Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
RELATÓRIO
«AA» instaurou ação administrativa contra a DGAE - Direção Geral da Administração Escolar, ambas melhor identificadas nos autos, pedindo:
“Nestes termos, e com o douto suprimento, deve a presente ação ser julgada procedente por provada e, por via dela,
a) ser declarado nulo o ato administrativo do qual emerge a anulação de colocação do concurso extraordinário 2018/2019;
b) caso o tribunal assim não entenda, condenar a Ré ao pagamento da quantia indemnizatória no valor de 20.000,00€ à Autora, acrescida de juros à taxa legal desde a notificação até integral pagamento;
c) condenar a Ré nas custas do processo”.
Por sentença proferida pelo TAF de Braga foi julgada procedente a ação e anulado o ato impugnado.
Desta vem interposto recurso.
Alegando, a Ré formulou as seguintes conclusões:
I. Através da sentença proferida em 3 de setembro de 2021, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, foi julgada procedente a ação administrativa e, consequentemente, anulado o ato que determinou a anulação da colocação da Recorrida no ano escolar de 2018/2019, obtida no Concurso Externo Extraordinário para o ano escolar de 2018/2019.
II. Ora, o Recorrente discorda do alcance da decisão judicial proferida pelo Tribunal a quo, uma vez que a mesma não teve em atenção a factualidade e argumentação jurídica levados aos autos em sede da contestação apresentada e como adiante se demonstrará, como deu como provados factos que não poderiam ter sido dados como provados.
III. Decidiu a sentença a quo que a Recorrida lecionou ininterruptamente, desde 2006 a 2017, português no estrangeiro, ao abrigo de contrato administrativo celebrado com o Ministério da Educação, encontrando-se em situação precária que o supramencionado concurso visava regularizar, quando a relação laboral estabelecida através de um contrato de comissão de serviço, foi celebrado com o Instituto Camões IP, entidade que integra a orgânica do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
IV. Considerando como assente a Recorrida estabeleceu vínculo com o Ministério da Educação, motivo pelo qual, erradamente, entende que está em posição equivalente aos demais docentes da rede pública do Ministério da Educação, confundindo a relação laboral estabelecida com os efeitos do tempo de serviço prestado.
V. Determinou a sentença recorrida que a Recorrida reunia os pressupostos para beneficiar da segunda prioridade, decidindo indevidamente que é ilegal o ato que anulou a sua colocação.
VI. Resulta do disposto na alínea b) do n.° 3 e n.° 4 do artigo 10.° do Decreto-Lei n.° 132/2012, de 27 de junho, conjugado com o disposto no ponto 3.2. do Capítulo II da Parte II do Aviso, que só podem ser opositores na 2.ª prioridade aos concursos externos, ordinário e extraordinário, aqueles candidatos que tenham prestado funções docentes nos últimos seis anos escolares, em pelo menos 365 dias, nos estabelecimentos elencados naqueles normativos.
VII. Prevê o artigo 39.° da Lei n.° 114/2017, de 29 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2018, que enforma a aplicação dos supracitados preceitos ao concurso vertente, a abertura de um processo de vinculação extraordinário do pessoal docente com contrato a termo resolutivo dos estabelecimentos públicos de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário do Ministério da Educação.
VIII. Da aplicação do regime legal do concurso externo extraordinário, interpretado de acordo com o disposto no artigo 39.° da Lei n.° 114/2017, de 29 de janeiro, só poderia resultar, quando muito, a ordenação da Recorrida na 3.ª prioridade, porque,
IX. é indiscutível a intenção do legislador instituir como destinatários do concurso externo extraordinário os candidatos que, com ligação objetiva contínua, tivessem celebrado contrato de trabalho a termo resolutivo com estabelecimentos de ensino público do pré-escolar, ensino básico e secundário do Ministério da Educação.
X. A ordenação dos docentes nas 2.ª ou 3.ª prioridades e, por conseguinte, o disposto nas alíneas b) e d) do n.° 3 do artigo 10.° do Decreto-Lei n.° 132/2012, sempre terá que se ajustar à exigência consagrada no artigo 39.° da Lei do Orçamento do Estado para 2018, sob pena de incumprimento da mesma.
XI. A Lei de Bases do Sistema Educativo, aprovada pela Lei n.° 46/86, de 14 de outubro, na redação atual, veio estabelecer o quadro geral do sistema educativo (n.° 1 do artigo 1.°), determinando que o ensino português no estrangeiro é parte integrante da educação escolar, regendo-se, contudo por disposições especiais (ao abrigo da alínea e) do n.° 1 e do n.° 2 do seu artigo 19.°).
XII. O Decreto-Lei n. ° 165/2006, de 11 de agosto, veio estabelecer o regime jurídico do ensino português no estrangeiro, enquanto modalidade especial da educação escolar.
XIII. Com a publicação do Decreto-Lei n.° 165-C/2009, de 28 de julho, que alterou o Decreto-Lei n. ° 165/2006, de 11 de agosto, o Instituto Camões, I.P, passou a ser o organismo responsável pela gestão da rede do ensino português no estrangeiro ao nível da educação pré-escolar e dos ensinos básico, secundário e superior.
XIV. Os contratos celebrados pela Recorrida em momento algum foram celebrados com o Ministério da Educação, mas, sim, com o Camões I.P., organismo responsável pela gestão da rede do ensino português no estrangeiro ao nível da educação pré-escolar e dos ensinos básico, secundário e superior.
XV. O entendimento gizado pelo legislador para o concurso em apreço foi o de subordinar este concurso aos docentes que tivessem celebrado contratos com estabelecimentos de ensino que pertençam à rede de escolas do Ministério de Educação, nas quais se incluíam as escolas portuguesas no estrangeiro, e que assim foram colocados em vaga cuja abertura foi consequência de uma necessidade sentida nos estabelecimentos de ensino público da rede do Ministério da Educação, que se afigurou para os mesmos como permanente e como tal foi satisfeita.
XVI. Até à publicação da quarta alteração ao Decreto-Lei n.° 165/2006, de 11 de agosto, embora o tempo de serviço dos docentes do ensino português no estrangeiro fosse considerado como tempo de serviço efetivo em funções docentes no ensino público, não era permitida a sua ordenação na 2.ª prioridade, nos termos da alínea b) do n.° 3 do artigo 10.° do Decreto-Lei n.° 132/2012, de 27 de junho, como peticionou em 1.ª instância a Recorrida e foi reconhecido pela aliás douta sentença recorrida.
XVII. Pela aplicação das leis no tempo, conforme impõe o n.° 1 do artigo 12.° do Código Civil, esta alteração legislativa consagra definitivamente o entendimento do legislador sobre a prioridade a atribuir aos docentes na situação da Recorrida, a saber, ordená-los na 3.ª prioridade.
XVIII. Pois só com a publicação do Decreto-Lei n.° 88/2019, de 3 de julho, o legislador, que já valorava o tempo de serviço prestado como docente do ensino português no estrangeiro para todos os efeitos legais como tempo de serviço efetivo em funções docentes no ensino público, determina que esses docentes se enquadram na 2.° prioridade, prevista na alínea b) do n.° 3 do artigo 10.° do decreto-lei n.° 132/2012, de 27 de junho, na redação atual.
XIX. Atenta a data de publicação do Aviso n.° 5442-A/2018, pelo qual se declarou aberto o concurso em escrutínio, verifica-se que o Tribunal a quo, como que se antecipa ao legislador, conferindo à Recorrida a 2.ª prioridade, por interpretação retroativa e errada da lei, quando o próprio legislador reconhece em diploma posterior que os docentes do ensino português no estrangeiro dela não beneficiavam.
