fatura n.º 15, com o registo 3001002, de 30/01/2010, com o fornecedor 1177025528, e a quantidade de 200;
- Fatura n.º 5, com o registo n.º 3001063 de 26/01/2010, e a quantidade de 1037.
[cfr. RIT a fls. 151 a 191 e 350 a 375 do Processo Administrativo. documentos 7 e 8, juntos com a Petição Inicial a fls. 65 a 66 do processo físico (processo principal) e prova testemunhal].
28) Os serviços de inspeção tributária na relação das devoluções de vendas efetuadas durante o mês de janeiro de 2010, não consideraram as seguintes notas de crédito:
- Nota de crédito n.º 1, com o registo n.º 5001002, de 20/01/2010, com a quantidade de 174 e o valor de €3.793,00.
- Nota de crédito n.º 2, com o registo n.º 5002002, de 03/02/2010, com a quantidade de 548, e o valor de €5973,20.
- Nota de crédito n.º 3, com o registo n.º 5002003, de 04/02/2010, com a quantidade de 554, e o valor de €6.038,60.
[cfr. RIT a fls. 151 a 191 e 350 a 375 do Processo Administrativo. documentos 9, 10 e 11, juntos com a Petição Inicial a fls. 68 a 69 do processo físico (processo principal) e prova testemunhal].
29) Não obstante, os serviços de inspeção tributária para o cálculo das devoluções referentes ao ano de 2010 consideraram as devoluções cujas notas de crédito estão identificadas no anexo XII do RIT, aí constando nas notas de crédito referidas no ponto anterior [cfr. anexo XII do RIT, em especial fls. 145 e 146 do Processo Administrativo, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais].
30) No caso de devolução de encomenda, a impugnante emite a respetiva nota de crédito (anulando a fatura inicialmente emitida ao cliente) e quando as peças estão todas devidamente corrigidas, procede à sua entrega junto do cliente, acompanhada da emissão de uma nova fatura [facto não controvertido].
31) Os serviços de inspeção tributária, no apuramento das compras realizadas pela Impugnante, em 2008, contabilizaram 65 peças correspondentes a amostras [cfr. anexo XII do RIT a fls. 116 a 146 do Processo Administrativo, e documento 12 junto com a Petição Inicial a fls. 65 a 95 do processo físico cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais e prova testemunhal].
32) Os serviços de inspeção tributária, no apuramento das compras realizadas pela Impugnante, em 2009, contabilizaram amostras, corte a feitio, etiquetas, malhas e arranjos como «peças confecionadas» [cfr. anexo XII do RIT a fls. 116 a 146 do Processo Administrativo e documentos 12, 14, 15, 16, 17 e 18 juntos com a Petição Inicial a fls. 65 a 95, e 97 a 101 do processo físico, cujo teor se dá por integralmente reproduzido].
33) Os serviços de inspeção tributária, no apuramento das compras realizadas pela Impugnante, em 2010, contabilizaram chapas e «aplicação de golas» como «peças confecionadas» [cfr. anexo XII do RIT a fls. 116 a 146 do Processo Administrativo e documentos 12, 20, 21 e 22 juntos com a Petição Inicial a fls. 65 a 95, e 103 a 105 do processo físico, cujo teor se dá por integralmente reproduzido];
34) Os serviços de inspeção tributária no apuramento das compras realizadas pela Impugnante, em 2010, contabilizaram duas vezes a fatura n.º 69, de 13/08/2010 [cfr. anexo XII do RIT a fls. 116 a 146 do Processo Administrativo e documentos 12, e 23 juntos com a Petição Inicial a fls. 65 a 95, e 106 do processo físico, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais].
35) Os serviços de inspeção tributária, no apuramento das compras realizadas pela Impugnante, em 2010, contabilizaram 16 peças referentes à fatura n.º 7, de 15/02/2010, que não constam dessa fatura [cfr. anexo XII do RIT a fls. 116 a 146 do Processo Administrativo e documentos 12, e 24 juntos com a Petição Inicial a fls. 65 a 95, e 107 do processo físico, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais].
36) Os serviços de inspeção tributária no apuramento das devoluções ocorridas em 2009, contabilizaram o valor total de €11.430, aí se incluindo a nota de crédito n.º 31, de 16/04/2009, com a quantidade de 400 peças [cfr. RIT e anexo XII do RIT a fls. 116 a 146 do Processo Administrativo e documentos 12, e 27 juntos com a Petição Inicial a fls. 65 a 95, e 110 do processo físico, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais]
37) Os serviços de inspeção tributária no apuramento das devoluções ocorridas em 2009, não contabilizaram as seguintes notas de crédito:
- Nota de crédito n.º 23, de 18/03/2009, com a quantidade de 100 peças.
- Nota de crédito n.º 30, de 03/04/2009, com a quantidade de 212 peças.
[cfr. anexo XII do RIT a fls. 116 a 146 do Processo Administrativo e documentos 12, e 25 e 26 juntos com a Petição Inicial a fls. 65 a 95, e 108 e 109 do processo físico, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais].
38) Os serviços de inspeção tributária no apuramento das devoluções ocorridas em 2010, não contabilizaram as seguintes notas de crédito:
- Nota de crédito n.º 5, de 03/03/2010, com a quantidade de 633 peças (coincidente com a nota de crédito n.º 3, de 02/05/2010, com a mesma quantidade e o mesmo fornecedor).
- Nota de crédito n.º 35, de 26/07/2010, com a quantidade de 238 peças.
[cfr. anexo XII do RIT a fls. 116 a 146 do Processo Administrativo e documentos 12, e 28, 29 e 30 juntos com a Petição Inicial a fls. 65 a 95, e 111 a 113 do processo físico, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais].
Factos não provados
Com interesse para a decisão da causa inexistem factos não provados.
Motivação
As respostas dadas pelo Tribunal, à matéria de facto provada, fundamentam-se na convicção advinda da globalidade da prova produzida – documental e testemunhal – apreciada à luz das regras da lógica, da experiência, da normalidade e da razoabilidade, bem como da posição adotada pelas partes nos respetivos articulados. Tudo, tendo sido observados os princípios do contraditório e da imediação.
Vejamos mais pormenorizadamente.
Em relação aos factos sob o n.º 1), 2) e 30), os mesmos não se mostram controvertidos resultando nesses termos não só da alegação que foi feita pela Impugnante, como do próprio RIT e da contestação apresentada pela Fazenda Pública.
Quanto aos factos sob os números 3) a 21), 25) a 29) e 31) a 38) os mesmos resultam dos documentos juntos aos autos, nomeadamente dos que acompanham a Petição Inicial da Impugnante, e essencialmente, aqueles que integram o Processo Administrativo, tudo conforme descrito em cada um daqueles pontos.
Na verdade, os referidos documentos não foram objeto de impugnação, por qualquer uma das partes, não existindo motivo para duvidar da sua fidedignidade, e aplicando-se, quanto ao RIT e respetivos anexos, o disposto o disposto no artigo 76.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, segundo o qual «[a]s informações prestadas pela inspeção tributária fazem fé quando fundamentadas e se basearem em critérios objetivos, nos termos da lei».
Daqueles factos, os factos constantes dos pontos 25) a 28) e 31), mereceram a credibilidade do Tribunal por força da sua conjugação com o depoimento das testemunhas inquiridas.
Já para os factos mencionados nos pontos 22) a 24) relevou particularmente, e tão-só, a prova testemunhal produzida.
Importa salientar que no presente processo, a requerimento da Impugnante, e sem oposição da Fazenda Pública, foi determinado o aproveitamento da prova produzida no processo n.º 1618/12.4BEBRG, a correr termos neste Tribunal, pelo que é a prova produzida no âmbito dessa inquirição que o presente Tribunal valorou e considerou no julgamento da matéria de facto.
Foram, assim, ouvidas três testemunhas:
- «AA», TOC da Impugnante à data dos factos;
- «BB», operário têxtil, trabalhador da Impugnante à data dos factos.
