Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
| Processo: | 00554/22.0BEPRT |
| Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
| Data do Acordão: | 06/26/2025 |
| Tribunal: | TAF do Porto |
| Relator: | VITOR SALAZAR UNAS |
| Descritores: | OPOSIÇÃO; REJEIÇÃO LIMINAR; NULIDADE DE CITAÇÃO; ILEGALIDADE CONCRETA; PAGAMENTO |
| Sumário: | I – O despacho de indeferimento liminar só é admissível quando a improcedência da pretensão do autor for tão evidente e razoavelmente indiscutível que torne dispensável assegurar o contraditório (art. 3.º, n.º 3, do CPC) e inútil qualquer instrução e discussão posterior. II – Se o oponente sustenta que não é devido o pagamento da liquidação constante na citação, entenda-se, da quantia exequenda, por nada dever à ATA. O mesmo é dizer que entende o oponente que não se justifica a sua cobrança coerciva por já ter procedido ao pagamento voluntário da quantia exequenda. III - O pagamento ocorrido em data anterior à da execução fiscal, invocado pelo oponente, constitui de forma inquestionável fundamento de oposição, elencado na alínea f) do n.º 1, do art. 204.º do CPPT [“pagamento e anulação da dívida exequenda”]. IV - Destarte, não existem motivos para considerar que não foram alegados fundamentos admitidos no n.º 1 do art. 204.º do CPPT ou, mesmo, que seja manifesta a improcedência da ação, causas da rejeição liminar da oposição, nos termos do disposto nas aíneas b) e c) do n.º 1 do art. 209.º do CPPT.* * Sumário elaborado pelo relator (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
| Votação: | Unanimidade |
| Decisão: | Conceder provimento ao recurso. |
| Aditamento: |
| Parecer Ministério Publico: |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais, do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte: I – RELATÓRIO: «AA», m. id. nos autos, interpôs recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que rejeitou liminarmente, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art. 209.º do CPPT, a oposição por si deduzida contra a execução fiscal n.º ...41, instaurada pelo Serviço de Finanças ..., para cobrança coerciva de IVA, no montante de € 187,41. O Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: «(…). 27º Vem o presente recurso interposto pelo recorrente da sentença proferida e notificada pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Porto, em 11.06.2024, nos autos em epígrafe, a qual ordenou o indeferimento liminar da petição. 28º Decisão com a qual não se pode concordar e que se pretende ver reapreciada e revertida. Com base nos fundamentos supra e que se sintetizam infra: 29º Em 21.02.2022 o recorrente deduziu Oposição à Execução contra a liquidação adicional de IVA, referente ao período de 2017, no âmbito do processo ...41, na sequência de citação postal para cobrança coerciva, recebida em 31.01.2022. 30º Cuja origem é uma ação inspetiva realizada em 2021, com as ordens de serviço n.º ...00 e ...01, relativas aos anos de 2017 e 2018, na qual foram presumidas e imputadas ao recorrente diversas irregularidades. 31º Em consequência, foram abertos pela Autoridade Tributária um Processo de Execução Fiscal para cada irregularidade, fragmentando-as, e dando, assim, origem a cerca 10 Processos de Execução Fiscal. 32º Processos esses, aos quais se deduziu individualmente Oposição à Execução, o que culminou numa série de novos processos no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, conforme infra se organograma: - Processo n.º ...84, que deu origem ao Processo TAF: 548/22; - Processo n.º ...14, que deu origem ao Processo TAF: 549/22; - