Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00195/20.7BEMDL
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:06/06/2025
Tribunal:TAF de Mirandela
Relator:MARIA FERNANDA ANTUNES APARÍCIO DUARTE BRANDÃO
Descritores:AÇÃO ADMINISTRATIVA CONTRA A UNIDADE LOCAL DE SAÚDE DO NORDESTE, E.P.E.;
CARREIRA DE ENFERMAGEM;
FALTA DE SUPORTE LEGAL PARA A ATRIBUIÇÃO À AUTORA/RECORRENTE DO SUPLEMENTO REMUNERATÓRIO RECLAMADO;
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte -Subsecção Social-:

RELATÓRIO
«AA», NIF ...00, residente na Rua ..., ..., deduziu acção administrativa contra a UNIDADE LOCAL DE SAÚDE DO NORDESTE, E.P.E., com sede na Avenida ..., ..., peticionando que se lhe reconheça que é detentora da categoria de enfermeira especialista da carreira especial de enfermagem e, nessa decorrência, se reconheça também que a Autora tem direito a ser abonada em suplemento remuneratório de 150,00€ mensais desde janeiro de 2018 e que se condene a Entidade Demandada no respectivo pagamento.
Por Sentença proferida pelo TAF de Mirandela foi julgada improcedente a ação.
Desta vem interposto recurso.
Alegando, a Autora formulou as seguintes conclusões:
1. O douto Tribunal recorrido decidiu pela improcedência dos presentes autos, sustentando em síntese, que a Autora não preenchia os requisitos previstos no art. 8.° n.° 2 do DL n.° 71/2019 de 27/05 para ser considerada enfermeira especialista.
2. Sucede que, não pode a Autora concordar com tal desiderato por duas ordens de razão, a decisão sobre os factos provados que suportariam a decisão de Direito exclui factos que estão provados documentalmente e a decisão de Direito não se adequa às especificidades do caso em concreto, violando várias disposições legais.
3. A douta sentença recorrida não dá como provados factos que resultam de prova documental junta aos autos, designadamente documentos n.° 2 a n.° 9 da petição inicial, composta por documentos oficiais (alguns deles emitidos pela própria Ré), os quais não foram impugnados.
4. O douto Tribunal recorrido devia assim ter dado como provados o factos alegados em 2 a 10 da petição inicial, na medida em que todos estão demonstrados em prova documental, exarada por autoridade pública e têm a força probatória de fazer prova plena dos factos, nos termos do previsto nos art. 363.° e seguintes do Código Civi.
5. Impunha-se ao Tribunal “a quo” dar como provado que:
· A Autora tem o título de enfermeira especialista em enfermagem de saúde infantil e pediátrica, conforme atesta a sua cédula profissional cuja cópia se junta como documento n.° 2.
· Além das funções próprias de um enfermeiro, a Autora tem exercido funções próprias do enfermeiro especialista.
· Na qualidade de enfermeira especialista a Autora integrou júris de concursos e integrou outras actividades de avaliação, vide documentos n.° 3 e n.° 4.
· Na qualidade de enfermeira especialista, a Autora coordenou e desenvolveu várias intervenções no domínio da sua especialização, vide doc. n.° 5 e doc n.° 6.
· Na mesma qualidade integrou várias comissões da ULSNE, EP, designadamente a Comissão de Qualidade e Segurança, vide doc. n.° 7.
· E integrou o Grupo de Trabalho de Revisão do Manual de Procedimentos de Enfermagem, vide doc 8.
· Acresce ainda que, a Autora desde sempre que orienta enfermeiros no que concerne à definição e utilização de indicadores e também orienta actividades de formação de estudantes de enfermagem cuja formação tem ocorrido em protocolo com a Ré.
· E, ao abrigo do previsto no art. 64.° do Decreto-Lei 437/91 de 8/11, a Autora cumpriu um período de formação em comissão de serviço pelo período de 3 anos a começar a 1 de Abril de 2001, cfr doc n.° 9.
6. Estes factos, sendo dados como provados, demonstram que a Autora exercia funções que lhe permitiam a atribuição da categoria de enfermeira especialista, na medida em que exercia funções exclusivas dos enfermeiros detentores do título de enfermeiro especialista, conforme preceituam as alíneas j) a p) do n.° 1 e o n.° 2 do art. 9.° do Dl 248/2009 de 22/09.
7. Considerando tais factos como provados, impõe-se uma decisão diversa de Direito, nomeadamente que a Autora praticava funções da categoria de enfermeiro especialista, e como tal, o preenchimento da categoria funcional tinha que ser reconhecido pela Ré à luz desta disposição legal.
8. É o desenvolvimento destas funções que determina o pagamento à Autora de um suplemento remuneratório conforme determinava o art. 4.° do DL 122/2010 de 11/11 na redação que lhe foi dada pelo DL 27/2018 de 27/04.
9. E sendo assim, o facto provado n.° 3 não podia ter sido dado como provado nos moldes em que o foi, pois resulta de uma análise reducionista da documentação sem ter em consideração a alegação fática da Autora na sua petição inicial.
10. Como bem resulta da petição inicial o pagamento do suplemento remuneratório é uma pretensão da Autora e consta do seu pedido, não é um facto em si mesmo que se possa dar como provado de forma isolada, o seu pagamento está dependente do preenchimento do conteúdo funcional reservado ao enfermeiro especialista, o qual não foi sequer levado à matéria de facto.
11. Ainda que a matéria de facto provada não seja objeto de alteração (o que só por mera hipótese académica se considera) sempre a decisão de Direito teria que ser diversa, salvo o devido respeito, parece-nos que o Tribunal a quo não se pronunciou sobre factos considerados essenciais à boa decisão da causa, em clara omissão de pronúncia nos termos preceituados na al. d) do n.° 1 do art.° 615.° do CPC.
12. A situação jurídica da Autora estava consolidada há 15 anos, sendo a Autora enfermeira especialista ao abrigo do previsto no n.° 2 do art. 65.° do Decreto-Lei 437/91 de 8/11 desde o dia 27/01/1994, cfr facto provado n.° 2.
13. Salvo melhor entendimento, a Autora não podia ser afectada com a entrada da nova lei em vigor, ao abrigo da aplicação do princípio da irretroactividade da lei previsto no art. 12.° do Código Civil.
14. Acresce que, no diploma revogatório nada é estipulado quanto às situações jurídicas já estabelecidas como a da Autora pelo que sempre haveria que interpretar a norma no sentido de que esta só pode afectar os factos novos conforme prevê o n.° 2 do art. 12.° do Código Civil, neste sentido, vide o Acórdão do STJ de 04-11-1999, in www.dgsi.pt.
15. Na verdade, o legislador, com a introdução do Decreto-Lei n.° 71/2019 de 27/05, quis claramente proteger situações como a da Autora e afirma categoricamente a identidade da categoria prevista no Dl n.° 437/91 de 08/11 e a transição automática, vide preâmbulo do referido diploma.
16. O tribunal recorrido ignorou claramente a ratio legis da norma, o suceder dos acontecimentos quanto às alterações sofridas pela carreira de enfermagem, e ainda razão de ser do pagamento do suplemento remuneratório a que se refere a disposição legal, aplicando assim o art. 8.° do Decreto-Lei n.° 71/2019 de 27/05, de forma cega.
17. O Tribunal recorrido não se pronunciou sobre o conteúdo funcional desenvolvido pela Autora, quando a lei determina que este conteúdo é que condiciona a atribuição de suplemento remuneratório, como resulta de forma explicita da aplicação do art. 9.° do DL n.° 248/2009 de 22/11, ex vi do previsto no n.° 3 do art. 4.° do DL 122/2010 de 11/11 na redação que lhe foi dada pelo DL 27/2018 de 27/04.
18. A divergência existente entre a Autora e a sua entidade patronal, aqui Ré, é precisamente a Autora defender que exercia funções de enfermeiro especialista e a Ré entender o contrário.
19. Ao analisar a questão levada ao seu conhecimento, da forma prolatada na douta sentença, salvo o devido respeito, o Tribunal recorrido cometeu um claro erro de julgamento, quer quanto à questão de facto a apreciar quer quanto ao direito aplicável.
20. Salvo o devido respeito, o Tribunal recorrido nem sequer considerou que, numa primeira fase, o legislador quis atribuir um suplemento remuneratório pela prática do conteúdo funcional de enfermeiro especialista, o que fez no art. 9.° e posteriormente 10.-A do DL n.° 248/2009 de 22/11 em conjunto com o n.° 3 do art. 4.° do DL 122/2010. E,
21. Só mais tarde, em 2019 definiu a nova carreira de enfermagem, reconhecendo que havia enfermeiros com funções de especialista que já recebiam um suplemento.
22. Parece-nos que o douto Tribunal a quo, na sua decisão desvalorizou por completo que o reconhecimento do conteúdo funcional do enfermeiro especialista é que determinava a mudança para a carreira, porque o pagamento do suplemento remuneratório decorria da prática daquelas funções pelo enfermeiro, conforme resulta do preceituado no n.° 3 do art. 4.° do DL 122/2010, na redação que lhe foi dada pelo DL 27/2018 de 27/04.
23. Ao contrário do referido na douta decisão, o procedimento concursal era para situações futuras, os enfermeiros que já estavam considerados como especialistas transitaram automaticamente e por lista, apresentada pela Ré, para a nova carreira, como aliás a Ré deixa bem claro no alegado nos art. 32.° a 35.° da contestação.
24. Salvo melhor entendimento, parece-nos que o Tribunal recorrido não analisou a questão no seu todo, já que o reconhecimento ao pagamento de um suplemento remuneratório pela prática de funções de enfermeira especialista é parte da pretensão da Autora.
25. Por outro lado, o Tribunal nem sequer quis conhecer da diferenciação arbitrária de tratamento por parte da Entidade Demandada, o que consubstancia uma violação da igualdade de retribuição para trabalho igual em natureza, quantidade e qualidade.
26. Se a Autora praticava funções adstritas ao conteúdo funcional do enfermeiro especialista tinha que ser remunerada da mesma forma que os enfermeiros na mesma condição, sob pena de violação do princípio “a trabalho igual salário igual”, no n.° 2 do art. 144.° da Lei Geral do Trabalho em funções públicas.
27. A douta decisão recorrida viola assim os artigos 12.°, 362.°, 363.° e 371.° do Código Civil, 615.° n.° 1 al. d) do CPC, os artigos 7.°, 9.° (posteriormente 10.-A aditado pelo Decreto-Lei n.° 71/2019 de 27/05) do DL n.° 248/2009 de 22/11, art. 4.° n.° 3 do DL 122/2010 (na redação que lhe foi dada pelo DL 27/2018 de 27/04), art. 8.° do DL n.° 71/2019 de 27/05, o artigo 144.° n.° 2 da LGTFP.
28. Deste modo, deve a douta decisão recorrida ser alterada quanto aos factos dados como provados, decidindo-se em conformidade com a matéria de facto provada, ou, assim não se entendendo, ser a mesma revogada em face da omissão de pronúncia e em conformidade com o erro de julgamento invocado.