- «FF», inspetora tributária que participou na ação inspetiva levada a cabo à Impugnante e na elaboração do respetivo RIT.
Diga-se, desde já, que o depoimento das três testemunhas foi valorado pelo Tribunal. E isto porque todos eles se mostraram objetivos, claros, coerentes e circunstanciados. Na verdade, o relato dos factos por cada uma das testemunhas foi consonante, embora deles possam, por vezes, extrair conclusões diferentes, sendo certo que caberá ao Tribunal extrair dos factos provados as conclusões necessárias, e totalmente independentes daquelas que foram sendo sugeridas pelas testemunhas.
No que respeita à testemunha «AA», esta permitiu ao Tribunal apurar, relativamente ao jantar realizado em 2009, que o mesmo se tratou de um evento comercial destinado a clientes, potenciais clientes e fornecedores da Impugnante, tendo por objetivo a promoção e expansão da atividade da Impugnante. Não obstante a testemunha não ter estado presente no referido jantar, a verdade é que não pode deixar de se valorar o seu depoimento pois o mesmo está estritamente em consonância com o depoimento da testemunha «BB», que esteve presente naquele jantar, conforme se verá infra.
O mesmo se diga em relação às ofertas de vouchers de SPA, as quais – explicou – também se destinarem aos clientes da Impugnante procurando esta consolidar e obter a fidelização dos mesmos.
Na verdade, tais comportamentos, do ponto de vista das regras e dos juízos da experiência comum, são perfeitamente aceitáveis. Com efeito, é normal que as empresas façam jantares para promover os seus negócios e que façam igualmente ofertas aos seus clientes, principalmente na época do natal. Também não choca, parecendo adequado, que estando a Impugnante ligada ao setor da moda, tais ofertas se destinem ao tratamento e relaxamento do corpo.
No que respeita à contabilidade da Impugnante, a testemunha afirmou que todos os procedimentos adotados pela Impugnante estão conformes à lei e foram disponibilizados todos os elementos, informações e esclarecimentos solicitados pelos Serviços de Inspeção Tributária.
A testemunha foi confrontada com os documentos n.º 4), 5) e 6) juntos com a Petição Inicial da Impugnante, tendo explicado que é natural que os bens constantes dessas faturas – sendo as mesmas datadas do final do ano – não tivessem sido vendidos em 2009, pois após a confeção das peças há sempre uma outra fase da produção que é o respetivo embalamento. Explicou, assim, que há um conjunto de 4600 peças que deveriam ter sido consideradas como existências finais em 2009 e existências iniciais em 2010 e que não o foram.
A testemunha explicou, ainda, que houve faturas de compras e notas de crédito referentes a janeiro de 2010 que não foram contabilizadas pelos serviços da inspeção tributária.
A mesma depoente foi confrontada também com os documentos n.º 9, 10, e 11, juntos com a Petição Inicial, reconhecendo tratar-se de notas de crédito que atestam a devolução de mercadoria e, como tal, teriam necessariamente de ser contabilizadas pelos serviços de inspeção para evitar situações de duplicação de vendas.
Afirmou, também, que os serviços de inspeção consideraram etiquetas, malhas, arranjos e amostras como «peças em confeção», o que não corresponde à realidade dos factos e à atividade da Impugnante.
A testemunha disse, ainda, que os serviços de inspeção não consideraram que no âmbito da sua atividade, a Impugnante compra várias peças individuais, as quais são depois agregadas numa peça só que é vendida ao cliente final. Ou seja, disse que a peça final é vendida ao cliente como um pack de várias peças agregadas numa só, daí que o facto de a Impugnante comprar três peças, tal não significa necessariamente uma venda posterior de três peças.
Em suma, o depoimento da testemunha «AA» permitiu ao Tribunal apurar os seguintes factos: 22) a 24) e 25) a 28) e 31) estes últimos, conforme se referiu supra, em conjugação com os documentos mencionados em cada um desses pontos – o que reforça o seu julgamento.
O depoimento daquela testemunha saiu reforçado com o depoimento da testemunha «BB». Na verdade, ambas as testemunhas depuseram sem que se verificasse qualquer contradição entre os seus depoimentos, nas partes coincidentes.
Com efeito, a testemunha «BB» confirmou a realização de um jantar para cativação de novos clientes – jantar no qual esteve presente – bem como a oferta dos vouchers aos clientes.
Mais, também em consonância com o depoimento anterior, confirmou a transição de peças faturadas à Impugnante no final de 2009, passando de existências finais desse ano para existências iniciais de 2010, bem como a existência de erros, por parte da inspeção, na contabilização de algumas faturas de compras e notas de crédito e na consideração de peças confecionadas – chapas, malhas, etiquetas, corte, arranjos e amostras – que na verdade não o eram.
A testemunha «BB» permitiu, assim, ao Tribunal formar a sua convicção quanto aos factos constantes dos seguintes pontos: 22) a 24) e 26) a 28), e 31) em relação a estes últimos em conjugação com os documentos mencionados em cada um desses pontos.
Depôs, ainda, a testemunha «FF» a qual explicou as razões que conduziram à realização de um procedimento inspetivo à Impugnante. Mais, explicou que a atividade prosseguida pela Impugnante se enquadra no CAE certo, pelo que não podem ser afastadas as comparações com os rácios nacionais e locais de outras empresas registadas com o mesmo CAE.
A testemunha narrou ao Tribunal as razões que a levaram a não considerar o jantar e os vouchers de SPA como custos. Quanto ao jantar disse que a fatura era muito vaga, não mencionando o serviço e, por isso, não conseguindo estabelecer uma relação entre essa fatura e a atividade da Impugnante. Já em relação aos vouchers disse que não conseguiu perceber o contexto em que foi feita a oferta e a quem a mesma foi dirigida, motivo pelo qual não conseguiu estabelecer qualquer relação com a atividade da Impugnante.
A testemunha foi confrontada com os documentos 4, 5, 6, 7, 8, 13, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 23 e 24, juntos com a Petição Inicial, os quais no entender da Impugnante provam os erros cometidos pela Inspeção.
Quanto às existências finais de 2009 e iniciais de 2010, disse que as peças em causa tinham de constar do inventário e não constavam, não obstante a Impugnante ter inventário, pelo que não sabia se as mesmas tinham transitado para 2010.
A testemunha confirmou a existência de algumas faturas e notas de crédito que não foram contabilizadas, sendo, porém, perentória em afirmar que a conclusão a que chegou no âmbito da inspeção não está errada. Em relação às notas de crédito que não foram contabilizadas afirmou que em bom rigor isso até favoreceu a Impugnante.
Explicou ainda que que decidiu, como pressuposto de análise, fazer a contagem das peças de vestuário provenientes de confeção a feitio, cujo preço unitário fosse igual ou superior a € 0,70, assim justificando algumas das divergências suscitadas pela Impugnante. Deste modo, explicou que adotou uma metodologia no controlo e apuramento de valores, procurando não prejudicar o contribuinte, afirmando reiteradamente a verificação dos pressupostos para aplicação dos métodos indiretos, e a correta quantificação, na medida em que se trata de uma quantificação aproximada.
Assim, o depoimento desta testemunha veio confirmar todos os elementos e conclusões a que se chegou no RIT. O seu testemunho também foi importante para a prova dos factos constantes dos seguintes pontos: 27), 28) e 31).
Em suma, e no geral, diga-se, ainda, que o depoimento das três testemunhas também veio corroborar os factos provados documentalmente e constantes dos pontos 32) a 38).»

2.2 De direito
In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Braga na parte em que julgou improcedente a impugnação que intentara contra as liquidações adicionais de IRC dos exercícios de 2008, 2009 e 2010, decorrentes das correções à matéria tributável com recurso à aplicação de métodos indirectos, operadas na decorrência de procedimento inspectivo realizado pelos Serviços da Inspecção Tributária (SIT).