XX. Do que a questão em litígio nos autos trata, tendo que ser dirimida, diz respeito à prioridade na ordenação ao concurso externo extraordinário em apreço e que tem de ser aferida face ao disposto no artigo 39.° da Lei n.° 114/2017, em conjugação com o disposto no n.° 3 do artigo 10.° do Decreto – Lei n.° 132/2012, de 27 de junho, na redação em vigor à data de abertura do concurso.
XXI. O Tribunal a quo decidiu a questão apenas tendo em atenção o postulado no diploma dos concursos sem que, em momento algum, tenha interpretado o disposto no n.° 3 do artigo 10.°, como se impunha, de acordo com a ratio legis ínsita no artigo 39.° da Lei que aprovou o Orçamento do Estado para 2018 e ao abrigo da qual, foi possibilitada a abertura deste concurso externo extraordinário de docentes.
XXII. Ao fazê-lo a sentença recorrida confere ilegalmente uma posição equivalente, na 2.ª prioridade, a situações concursais diversas, permitindo o acesso irregular à Recorrida na 2.° prioridade ao concurso externo extraordinário, que ditou a sua colocação indevida que o Recorrente tão acertadamente anulou.
XXIII. Baseia-se a aliás douta sentença na idealização errónea segundo a qual «o próprio regime de Ensino de Português no Estrangeiro postula uma equiparação entre estes docentes e os demais docentes quer para contagem de tempo de serviço, quer pelo regime supletivamente aplicável», o que, na verdade, o legislador não pretendeu com o Decreto-Lei n.° 165/2006, de 11 de agosto, mas apenas e só com Decreto-Lei n.° 88/2019, de 3 de julho.
XXIV. Nesta medida, dúvidas não restam que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de direito, devendo a sentença a quo ser, nessa medida, revogada, quanto ao seu alcance.
Termos em que,
E nos melhores de Direito, com o suprimento, deverá o presente recurso ser admitido e julgado procedente, revogando-se a sentença proferida em 16 de outubro e, assim se fazendo a costumada Justiça.
A Autora juntou contra-alegações, concluindo:
1 - No dia 20 de abril de 2028, por aviso nº 5442-A) 2018 da DGAE, foi publicada em Diário da República, II serie nº 78/2018 a abertura de concurso externo ordinário e do concurso extraordinário para o ano escolar de 2018/2019, este último nos termos do DEC- Lei nº 132/2012 de 27 de junho na sua redação atual e artigo 39 da Lei nº 114/2017 de 29 de dezembro;
2 - A recorrida candidatou-se e como resultado deste concurso a opositora ficou no QUADRO DE ZONA PEDAGÓGICA 01 de acordo com a lista definitiva de colocação de concurso Externo Extraordinário;
3 - No campo 4.3.3.,2. A recorrida opositora aquando da sua candidatura no boletim indicou que concorria em 2º prioridade alínea b) do artigo 10 do Dec.-Lei nº 132/2012 nº 3 de 27 de junho ao qual determina que devem ser ordenados na 2º prioridade “indivíduos qualificados profissionalmente para o grupo de recrutamento a que se candidatam que tenham prestado funções docentes de pelo menos 365 dias nos últimos seis anos escolares, nos estabelecimentos referidos no numero seguinte”.
4 - A recorrida pretendia ser opositora ao concurso Externo Extraordinário como o no artigo 39 da Lei/2017de 29 de dezembro, com vista a regularização do vínculo precário, pois a Ratio Legis que enforma esta Lei é que se encontra na origem deste concurso.
5 - a recorrida apresentou prova documental nomeadamente o seu tempo de serviço que se cifra em 1061 dias que foi prestado ate 31 de agosto de 2006, atestado pelo Agrupamento de Escolas ...;
6 - Juntou também documentação em como prestou serviço de docente no ensino Português no Luxemburgo desde 01 de setembro de 2006 e 31 de agosto de 2017,
7 - refere o Dec.-Lei nº 21/2012 de 30 de janeiro que;
“Compete a camões, I.P, no âmbito da educação pré escolar e dos ensinos Básico e secundário do ensino português no Estrangeiro, em articulação como o Ministério da educação e Ciência...”, “...a coordenação da atividade da rede de docência de língua e cultura Portuguesa no Estrangeiro, ao nível dos ensinos básicos e secundário...”;
8 - Assim sendo parece consentâneo o conceito de rede pública do ministério da educação com o exercício de funções de docentes no ensino público no contexto Português no Estrangeiro.
9 - Ficou a recorrida incluída na lista definitiva de colocação do Concurso externo Extraordinário com colocação obtida no grupo de recrutamento 110 - 1º ciclo do ensino básico e no QZP 01 e ordenada em 2º prioridade
10 - Através do ofício com o nº ... da Direção de Serviços de Concursos e Informática, da Direção Geral da Administração Escolar com o seguinte assunto a recorrida recebeu;
“Pedido de pronúncia sobre a prioridade a concurso externo extraordinário 2018/2019 da Candidata «AA», nº de utilizador ...95” foi a recorrida notificada do seguinte despacho;
“Tendo sido questionada a prioridade a que concorreu ao concurso supra citado nomeadamente a 2º prioridade, ao grupo de recrutamento 910- Educação especial 1, 110¬1º ciclo do ensino Básico e 140- Educação Visual e Tecnológica, e nos termos do artigo 121 do código do procedimento administrativo, solicita se a Vossa Exa que se pronuncie, no prazo de 10 dias uteis, sobre a matéria em apreço, comprovando os requisitos exigíveis para a situação em que se encontra”
11 - A recorrida pronunciou-se sobre o assunto.
12 - Em resposta à sua audiência prévia recebeu a ora recorrida um despacho de ANULAÇAO da direção Geral da administração escolar ao qual refere
... “nos termos do artigo 114 \do código do procedimento administrativo (CPA) e após a audiência previa realizada nos termos do artigo 121 do mesmo diploma, fica Vossa Exa notificada que por despacho de quatro de abril de 2019, da senhora Diretora Geral da administração Escolar, a colocação obtida no ano escolar de 2018 / 2019 no Quadro de zona Pedagógica 01 será objeto de ANULACÃO nos termos do artigo 163 do CPA, uma vez que a candidatura violava o disposto no artigo na alínea B) do nº 3 do artigo 10 de Dec-Lei 132/2012 de 27 de junho, na redação em vigor”
13 - A recorrida intentou a presente ação apontando diversos vícios, quer ao nível da notificação quer ao nível da sua fundamentação quer ao nível da violação do direito e erro nos seus pressupostos em relação ao ato que anulou a sua candidatura
14 - A recorrente DGAE contestou alegando a INIMPUGABILIDADE DO ATO.
15 - A sentença do TAF de Braga deu razão à recorrida
16 - Inconformada com a decisão a recorrente vem alegar que a sentença proferida do Tribunal a quo não teve em atenção a matéria da contestação;
17 - o que não é verdade;
18- E a este propósito há a referir que em processos semelhantes a recorrente levantou a mesma exceção;
19 - No processo nº 1500/19. 4 BEBRG e no processo nº 310/19.3 BEVIS, o primeiro que correu termos no TAF de Braga e outro JÁ TRANSITADO EM JULGADO, da qual se junta, no TAF de Viseu,
20 - ambos vão no sentido de que o ato que anulou a colocação da aqui recorrida e IMPUGNAVEL porque efetivamente visam produzir efeitos jurídicos com eficácia externa, pois produzem efeitos jurídicos na esfera jurídica dos seus destinatários;
Um ato lesivo da sua posição jurídica anterior tem de ser obrigatoriamente um ato impugnável.
21- Alegou também que não podia integrar a 2º prioridade
22 - Fez uma errada interpretação do artigo 10 nº 3 alínea b)
Dispõe o artigo nº 10 nº 3 com as suas alterações
O que interessa para o caso
Os candidatos ao concurso externo são ordenados, na sequência da última prioridade.