Nestes termos e nos demais de direito supríveis, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida, com as legais consequências, tudo por assim ser de inteira, costumada e merecida JUSTIÇA.
A Entidade Demandada juntou contra-alegações, sem conclusões, finalizando assim:
Não se mostram, por conseguinte, violadas quaisquer das disposições legais apontadas pela Autora/Recorrente, devendo negar-se provimento ao recurso, mantendo-se a decisão de 1ª Instância,
ASSIM se fazendo,
JUSTIÇA
A Senhora Procuradora Geral Adjunta notificada, nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.

Cumpre apreciar e decidir.

FUNDAMENTOS
DE FACTO
Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
1. A Autora em 04/01/1988 iniciou funções de enfermeira, com categoria de Enfermeira Tarefeira, no Hospital ... ao abrigo de contrato de trabalho em funções públicas - cfr. fls. 2 e 121 a 123 do processo administrativo junto aos presentes autos.
2. Por despacho proferido em 30/12/1993, publicado em Diário da República em 27/01/1994, foi autorizada a passagem da Autora à categoria de Enfermeira Especialista nos termos do n.º 2 do artigo 65º do Decreto-Lei n.º 437/91, de 08/11 - cfr. doc. 1 junto com a petição inicial.
3. Nos anos de 2017 e 2018 a Autora não auferiu qualquer suplemento remuneratório da Entidade Demandada - cfr. fls. 13 e 51 do processo administrativo junto aos presentes autos.
DE DIREITO
Conforme jurisprudência firmada, o objeto de recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo o Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.
Assim,
É objecto de recurso a sentença que julgou a acção improcedente, desatendendo as pretensões de ser reconhecido à Autora:
-a categoria de enfermeira especialista na carreira especial de enfermagem;
-o direito ao suplemento remuneratório de 150,00 €/mês, desde 1 de janeiro de 2018 criado pelo DL 27/2018, de 27 de abril;
-bem como as quantias devidas e vencidas desde aquela data (1/1/2018). Na óptica da Recorrente a sentença padece de omissão de pronúncia e erro de julgamento de Facto e viola o princípio “trabalho igual salário igual” - n.° 2 do art. 144.° da Lei Geral do Trabalho em funções públicas.
Não vemos que assim seja.
Da nulidade por omissão de pronúncia -


As causas de nulidade da sentença estão expressamente previstas no artigo 615.º do Código de Processo Civil:
1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões deque não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.

Como sintetizou o Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão de 22.01.2019, (proc. 19/14.4T8VVD.G1.S1):

“Os vícios da nulidade do acórdão correspondem aos casos de irregularidades que põem em causa a sua autenticidade (falta de assinatura do juiz), ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adoptado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou ocorra alguma ambiguidade, permitindo duas ou mais interpretações (ambiguidade), ou quando não é possível saber com certeza, qual o pensamento exposto na sentença (obscuridade), quer pelo uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender conhecer questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões de que deveria conhecer (omissão de pronúncia).

As nulidades da sentença não se confundem com o erro de julgamento. No primeiro caso está em causa a regularidade formal da decisão, nomeadamente a existência de vícios de formação da decisão (referentes à inteligibilidade, estrutura ou limites) enquanto que no erro de julgamento está em causa o desacerto da sentença quando à realidade factual ou na aplicação do direito.

Só ocorre a nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil quando o tribunal conheça uma questão que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou quando deixe de se pronunciar sobre as questões ou pretensões suscitadas (omissão de pronúncia).

Existe omissão de pronúncia quando o tribunal deixe de tomar posição ou decidir sobre matérias que os sujeitos processuais interessados submetam à apreciação do tribunal e as que sejam de conhecimento oficioso (n.º 2 do artigo 608.º do Código de Processo Civil).
Como é entendimento constante a expressão “questões” contida na alínea d) do n.º 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil “prende-se com as pretensões que os litigantes submetem à apreciação do tribunal e as respectivas causas de pedir e não se confunde com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que as partes fundam a sua posição na controvérsia. É em face do objecto da acção, do conteúdo da decisão impugnada e das conclusões da alegação do recorrente que se determinam as questões concretas controversas que importa resolver” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03-10-2017, no proc. 2200/10.6TVLSB.P1.S1).

Em conclusão,

Conforme entendimento pacífico da jurisprudência e da doutrina, só se verifica nulidade da sentença por omissão de pronúncia quando o juiz se absteve de conhecer de questão suscitada pelas partes e de que devesse conhecer (cfr. Alberto Reis, Código de Processo Civil anotado, vol. V, Coimbra 1984 (reimpressão), pág.140 e Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 11.9.2007, recurso 059/07, de 10.09.2008, recurso 0812/07, de 28.01.2009, recurso 0667/08, e de 28.10.2009, recurso 098/09), entre muitos outros.
In casu, o Tribunal não descurou as questões a enfrentar ou a questão a apreciar no seu todo, o que conduz à ausência da falada nulidade.