Na parte que ora nos importa, fundamentou a Recorrente a sua impugnação, imputando à liquidação ilegalidades que se reconduzem à ilegalidade das correções operadas por avaliação indirecta em sede de IRC, em conformidade com a enunciação estabelecida pelo julgador, (i) da verificação dos pressupostos de aplicação dos métodos indiretos, e em caso afirmativo, (ii)do excesso na quantificação, e não se mostrando prejudicada a sua análise (iii) da aferição da violação dos princípios da proporcionalidade, da justiça, da tributação pelo lucro real e da capacidade contributiva.
A sentença sob recurso, conhecendo dos mesmos, considerou estarem verificados os pressupostos para a AT recorrer, na determinação da matéria tributável, aos métodos indirectos, prosseguindo na apreciação conclui não existir excesso, e de que a mera alegação por parte da impugnante, sem concretização dos respetivos factos não implica a violação dos princípios da proporcionalidade, da justiça, da tributação pelo lucro real e da capacidade contributiva.
Em sede recursória, a Recorrente [[SCom01...] Unipessoal, Ld.ª] delimita o objecto do recurso afirmando que com ele visa a “(...) a reapreciação da matéria de facto e de direito no que diz respeito à decisão de considerar improcedente a impugnação judicial apresentada contra as liquidações adicionais de IRC de 2008, 2009 e 2010, na parte em que se julgou não verificada a ilegalidade das mesmas por não se verificarem os pressupostos legais que legitimam a tributação por recurso a métodos indiretos e excessiva quantificação da matéria coletável e consequente não violação dos princípios da proporcionalidade, da justiça, da tributação pelo lucro real e da capacidade contributiva.” [Conclusão A. das alegações de recurso].
Cumpre atentar, no entanto, que do todo o quanto alega a Recorrente descortinamos indignações que se prendem com a não valoração ou errada subsunção dos factos dados como provados e por si alegados, que no seu entender, são suficientes para lograr uma decisão distinta no sentido de que in casu não estão verificados os pressupostos legitimadores do recurso aos métodos indirectos por parte da AT, mormente porque errados se mostram os valores apresentados pela AT, é o que discorre das conclusões C., D., P. a AA..
Ora, o erro de julgamento recai sobre um elemento dos dois que estruturam a decisão jurisdicional: a fundamentação de facto e a fundamentação de direito. O denominado erro de facto, por contraposição ao erro de direito, pode resultar de errada apreciação do material probatório que a ocorrer se estende a fixação da materialidade fáctica relevante para a decisão e/ou conduzir a uma desacertada interpretação dessa materialidade.
Como assertivamente se elucida, no acórdão do TCA Sul de 10.07.2014, proferido no âmbito do processo n.º 7813/14, “No primeiro caso o erro consubstancia-se numa indevida utilização da livre convicção, erro esse que deve ser demonstrado pelo recorrente através do exercício de um duplo ónus: um, (i) o de circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso indicando claramente os segmentos da decisão que considera padecerem de erro de julgamento; outro, (ii) fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa.”.
Ora, quando a selecção dos factos não é colocada em questão em sede de recurso, mas apenas se coloca a ênfase impugnatória na subsunção dos factos ao direito aplicável tendo em vista uma solução jurídica diferente da decretada, o erro que se suscita não é um erro na apreciação da prova, mas sim um erro de julgamento de direito.
No caso vertente a Recorrente não ataca a selecção dos factos feita pela sentença nem sequer sustenta que ocorreu uma indevida consideração das provas produzidas nos autos em ordem a determinar um resultado probatório diferente do fixado. Aliás, se o tivesse feito teria de concluir-se que a impugnação da matéria de facto não tinha sido correctamente estruturada segundo o regime legal aplicável, para que fosse possível a este Tribunal ad quem alterá-la. Pelo contrário o que a Recorrente esgrima, se bem interpretamos as suas alegações e conclusões, é a sua indignação pela improcedência do fundamento por si alegado de inexistência dos pressupostos legitimadores do recurso aos métodos indirectos, citando um conjunto de considerações factuais decorrentes da matéria de facto levada ao probatório pelo Tribunal a quo, que no seu entender “(...) permitiram demonstrar que a contabilidade da recorrente não padecia de irregularidades que justificassem o recurso a métodos indiretos.” para concluir que “Da prova produzida e da matéria de facto dada como provada, entende-se que ficou demonstrada a ilegalidade do recurso a métodos indiretos e erro na determinação dos valores apresentados pela AT” [Conclusão Z].
Como se sabe, e em traços breves, as conclusões exercem a importante função de delimitação do objeto do recurso, veja-se o disposto nos n.º 3 e 4, do artigo 635º do CPC, e, como tal, nos termos do n.º1, do artigo 639º do citado diploma, sobre a Recorrente recai o ónus de ali sintetizar a argumentação que apresente na motivação do recurso, procedendo à enunciação dos fundamentos de facto e/ou de direito que constituem as premissas essenciais do encadeamento lógico que conduzirá à pretendida alteração ou a anulação da decisão recorrida.
Assim, deverão corresponder à identificação, clara e rigorosa, de tais fundamentos que justificam a pretensão formulada, e que como se depreende, não se confundem com os argumentos que possam ser apresentados na motivação ou corpo das alegações, de ordem jurisprudencial ou doutrinal.
Assim sendo, importa reter por ora, é que não cumpre a este Tribunal ad quem proceder a qualquer alteração ou aditamento ao probatório consignado na sentença – que a Recorrente não impugna, cumprindo tão só aferir, afastado que se mostra a invocação de um qualquer erro de facto, no erro de julgamento na solução jurídica preconizadas na sentença quanto a proclamada não verificação dos pressupostos para a determinação da matéria tributável em sede de IRC, com recurso aos métodos indirectos, sendo que apesar de aludir que o recurso é extensível ao julgado sobre o excesso de quantificação e violação dos princípios da proporcionalidade, da justiça, da tributação pelo lucro real e da capacidade contributiva, nenhuma critica ou consideração é produzida pelo que não cumpre a este Tribunal deles tomar conhecimento, com a perfeita consciência de que o objecto do recurso é balizado pelas conclusões apresentadas.
Por último, não queremos deixar de reiterar, que não cabe a este Tribunal adivinhar as razões pelas quais o Recorrente considera que o Tribunal a quo errou. Pois que, como é consabido, são as alegações do recurso (as suas conclusões) que definem o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.
O recurso, como meio impugnatório de decisões judiciais, visa tão só suscitar a reapreciação do decidido. Por outro lado, o recurso não é uma reapreciação ‘ex novo’ do litígio (uma “segunda opinião” sobre o litígio), mas uma ponderação sobre a correcção da decisão que dirimiu esse litígio (se padece de vícios procedimentais, se procedeu a incorrecta fixação dos factos, se fez incorrecta determinação ou aplicação do direito aplicável). Daí que não baste ao recorrente afirmar o seu descontentamento com a decisão recorrida e pedir a reapreciação do litígio (limitando-se a repetir o que já alegara na 1ª instância), mas se lhe imponha o ónus de alegar, de indicar as razões porque entende que a decisão recorrida deve ser revertida ou modificada, de especificar as falhas ou incorrecções de que em seu entender ela padece; sob pena de indeferimento do recurso ou manifesta improcedência do mesmo. (cfr. Ac. TRL de 18.09.2018, proc. nº 32033/17).

2.2.1. Do erro de julgamento
Considera a Recorrente que errou o Tribunal a quo no seu julgamento na medida em que “O recurso a métodos indiretos foi justificado pela AT face à existência de irregularidades na contabilidade da Recorrente que impossibilitaram a comprovação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria coletável nos termos do artigo 87º nº1 alínea b) e do artigo 88º alínea a) ambos da LGT” tendo alegado na petição factos que foram reconduzidos ao probatório susceptiveis de demonstrar que não havia irregularidades na contabilidade que justificassem o recurso àquele método de avaliação, “(...) o Tribunal não fez a correta apreciação e interpretação dos factos e argumentos que foram produzidos pela recorrente.”