….. “b) 2º prioridade- indivíduos qualificados profissionalmente para o grupo de recrutamento a que se candidatam, que tenham prestado funções docentes em pelo menos 365 nos últimos seis anos escolares nos estabelecimentos referidos no nº seguinte.
23 - Estabelecimentos integrados na rede pública do Ministério da educação; estabelecimentos integrados na rede publica das regiões autónomas; estabelecimentos do ensino superior público, estabelecimentos ou instituições de ensino dependentes ou sob a tutela de outros ministérios que tenham protocolo com o ministério da educação e estabelecimentos do ensino Português no estrangeiro, incluindo ainda o exercício de funções de docentes como agentes de cooperação Portuguesa nos termos do estatuto jurídico.
24 - A recorrida lecionou ininterruptamente desde 2006 a 2017 português no estrangeiro, mais propriamente no Luxemburgo ao abrigo de um contrato para comissão de serviço, contrato esse com o ministério dos negócios Estrangeiros, por via do instituto de Camões, por isso encontrava-se numa situação precária;
25 - abrigo da resolução nº 237 /2018 de 7 de agosto foi recomendado pelo governo ao qual manda contabilizar o número de contratos de docentes do ensino português no Estrangeiro, celebrados com o Instituto de Camões para efeitos do nº 2 do artigo 42 do Dec. Lei nº 132/2012 de 27 de junho;
26 - O serviço prestado como docente do ensino português no estrangeiro e considerado para todos os efeitos legais tempo de serviço efetivo, pois esta expressão postula equiparação entre os demais docentes da rede publica do ministério da Educação promovida pelo Inst. De Camões e supervisionada por aquele
27 - A recorrida possuía um contrato celebrado ao abrigo de um protocolo onde intervém a recorrente que está articulado com o Ins. De Camões e o que resulta do artigo 3 nº 4 do Dec.-Lei 21/2012
28 - Tanto o diploma nº 114/2017 de 29 de dezembro e o diploma 132/2012 no seu artigo 10 e que enformam o concurso em análise regulamentado pelo aviso nº 5442-A72018 de 20 de abril de 2018 que regulamenta o concurso.
29 - Este aviso afirma que são considerados na 2º prioridade dos concursos os candidatos que tenham lecionado num horário anual não inferior a 365 dias em dois dos seis anos letivos imediatamente anteriores ao da data de abertura dos concursos, em estabelecimentos particulares ou estabelecimentos integrados na rede pública do Ministério da Educação.
30 - A recorrida celebrou um contrato anual de serviço docente com o Ministério da Educação em 1 de setembro de 2006 que foi renovado e por força do diploma 165-C2009 são contratos válidos até ao seu termo e convolam-se automaticamente em comissão de serviço válida por um ano
31 - São fundamento os diplomas nº 114/2017 de 29 de dezembro, 165-C/2009 de 28 de julho, 132/2012 de 27 de junho, 21/2012 de 30 de janeiro e
Nestes termos e nos melhores de direito Deverá o recurso ser julgado improcedente mantendo-se a sentença recorrida do TAF de Braga
Assim farão a habitual justiça O Senhor Procurador Geral Adjunto notificado, nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO
Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
1. No dia 20 de abril de 2018, por Aviso n.° 5442-A/2018, da Direção-Geral da Administração Escolar, foi publicada em Diário da República, série II, n.° 78/2018 a abertura do concurso externo ordinário e do concurso externo extraordinário para o ano escolar 2018/2019, este último nos termos do Decreto - Lei n.° 132/2012, de 27 de junho na sua redação atual e artigo 39.° da Lei n.° 114/2017, de 29 de dezembro;
2. A Autora apresentou candidatura ao concurso externo ordinário e concurso externo extraordinário, e de contratação inicial e reserva de recrutamento, para o ano escolar de 2018/2019, aos grupos de recrutamento 910 - Educação Especial 1, 110- 1.° Ciclo do Ensino Básico e 240 - Educação Visual e Tecnológica - cfr. fls. 6 a 11 do PA no SITAF;
3. No campo 2.2.2 do seu formulário de candidatura, relativo ao Lugar de colocação, a Autora indicou “Fora de Portugal” - cfr. fls. 7 do PA no SITAF;
4. No campo 4.3.3.2. do boletim de candidatura eletrónica a Autora indicou ser opositora na 2.ª prioridade alínea b), Indivíduo qualificado profissionalmente para o grupo de recrutamento a que se candidata, que tenha prestado funções docentes, em pelo menos 365 dias nos últimos 6 anos escolares nos termos da alínea b) do n.° 3 e n.° 4 do artigo 10.° do Decreto - Lei n.° 132/2012, de 27/06, na redação em vigor, em: a) Estabelecimentos integrados na rede pública do Ministério da Educação; b) Estabelecimentos integrados na rede pública das Regiões Autónomas; c) Estabelecimentos do ensino superior público; d) Estabelecimentos ou instituições de ensino dependentes ou sob a tutela de outros ministérios que tenham protocolo com o Ministério da Educação; e) Estabelecimentos do ensino português no estrangeiro, incluindo ainda o exercício de funções docentes como agentes da cooperação portuguesa nos termos do correspondente estatuto jurídico - cfr. fls. 7 do PA no SITAF;
5. Indicando no campo 4.4.1 pretende ser opositora ao Concurso Externo Extraordinário, previsto no artigo 39.° da Lei n.° 114/2017, de 29/12 - cfr. fls. 7 do PA no SITAF;
6. Com a candidatura a Autora apresentou a seguinte documentação: Documento de Identificação - prova de forma voluntária documental, dos dados pessoais; Certidão(ões) comprovativa(s) da(s) habilitação(ões) declarada(s); Declaração de Estágio Pedagógico e Certidão(ões) comprovativa(s) do tempo de serviço;
7. De acordo com as certidões de tempo de serviço apresentadas a Autora possui 1061 dias de tempo de serviço prestado até 31.08.2006, segundo declaração emitida em 29.03.2007 pelo Agrupamento de Escolas ... e, entre 01.09.2006 e 31.08.2017, prestou funções docentes no Ensino de Português no Estrangeiro, com última colocação no Luxemburgo - cfr. fls. 1, 2, 12 e 13 do PA no SITAF;
8. Aquele campo foi validado em 1.ª e 2.ª validação pela entidade de validação, Agrupamento de Escolas ..., ... - cfr. fls. 7 do PA no SITAF;
9. A Autora lecionou português no estrangeiro, em regime de comissão de serviço, em contrato celebrado com o Camões, I.P. - Instituto da Cooperação e da Língua - facto não controvertido;
10. Deste modo, a Autora foi incluída nas listas provisórias de ordenação do concurso externo ordinário e concurso externo extraordinário, dos grupos de recrutamento em apreço, como ordenada na 2.ª prioridade - cfr. fls. 20 a 26 do PA no SITAF;
11. Publicadas as listas definitivas dos concursos e grupo de recrutamento em apreço a Autora consta lista definitiva de ordenação, ordenada na 2.ª prioridade e na lista definitiva de colocação do Concurso Externo Extraordinário com colocação obtida, no grupo de recrutamento 110 - 1.° Ciclo do Ensino Básico e no QZP 01 - cfr. fls. 34 do PA no SITAF;
12. A Autora foi, pelo disposto no n.° 5, do artigo 5.° e alínea b) do n.° 1 do artigo 28.° do Decreto - Lei n.° 132/2012, na sua redação atual, opositora ao Concurso de Mobilidade Interna, tendo em resultado deste concurso obtido colocação no Agrupamento de Escolas ..., ... - cfr. fls. 36 a 45 do PA no SITAF;
13. Em 28.07.2018, a candidata «BB» dirige ao Senhor Ministro da Educação, requerimento mediante o qual dá conta da indevida ordenação na 2.ª prioridade de candidatos nos quais se inclui a Autora, candidatos esses que se encontravam a lecionar no Ensino de Português no Estrangeiro, reclamando um tratamento igual porquanto, no seu caso tinha sido ordenada na 3.ª prioridade - cfr. fls. 46 a 49 do PA no SITAF;