Do erro de julgamento de Facto -
Como se viu, o Tribunal a quo levou ao probatório os seguintes factos:
1. A Autora em 04/01/1988 iniciou funções de enfermeira, com categoria de Enfermeira Tarefeira, no Hospital ... ao abrigo de contrato de trabalho em funções públicas - cfr. fls. 2 e 121 a 123 do processo administrativo junto aos presentes autos.
2. Por despacho proferido em 30/12/1993, publicado em Diário da República em 27/01/1994, foi autorizada a passagem da Autora à categoria de Enfermeira Especialista nos termos do n.º 2 do artigo 65º do Decreto-Lei n.º 437/91, de 08/11 - cfr. doc. 1 junto com a petição inicial.
3. Nos anos de 2017 e 2018 a Autora não auferiu qualquer suplemento remuneratório da Entidade Demandada - cfr. fls. 13 e 51 do processo administrativo junto aos presentes autos.
Ora, os factos que a Autora entende deverem ser dados como provados não revestem pertinência à decisão da causa que é de direito, ou seja, saber se, face às vicissitudes legais que a carreira especial de enfermagem teve, à Autora/recorrente deve ser reconhecida a categoria de enfermeira especialista, e por vias disso, ter direito ao suplemento remuneratório de 150,00 €/mensais previsto no DL 27/2018, de 27 de abril.
Sintetizou, e bem, o Tribunal a quo:
tendo em consideração o pedido formulado, conjugado com as causas de pedir mobilizadas pela Autora temos que o objecto do presente processo se consubstancia em aferir se no presente caso se verificam todos os requisitos exigidos para que a Autora seja integrada na categoria de enfermeiro especialista da carreira especial de enfermagem.
Consubstanciando o suprarreferido, também, a única questão a conhecer na presente pronúncia.
Não se bulirá, pois, no elenco da factualidade tida por assente.
Do erro de julgamento de Direito -
Conforme explanado na sentença:
Sustenta a Autora que tendo entrado na carreira especial de enfermagem em 1988, e, por isso, lhe ter sido aplicável o regime do Decreto-Lei n.º 437/91, de 08/11, ao abrigo do qual, aliás, passou à categoria de enfermeira especialista aí consagrada e regulada, o direito a ser considerada ou qualificada como enfermeira especialista se consolidou na sua esfera jurídica, razão pela qual, com restabelecimento da categoria de enfermeiro especialista na carreira especial de enfermagem empreendido pelo Decreto-Lei n.º 71/2019, de 27/05, a Autora tem direito a ser enquadrada em tal categoria profissional.
No entanto, não é de acolher o entendimento propugnado pela Autora.
Da factualidade adquirida pelo presente processo resulta, sendo até facto indisputado, que a Autora ascendeu à categoria de enfermeira especialista da carreira especial nos termos do n.º 2 do artigo 65º do Decreto-Lei n.º 437/91, de 08/11, diploma este que regia a carreira especial de enfermagem.
Sucede que o Decreto-Lei n.º 437/91, de 08/11, veio a ser revogado pelo Decreto-Lei n.º 248/2009, de 22/11.
O diploma referido no parágrafo supra, no que para a presente pronúncia releva, é expresso a revogar o Decreto-Lei n.º 437/91, de 08/11 - cfr. seu artigo 28º - determinando, por sua vez, que a carreira especial de enfermagem passaria a deter somente duas categorias: a de enfermeiro e a de enfermeiro principal - artigo 7º, n.º 1. Sendo, por outro lado, também expresso o artigo 23º do Decreto-Lei n.º 248/2009, de 22/11, ao determinar a extinção da carreira de enfermagem consagrada e regulada pelo Decreto-Lei n.º 437/91, de 08/11, e ao definir a transição para a carreira especial de enfermagem por si estabelecida dos trabalhadores (enfermeiros) integrados nessa carreira - n.ºs 2 a 4.
Dispondo o n.º 3 do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 248/2009, de 22/11, que transitariam para a categoria de enfermeiro os trabalhadores (enfermeiros) que detinham a categoria de enfermeiro especialista ao abrigo e nos termos do Decreto-Lei n.º 437/91, de 08/11.
Consequentemente, por efeito da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 248/2009, de 22/11, tanto a Autora transitou para a categoria de enfermeiro por este diploma consagrada, definida e regulada, como a carreira de enfermagem em que a Autora se encontrava incluída - a regulada Decreto-Lei n.º 437/91, de 08/11 - e ao abrigo da qual detinha a categoria de enfermeira especialista se extinguiu.