Vejamos:
Nos termos do art.º 81.º da Lei Geral Tributária (LGT):
“1 - A matéria tributável é avaliada ou calculada diretamente segundo os critérios próprios de cada tributo, só podendo a administração tributária proceder a avaliação indirecta nos casos e condições expressamente previstos na lei”.
Por seu turno, o artigo 83.º do mesmo diploma determina que:
“1 - A avaliação directa visa a determinação do valor real dos rendimentos ou bens sujeitos a tributação.
2 - A avaliação indirecta visa a determinação do valor dos rendimentos ou bens tributáveis a partir de indícios, presunções ou outros elementos de que a administração tributária disponha”.
É desiderato constitucionalmente consagrado que a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real (cfr. artigo 104.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa). Reflexo desse princípio determina o artigo 85.º, n.º 1, da LGT, que a avaliação indirecta é subsidiária da avaliação directa.
Portanto, temos que a avaliação directa tem como ponto de partida as declarações dos contribuintes e/ou os dados apurados na sua contabilidade, que se presumem verdadeiros – cfr. o artigo 75.º, n.º 1, da LGT. Contudo, como decorre desse mesmo normativo, no seu n.º 2, a presunção de veracidade da contabilidade cessa quando revelar “… omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo”.
Atenha-se, todavia, que não é qualquer omissão, erro ou inexatidão das declarações ou da contabilidade do sujeito passivo que permite o recurso a métodos indirectos de avaliação da matéria coletável, sendo exigido que tais irregularidades sejam de tal forma relevantes que tornem inviável a quantificação directa. Logo, se, apesar de haver irregularidades contabilísticas, for possível quantificar directamente a matéria coletável, deve-se lançar mão dos métodos directos. Ou seja, sendo certo que a avaliação directa parte das declarações dos contribuintes ou dos dados constantes da contabilidade, a mesma ainda assim pode fundar-se noutros elementos objetivos, que permitam, com segurança, concluir no sentido da ocorrência do facto tributário e da sua quantificação concreta afastando o recurso a avaliação indirecta, aliás o que a lei privilegia.
Temos então, que o nosso ordenamento prevê que a avaliação da matéria tributável se possa realizar directa ou indirectamente, sendo que o recurso à avaliação indirecta funciona como ultima ratio, só podendo ocorrer quando se revele impossível o recurso à avaliação directa, esta a primeira premissa a reter, da qual se infere que o recurso a uma ou outra das formas de avaliação não é uma opção discricionária da AT: ou se verificam condições para a avaliação directa ou, não existindo, nos termos já assinalados supra, é possível recorrer à avaliação indirecta.
Daí o caráter subsidiário da avaliação indirecta, previsto no artigo 85.º da LGT, avaliação esta que deverá ocorrer apenas nos casos previstos nos artigos 87.º e 89.º do mesmo diploma legal. Tal decorre da LGT, para que especificamente remetiam os, à época, artigos 52.º do CIRC e 90º do CIVA.
Assim, perante rendimentos em que se verifique não ser possível a avaliação directa, a AT pode recorrer a métodos de avaliação indirecta, sendo que o facto de se recorrer à tributação por métodos indirectos não significa que a totalidade da contabilidade do sujeito passivo seja desconsiderada, mas tão-só a parte que se considera não reflectir a realidade e cuja presunção de veracidade é, por isso, afastada.
Para que seja legítimo o recurso à tributação por via dos métodos indirectos, segunda premissa, cabe à AT o ónus da prova de que se reúnem os pressupostos da sua aplicação, consubstanciando-se tal ónus probatório na demonstração da existência de situações fácticas, designadamente irregularidades contabilísticas, que assumam alcance tal que impossibilitam o recurso a métodos directos de avaliação.
Assim, nos termos do artigo 87.º, n.º 1, da LGT:
“A avaliação indirecta só pode efetuar-se em caso de:
(…) b) Impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto…”.
Esta situação prevista na alínea b) supratranscrita remete-nos para o artigo 88.º da LGT, nos termos do qual:
“A impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável para efeitos de aplicação de métodos indirectos, referida na alínea b) do artigo anterior, pode resultar das seguintes anomalias e incorreções quando inviabilizem o apuramento da matéria tributável:
a) Inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal, mesmo quando a ausência desses elementos se deva a razões acidentais;
b) Recusa de exibição da contabilidade e demais documentos legalmente exigidos, bem como a sua ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação;
c) Existência de diversas contabilidades ou grupos de livros com o propósito de simulação da realidade perante a administração tributária e erros e inexatidões na contabilidade das operações não supridos no prazo legal.
d) Existência de manifesta discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado de bens ou serviços, bem como de factos concretamente identificados através dos quais seja patenteada uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada”.
Feito este breve enquadramento, vejamos o que a propósito se escreveu na sentença recorrida, para alcançarmos em que medida a fundamentação escorrida sobre a verificação dos pressupostos do recurso aos métodos indirectos é posta em causa pela Recorrente, em sede de errada valoração e subsunção dos factos assentes e elencados em sede de conclusões, sendo que ali se discorreu nos seguintes termos:
«O recurso à avaliação indireta funciona como ultima ratio, só podendo ocorrer quando se revele impossível o recurso à avaliação direta (neste sentido, ver, entre muitos, o acórdão do TCA Sul de 14.03.2019, proferido no processo 8160/14.7BCLSB, disponível para consulta em www.dgsi.pt). Daí o caráter subsidiário da avaliação indireta, previsto no artigo 85.º da LGT, avaliação esta que deverá ocorrer apenas nos casos previstos nos artigos 87.º e 89.º do mesmo diploma legal.
O regime regra de determinação da matéria tributável é o da avaliação direta, em consonância com o princípio da capacidade contributiva, constitucionalmente consagrado no artigo 104.º da Constituição da República Portuguesa (cfr. acórdão do TCA Norte de 14.04.2016, proferido no âmbito do processo 00285/08.4BEBRG, disponível para consulta em www.dgsi.pt).
Daqui resulta que o recurso à avaliação indireta é uma forma subsidiária da avaliação direta da matéria tributável (artigo 85.º, n.º 1 da LGT) e excecional, uma vez que apenas pode ser aplicada nos casos e condições expressamente previstas na lei (artigo 81.º, n.º 1 da LGT).
O recurso aos métodos indiretos só se justifica quando a Administração Tributária tem necessidade de lançar mão de presunções ou indícios, por não conseguir suporte documental, ou outro, credível que lhe permita determinar a matéria tributável (neste sentido, Acórdão do STA de 27.05.2015, proferido no âmbito do processo 01509/14, disponível para consulta em www.dgsi.pt).
Mais se diga que a regularidade formal da contabilidade só é de presumir como aderente à realidade se não ocorrerem indícios sérios de que a mesma não reflete a efetiva situação da empresa, o que é de aferir segundo critérios de razoabilidade e normalidade (vide Acórdão do TCA Sul de 13.04.2010, proferido no âmbito do processo 02800/08, disponível para consulta em www.dgsi.pt).
Nas palavras de CRISTINA MOTA LOPES “a importância atribuída à contabilidade no apuramento do lucro tributável implicou a necessidade de introduzir, também na lei fiscal, um conjunto de procedimentos necessários à sua validação como ponto de partida credível, na tributação do rendimento real. Assim, entre outros, exige-se que a contabilidade esteja organizada de acordo com o sistema de normalização contabilística (SNC) e outras disposições legais em vigor, para o respetivo setor de atividade, sem prejuízo da observância das disposições previstas no CIRC, a qual deve refletir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo e que deve estar organizada de modo a que os resultados das operações e variações patrimoniais sujeitas ao regime geral do IRC possam claramente distinguir-se das restantes” (in O erro relevante para a inviabilização do apuramento direto da matéria coletável, Coleção Formação Contínua, IRC, Avaliação Indireta da Matéria Coletável e Responsabilidade Subsidiária, E-Book CEJ, junho de 2017, disponível em www.cej.mj.pt)
Assim sendo, no âmbito da relação da Administração Tributária com os contribuintes, por regra, a avaliação indireta só ocorre em situações classificáveis como “patológicas”, como é possível verificar pelas várias alíneas do artigo 87.º n.º 1 da LGT, salvo no caso do regime simplificado de tributação.
Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indiretos, compete à Administração Tributária o ónus da prova da verificação da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respetiva quantificação (artigo 74.º, n.º 3 da LGT) (vide, entre muitos, o acórdão do STA, de 17.10.2018, proferido no âmbito do processo 0261/11.0BECBR, disponível para consulta em www.dgsi.pt).
Por outras palavras, compete à Administração Tributária demonstrar que no caso concreto estão verificados os pressupostos que legitimam o recurso à tributação por métodos indiretos, isto é, “que nesse específico caso a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, externando os elementos que a levaram a concluir nesse sentido, desta forma cumprindo o especial dever de fundamentação que sobre si o legislador fez recair” (in acórdão do TCA Norte de 08.03.2012, proferido no âmbito do processo 01290/07.3BEPRT, disponível para consulta em www.dgsi.pt).
Caso a Administração consiga demonstrar esses pressupostos, posteriormente, o contribuinte terá o ónus de demonstrar a existência de excesso na quantificação, (conforme decorre do artigo 74.º n.º 3 da LGT).» (interrupção da transcrição)
Mais diremos, que tendo a avaliação indirecta carácter excepcional (n.º 1 do artigo 81.º da LGT) e subsidiária em relação à avaliação directa (artigo 85. ° n.º 1 da LGT), cabe à AT a demonstração da verificação dos pressupostos do recurso à avaliação indirecta da matéria tributável, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação (artigo 74. ° n.º 3 da LGT).
Acresce que, face ao que determina o princípio da verdade declarativa, plasmado no artigo 75.º da LGT, a factualidade coligida pela AT tem de ser capaz de abalar a presunção de veracidade das operações constantes na escrita do sujeito passivo de imposto.
Com efeito, quem tem a seu favor uma presunção legal está dispensado da prova do facto presumido, conforme prescrevem os artigos 349.º e 350.º nº 1 do Código Civil.
Assim, os sujeitos passivos, tendo a sua escrita organizada conforme as exigências legais, não necessitam provar a veracidade dos dados que dela decorrem, a menos que se verifiquem erros, inexactidões ou outros indícios fundados de que ela não reflecte a matéria tributável efectiva.
Pois que, nos termos do que dispõe a alínea a) do n.º 2 do artigo 75.º da LGT, deixa de se verificar a presunção de veracidade dos elementos contabilísticos quando “as declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo”. Ou seja, cessa a presunção “quando, estando, embora, a escrita ou contabilidade organizada de acordo com a lei, enferme de erros ou inexactidões, ou haja “indícios fundados” de que, apesar da sua correcta organização, não reflecte a matéria tributável efectiva” (cf. acórdão do Pleno da secção do Tributário do STA de 07.05.2003, in rec. 01026/02).
Nesta precognição cabe a situação da contabilidade bem organizada, mas com omissão de operações efectuadas ou valores incorrectos.
Por conseguinte e considerando que a AT actua no uso de poderes estritamente vinculados, submetida ao princípio da legalidade, incumbe-lhe o ónus de provar que se verificam os pressupostos fáctico-jurídicos fundamentadores da sua actuação, recaindo sobre esta o ónus de demonstrar a factualidade que a levou a considerar que os valores declarados pela Impugnante ora Recorrente não eram os correctos, tendo ocorrido a omissão, erros ou inexactidões aventadas.
Temos, portanto, que quando a AT reúne esses indicadores, cumpre o ónus que sobre si incidia, tal qual alude o artigo 74.º da LGT. Isto porque tais indicadores são os factos constitutivos do direito a desconsiderar os dados da declaração do sujeito passivo, que deixam então de beneficiar da presunção.
Reunidos tais indícios, o sujeito passivo de imposto “já não pode reconduzir-se à presunção de verdade da sua declaração (porque esta já foi elidida) nem pode remeter para o ónus da AT (porque já foi cumprido), assim como também não pode amparar-se no facto de lhe estar a ser exigida uma prova impossível (a de que não teve os rendimentos que a AT lhe imputa) porque, como já não beneficia da presunção de verdade da sua declaração na parte correspondente, do que se trata é de provar um facto positivo: o de que os rendimentos” reais “correspondem aos valores declarados ou outros valores diferentes dos apurados.” - cfr. ainda o Acórdão do TCA Norte de 27.09.2012, rec.00885/07.0.
Acresce que, à AT não está vedado recorrer a provas indirectas ou a “factos indiciantes dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova (...). Tais juízos devem ser, contudo, suficientemente sólidos para criar no órgão de aplicação do direito a convicção da verdade...” – como alude Alberto Xavier, in Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág. 154.
Retornemos a transcrição do discurso fundamentador da sentença sob recurso.
«Volvendo ao caso sub judice.
Aqui chegados, entremos, pois, na análise dos factos que, no entendimento da Administração Tributária, legitimaram o recurso a métodos indiretos.
Compulsado o teor do relatório de inspeção tributária (cfr. alínea 15) do elenco dos factos provados) o recurso a métodos indiretos é justificado pela existência de irregularidades na contabilidade da impugnante que impossibilitaram a comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria coletável, nos termos do artigo 87.º, n.º 1, alínea b) e do artigo 88.º, alínea a), ambos da LGT.
A conclusão formulada pela Administração Tributária de que os valores declarados pela impugnante não correspondem à verdade, radica, essencialmente, nos factos descritos no capítulo IV do RIT, a saber:
1) No mês de janeiro de 2010, as quantidades vendidas são superiores às existências iniciais e às compras;
2) A divergência no inventário inicial do ano de 2010 não justifica, na totalidade, as divergências encontradas (9.834 unidades em 2009 e 7.741 unidades em 2010). O restante respeita a omissões de vendas;
3) As divergências encontradas, não podem ser todas atribuídas a uma deficiente inventariação;
4) A [SCom01...] regista as suas existências em regime de inventário intermitente, no entanto, o seu inventário não está devidamente elaborado pois apresenta as peças de vestuário no global, agrupadas pela fase da sua fabricação;
5) O critério valorimétrico utilizado pela [SCom01...] é aceite pela Administração Tributária, mas não foram exibidos elementos adicionais (fichas de custeio, ou outros) demonstrativos do cálculo do custo unitário, ou seja, o valor da matéria-prima aplicada, o custo das diferentes tarefas de confeção, etc.
6) A margem bruta das vendas está significativamente inferior à média e à mediana das margens das empresas do mesmo CAE e da mesma unidade orgânica, isto é, o distrito ....
Por seu turno, em sede do procedimento de revisão da matéria tributável, o órgão competente decidiu pelo indeferimento do pedido em relação à matéria tributável de IRC e ao IVA determinados com referência aos anos de 2009 e 2010, mantendo na totalidade, os valores anteriormente fixados. E, em relação ao ano de 2008, concluiu que os valores inicialmente fixados pela Administração Tributária eram desproporcionados tendo em conta que esse foi o primeiro ano de atividade da impugnante, motivo pelo qual procedeu a uma revisão e fixou o lucro tributável de IRC, com referência ao ano de 2008, no valor de € 52.870,70, e determinou que o IVA em falta, com referência ao mesmo período, ascenderia a € 8.466,26 (cfr. alínea 20) do elenco dos factos provados).
