Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00386/11.1BEBRG-A
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/15/2019
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Helena Canelas
Descritores:EXECUÇÃO PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA; PRAZO; INTEMPESTIVIDADE
Sumário:
I – A execução de sentenças proferidas pelos tribunais administrativos contra entidades públicas, é regulada pelo regime específico constante do CPTA.
II – É em função do fim da execução que o CPTA estabelece a regulação dos processos executivos (cfr. artigos 157º nº 1 do CPTA), que subdivide em «execução para prestação de factos ou de coisas» (cfr. artigos 162º ss.), em «execução para pagamento de quantia certa» (cfr. artigos 170º ss.) e em «execução de sentença de anulação de atos administrativos» (cfr. artigos 173º ss.).
III – Estamos perante uma ação executiva para pagamento de quantia certa se através dela o interessado visa obter o cumprimento (coercivo) por parte da entidade executada da condenação vertida em sentença proferida no âmbito de uma ação administrativa comum a pagar-lhe uma determinada quantia.
IV – As sentenças que condenem a Administração ao pagamento de quantia certa devem ser espontaneamente executadas no prazo de 30 dias, exceto se outro prazo for nelas fixado (cfr. artigo 170º nº 1 do CPTA).
V – Como explicitamente decorre do artigo 170º nº 2 do CPTA (versão antiga), quando não seja dada execução à sentença que condene a Administração ao pagamento de quantia certa dentro do respetivo prazo para cumprimento espontâneo (a que se refere o nº 1 do artigo 170º) o interessado dispõe do prazo de seis meses para pedir ao Tribunal a respetiva execução.
VI – O prazo previsto no artigo 170º nº 2 do CPTA integra o regime específico respeitante ao processo executivo constante do CPTA para o exercício da pretensão executiva contra entidades públicas, o qual se afasta, precisamente, do regime constante do processo civil em face da específica natureza dos executados enquanto pessoas coletivas de direito público, e das suas consequentes particularidades. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:CB & FILHOS, LDA.
Recorrido 1:UNIÃO DAS FREGUESIAS DE MERELIM, S. PAIO, PANÓIAS E PARADA DE TIBÃES
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Execução para pagamento de quantia certa - arts. 170.º e seguintes CPTA - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso e confirmada a decisão recorrida
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. RELATÓRIO
CB & FILHOS, LDA. (devidamente identificada nos autos) instaurou em 02/06/2014 no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga ação executiva para pagamento de quantia certa contra a atual UNIÃO DAS FREGUESIAS DE MERELIM, S. PAIO, PANÓIAS E PARADA DE TIBÃES, invocando que a entidade executada não cumpriu a sentença proferida em 23/11/2011 na ação administrativa comum n.º 386/11.1BEBRG, pela qual foi condenada a pagar à exequente a quantia de 66.122,09€, acrescida dos juros legais de mora desde o vencimento das faturas, até integral pagamento, que computou em 79.563,00 €, perfazendo a quantia exequenda, à data, um total de 145.685,00 €.
Enfrentando a exceção dilatória de caducidade do direito de ação, que havia sido suscitada pela entidade executada na sua oposição, o Tribunal a quo julgou-a verificada, e com esse fundamento absolveu a entidade executada da instância.