14. Em 30.08.2018, a candidata «BB» interpôs, na plataforma SIGHRE, recurso hierárquico do ato de homologação das listas do concurso externo extraordinário, pelo qual impugna o ato de exclusão ao concurso externo extraordinário no grupo 910 - Educação Especial 1, bem como a sua ordenação na 3.ª prioridade pelos restantes grupos aos quais foi opositora, aproveitando ainda para denunciar os candidatos que se encontravam nas mesmas condições concursais que as suas e que tinham obtido vinculação por terem sido ordenadas na 2.º prioridade - cfr. fls. 53 do PA no SITAF;
15. Na sequência do recurso referido supra, foi elaborada informação, com o seguinte teor, na parte relevante - cfr. fls. 55 e seguintes do PA incorporado no SITAF:
[...]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[...]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
16. O referido recurso foi objeto de deferimento parcial, em 31.10.2018, tendo a denúncia sido encaminhada para a Direção de Serviços de Concursos e Informática, da Direção - Geral da Administração Escolar - cfr. fls. 55 a 57 do PA no SITAF;
17. Em sede de execução da decisão do recurso hierárquico supra referido que implicava a análise, pela Direção de Serviços de Concursos e Informática, da situação concursal denunciados no mesmo, foi solicitada em 12.12.2018, a pronúncia ao Agrupamento de Escolas ..., bem como aos agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas que, como aquele, tinham validado as candidaturas dos candidatos denunciados - cfr. fls. 58 do PA no SITAF;
18. Através do ofício ..., datado de 13.12.2018, da Direção de Serviços de Concursos e Informática (DSCI), da Direção Geral da Administração Escolar (DGAE), sob o assunto “Pedido de pronúncia sobre a prioridade a Concurso externo Extraordinário 2018/2019 da candidata «AA», n.º de utilizador ...95” foi a Autora notificada do seguinte:
“Tendo sido questionada a prioridade a que concorreu ao concurso supracitado, nomeadamente a 2ª prioridade, ao Grupo de Recrutamento 910 - Educação Especial 1, 110 - 1.º Ciclo do ensino Básico e 140 - Educação Visual e Tecnológica, e nos termos do artigo 121.º do Código do Procedimento Administrativo, solicita-se a V.Ex.ª que se pronuncie, no prazo de 10 dias úteis, sobre a matéria em apreço, comprovando os requisitos exigíveis para a situação em que se encontra. (...)” - cfr. fls. 59 do PA incorporado no SITAF;
19. Em 04.01.2019, é rececionada na Direção - Geral da Administração Escolar a pronúncia da Autora sobre a sua prioridade a concurso - cfr. fls. 60 a 61 do PA incorporado no SITAF;
20. Em 04.04.2019, é elaborada pela Direção de Serviços de Concursos e Informática a informação ref.ª ..., na qual se propunha, a final, a anulação das colocações obtidas em Concurso Externo Extraordinário pelos candidatos elencados na referida informação, bem como a reconstituição da sua situação concursal - cfr. fls. 62 a 67 do PA incorporado no SITAF;
21. Em 04.04.2019, foi proferido o seguinte despacho - cfr. doc. ... junto com o requerimento do Réu de 19.12.2019:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
22. Por ofício datado de 20.05.2019, a Autora foi notificada do seguinte - cfr. doc. ... junto com a petição inicial:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
23. Em 04.07.2019, a Direção - Geral da Administração Escolar, envia para o Instituto de Gestão Financeira da Educação, I.P., o ofício ref.ª ..., no qual consta - cfr. fls. 74 do PA incorporado no SITAF:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
24. A petição inicial que motiva os presentes autos deu entrada neste Tribunal, em 02.09.2019 - cfr. registo SITAF.
DE DIREITO
Está posta em causa a decisão que julgou procedente a acção.
Conforme jurisprudência firmada, o objeto de recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo o Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.
Sem embargo, por força do artigo 149.º do CPTA, o Tribunal, no âmbito do recurso de apelação, não se quedará por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decidirá “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
Assim,
É objecto de recurso a sentença que, considerando procedente a ação, anulou o ato impugnado, traduzido na anulação da colocação da Autora, obtida em Concurso Externo Extraordinário no ano escolar 2018/2019 no Quadro de Zona Pedagógica 01.
Sustenta a sentença que o contrato celebrado pela Autora o foi no âmbito de protocolo no qual o Réu também intervém e que, assim sendo, ainda que sujeito a assinatura de outras entidades, a Autora estabeleceu vínculo com o Ministério da Educação, pelo que faz todo o sentido que esteja em posição equivalente aos demais docentes da rede pública do Ministério da Educação, mais sustentando que o próprio regime de Ensino de Português no Estrangeiro postula uma equiparação entre estes docentes e os demais docentes quer para contagem do tempo de serviço, quer pelo regime supletivamente aplicável.
Na óptica da Recorrente a sentença padece de erro de julgamento de Direito.
Cremos que lhe assiste razão.
Vejamos,
Comece-se por referir que, conforme adiante se dirá, não assiste razão à Recorrida quanto à procedência dos pedidos que formulou, porquanto não lhe assiste o direito à ordenação na segunda prioridade nos concursos abertos pelo Aviso n.º 5442-A/2018.
Desde logo, porque não ficou comprovado que a mesma tivesse exercido 365 dias de funções docentes nos últimos seis anos escolares nos estabelecimentos referidos no número 4 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.° 132/2012, conforme o determina a alínea b) do n.° 3 do mesmo preceito e diploma legais, condição sine qua non para que lhe pudesse ser reconhecido esse direito.
Nos termos do n.° 4 do artigo 5.° do Decreto-Lei n.° 132/2012, de 27 de junho, na redação conferida pelo Decreto-Lei n.° 28/2017, de 15 de março, diploma que regula os procedimentos concursais a que a Recorrida foi opositora, o concurso externo destina-se ao recrutamento de candidatos que, preenchendo os requisitos previstos no artigo 22.° do Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 139-A/90, de 28 de abril (ECD), pretendam ingressar na carreira.
Consagra o n.° 3 do artigo 10.° do Decreto-Lei n.° 132/2012, na redação em vigor, as regras de ordenação naquele concurso nos seguintes termos:
«Os candidatos ao concurso externo são ordenados, na sequência da última prioridade referente ao concurso interno, de acordo com as seguintes prioridades:
«a) 1.ª prioridade - docentes que, nos termos do artigo 42.°, se encontram no último ano do limite do contrato ou da 3.ª renovação;
b) 2.ª prioridade - indivíduos qualificados profissionalmente para o grupo de recrutamento a que se candidatam, que tenham prestado funções docentes em pelo menos 365 dias nos últimos seis anos escolares, nos estabelecimentos referidos no número seguinte;
c) (Revogada.)
d) 3.ª prioridade - indivíduos qualificados profissionalmente para o grupo de recrutamento a que se candidatam.».
Prevê o n.° 4 do referido diploma legal que: «O disposto na alínea b) do número anterior é aplicado aos docentes que tenham exercido ou exerçam funções em:
a) Estabelecimentos integrados na rede pública do Ministério da Educação;
b) Estabelecimentos integrados na rede pública das Regiões Autónomas;
c) Estabelecimentos do ensino superior público;
d) Estabelecimentos ou instituições de ensino dependentes ou sob tutela de outros ministérios que tenham protocolo com o Ministério da educação;
e) Estabelecimentos do ensino português no estrangeiro, incluindo, ainda o exercício de funções como agentes de cooperação portuguesa nos termos do correspondente estatuto jurídico».