Partindo deste elenco de irregularidades verificadas, analisemos, cada um dos factos elencados pela Administração Tributária agrupando-os em dois domínios de análise (atenta a similitude e correlação das questões suscitadas), a saber:
i) Irregularidades e divergências nos inventários de existências; e
ii) Desvio dos valores contabilizados pela impugnante face à média nacional e local do rácio da “margem bruta de vendas II”,
por forma a aferirmos se está justificado o recurso a métodos indiretos.
i) Das irregularidades e divergências nos inventários de existências
A Administração Tributária, no relatório de inspeção tributária, após analisar a atividade económica prosseguida pela impugnante (e.g. criação e modelação de peças, recorrendo à subcontratação de entidades para a confeção das mesmas, conforme melhor detalhado nos pontos 6. a 28. do capítulo “IV-4.1 Pressupostos e metodologia de análise dos dados” do RIT), considerou que no mês de janeiro de 2010, as quantidades vendidas são superiores às existências iniciais e às compras.
Ademais, referiu que a divergência no inventário inicial do ano de 2010 não justifica, na totalidade, as divergências encontradas (9.834 unidades em 2009 e 7.741 unidades em 2010). Por outro lado, concluiu que as divergências encontradas não podem ser todas atribuídas a uma deficiente inventariação, pois isso i) implicaria uma diminuição significativa dos rácios, acentuando o fosso com os rácios de outras empresas do mesmo setor de atividade; e ii) atendendo à atividade da impugnante, esta vende as peças subcontratadas pouco tempo após receber as mesmas nas suas instalações.
Os Serviços de Inspeção Tributária também verificaram que a impugnante regista as suas existências em regime de inventário intermitente (de acordo com o POC, nos termos do Decreto-Lei 44/99, de 12 de fevereiro), no entanto, o inventário apresentado “não está devidamente elaborado pois apresenta as peças de vestuário no global, agrupadas pela fase da sua fabricação”.
A impugnante foi notificada para esclarecer o critério valorimétrico e a forma de cálculo utilizados na valorimetria das suas existências, contudo não foram exibidos elementos adicionais (fichas de custeio, ou outros), demonstrativos do cálculo do custo unitário, ou seja, o valor da matéria-prima aplicada, o custo das diferentes tarefas de confeção, entre outros.
Vejamos.
O controlo efetivo das existências tem uma importância central na determinação da exata medida da matéria tributável das empresas, controlo esse que é documentado e registado nos respetivos inventários de que, aquelas têm de dispor nos termos da lei comercial e fiscal.
Os sistemas de inventário intermitente e permanente são utilizados para controlar a quantidade de stock disponível. Enquanto que no inventário permanente, os movimentos de stock são registados continuamente, já o sistema de inventário intermitente está dependente de uma contagem manual do stock, realizada, pelo menos, uma vez, mas apresentada no final do ano de tributação.
Às existências finais, no apuramento do custo das mercadorias vendidas e matérias consumidas (CMVMC), em sistema de inventário intermitente, aplica-se a fórmula CMVMC = EI (existências iniciais) + Compras – EF (existências finais), em que as existências iniciais correspondem ao saldo do inventário do ano anterior, e as existências finais ao saldo do inventário do próprio ano (ver, neste sentido, o acórdão do TCA Sul de 05.11.2015, proferido no processo n.º 02571/08, disponível para consulta em www.dgsi.pt).
Por sua vez, a valorimetria das existências, permite “o conhecimento do valor das existências e o apuramento do custo das mercadorias vendidas ou consumidas, possibilitando o balanceamento com os respetivos proveitos” (in Manual de IRC da DGCI, 2008, p. 159).
Volvendo ao caso sub judice.
Dos autos resulta provado que a impugnante apresentou discrepâncias notórias nas existências, sendo exemplo disso o mês de janeiro de 2010, no qual foram vendidas quantidades de peças superiores às existências iniciais e às compras.
No mais, compulsado o teor do RIT, verificamos que a impugnante apesar de registar as suas existências no regime de inventário intermitente, não cumpre com os requisitos legais do mesmo (vertidos no Decreto-Lei 44/99, de 12 de fevereiro). Com efeito, i) o seu inventário não se encontra devidamente elaborado pois apresenta as peças de vestuário no global, agrupadas pela fase da sua fabricação, e ii) o critério valorimétrico utilizado pela impugnante, embora seja aceite pela Administração Tributária, não demonstra o cálculo do custo unitário, ou seja, o valor da matéria-prima aplicada, o custo das diferentes tarefas de confeção, etc.
Por sua vez, a impugnante, ao longo da p.i., não se pronuncia sobre estas falhas detetadas no regime de inventário intermitente e na falta do critério valorimétrico (maxime, da forma de cálculo do custo das peças confecionadas que constam dos inventários, nomeadamente matéria prima e encargos gerais de fabrico), nem tampouco a elas alude em toda a sua linha de argumentação, daí se concluindo que tais factos consubstanciam irregularidades que não se encontram controvertidas nos autos.
Sem prescindir, a impugnante apenas alegou que “no mapa onde são consideradas as existências finais de 2009/existências iniciais de 2010, não constam 4.600 peças que se encontravam em fase de acabamento, às quais faltava realizar apenas uma das operações para que estas ficassem completas” e que “estas peças já tinham sido faturadas pelo confecionador em dezembro de 2009 pelo que, em janeiro de 2010, as mesmas peças estão em curso no inventário mas o custo da confeção já tinha sido contabilizado”, pelo que “estas peças deveriam ter sido consideradas como fazendo parte do stock inicial de 2010 e não foram” (vide artigos 93.º, 94.º e 95.º da p.i.).
No entanto, a transição dos saldos de existências finais de 2009 para existências iniciais de 2010 não justifica todas as diferenças identificadas nas existências contabilizadas pela impugnante. No mais, importa realçar que é a impugnante quem tem a obrigação de dispor de contabilidade organizada nos termos da lei comercial e fiscal, a qual permita o controlo e apuramento da matéria tributável. Assim, ao contrário do que pretende concluir, os erros nas existências por si contabilizadas não podem ser imputados à atuação da Administração Tributária, no âmbito da ação de inspeção realizada.
Aqui chegados, nesta análise inicial, a simples verificação de irregularidades nas existências e nos inventários apresentados pela impugnante não permite concluir, por si só, pela insuficiência de elementos da contabilidade ou irregularidade absoluta que inviabilize o apuramento da matéria tributável e, por conseguinte, legitime o recurso a métodos indiretos.
Com efeito, perante este tipo de situações, impõe-se o recurso a outro tipo de procedimentos/diligências para tentar suprir as irregularidades contabilísticas e permitir apurar e controlar, in limine, se o volume de vendas de determinado contribuinte é superior/inferior ao volume das compras e aferir a efetiva situação dos bens que depois de adquiridos não são/não foram ainda transacionados.
E foi exatamente isto que fizeram os Serviços de Inspeção Tributária no caso sub judice. Senão vejamos.
In casu e perante as irregularidades detetadas nos inventários apresentados pela impugnante, a Administração Tributária procedeu à validação/controlo das quantidades constantes dos inventários das existências, nomeadamente, através da realização de testes de confronto entre as quantidades vendidas e as quantidades de peças confecionadas adquiridas.
Com efeito, perante a especificidade da atividade prosseguida pela impugnante (que, como resulta provado dos autos, resume-se à criação e modelação de peças de vestuário, recorrendo depois à subcontratação de peças que confecionam as peças) e tendo em consideração que, frequentemente, a impugnante compra, numa fase inicial, várias peças que são posteriormente confecionadas e agrupadas numa peça final única que é vendida junto do cliente final, os Serviços de Inspeção Tributária analisaram as quantidades das peças compradas pela impugnante (através das faturas emitidas pelas entidades subcontratadas) em contraposição com a quantidade de peças vendidas por esta (extraída da listagem das faturas de venda emitidas).
Importa notar que a metodologia adotada pelos Serviços de Inspeção Tributária pretendeu garantir a exclusão de todos os itens que pudessem suscitar dúvidas sobre se uma determinada peça é contada uma única vez ou mais do que uma vez. Neste pressuposto, para efetuar a comparação das quantidades vendidas, foram recolhidas as quantidades provenientes da confeção, mas apenas quanto estavam em causa trabalhos completos de confeção e que obedecessem aos seguintes critérios:
- A atividade do prestador de serviços corresponder a “confeção a feitio”;
- Os preços unitários da peça vendida serem iguais ou superiores a € 0,70; e
- O descritivo da fatura apenas refira a peça de vestuário e não tarefas complementares (vide ponto 21. do capítulo “IV-4.1 Pressupostos e metodologia de análise dos dados” do RIT).