Inconformada dela interpôs a exequente o presente recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões, nos seguintes termos:
I- ATENTA TODA A FACTUALIDADE VERTIDA NOS AUTOS DE EXECUÇÃO E OPOSIÇÃO, NÃO HAVIA, NEM HÁ, SALVO O DEVIDO RESPEITO, LUGAR ÀQUELA DECISÃO, POR NÃO SE VERIFICAR A EXCEPÇÃO DILATÓRIA DA CADUCIDADE, POR APLICAÇÃO DO ARTIGO 170 DO CPTA;
II- NO PRESENTE CASO E, CONSEQUENTEMENTE, NAS ACÇÕES DECLARATIVAS DE CONDENAÇÃO, POR INCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÕES, NOS TERMOS DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, NÃO É APLICÁVEL PARA A EXECUÇÃO DE SENTENÇAS TRANSITADAS O DISPOSTO NO ARTIGO 170 DO CPTA, POR SE APLICAR OS PRAZOS ORDINÁRIOS, CONSAGRADOS NA LEI SUBSTANTIVA E ADJECTIVA;
III- É CONSABIDO QUE A LEI NÃO DEVE, NEM PODE, PRIVILEGIAR UNS EM DETRIMENTO DE OUTROS, POR SER OU DEVER SER UM INSTRUMENTO REGULADOR, DA VIDA SOCIAL QUE TRATE EQUITATIVAMENTE TODOS OS CIDADÃOS;
IV- A SENTENÇA RECORRIDA VIOLA, CLARAMENTE, O PRINCIPIO CONSTITUCIONAL DA IGUALDADE, CONSAGRADO NO ARTIGO 13 da CONSTITUIÇÃO, AO PRIVILEGIAR A ADMINISTRAÇÃO COM UM TRATAMENTO QUE NÃO CONFERE AO PARTICULAR, AQUI RECORRENTE;
V- SUCEDE QUE, TENDO A EXECUTADA SOLICITADO PRAZO PARA PAGAR A QUANTIA EXEQUENDA E TENDO A EXEQUENTE, ORA RECORRENTE, SIDO COMPREENSIVA A TAL SOLICITAÇÃO, ATÉ PORQUE TINHA CONHECIMENTO QUE A ORA RECORRIDA, POR DIFICULDADES ECONÓMICAS NÃO PODIA PAGAR, COMO, ALIÁS, CONSTA DA ACÇÃO EXECUTIVA E A RECORRIDA O ALEGA NO ARTIGO 10 DA OPOSIÇÃO, TERIA SEMPRE O TRIBUNAL QUE LEVAR TAL QUESTÃO A JULGAMENTO, MESMO NO PRESSUPOSTO, EMBORA ERRADO, DA APLICABILIDADE DO ARTIGO 170 DO CPTA;
VI- ACRESCE QUE, A EXEQUENTE VEIO EXERCER UMA POSIÇÃO JURÍDICA MANIFESTAMENTE CONTRADITÓRIA COM A POSIÇÃO ANTERIORMENTE ASSUMIDA, O QUE NA DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA INTEGRA A EXCEPÇÃO DO ABUSO DO DIREITO;
VII- É CONSABIDO QUE, QUANDO OCORRA UMA SITUAÇÃO DE ABUSO DE DIREITO, COMO É O CASO, DEVERÁ O TITULAR DESSE DIREITO SER TRATADO COMO SE NÃO O TIVESSE;
VIII- ASSIM, SEMPRE A CONDUTA DA EXECUTADA CONSTITUIRIA UM MANIFESTO ABUSO DO DIREITO, DADO QUE A PRETENSÃO, A QUE SE ARROGA, VIOLA OS MAIS ELEMENTARES PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ E BONS COSTUMES, TORNANDO-SE, INQUESTIONAVELMENTE, ILEGÍTIMO, POR ABUSIVO, A INVOCADA EXCEPÇÃO DA EXTEMPORANEIDADE, CONFORME DISPOSTO NO ART. 334 DO C. CIVIL, QUE EXPRESSAMENTE SE INVOCA.
IX- A SENTENÇA RECORRIDA VIOLOU, ALÉM DO MAIS, O DISPOSTO NOS ARTIGOS 13 DA CONSTITUIÇÃO, ARTIGO 170 DO CPTA E ARTIGO 334 DO C. CIVIL.
*
Não foram apresentadas contra-alegações.
*
Remetidos os autos a este Tribunal, em recurso, neste notificado, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146º e 147º do CPTA, a Digna Magistrada do Ministério Público emitiu Parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso, e confirmada a decisão recorrida.
Sendo que dele notificadas as partes nenhuma se apresentou a responder.
*
Após redistribuição (cfr. Despacho nº 1/2019 de 04/01/2019 do Exmo. Senhor Juiz Desembargador Presidente deste TCA Norte) foram os autos submetidos à Conferência para julgamento, com dispensa de vistos.
*
II. DA DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO/das questões a decidir
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo (Lei n.º 41/2013) ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas pelo recorrente as conclusões de recurso, a questão essencial a decidir é a de saber se ao decidir pela verificação da intempestividade da instauração da ação executiva o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, de direito, com violação do artigo 170º do CPTA, do artigo 13º da CRP e do artigo 334º do Código Civil.