Da extinção da carreira de enfermagem definida e regulada pelo Decreto-Lei n.º 437/91, de 08/11, e bem assim das categorias por ele consagradas, resulta, por maioria de razão, que as considerações inerentes a essas categorias também se extinguiram tornando-se, assim, inadmissível o recurso ao conteúdo jurídico (ainda que funcionalmente referenciado) dessas categorias para efeitos do desenvolvimento da carreira de enfermagem estabelecida nos termos do Decreto-Lei n.º 248/2009, de 22/11 - com excepção da sua utilização para o regime de transição para as novas categorias consagradas no Decreto-Lei n.º 248/2009, de 22/11, como supra evidenciámos.
Daí que não se possa acompanhar a Autora quando pretende fazer uma repristinação da categoria de enfermeira especialista que deteve ao abrigo do regime do Decreto-Lei n.º 437/91, de 08/11, empreendendo-a, no presente, por referência à categoria de enfermeiro especialista que veio a ser incluída e consagrada no Decreto-Lei n.º 248/2009, de 22/11, por efeito da publicação do Decreto-Lei n.º 71/2019, de 27/05.
Ainda que o Decreto-Lei n.º 71/2019, de 27/05, tenha alterado o Decreto-Lei n.º 248/2009, de 22/11, e tenha instituído que a carreira especial de enfermagem passasse daí em diante a ser constituída pelas categorias de enfermeiro, enfermeiro especialista e enfermeiro gestor - v.g. artigo 4º do Decreto-Lei n.º 71/2019, de 27/05 - da leitura deste último inciso normativo conjugado com o artigo 10º-A aditado pelo artigo 5º deste Decreto-Lei ao Decreto-Lei n.º 248/2009, de 22/11, resulta que, mesmo verificando-se homonímia, a categoria de enfermeiro especialista agora consagrada consubstancia uma inovação na carreira especial de enfermagem e não uma qualquer repristinação do regime da categoria de enfermeiro especialista que existia ao abrigo do Decreto-Lei n.º 437/91, de 08/11.
Consequentemente, não possui acolhimento legal o entendimento preconizado pela Autora de que com a instituição da categoria de enfermeiro especialista no Decreto-Lei n.º 248/2009, de 22/11, pelo artigo 4º do Decreto-Lei n.º 71/2019, de 27/05, os enfermeiros que possuíam a categoria de enfermeiro especialista ao abrigo do Decreto-Lei n.º 437/91, de 08/11, automaticamente ingressariam nesta nova categoria.
O entendimento que aqui sufragamos tem também a seu favor a circunstância de o artigo 8º do Decreto-Lei n.º 71/2019, de 27/05, vir expressamente regular a forma como se processará a transição dos trabalhadores enfermeiros titulares das categorias vigentes até à entrada em vigor deste diploma para as novas categorias instituídas por esse diploma.
Como vimos já, a Autora, à data de entrada em vigor das alterações empreendidas pelo Decreto-Lei n.º 71/2019, de 27/05, era titular da categoria de enfermeiro nos termos até instituídos no Decreto-Lei n.º 248/2009, de 22/11.
Assim sendo, para que a Autora transitasse automaticamente para a categoria de enfermeiro especialista aqui em apreço teria que preencher os requisitos enunciados no artigo 8º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 71/2019, de 27/05. O qual dispõe nos seguintes termos:
“2 - Os trabalhadores enfermeiros titulares da categoria de enfermeiro transitam para a categoria de enfermeiro especialista, também com dispensa de quaisquer formalidades, desde que reúnam, cumulativamente, as seguintes condições:
a) Ocupem posto de trabalho cuja caracterização exija, para o respectivo preenchimento, a posse do título de enfermeiro especialista;
b) Detenham título de enfermeiro especialista coincidente com o identificado na caracterização desse mesmo posto de trabalho;
c) Aufiram o suplemento remuneratório previsto no n.º 3 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 122/2010, de 11 de novembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 27/2018, de 27 de abril.”
Ora, o corpo do n.º 2 supratranscrito é expresso que a transição automática para a categoria de enfermeiro especialista depende da verificação cumulativa dos 3 requisitos aí enunciados. O que implica que a não verificação de um desses requisitos inviabiliza a transição automática da Autora para a categoria de enfermeira especialista.
E conferida a matéria de facto adquirida pelo presente processo constata-se que a Autora não auferia nenhum suplemento remuneratório à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 71/2019, de 27/05, donde, por maioria de razão, também a essa data não auferia o suplemento remuneratório previsto no n.º 3 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 122/2010, de 11 de Novembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 27/2018, de 27 de Abril. O que, como evidente ressalta, faz com que a Autora não cumpra um dos requisitos legalmente exigidos para que transitasse automaticamente para a categoria de enfermeiro especialista.