Além disto, foram, ainda, desconsideradas das vendas as quantidades provenientes de devoluções.
Ora, esta metodologia de análise, para além de se afigurar coerente e razoável (privilegiando a quantidade de peças confecionadas compradas versus a quantidade de peças vendidas), permite-nos obter um ponto de comparação objetivo entre o volume das compras realizadas pela impugnante e o respetivo volume de vendas, independentemente dos estádios de produção (incorporação de matérias primas na peça final) e preço das peças que são confecionadas pelas entidades subcontratadas até estarem concluídas/acabadas e prontas a ser vendidas junto do cliente final.
Sem prescindir, resulta provado dos autos que a impugnante iniciou atividade em junho de 2008 (sendo certo que este é um dos períodos inspecionados), logo, a análise efetuada pela Administração Tributária às existências ficou completamente abrangida desde o primeiro ano de atividade da impugnante até ao ano de 2010, o que permite uma visão completa e objetiva das atividades realizadas, sem que seja possível/admissível remeter a origem das falhas/irregularidades das existências para outros períodos transatos.
Por outras palavras, o período inspecionado, correspondente ao compreendido entre o primeiro dia de atividade da impugnante (2008) até ao ano de 2010, permite uma análise completa, circunscrita e objetiva que nos permite, a final, verificar a quantidade das peças compradas versus a quantidade de peças vendidas, sem que tal possa ficar inquinado com eventuais interferências/irregularidades cometidas no passado e que acabariam por contaminar/impactar os registos contabilísticos dos períodos subsequentes.
Esta metodologia de análise derruba o principal argumento utilizado, neste domínio, pela impugnante quando afirma que as existências finais do ano de 2009 deviam ter transitado para as existências iniciais do ano de 2010 (vide artigos 93.º a 95.º da p.i.), pois, independentemente do ano e do modo em que foram (correta ou incorretamente) contabilizadas as peças, certo é que, nesta metodologia usada pela Administração Tributária, privilegia-se o controlo da quantidade das peças confecionadas compradas e a subsequente venda, em detrimento do ano/rubrica contabilística em que os bens foram registados.
Concretizando.
Conforme melhor detalhado nos quadros dos anos de 2008, 2009 e 2010 do RIT (vide “capítulo IV – 4.2. Cálculos” e revisto no parecer do perito da Administração Tributária), as quantidades contabilizadas pela impugnante contêm incoerências entre si. Senão, vejamos.
Em 2008 (primeiro ano de atividade), a impugnante comprou 31.860 unidades, no entanto, apenas vendeu 22.864 unidades (quantidade esta que resultou da subtração das peças confecionadas devolvidas face à quantidade de peças vendidas), resultando daqui uma diferença de 8.996 unidades, cuja situação dos bens se desconhece.
Por sua vez, em 2009, foram contabilizadas 88.601 unidades vendidas, no entanto, as peças compradas totalizam 99.635, sendo, ainda, consideradas as existências finais de 5.944. Deste modo, daqui resulta uma diferença de 5.090 peças.
Finalmente, com referência ao ano de 2010, a impugnante contabilizou a venda de 670 unidades e comprou 124.435 unidades (sendo registadas como existências iniciais 5.994 peças e, como existências finais, 117.224 peças), o que perfaz uma diferença de 12.485 unidades.
Devidamente apuradas estas diferenças, concluímos que a impugnante contabilizou, nos três anos em análise, um volume de compras superior ao volume das vendas, donde resultou uma diferença de 26.571 de peças confecionadas, sem que se conheça qualquer razão/justificação para tal, nem o destino/situações dos bens aqui em referência.
Aqui chegados, releva e deve ser valorizada a tentativa empreendida pela Administração Tributária de tentar ultrapassar as irregularidades supra identificadas nos inventários de existências apresentados pela impugnante, não se limitando a constatar a existência das mesmas.
No mais, a Administração Tributária logrou demonstrar, através dos testes quantitativos efetuados que os valores declarados pela impugnante (e que constam das suas demonstrações financeiras) não correspondem à verdade, ficando evidente que foram declaradas compras de peças confecionadas em número superior ao das vendas – cenário este impraticável, em termos de viabilidade económica da empresa e que descredibiliza a contabilidade da impugnante, levando à falência da presunção de veracidade das declarações do contribuinte (ora impugnante), nos termos do artigo 75.º, n.º 1 da LGT.
Em face de todo o exposto, da conjugação das irregularidades e divergências nos inventários de existências apresentados pela impugnante, articuladas com as diligências empreendidas pela Administração Tributária no controlo dos testes de quantidades das compras e das vendas (tentando ultrapassar as dificuldades advenientes das deficiência da contabilidade da impugnante), das quais resultou uma divergência assinalável entre as quantidades compradas e as vendidas (sendo aquelas superiores a estas), forçoso se torna concluir pela inequívoca situação de irregularidade da contabilidade da impugnante e da impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável de qualquer imposto.
ii) Do desvio dos valores contabilizados pela impugnante face à média nacional e local do rácio da “margem bruta de vendas II”
No relatório de inspeção tributária, a Administração Tributária entendeu que, no caso sub judice, a margem bruta das vendas, que compara as vendas com custo das mercadorias vendidas e das matérias consumidas (“CMVMC”) e os fornecimentos e serviços externos (“FSE”) está significativamente inferior à média e à mediana das margens das empresas do mesmo CAE e da mesma unidade orgânica, isto é, o distrito ... (vide pontos 9 e 10 do capítulo “IV – 5 Justificação dos motivos que implicam o recurso a métodos indiretos” do RIT).
Concretizando, para o ano de 2008, a impugnante apresenta um rácio de margem bruta de vendas de 18.39%, quando a média e a mediana da mesma unidade orgânica estão nos 30,55% e 73,15%, respetivamente. E, no que concerne ao ano de 2009, a impugnante apresenta um rácio de 5,61%, enquanto que a média e a mediana da mesma unidade orgânica se cifram em 31,05% e 73,82%, respetivamente (cfr. alínea 15) do probatório).
Estas percentagens e conclusões foram, igualmente, defendidas pelo perito da Administração Tributária no parecer que lavrou, em sede de procedimento de revisão da matéria tributável (cfr. alínea 24) do elenco dos factos provados).
Vejamos.
Dos autos, resulta provado que a impugnante iniciou a sua atividade em meados do ano de 2008, mais concretamente no dia 6 de junho de 2008 (cfr. alínea 9) do probatório).
E ficou também provado que a impugnante encontra-se registada no CAE 014131 (“Confeção de outro vestuário exterior em série”), sendo certo que na sua atividade dedica-se à criação e modelação de peças de vestuário, subcontratando a respetiva confeção junto de outras empresas (cfr. alíneas 1) e 2) do elenco dos factos provados).
Desde logo, cumpre esclarecer que a controvérsia suscitada pela impugnante quanto à correta inscrição da impugnante no CAE 014131 não se afigura relevante para a análise do referido desvio no “rácio da margem bruta de vendas II”.
Com efeito, no ato de constituição de uma empresa é obrigatório escolher um CAE, sendo certo que o cumprimento de tal obrigação é da exclusiva responsabilidade do contribuinte, pelo que, in casu, foi a impugnante que escolheu o CAE que, no seu entender, melhor se adequava à atividade económica que pretendia desenvolver. Destarte, não pode agora a impugnante vir alegar que o CAE em que se encontra registada não é o mais correto, sob pena de ocorrer uma situação de venire contra factum proprium.
Por outro lado, apesar da impugnante afirmar que o CAE em que encontra registada não reflete a realidade da atividade económica por si desenvolvida, contatamos que a mesma não indica um outro CAE, reconhecendo, inclusivamente, que “não existe na Classificação Portuguesa de Atividades Económicas nenhum CAE que corresponda à sua atividade, sendo o declarado o que mais se aproxima” (vide artigo 22.º da p.i., sublinhado nosso).