Ora, o concurso dos autos foi aberto pelo Aviso n.° 5442-A/2018, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.° 78, de 20 de abril de 2018, que prevê, no n.° 1 do Capítulo II da Parte II, que: «Aos concursos externos, ordinário e extraordinário, são aplicadas as regras constantes do Decreto-Lei n.° 132/2012, de 27 de junho, tendo em conta o disposto no artigo 39.° da Lei n.° 114/2017, de 29 de dezembro».
Pode ler-se ainda no n.º 3 do Capítulo II da Parte II do mesmo Aviso, sob a epígrafe “Prioridades - Concurso externo e Concurso externo extraordinário”, que são aplicadas as prioridades previstas no n.° 3 do artigo 10.° do Decreto-Lei n.° 132/2012, de 27 de junho, na redação em vigor.
Assim sendo, resulta do disposto na alínea b) do n.° 3 e n.° 4 do artigo 10.° do Decreto-Lei n.° 132/2012, de 27 de junho, conjugado com o disposto no ponto 3.2. do Capítulo II da Parte II do Aviso, que só podem ser opositores na 2.ª prioridade aos concursos externos, ordinário e extraordinário, aqueles candidatos que tenham prestado funções docentes nos últimos seis anos escolares, em pelo menos 365 dias, nos estabelecimentos elencados naqueles normativos.
Por outro lado, importa chamar à colação o artigo 39.° da Lei n.° 114/2017, de 29 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2018, consagrando um procedimento concursal de vinculação com caráter extraordinário que enforma a aplicação dos supracitados preceitos ao concurso vertente, porquanto só apurando a ratio legis fixada nesta norma orçamental se há de apreender o conjunto de destinatários a quem o mesmo concurso se destinava.
Ora, o artigo 2.°, n.° 1 da Lei n.° 114/2017 estatui que todas as entidades previstas no âmbito do artigo 2.° da Lei de Enquadramento Orçamental, aprovada em anexo à Lei n.° 151/2015, de 11 de setembro, onde se inclui a aqui Recorrente, ficam sujeitas ao cumprimento dos normativos previstos nesta Lei, sendo que esta norma prevalece sobre normas legais, gerais e especiais que disponham em sentido contrário.
Pelo que, a aqui Recorrente se encontra vinculada a aplicar o artigo 39.° da Lei n.° 114/2017, em detrimento de qualquer norma legal que disponha em sentido diverso.
Neste sentido decidiu o Acórdão do TCA Sul proferido em 10/10/2019, no processo n.° 1529/18.0BELSB.
A ratio legis subjacente ao artigo 39.° da Lei n.° 114/2017, para a abertura do concurso externo extraordinário é - garantir o acesso à carreira aos docentes que, podendo não reunir os requisitos dos contratos sucessivos previstos no n.° 2 do artigo 42.°, ainda assim se encontram em situação precária de docência em estabelecimentos de ensino público pré-escolar, básico e secundário nos últimos anos que antecederam a abertura daquele concurso.
Diferentemente do que entendeu a sentença recorrida quando na mesma se refere que, com a realização de recrutamento extraordinário, o legislador quis regularizar vínculos precários dando preferência aos docentes que já tivessem ligação contratual a estabelecimentos do Ministério da Educação, o legislador não apenas quis dar preferência a estes docentes, como os instituiu como únicos destinatários do concurso de vinculação extraordinária.
Para interpretar o que o legislador nomeou de “estabelecimentos públicos de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário do Ministério da educação”, quando a eles se refere no artigo 39.° da Lei n.° 114/2017, é necessário percorrer o iter legislativo referente aos diferentes regimes de vinculação extraordinária de docentes, gizados pela Recorrente.
Sendo que, em todos eles se revela determinante, para efeitos de apontar os destinatários dos concursos extraordinários, a efetiva ligação dos candidatos aos estabelecimentos públicos da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário, não só pelo elemento literal, mas, igualmente, pelos elementos lógico, sistemático, histórico e teleológico.
Voltando ao caso concreto, quando o artigo 39.° da Lei n.° 114/2017 menciona, em referência ao número de vagas para o concurso de integração extraordinária em crise, que esse número «em conjunto com a vinculação resultante do concurso externo, compreenda um número de vagas não inferior ao que resulta do somatório das vagas abertas pela Portaria n.° 129-B/2017, de 6 de abril, relativamente ao concurso externo, e pela portaria n.° 129-C/2017, de 6 de abril, relativa ao concurso de integração extraordinária», o legislador fornece um elemento interpretativo fundamental para se concluir que, ao concurso externo extraordinário subjazem os mesmos pressupostos e objetivos, a mesma ratio legis, implícita nos concursos de integração extraordinária até então realizados.
Por outro lado, as vagas constantes quer da Portaria 107-A/2018, quer no Anexo da Portaria n.° 129-C/2017 de 6 de abril, são apuradas por quadros de zona pedagógica (cfr. artigo 1.° de ambas as portarias), nas quais se encontram incluídos os estabelecimentos públicos da educação pré - escolar e dos ensinos básico e secundário, onde se verificaram as necessidades que o legislador refere como permanentes.
Ora, tais quadros de zona pedagógica, tal como se encontram definidos legalmente, só incluem estabelecimentos públicos de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário do Ministério de Educação e não quaisquer outros estabelecimentos que, muito embora sejam públicos ou prestem serviço educativo que seja considerado público, não fazem parte da rede do Ministério da Educação.
Desta forma não se vislumbra como poderiam ser abertas vagas de quadro em estabelecimentos públicos de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário do Ministério de Educação, na sequência de uma necessidade docente permanente sentida e como tal satisfeita, para candidatos que, como a Recorrida, não só não tem a ligação objetivada pelo legislador com aqueles estabelecimentos públicos de educação do Ministério de Educação, como não celebraram o contrato legalmente exigido com os mesmos estabelecimentos de ensino.
Assim sendo, as regras de admissão e ordenação dos candidatos ao concurso externo extraordinário de docentes para concurso de 2018/2019 têm de ser interpretadas de acordo a ratio legis do artigo 39.° da Lei n.° 114/2017, tanto mais que esta norma tem, sobre as demais normas, caráter imperativo.
O que significa que as prioridades previstas no n.° 3 do artigo 10.° do Decreto-Lei n.° 132/2012 não poderão ser consideradas da mesma forma para os candidatos ao concurso externo ordinário e ao concurso externo extraordinário, a que a Recorrida foi opositora.
Assim, a ordenação dos docentes nas 2.ª ou 3.ª prioridades e, por conseguinte, o disposto nas alíneas b) e d) do n.° 3 do artigo 10.° do Decreto-lei n.° 132/2012, sempre terá que se ajustar à exigência consagrada no artigo 39.° da Lei do Orçamento do Estado para 2018, sob pena de incumprimento da mesma e, consequentemente, saber se os estabelecimentos de ensino no estrangeiro, pertencem ao Ministério da Educação.
Refere o aresto recorrido que a Recorrida foi opositora no concurso externo extraordinário, que este concurso, como resulta do próprio aviso de abertura, foi aberto ao abrigo do artigo 39.° da Lei do Orçamento do Estado para 2018, o qual dispunha que seria aberto concurso para regularização de vínculos precários (pessoal docente com contrato a termo resolutivo dos estabelecimentos públicos de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário do Ministério da Educação).
Daqui extrapola a sentença, que a Recorrida, que lecionou, desde 2006 a 2017, português no estrangeiro, “ao abrigo de contrato de comissão de serviço celebrado com o Ministério dos Negócios Estrangeiros, via Instituto Camões, I.P., e que se a Autora «estava em situação precária, lecionando ao abrigo de comissão de serviço, em programa em que intervêm o Ministério da Educação, o Ministério dos Negócios Estrangeiros e o Ministério das Finanças, então tal situação, necessariamente, tem que ser enquadrada no âmbito do concurso ao qual a Autora foi opositora», tanto mais, que como acrescenta, pela Resolução da Assembleia da República 237/2018, de 7 de agosto, foi recomendado ao Governo que “1 – Contabilize o número de contratos sucessivos, em horários anuais e completos, dos docentes do ensino de português no estrangeiro, celebrados com o Camões - Instituto da Cooperação e da Língua, I. P., como sendo celebrados com o Ministério da Educação para os efeitos previstos no n.° 2 do artigo 42.° do Decreto-Lei 132/2012, de 27 de junho, na sua redação atual.”
E continua, declarando que, «analisado o regime do ensino de português no estrangeiro (Decreto-lei n.° 165/2006, de 11 de agosto) com destaque para os artigos 19.° e seguintes, verifica-se que os docentes de português no estrangeiro são contratados por via de contrato administrativo, nos termos do artigos 20.° e 21.° do Decreto- Lei n.° 165/2006, sendo aplicável o regime do artigo 33.° do Estatuto da Carreira Docente», concluindo que «Apesar de lhes ser aplicável regime especial, estes docentes fazem parte do quadro de docentes do Réu, com vínculo precário».
Na verdade, a Lei de Bases do Sistema Educativo, aprovada pela Lei n.° 46/86, de 14 de outubro, na redação atual, veio estabelecer o quadro geral do sistema educativo (n.° 1 do artigo 1.°), determinando que o ensino do português no estrangeiro é parte integrante da educação escolar, regendo-se, contudo por disposições especiais (ao abrigo da al. e) do n.° 1 e do n.° 2 do seu artigo 19.°) e o Decreto-Lei n. ° 165/2006, de 11 de agosto, veio estabelecer o regime jurídico do ensino português no estrangeiro, enquanto modalidade especial da educação escolar.
Confira-se o Preâmbulo do mencionado diploma no qual se refere «(...) O presente decreto-lei vem unificar legislação que se encontrava dispersa, definindo a missão, os princípios e as formas de organização dessa modalidade especial de educação escolar, estabelecendo as regras de recrutamento do pessoal docente, bem como as condições de exercício da sua atividade, e determinando as competências e o âmbito de intervenção das estruturas de coordenação encarregadas do acompanhamento e organização do ensino português no estrangeiro a nível local. (...)»
Com este normativo, foi centralizado no Estado Português o recrutamento do pessoal docente para o ensino da língua e da cultura portuguesas, uniformizando as regras desse recrutamento bem como as condições de exercício dessa atividade, e com a publicação do Decreto-Lei n.° 165-C/2009, de 28 de julho, que alterou o Decreto-Lei n.° 165/2006, de 11 de agosto, o Instituto Camões, I.P, passou a ser o organismo responsável pela gestão da rede do ensino português no estrangeiro não superior.
Por outro lado, e conforme pode ler-se no Preâmbulo do Decreto-Lei n.° 21/2012, de 30 de janeiro, (diploma que procedeu à fusão do IPAD, I. P., com o IC, I. P., bem como à criação do Camões - Instituto da Cooperação e da Língua, I. P.) «O Camões - Instituto da Cooperação e da Língua, I.P, é o organismo da Administração Pública portuguesa responsável pela supervisão, direção e coordenação da cooperação para o desenvolvimento, cabendo-lhe a condução dessa política pública e pela política de promoção externa da língua e da cultura portuguesas».
No artigo 1.° do supramencionado diploma encontra-se definida a natureza deste organismo, a saber, «1. O Camões - Instituto da Cooperação e da Língua, I.P., abreviadamente designado por Camões, I.P., é um instituto público, integrado na administração indireta do Estado, dotado de autonomia administrativa, financeira e património próprio. 2. O Camões, I.P., prossegue atribuições do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) sob superintendência e tutela do respetivo ministro».
No que respeita à missão e atribuições deste instituto público, fixa o n.° 1 do artigo 3.° do Decreto-Lei n.° 21/2012, de 30 de janeiro, «propor e executar a política de ensino e divulgação da língua e cultura portuguesas no estrangeiro, (...) gerir a rede de ensino de português no estrangeiro a nível básico e secundário».
Estatui-se, ainda, no mesmo diploma legal, no n.° 3 do artigo 3.°, que: «São atribuições do Camões, I.P., no domínio da promoção externa da língua e cultura portuguesas:
(...)p) Coordenar a actividade dos docentes de língua e cultura portuguesas no estrangeiro e promover a interacção entre os vários níveis e modalidades de ensino».
Compete ainda ao Camões, I.P., nos termos previstos no n.° 4 do artigo 3.° do Decreto-Lei n.° 21/2012, de 30 de janeiro, «no âmbito da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário do ensino português no estrangeiro, em articulação com o Ministério da educação e Ciência: d) A coordenação da actividade da rede de docência de língua e cultura portuguesas no estrangeiro, ao nível dos ensinos básico e secundário».
Em consonância com a competência atribuída e a que se acabou de fazer referência, dispõe-se no artigo 31.° do Decreto-Lei n. ° 21/2012, de 30 de janeiro, que é ao Camões, I.P., que compete o recrutamento e seleção do pessoal docente do ensino português no estrangeiro, «mediante oferta pública de emprego aberta a candidatos, detentores ou não de uma relação jurídica de emprego público por tempo indeterminado (...).
Ainda, o n.° 5 do mesmo preceito prevê: «A abertura do procedimento concursal para cada um dos cargos previstos nos números anteriores [professor ou leitor] é autorizada por despacho conjunto dos membros do Governo responsáveis pela área dos negócios estrangeiros, das finanças e da Administração Pública».
E o n.° 6 do referido artigo estabelece: «O procedimento concursal tem a periodicidade anual e segue os termos fixados em aviso publicado no Diário da república e na página electrónica do Instituto camões, I.P., difundindo pelas estruturas de coordenação de ensino criadas junto das missões diplomáticas e consulares e divulgado através de órgãos de comunicação social de âmbito nacional».
Esclarecedor do regime jurídico aplicável aos docentes do ensino português no estrangeiro é também o artigo 31.°-A do Decreto-Lei nº 21/2012, de 30 de janeiro, no “Provimento no cargo”: «Os docentes de língua e cultura portuguesa são providos no cargo de professor ou de leitor em regime de comissão de serviço, nos termos definidos do presente decreto-lei, mediante despacho do presidente do Instituto Camões, I.P., findo o procedimento de recrutamento previsto no artigo anterior», totalmente distinto do disposto no Decreto-Lei n.° 132/2012, de 27 de junho, que estabelece o “regime de recrutamento e mobilidade do pessoal docente dos ensinos básico e secundário (...)”.
Deste modo não podia a sentença mencionar que «os docentes de português no estrangeiro são contratados por via de contrato administrativo, nos termos dos artigos 20.° [cujos números 6 e 7 foram revogados pelo Decreto-Lei n.° 165-C/2009, de 28 de julho] e 21.° [integralmente revogado pelo Decreto-Lei n.° 165-C/2009, de 28 de julho] do Decreto - Lei n.° 165/2006, sendo aplicável o regime do artigo 33.° do Estatuto Carreira Docente».