*
III. FUNDAMENTAÇÃO
A – De facto
O Tribunal a quo deu como provada a seguinte factualidade, assim vertida na decisão recorrida, ipsis verbis:
1. Na Acção Administrativa Comum n.º 386/11.1BEBRG, em que é Autora, a aqui exequente CB & Filhos, Lda e Réu, a aqui executada actualmente a “União das Freguesias de Merelim, S. Paio, Panóias e Parada de Tibães”, com data de 23 de Novembro de 2011 foi proferida Sentença, a qual se transcreve:
“I- Relatório
CB & Filhos, Lda, com sede na Rua C… freguesia de Sequeira, Braga, intentou a presente acção administrativa comum contra a Freguesia de Panóias, tendo peticionado a condenação da Ré no pagamento da quantia de 66.122,09€, e acrescida dos juros legais desde o vencimento das facturas juntas ou desde a citação até efectivo pagamento.
Regular e pessoalmente citada para contestar, com a legal advertência, a Ré não o fez no prazo legal.
A instância é válida e regular
Nos termos do disposto nos artigos 464.º e 480.º do (antigo) C.P.C., por se verificar que os factos articulados pela A. reconhecidos por falta de contestação, são adequados a determinar a procedência da acção em conformidade com os fundamentos alegados pela A. na p.i., a que se adere, condena-se a Ré Freguesia de Panoias no pedido, com juros de mora previstos no n.º1 do art. 194.º do DL. N.º 405/93, de 10 de Dezembro e n.º 1 do art. 313.º do DL n.º 59/99, de 2 de Março.
Custas pela Ré (…)”
[Cfr. Fls.68 (paginação electrónica) do processo em causa].
2. Através de carta registada, datada de 09.12.2011, foram Autora, Réu notificados, da referida Sentença, com cópia [Cfr. 70 (paginação electrónica) do processo].
3. O Autor apresentou a petição da execução em 02.06.2014. [Cfr. Fls.1 (paginação electrónica)]
B – De direito
1. Da decisão recorrida
O Tribunal a quo enfrentando a exceção dilatória de caducidade do direito de ação, que havia sido suscitada pela entidade executada na sua oposição, julgou-a verificada, e com esse fundamento absolveu a entidade executada da instância.
Decisão que tendo por base a factualidade que nela foi dada como provada, assentou na seguinte fundamentação:
«Nos presentes autos, pretende-se a apreciação da obrigação a cumprir pela Entidade Executada na sequência da decisão exequenda.
Dispõe, pois, o n.º 1 do artigo 170.ºdo CPTA: “Se outro prazo não for por elas fixado, as sentenças dos tribunais administrativos que condenem a administração ao pagamento de quantia certa devem ser espontaneamente executadas pela própria Administração no prazo máximo de 30 dias”.
No caso em concreto, o prazo que obriga a administração a executar a sentença é no máximo de 30 dias.
E, estipula o n.º 2 do citado artigo 170.º: “Quando a Administração não dê execução à sentença no prazo estabelecido no n.º1, dispõe o interessado do prazo de seis meses para pedir a respectiva execução ao tribunal competente (…)” (sublinhado nosso).
Convém referir que este prazo, como prazo de caducidade que é, deve ser contado nos termos do artigo 279.º do Código Civil, pelo que não se suspende nem se interrompe, uma vez que se verifique o respectivo decurso sem que a acção tenha sido intentada, não mais esta poderá ser, extinguindo-se o direito que o Autor pretenderia fazer valer – neste sentido os Acórdãos de 2 de Fevereiro de 2006 e 9 de Setembro de 2010, ambos do STA, cuja fundamentação acompanho na integra.
No caso em apreço, face ao objecto do processo em causa e face à matéria factual assente, verifica-se que a petição da execução foi apresentada para além do prazo referido na norma legal citada, prazo esse que deverá ser contado a partir do terminus do prazo de 30 dias para a entidade executada, de forma espontânea, cumprir a sentença.
Ora, como efectivamente resulta da sequência dos factos assentes o aqui exequente, tal como a entidade executada tomaram conhecimento da sentença proferida na Acção Administrativa Comum n.º 386/11.1BEBRG por carta registada, emitida com data de 09.12.2011, o termo do prazo, dentro do qual a obrigação devia ser cumprida, ocorreu em 20.01.2012 (Cfr. artigo 72.º do Código do Procedimento Administrativo).