Destarte, improcede a alegada irregularidade do CAE associado à impugnante.
Entremos, pois, na análise dos rácios utilizados pela Administração Tributária.
O recurso aos rácios que a Administração Tributária utiliza resulta de uma média das empresas do setor, tal significando que existem empresas que apresentam valores inferiores ou até superiores aos apresentados pela impugnante.
Note-se ainda que os designados rácios do setor (a que recorreu a Administração Tributária) correspondem a uma compilação de dados recolhida e tratada pela Administração Tributária, resultante dos valores declarados pelos contribuintes. Como tal, e fazendo apelo às cautelas recomendadas pela sua utilização, tais rácios têm somente em conta os dados declarados (nos casos em que o são) e o enquadramento declarado pelos contribuintes, isto é, bastará, por exemplo, que se verifique qualquer diferença no modo de exercício da atividade para que tal possa influir em termos comparativos.
Ademais, a análise de um dado rácio deve ser feita à luz de outros rácios e informações porque, isoladamente, o seu valor absoluto perde significado devido, por exemplo, às interferências de todos os fatores de gestão da empresa. Por isso, apesar de serem uma “ferramenta” útil e prática, advoga-se a sua utilização com prudência
Volvendo ao caso dos autos, o recurso aos rácios (nacionais e locais) da margem média de venda para o setor das empresas registadas no CAE 014131 não é, per se, idónea a impedir a comprovação e quantificação direta dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria coletável de IVA no caso sub judice e não legitima, por conseguinte, o recurso a métodos indiretos. [leia-se IRC]
No entanto, na esteira da conclusão sufragada no ponto anterior onde concluímos que a Administração Tributária logrou demonstrar a situação de irregularidade da contabilidade da impugnante e a necessidade do recurso a métodos indiretos para apuramento da matéria tributável, a análise e comparação do rácio de “margem bruta de vendas II”, nos contextos local e nacional (donde resulta um desvio evidente dos valores apresentados pela impugnante), vem apenas reforçar, complementar e corroborar a conclusão acima referida.
Sem prescindir, diremos que, mesmo após a leitura de todas as justificações apresentadas na p.i., o tribunal desconhece como seria possível à Administração Tributária, em face de todos os circunstancialismos e vicissitudes descritos pela impugnante, comprovar e quantificar de modo direto e exato os elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável do IVA (sendo este o imposto que nos ocupa nos presentes autos).
Compulsados os argumentos supra descritos constata-se que a Administração Tributária verificou e demonstrou que, entre a realidade da atividade da impugnante e os seus registos contabilísticos há, efetivamente, divergências.
E fê-lo, no cumprimento do disposto no artigo 77.º da LGT em conjugação com o artigo 268.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa (“CRP”), fundamentando devidamente a decisão do procedimento, através da enunciação das razões de facto e de direito que motivaram o recurso aos métodos indiretos, quer na fase da inspeção tributária (nomeadamente no projeto de relatório e relatório final de inspeção tributária) quer, posteriormente, em sede de procedimento de revisão da matéria coletável, de reclamação graciosa e de recurso hierárquico.
Com efeito, a Administração Tributária cumpriu com o ónus de provar os pressupostos da tributação por métodos indiretos, demonstrando que a liquidação do imposto (in casu, IVA) não podia assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte (ora impugnante), externando os elementos que a levaram a concluir nesse sentido (conforme supra referido e melhor detalhado no capítulo IV do RIT). Destarte, a impugnante, enquanto destinatária das liquidações adicionais de IVA ora impugnadas, ficou dotada de todas as informações, fundamentos (de facto e de direito) que permitem perceber o raciocínio cognitivo e valorativo prosseguido pela Administração Tributária (vide, neste sentido, entre muitos, o acórdão do STA de 18.12.2002, proc. n.º 048366 e vejam-se, ainda, a título meramente exemplificativo, os acórdãos do STA de 03.06.1993, proc. n.º 031545, de 22.06.2004, proc. n.º 02068/02, e de 05.05.2010, proc. n.º 01081/09, todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt). [leia-se IRC]
Diferente é sua discordância relativamente aos fundamentos usados pela Administração Tributária na quantificação da matéria tributável, o que já não contende com a fundamentação do recurso a métodos indiretos de avaliação.
Por sua vez, para contrariar os indícios recolhidos pela Administração Tributária, impendia sobre a impugnante, um ónus mais detalhado e circunstanciado de alegação. Incumbia-lhe alegar e, igualmente, demonstrar, entre outros aspetos, i) o registo das existências em regime de inventário permanente, conformes ao Decreto-Lei 44/99, de 12 de fevereiro; ii) o critério valorimétrico e forma de cálculo do custo das peças confecionadas que constam dos inventários apresentados; iii) a justificação cabal das divergências nas existências e iv) do desvio verificado nos registos contabilísticos da impugnante quando confrontados com o rácio de “margem bruta de vendas II”, adotado pela Administração Tributária.
No caso, tal não sucedeu.
Assim, perante os dados objetivos e inquestionados considerados pela Administração Tributária, as alegações genéricas da impugnante terão de soçobrar por insuficientes e por carecerem de documentos de suporte (emitidos na forma legal) idóneos a permitir a comprovação e quantificação direta da matéria coletável do IVA.
Assim, forçoso se torna concluir que estamos perante uma situação de insuficiência e irregularidade dos elementos contabilísticos da impugnante, que implica a impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável (artigo 88.º al. b) da LGT), estando, assim, legitimado o recurso a métodos indiretos, nos termos do artigo 87.º n.º 1 al. b) da LGT.
Improcede, assim, a alegada falta dos pressupostos que legitimam o recurso a métodos indiretos.» (fim de transcrição, destacados na nossa autoria)
Ora, perante o assertivo, ponderado e minucioso discurso fundamentador transcrito, que levou em linha de conta todos argumentos preconizados pela Recorrente no sentido de abalar os pressupostos em que AT alicerçou o seu recurso avaliação indirecta, é manifesto que por via do presente recurso não logra a Recorrente demonstrar, concretizar ou convencer este tribunal ad quem de uma errada valoração e/ou interpretação dos factos que logrou provar, no sentido da sua suficiência para abalar a prova sustentada que AT fruiu de que aquele era o único caminho viável.
Podemos, pois, afirmar, que atenta a fundamentação da sentença recorrida e da subsunção dos factos e razões avocadas pela Impugnante que nela foram apreciados, valorados e subsumíveis por via duma argumentação incólume, a conclusão da Recorrente de que por via daqueles ficou demonstrada a ilegalidade do recurso a métodos indirectos assente nos erros na determinação dos valores em que AT se pautou não é susceptível de abalar o julgado, o qual se mantém inabalado, quer de um ponto de vista lógico, quer de um ponto de vista prudencial, o que por si dita a improcedência do recurso e a confirmação do assim decidido em 1ª instância.
Concluindo, a decisão sob recurso que considerou verificados os pressupostos do recurso aos métodos indirectos e da não existência de errónea quantificação da matéria colectável (aqui não impugnada), não nos merece qualquer reparo.
Como assim, improcede in totum, o recurso.

2.3 Conclusões
I. As conclusões exercem a importante função de delimitação do objecto do recurso, como resulta do artigo 635.º do CPC, devendo corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que se pretende obter do Tribunal Superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo Tribunal a quo.
II. Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação (artigo 74.º, n.º 3 da LGT).
III. É à Administração Tributária que cumpre demonstrar que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se tornou a única forma de calcular o imposto, competindo-lhe, por isso, especificar os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta da matéria colectável.

3. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso.
Custas a cargo da Recorrente.
Porto, 9 de maio de 2024


Irene Isabel das Neves
Serafim José da Silva Fernandes Carneiro
Graça Valga Martins