Com efeito, os contratos celebrados pela Recorrida em momento algum foram celebrados com o Ministério da Educação mas, sim, com o Camões I.P., organismo do Ministério dos Negócios Estrangeiros, responsável pela gestão da rede do ensino português no estrangeiro ao nível do ensino não superior, confundindo-se o ensino português no estrangeiro com aquele ministrado nas escolas portuguesas no estrangeiro, sob a tutela do Ministério da Educação, como são os casos da Escola Portuguesa de Cabo Verde, a Escola Portuguesa de São Tomé e Príncipe, a Escola Portuguesa de Luanda, a Escola Portuguesa de Moçambique e a Escola Portuguesa Ruy Cinatti em Díli, todas criadas por decreto-lei.
E, consequentemente não andou, igualmente, bem o Tribunal a quo quando se pronunciou sobre a questão da prioridade da Recorrida no concurso externo extraordinário para o ano escolar de 2018/2019.
A sentença recorrida considerou que saber se os estabelecimentos de ensino no estrangeiro, pertencem ao Ministério da Educação não se prefigura, desde logo, como exigência legal decorrente do teor literal da norma, e que o contrato da Autora foi celebrado no âmbito de protocolo, no qual o Réu também intervém.
Mais referindo que “o legislador quis, quanto a cada uma das situações [alíneas do ponto 3.2 do Aviso], estabelecer uma ligação ao Ministério da Educação, dizendo-o expressamente, nada dizendo quanto ao ensino no estrangeiro. Assumindo-se que o legislador exprimiu o seu pensamento em termos adequados (artigo 9.º, n.º 3 do C.C.), não há por que ir além do que resulta da norma. Se o legislador nada disse, é porque não quis dizer, o que significa que, quanto ao ensino no estrangeiro, basta ser ensino de português no estrangeiro».
Ora, sendo clara a intenção do legislador de instituir como destinatários do concurso externo extraordinário, os candidatos que, com ligação objetiva contínua, tivessem celebrado contrato de trabalho a termo resolutivo com estabelecimentos de ensino público do pré-escolar, ensino básico e secundário do Ministério da Educação, não se prefigura como se pode não considerar exigência legal da norma que assim determina, saber se os estabelecimentos de ensino no estrangeiro, pertencem ao Ministério da Educação.
Como se depreende do artigo da Lei de Bases do Sistema Educativo, o ensino português no estrangeiro desenvolve-se em várias vertentes, quais sejam divulgação e estudo da língua e da cultura portuguesas mediante a sua inclusão em planos curriculares de outros países, a criação de escolas portuguesas e ensino da língua e da cultura portuguesas.
A criação destas escolas nos países de língua oficial portuguesa e naqueles onde existam comunidades de emigrantes portugueses, constitui justamente um dos meios de promoção do ensino português no estrangeiro, competindo ao Estado a sua instituição ou o apoio a iniciativas promovidas designadamente por associações de portugueses ou de entidades estrangeiras.
De facto, se o legislador nada disse foi porque não quis dizer, isto é, não quis estabelecer uma ligação entre o Ministério da Educação e o Ministério dos Negócios Estrangeiros, uma realidade muito diversa, com regime jurídico próprio como aquele que é aplicável aos docentes que lecionam o português no estrangeiro.
E, tanto assim é que apenas em 3 de julho de 2019, com a publicação do Decreto-Lei n.° 88/2019, de 3 de julho, o legislador veio esclarecer no Preâmbulo daquele diploma que «O regime do ensino português no estrangeiro, aprovado pelo Decreto-lei n.° 165/2006, de 11 de agosto, na sua redação atual, não estabelece critérios de admissão de docentes integrados na rede de ensino português no estrangeiro (REPE) em concursos externos de seleção e recrutamento do pessoal docente promovidos pelo Ministérios da Educação.
Assim, estes não são, atualmente, abrangidos pela alínea b) do n.° 3 do artigo 10.° do Decreto - Lei n.° 132/2012, de 27 de junho, na redação atual»
Continua o dito Preâmbulo: «A presente alteração visa conferir a devida equiparação das funções exercidas na REPE à atividade exercida por outros docentes, conforme o elenco constante do n.° 4 do artigo 10.° do Decreto-Lei n.° 132/2012, de 27 de junho, na sua redação atual. Deste modo, procede-se à definição do critério para a ordenação destes docentes em procedimento concursal, estipulando-se que o tempo de serviço prestado como docente do ensino português no estrangeiro é integralmente contado para efeitos de ordenação na 2.° prioridade, nos termos da alínea b) do n.° 3 do artigo 10.° do referido decreto-lei».
Vale isto por dizer que, até à publicação da quarta alteração ao Decreto-Lei n.° 165/2006, de 11 de agosto, embora o tempo de serviço dos docentes do ensino português no estrangeiro fosse considerado equiparado a tempo de serviço prestado no ensino público, não permitia a ordenação na 2.ª prioridade, nos termos da alínea b) do n.° 3 do artigo 10.° do Decreto-Lei n.° 132/2012, de 27 de junho, como peticionou a Autora/Recorrida e foi reconhecido pela sentença recorrida.
Pela aplicação das leis no tempo, conforme impõe o n.° 1 do artigo 12.° do Código Civil, esta alteração legislativa consagra definitivamente o entendimento do legislador sobre a prioridade a atribuir aos docentes na situação da Recorrida, a saber, ordená-los na 3.ª prioridade, e só com a publicação do Decreto-Lei n.° 88/2019, de 3 de julho, o artigo 22.° do Decreto-lei n.° 165/2006, de 11 de agosto, passou a ter a seguinte redação:
«1 – O tempo de serviço prestado como docente do ensino português no estrangeiro é integralmente contado para efeitos de ordenação na 2.ª prioridade, nos termos da alínea b) do n.° 3 do artigo 10.° do Decreto-lei n.° 132/2012, de 27 de junho, na sua redação atual».
E se assim é, então só com a publicação Decreto-Lei n.° 88/2019, de 3 de julho, o legislador, que já valorava o tempo de serviço prestado como docente do ensino português no estrangeiro, para todos os efeitos legais, como tempo de serviço prestado no ensino público, reconhece que tais docentes se enquadram na 2.° prioridade, prevista na alínea b) do n.° 3 do artigo 10.° do Decreto-Lei n.° 132/2012, de 27 de junho, na redação atual.
Ora, onde o legislador não legisla não pode o intérprete legislar.
Daí resultando, atenta a data de publicação do Aviso n.° 5442-A/2018, pelo qual se declarou aberto o concurso em apreço, que o Tribunal a quo, como que se antecipa ao legislador, conferindo à Recorrida a 2.ª prioridade, por interpretação retroativa da lei, quando o próprio legislador reconhece em diploma posterior que os docentes do ensino português no estrangeiro dela não beneficiavam.
Aqui, não obstante, se poder e dever considerar que «O serviço prestado como docente do ensino português no estrangeiro é considerado, para todos os efeitos legais, tempo de serviço efetivo em funções docentes no ensino público», tal como se dispõe no n.° 1 do artigo 22.° do Decreto-lei n.° 165/2006, de 11 de agosto, na redação que lhe conferiu o Decreto-Lei n.° 65- A/2016, de 25 de outubro, em vigor à data do concurso sub judice, uma coisa é o tempo de serviço para efeitos de concurso e outra, bem distinta, é a prioridade com que se é opositor ao referido concurso.
É que, repete-se, não está em causa a contabilização do tempo de serviço para efeitos de graduação, nos termos do artigo 11.° do diploma dos concursos, tanto para os opositores que sejam docentes do ensino português no estrangeiro como para todo e qualquer docente opositor.
A questão em litígio nos autos diz respeito à prioridade na ordenação ao concurso externo extraordinário em apreço e tal tem de ser aferida face ao disposto no artigo 39.° da Lei n.° 114/2017, em conjugação com o disposto no n.° 3 do artigo 10.° do Decreto - Lei n.° 132/2012, de 27 de junho, na redação em vigor à data de abertura do concurso.