Assim, contados a partir desta data, os seis meses, a que alude o artigo 170.º do CPTA, no seu n.º2, o prazo para apresentação da petição de execução pelo Autor, expiou em 20.07.2012.
Conclui-se, assim, que se verifica a excepção da caducidade.»
2. Da tese da recorrente
Pugna a recorrente não se verificar a exceção dilatória da caducidade do direito de ação, defendendo para tanto, nos termos que reconduz às respetivas conclusões de recurso, que não é aplicável à situação de incumprimento de obrigações emergentes de ações declarativas de condenação, nos termos do Código de Processo Civil dos autos, o artigo 170º do CPTA, por se aplicarem os prazo ordinários consagrados na lei substantiva e adjetiva civil; que a sentença recorrida, ao decidir como decidiu, viola o princípio constitucional da igualdade consagrado no artigo 13º da CRP, ao privilegiar a Administração com um tratamento que não dá a um particular (vide conclusões Iª a IVª e IX das alegações de recurso).
Sustenta ainda que tendo a entidade executada solicitado prazo para pagar a quantia exequenda, e tendo a exequente sido compreensiva a tal solicitação, designadamente por ter conhecimento de que por dificuldades económicas não podia pagar, como foi alegado no artigo 10º da oposição, sempre teria o Tribunal que levar tal questão a julgamento, mesmo no pressuposto da aplicabilidade do artigo 170º do CPTA (vide conclusão V das alegações de recurso). E invoca ainda que a conduta seguida pela entidade executada, contraditória com a anteriormente assumida, integra a exceção de abuso de direito ao abrigo do artigo 334º do Código Civil (vide conclusões VI a IX das alegações de recurso).
3. Da análise e apreciação do recurso
3.1 Resulta do artigo 205º da CRP que as “…decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades” (n.º 2), sendo que a “…lei regula os termos da execução das decisões dos tribunais relativamente a qualquer autoridade e determina as sanções a aplicar aos responsáveis pela sua inexecução” (n.º 3).
O que é reiterado no artigo 158º nº 1 do CPTA, ao ali mencionar que “…decisões dos tribunais administrativos são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer autoridades administrativas” (n.º 1) estatuindo ainda que a “…prevalência das decisões dos tribunais administrativos sobre as das autoridades administrativas implica a nulidade de qualquer ato administrativo que desrespeite uma decisão judicial e faz incorrer os seus autores em responsabilidade civil, criminal e disciplinar, nos termos previstos no artigo seguinte”.
3.2 É em função do fim da execução que o CPTA estabelece a regulação dos processos executivos (cfr. artigos 157º nº 1 do CPTA) que subdivide em «execução para prestação de factos ou de coisas» (cfr. artigos 162º ss.), em «execução para pagamento de quantia certa» (cfr. artigos 170º ss.) e em «execução de sentença de anulação de atos administrativos» (cfr. artigos 173º ss.).
3.3 Como referem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in “Cometário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, Almedina, 2005, pág. 780, a primordial razão de ser do regime específico respeitante ao processo executivo constante do CPTA “…reside no reconhecimento da necessidade de se instituir, no âmbito do contencioso administrativo, mecanismos de execução contra entidades públicas, que permitam assegurar a realização do Direito, mesmo contra vontade destas, quando elas não se disponham a acatar espontaneamente o que formalmente resulte de uma sentença ou de outro documento que a lei qualifique como título executivo”. Necessidade que, como acrescentam aqueles autores, “…resulta desde logo, do facto de haver certos tipos de prestações que, em princípio, só oneram entidades públicas e cuja execução forçada exige, por isso, um regime normativo especificamente pensado em função delas”, como é o caso do dever de praticar atos administrativos, mas também quando a própria execução de prestações que tanto podem onerar entidades públicas como privadas suscita dificuldades específicas “…quando estão em causa entidades públicas, que não se colocam quando se trata de executar particulares e que, por isso, exigem ou justificam soluções normativas diferenciadas”, como sucede “…com a obrigação de pagar quantias em dinheiro, na medida em que as limitações que, em termos gerais, o CPC impõe a impenhorabilidade dos bens públicos colocam as entidades públicas numa posição específica que justifica a introdução de soluções alternativas”.