Deste modo, não reunindo a Autora os requisitos legalmente exigidos para que transitasse automaticamente para a categoria de enfermeiro especialista nos termos que supra evidenciámos, temos que a única forma legalmente prevista para a Autora ascender à categoria de enfermeiro especialista é através de procedimento concursal, tal como prescrito no artigo 13º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 248/2009, de 22/11.
Assim, nos termos que supra expusemos, não se podendo reconhecer que a Autora tem direito a ser integrada na categoria de enfermeiro especialista e não se colocando qualquer questão referente a procedimento concursal aberto para ingresso nessa categoria, outra solução não resta ao presente Tribunal que não a de improceder totalmente a pretensão da Autora, com todas as consequências legais.
A título de nota final impõe-se chamar a atenção para a circunstância de a norma do n.º 5 do artigo 8º do Decreto-Lei n.º 71/2019, de 27/05, determinar que as transições de trabalhadores enfermeiros para as novas categorias pelo mesmo criadas serem objecto de elaboração de lista nominativa obrigatoriamente publicada. Listas nominativas estas que consubstanciam actos administrativos susceptíveis de impugnação judicial autónoma. Pelo que sempre a Autora deveria ter impugnado judicialmente a lista nominativa na qual considerasse que deveria ser incluída para efeitos de transição para a categoria de enfermeiro especialista.
Assim, uma vez conhecidas todas as questões suscitadas no presente processo, e não se verificando os requisitos necessários à procedência da pretensão da Autora outra solução não resta ao presente Tribunal do que julgar a presente acção totalmente improcedente, com todas as legais consequências.
Em suma,
A Autora que, desde 20/12/1993 tinha a categoria de enfermeira especialista na carreira de enfermagem, transitou ope legis para a categoria de enfermeiro na carreira especial de enfermagem, sendo certo que com o DL 248/2009, a carreira especial de enfermagem, passou a ter apenas duas categorias: enfermeiro e enfermeiro principal (nº 1 do artigo 7º);
Em 2018, quando foi criado o suplemento remuneratório pelo artigo 2º do DL 27/2018, de 27 de abril, a Autora/Recorrente estava integrada na categoria de enfermeira, já que a categoria de enfermeira especialista prevista no DL 437/91, foi extinta;
Não se pode manter uma categoria funcional que é expressamente revogada por lei ordinária, que extingue uma carreira e cria uma nova carreira prevendo-se a(s) respectiva(s) transição(ões) - cfr. artigo 23º do DL 248/2009, de 22 de setembro;
Não se pode concluir que a Autora tinha, à data deste diploma, 15 anos de categoria de enfermeira especialista, na carreira especial de enfermagem pelo mesmo criada (em 2009);
Ademais a Autora não auferia nenhum suplemento remuneratório à data da entrada em vigor do DL 71/2019, de 27/05, donde, também a essa data não auferia o suplemento remuneratório previsto no n.º 3 do artigo 4.º do DL 122/2010, de 11 de novembro, alterado pelo DL 27/2018, de 27 de abril;
Tal significa que a Autora não cumpria todos os requisitos legalmente exigidos para que transitasse automaticamente para a categoria de enfermeiro especialista;
Acresce que não é possível apelar ao princípio da “irretroactividade da lei”, previsto na 1ª parte do nº 2 do artigo 12º do C. Civil;
Contrariamente ao afirmado na Conclusão 14 das alegações de recurso, o diploma revogatório, (DL 248/2009) refere-se e determina as regras de “Transição para a nova carreira” - cfr. artigo 23º, nºs 2 e 3;
O mesmo se diga, no que tange à publicação e entrada em vigor do DL 71/2019, de 27 de maio que, a partir de 1 de junho de 2019, procedeu à alteração da estrutura das carreiras:
-de enfermagem (DL 247/2009),
-especial de enfermagem (DL 248/2009), passando a contemplar a categoria de enfermeiro especialista (artsº 2º e 4º), prevendo-se, também, a transição automática para a categoria de enfermeiro especialista, conforme artigo 8º, nº 2 do DL 71/2019;