Ora, o Tribunal a quo decidiu a questão apenas tendo em atenção o postulado no diploma dos concursos sem que, em momento algum, tenha interpretado o disposto no n.° 3 do artigo 10.°, como se impunha, de acordo com a ratio legis ínsita no artigo 39.° da Lei que aprovou o Orçamento do Estado para 2018 e ao abrigo da qual foi possibilitada a abertura deste concurso externo extraordinário de docentes, nem tão pouco, levou em conta o disposto no Decreto-Lei n.° 88/2019, já em vigor à data da decisão sob recurso.
A sentença recorrida conferiu ilegalmente uma posição equivalente, na 2.ª prioridade, a situações concursais diversas, permitindo o acesso irregular à Recorrida na 2.ª prioridade ao concurso externo extraordinário, que ditou a sua colocação indevida no Quadro de Zona Pedagógica 07, que o Recorrente bem anulou.
Em suma,
Não se ignora que interpretar a lei é fixar o seu sentido e o alcance com que ela deve valer, ou seja, determinar o seu sentido e alcance decisivos; o escopo final a que converge todo o processo interpretativo é o de pôr a claro o verdadeiro sentido e alcance da lei (Manuel Andrade, Ensaio Sobre a Interpretação das Leis, págs. 21 a 26).
O artigo 9.º do Código Civil reza que «[a] interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada» (n.º 1); o enunciado linguístico da lei é o ponto de partida de toda a interpretação, mas exerce também a função de um limite, já que não pode «ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso» (n.º 2); além disso, «[n]a fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados» (n.º 3).
Assim, a apreensão literal do texto, ponto de partida de toda a interpretação, é já interpretação, embora incompleta, pois será sempre necessária uma «tarefa de interligação e valoração, que excede o domínio literal» (cf. José Oliveira Ascensão, O Direito, Introdução e Teoria Geral, 11.ª edição, revista, Almedina, 2001, p. 392).
Nesta tarefa de interligação e valoração que acompanha a apreensão do sentido literal, intervêm elementos lógicos, apontando a doutrina elementos de ordem sistemática, histórica e racional ou teleológica (sobre este tema, Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 12.ª reimpressão, Coimbra, 2000, pp. 175-192).
O elemento sistemático compreende a consideração de outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretada, isto é, que regulam a mesma matéria (contexto da lei), assim, como a consideração de disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos).
Compreende ainda o lugar sistemático que compete à norma interpretanda no ordenamento global, assim como a sua consonância com o espírito ou unidade intrínseca de todo o ordenamento jurídico.
O elemento histórico abrange todas as matérias relacionadas com a história do preceito, as fontes da lei e os trabalhos preparatórios.
O elemento racional ou teleológico consiste na razão de ser da norma (ratio legis), no fim visado pelo legislador ao editar a norma, nas soluções que tem em vista e que pretende realizar.
Segundo a doutrina tradicional, o intérprete, socorrendo-se dos elementos interpretativos acabados de referir, acabará por chegar a um dos seguintes resultados ou modalidades de interpretação: interpretação declarativa, interpretação extensiva, interpretação restritiva, interpretação revogatória e interpretação enunciativa.
Na interpretação declarativa, o intérprete limita-se a eleger um dos sentidos que o texto directa e claramente comporta, por ser esse o que corresponde ao pensamento legislativo.
A interpretação declarativa pode ser restrita ou lata, segundo toma em sentido limitado ou em sentido amplo as expressões que têm vários significados.
A interpretação extensiva aplica-se, no dizer de Baptista Machado (ob. cit., pp. 185-186), quando «o intérprete chega à conclusão de que a letra do texto fica aquém do espírito da lei, que a fórmula verbal adoptada peca por defeito, pois diz menos do que aquilo que se pretendia dizer. Alarga ou estende então o texto, dando-lhe um alcance conforme ao pensamento legislativo, isto é, fazendo corresponder a letra da lei ao espírito da lei. Não se tratará de uma lacuna da lei, porque os casos não directamente abrangidos pela letra são indubitavelmente abrangidos pelo espírito da lei.»
Na interpretação restritiva, pelo contrário, «o intérprete chega à conclusão de que o legislador adoptou um texto que atraiçoa o seu pensamento, na medida em que diz mais do que aquilo que se pretendia dizer. Também aqui a ratio legis terá uma palavra decisiva» (cf. este mesmo Autor, ob. cit., p. 186).
Por sua vez, a interpretação revogatória terá lugar apenas quando entre duas disposições legais existe uma contradição insanável e, finalmente, a interpretação enunciativa é aquela pela qual o intérprete deduz de uma norma um preceito que nela está virtualmente contido, utilizando, para tanto, certas inferências lógico-jurídicas alicerçadas nos seguintes tipos de argumentos: (i) argumento a maiori ad minus, a lei que permite o mais, também permite o menos; (ii) argumento a minori ad maius, a lei que proíbe o menos, também proíbe o mais; (iii) argumento a contrario, que deve ser usado com muita prudência, em que, a partir de uma norma excepcional, se deduz que os casos que ela não contempla seguem um regime oposto, que será o regime-regra (cf., mais uma vez, Baptista Machado, obra citada, pp. 186-187).
In casu a hermenêutica aponta para a bondade da interpretação veiculada pela Entidade Demandada.
Efectivamente, prevê o artigo 39.° da Lei n.° 114/2017, de 29 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2018, que enforma a aplicação dos supracitados preceitos ao concurso vertente, a abertura de um processo de vinculação extraordinário do pessoal docente com contrato a termo resolutivo dos estabelecimentos públicos de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário do Ministério da Educação.
Da aplicação do regime legal do concurso externo extraordinário, interpretado de acordo com o disposto no artigo 39.° da Lei n.° 114/2017, de 29 de janeiro, só poderia resultar, quando muito, a ordenação da Recorrida na 3.ª prioridade, porque, é clara a intenção do legislador instituir como destinatários do concurso externo extraordinário os candidatos que, com ligação objetiva contínua, tivessem celebrado contrato de trabalho a termo resolutivo com estabelecimentos de ensino público do pré-escolar, ensino básico e secundário do Ministério da Educação.
A ordenação dos docentes nas 2.ª ou 3.ª prioridades e, por conseguinte, o disposto nas alíneas b) e d) do n.° 3 do artigo 10.° do Decreto-Lei n.° 132/2012, sempre terá que se ajustar à exigência consagrada no artigo 39.° da Lei do Orçamento do Estado para 2018, sob pena de incumprimento da mesma.
Contrariamente ao decidido, não é possível reconhecer que a Autora reunia os pressupostos para beneficiar da segunda prioridade.
Para efeitos da apreciação da situação em crise, reitera-se, impõe-se atentar que constitui exigência legal decorrente da norma orçamental instituidora da abertura do concurso, saber se os estabelecimentos de ensino no estrangeiro, pertencem ou não à rede do Ministério da Educação, algo que em concreto não se pode dar como provado nos autos.
Logo, decorre do exposto que a Recorrida apenas poderia ser ordenada, nos termos da lei em vigor, para efeitos de oposição ao concurso em causa, na 3.ª prioridade, razão pela qual a anulação da colocação da Recorrida encontra respaldo na vinculação a que a Administração se encontra na sua atuação adstrita.
O elemento literal e a ratio legis do preceito a isso nos conduzem.
Tal equivale a dizer que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de Direito.
Procede a Apelação com este fundamento.
DECISÃO
Termos em que se concede provimento ao recurso, revoga-se a sentença e julga-se improcedente a acção.
Custas pela Recorrida.
Notifique e DN.
Porto, 15/3/2024
Fernanda Brandão
Rogério Martins
Isabel Jovita |