3.4 No que especificamente respeita à execução para pagamento de quantia certa o CPTA dispunha o seguinte nos seus artigos 170º, 171º e 172º (na versão anterior à revisão operada pelo DL. nº 214-G/2015 de 2/10, aplicável à situação dos autos):
Artigo 170º
Execução espontânea e petição de execução
1 - Se outro prazo não for por elas próprias fixado, as sentenças dos tribunais administrativos que condenem a Administração ao pagamento de quantia certa devem ser espontaneamente executadas pela própria Administração no prazo máximo de 30 dias.
2 - Quando a Administração não dê execução à sentença no prazo estabelecido no n.º 1, dispõe o interessado do prazo de seis meses para pedir a respetiva execução ao tribunal competente, podendo, para o efeito, solicitar:
a) A compensação do seu crédito com eventuais dívidas que o onerem para com a mesma pessoa coletiva ou o mesmo ministério;
b) O pagamento, por conta da dotação orçamental inscrita à ordem do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais a que se refere o n.º 3 do artigo 172.º”.
Artigo 171º
Oposição à execução
1 - Apresentada a petição, é ordenada a notificação da entidade obrigada para pagar, no prazo de 20 dias, ou deduzir oposição fundada na invocação de facto superveniente, modificativo ou extintivo da obrigação.
2 - A inexistência de verba ou cabimento orçamental não constitui fundamento de oposição à execução, sem prejuízo de poder ser invocada como causa de exclusão da ilicitude da inexecução espontânea da sentença, para os efeitos do disposto no artigo 159.º
3 - O recebimento da oposição suspende a execução, sendo o exequente notificado para replicar no prazo de 10 dias.
4 - Junta a réplica do exequente ou expirado o respetivo prazo sem que ele tenha manifestado a sua concordância com a oposição deduzida pela Administração, o tribunal ordena as diligências instrutórias que considere necessárias, findo o que se segue a abertura de vista simultânea aos juízes-adjuntos, caso se trate de tribunal colegial.
5 - A oposição é decidida no prazo máximo de 20 dias.”
Artigo 172º
Providências de execução
1 - O tribunal dá provimento à pretensão executiva do autor quando, dentro do prazo concedido para a oposição, a Administração não dê execução à sentença nem deduza oposição ou a eventual alegação da existência de factos supervenientes, modificativos ou extintivos da obrigação venha a ser julgada improcedente.
2 - Quando tenha sido requerida a compensação de créditos entre exequente e Administração obrigada, a compensação decretada pelo juiz funciona como título de pagamento total ou parcial da dívida que o exequente tinha para com a Administração, sendo oponível a eventuais reclamações futuras do respetivo cumprimento.
3 - No Orçamento do Estado é anualmente inscrita uma dotação à ordem do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, afeta ao pagamento de quantias devidas a título de cumprimento de decisões jurisdicionais, a qual corresponde, no mínimo, ao montante acumulado das condenações decretadas no ano anterior e respetivos juros de mora.
4 - Quando o exequente o tenha requerido, o tribunal dá conhecimento da sentença e da situação de inexecução ao Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, ao qual cumpre emitir, no prazo de 30 dias, a correspondente ordem de pagamento.
5 - Quando a entidade responsável pelo pagamento seja uma pessoa coletiva pertencente à Administração indireta do Estado, as quantias pagas por ordem do Conselho Superior são descontadas nas transferências a efetuar para aquela entidade no Orçamento do Estado do ano seguinte ou, não havendo transferência, são oficiosamente inscritas no orçamento privativo de tal entidade pelo órgão tutelar ao qual caiba a aprovação do orçamento.
6 - Quando a entidade responsável pertença à Administração autónoma, procede-se igualmente a desconto nas transferências orçamentais do ano seguinte e, não havendo transferência, o Estado intenta ação de regresso no tribunal competente.
7 - No caso de insuficiência de dotação, o Presidente do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais oficia ao Presidente da Assembleia da República e ao Primeiro-Ministro para que se promova a abertura de créditos extraordinários.
8 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, o exequente deve ser imediatamente notificado da situação de insuficiência de dotação, assistindo-lhe, nesse caso, o direito de requerer que o tribunal administrativo dê seguimento à execução, aplicando o regime da execução para pagamento de quantia certa, regulado na lei processual civil.”
3.5 Na situação presente estamos indubitavelmente perante uma ação executiva para pagamento de quantia certa, já que através dela a recorrente visa obter o cumprimento (coercivo) por parte da entidade executada da condenação vertida na sentença proferida em 23/11/2011 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga na ação administrativa comum n.º 386/11.1BEBRG a pagar-lhe a quantia de 66.122,09€, acrescida dos juros legais de mora desde o vencimento das faturas, até integral pagamento.
3.6 Como resulta do disposto no artigo 170º nº 1 do CPTA (versão antiga), as sentenças que condenem a Administração ao pagamento de quantia certa devem ser espontaneamente executadas pela própria administração no prazo de 30 dias, exceto se outro prazo for nelas fixado.
E como explicitamente decorre do artigo 170º nº 2 do CPTA (versão antiga), quando não seja dada execução à sentença que condene a Administração ao pagamento de quantia certa dentro do respetivo prazo para cumprimento espontâneo (a que se refere o nº 1 do artigo 170º) o interessado dispõe do prazo de seis meses para pedir ao Tribunal a respetiva execução.
3.7 Sucede que na situação presente muito embora a sentença condenatória, que constitui o título executivo, date de 23/11/2011, a ação executiva veio apenas a ser instaurada em 02/06/2014.
Ciente disso, o Tribunal a quo, aplicando as disposições dos nºs 1 e 2 do artigo 170º do CPTA, considerou que a petição da execução foi apresentada para além do prazo legal de seis meses previsto nº 2 do artigo 170º do CPTA, contado a partir do terminus do prazo de 30 dias para a entidade executada cumprir, de forma espontânea, a obrigação de pagamento a que foi condenada na sentença.
3.8 E fê-lo corretamente. Não merecendo acolhimento os fundamentos do recurso da exequente.
3.9 É que é efetivamente de aplicar à situação dos autos os normativos constantes dos nºs 1 e 2 do artigo 170º do CPTA, já que estamos perante uma ação executiva para pagamento de quantia certa, na exata medida em que através dela a recorrente visa obter o cumprimento (coercivo) por parte da entidade pública executada da condenação de pagamento vertida em sentença proferida por Tribunal Administrativo no âmbito de uma ação administrativa comum.
Lembre-se que a execução de sentenças proferidas pelos tribunais administrativos contra entidades públicas, é regulada pelo regime específico constante do CPTA (cfr. artigo 157º nº 1 do CPTA). Como referem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in “Cometário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, Almedina, 2005, pág. 780, o regime dos processos executivos estabelecido no CPTA respeita às execuções movidas contra entidades públicas, deles se excluindo as execuções movidas contra particulares, razão pela qual os preceitos do CPTA referentes às ações executivas se refiram normalmente à «Administração» como entidade obrigada e executada, por natural influência das normas do DL. nº 256-A/77, que os precederam.
E essa é, precisamente a situação dos autos.
Pelo que não há que convocar, como propugna a recorrente, os prazos ordinários consagrados na lei substantiva e adjetiva civil.
3.10 Nem concomitantemente procede a invocada violação do princípio constitucional da igualdade consagrado no artigo 13º da CRP.
A lei ordinária confere ao interessado um prazo de seis (6) meses, contado do terminus do prazo de que a entidade pública dispunha para cumprir espontaneamente a obrigação de pagamento de quantia certa que sobre ela incumbia nos termos de sentença condenatória, transitada em julgado, proferida por Tribunal Administrativo. Prazo de caducidade assim criado pelo legislador ordinário para o exercício da pretensão executiva contra entidades públicas.
Integrando, assim, o regime específico respeitante ao processo executivo constante do CPTA, o qual, como já se viu, se afasta precisamente do regime constante do processo civil em face da específica natureza dos executados enquanto pessoas coletivas de direito público, e das suas consequentes particularidades (vide a este respeito, entre outros, Dora Lucas Neto, in,A Tutela executiva em tempos de mudança. Aproximação ao tema em defesa da tutela judicial efetiva”, CJA nº 110 (Abril/Mar 2015), págs. 3.13).