Tal transição automática dependia legalmente de 3 requisitos cumulativos; Porém, como bem sentenciado, à data de 1 de junho de 2019, a Autora/Recorrente não auferia qualquer suplemento remuneratório, constituindo tal circunstância um dos três requisitos para a referida transição, pelo que não podia operar a pretendida transição da Autora da categoria de enfermeira para a categoria de enfermeira especialista da carreira especial de enfermagem (DL 248/2009);
E também não ocorre qualquer violação do princípio “trabalho igual salário igual”;
Aliás, relativamente a tal princípio conclusivamente invocado, sempre a sua violação teria de estar acrescidamente justificada, pois que não é de conhecer por omissão de substanciação no corpo de alegação, a violação de princípios, se o recorrente se limita a afirmar a referida desconformidade de interpretação e de aplicação, sem apresentar, do seu ponto de vista, as razões de facto e de direito do discurso jurídico fundamentador nem, sequer, a modalidade a que reverte o vício afirmado;
Veja-se, a título de exemplo, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 06.10.2022, proferido no processo 1173/08.0BELSB, onde se sublinha que “(...) Não basta invocar a verificação em abstrato de qualquer violação de princípio ínsito em lei ordinária ou inconstitucionalidade, importando que a sua verificação seja densificada e demonstrada, o que não ocorreu;
Ou seja, por falta de densificação tal matéria sempre sucumbiria;
Com efeito, quanto a este item nada resulta da factualidade tida por provada, já que também não alegada, como lhe competia, pela Autora;
Ora, temos também para nós que compete ao trabalhador que invoca a discriminação, alegar e provar quais os trabalhadores relativamente aos quais foi discriminado e os factos que possam inserir-se na categoria de factores característicos de discriminação previstos na lei e, quanto a estes factores, se os não alega, cabe-lhe alegar e provar factos que, referindo-se à natureza, qualidade e quantidade de trabalho prestado por aqueles identificados trabalhadores, permitam concluir que o pagamento de diferentes remunerações viola o princípio da igualdade na sua vertente “trabalho igual salário igual”;
O artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa confere aos trabalhadores o direito fundamental de, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, serem retribuídos pelo seu trabalho segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual;
Tem sido entendimento pacífico do Supremo Tribunal de Justiça, o de que as exigências do princípio da igualdade se reconduzem, no fundo, à proibição do arbítrio, não impedindo, em absoluto, toda e qualquer diferenciação de tratamento, mas apenas as diferenciações materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável ou justificação objectiva e racional, como são as baseadas nos motivos indicados no artigo 59.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa;
É dizer que, “devendo tratar-se por igual o que é substancial e essencialmente igual e desigualmente o que é essencialmente desigual, são legítimas as medidas de diferenciação de tratamento fundadas em distinção objectiva de situações, não baseadas em qualquer motivo constitucionalmente impróprio, que tenham um fim legítimo à luz do ordenamento constitucional positivo, e se revelem necessárias, adequadas e proporcionais à satisfação do objectivo prosseguido;

Aqui a Recorrente nem sequer identifica os trabalhadores relativamente aos quais invoca haver discriminação, não alegando, nem demonstrando, que desempenhem as mesmas funções nas mesmas condições, de modo a permitir a conclusão de que o trabalho por si prestado tenha a mesma natureza, qualidade e quantidade do prestado pelos outros trabalhadores relativamente aos quais se sente discriminada;
A decisão recorrida, contrariamente ao apontado, respeitou os artigos 12.°, 362.°, 363.° e 371.° do Código Civil, 615.° n.° 1 al. d) do CPC, 7.°, 9.° (posteriormente 10.-A aditado pelo DL 71/2019, de 27/05), o DL 248/2009, de 22/11, artigo 4.°/3 do DL 122/2010 (na redação que lhe foi dada pelo DL 27/2018, de 27/04), artigo 8.° do DL 71/2019, de 27/05, e o artigo 144.°/2 da LGTFP e não atentou contra a Lei Fundamental, razão pela qual tem de ser mantida no ordenamento jurídico.

Improcedem as Conclusões das alegações.

DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente
Notifique e DN.

Porto, 06/6/2025

Fernanda Brandão
Rogério Martins
Paulo Ferreira de Magalhães