3.11 Assim, como já foi consignado no acórdão do STA de 10/09/2015, Proc. nº 096/15, disponível in, www.dgsi.pt/jsta “...o nosso quadro constitucional, concede ao legislador ordinário uma ampla margem de conformação dos prazos de caducidade do direito de ação, cabendo ao poder legislativo proceder à sua fixação através de ponderações abstratas entre os interesses da garantia judicial do exercício de direitos e os interesses da segurança e estabilidade das relações jurídicas. Ou seja, a tutela judicial efetiva não é um exclusivo dos cidadãos face à Administração Pública, sendo também uma garantia desta, na medida considerada adequada pelo legislador, em relação àqueles”, em termos que “…ainda que os prazos de execução contra entidades privadas seja distinto, tal diferença de prazos para a execução entre as entidades privadas e as públicas, corresponde a um tratamento diferenciado que não coloca qualquer questão de constitucionalidade, correspondendo à apontada relevância do interesse público e à sua ponderação face aos interesses privados em confronto e à necessidade de estabilização das relações jurídicas administrativas, sendo a regra a dos prazos relativamente curtos para o acesso à via judicial”.
3.12 Importando por último referir que também não colhe o recurso no que respeita ao invocado abuso de direito, na exata medida em que se trata de questão nova, que não foi suscitada em primeira instância, e que assim o Tribunal a quo não foi chamado a decidir.
Atenha-se que recursos jurisdicionais destinam-se a alterar ou a anular a decisão de que se recorre, dentro dos fundamentos da sua impugnação. Eles constituem meios judiciais de refutar o acerto do decidido, tendo o recorrente de alegar e concluir os fundamentos por que a decisão recorrida sofre dos vícios que lhe imputa e que conduzem à sua anulação ou revogação. São, assim, meios de impugnação de decisões judiciais e não meios de julgamento de questões novas. Não cabe, pois, ao tribunal de recurso o conhecimento ex novo de questões que não foram suscitadas em primeira instância.
Veja-se a este respeito, António Santos Abrantes Geraldes, inRecursos no Novo Código de Processo Civil”, 2014, Almedina, págs. 27 e 88-90; Miguel Teixeira de Sousa, in, “Estudos sobre o novo processo civil”, Lex, 2a edição, págs. 524 a 526; Alberto dos Reis, in, “Código de Processo Civil anotado”, Vol. V, Coimbra, 1981, págs. 309 e 359, bem como, entre outros, a título ilustrativo o acórdão do TCA Sul de 23/11/2017, Proc. nº 22/17.2BELSB, de que fomos relatores, disponível in, www.dgsi.pt/jtca, bem como o acórdão deste TCA Norte de 03/11/2017, Proc. nº 0309/12.0BEPRT, disponível in, www.dgsi.pt/jtcn.
3.13 Sendo certo que na situação dos autos a exequente reconheceu desde logo no requerimento inicial do processo de execução que o trânsito em julgado da sentença condenatória já havia ocorrido há quase dois anos e meio à data da instauração da ação executiva (vide artigo 2º do R.I.), referindo recorrer então à ação executiva por não obstante as diligências por si desenvolvidas para que a entidade executada lhe pagasse o débito, esta ter vindo a invocar «inúmeros subterfúgios para protelar o pagamento, invocando que aguarda a venda de lotes para efetuar o pagamento da dívida», mas que tem conhecimento de que «já vendeu inúmeros lotes, incumprindo o compromisso de pagamento que assumiu há mais de 2 anos», sabendo que a entidade executada «se propõe vender os restantes lotes e assim se furtar ao pagamento» (vide artigos 3º, 4º e 5º do R.I.).
E tendo sido suscitada pela entidade executada no seu articulado oposição a questão da extemporaneidade da instauração da ação executiva (vide artigos 1º a 6º da oposição), notificada que foi a exequente para sobre ela se pronunciar (nos termos do despacho de 11/09/2014 da Mmª Juíza a quo), nada disse.
3.14 Nada resulta, assim, dos autos, por não ter sido alegado, nem consequentemente levado ao probatório, de onde pudesse ou possa concluir-se no sentido agora propugnado pela recorrente quanto ao aventado abuso de direito.
3.15 Aqui chegados, há que concluir não merecer acolhimento o recurso. Devendo, pois, confirmar-se a decisão recorrida.
O que se decide.
***
IV. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela recorrente - artigo 527º nºs 1 e 2 do CPC novo (aprovado pela Lei nº 41/2013) e artigos 7º e 12º nº 2 do RCP (artigo 8º da Lei nº 7/2012, de 13 de fevereiro) e 189º nº 2 do CPTA.
Notifique.
D.N.
Porto, 15 de março de 2019
Ass. Helena Canelas
Ass. Isabel Costa
Ass. João Beato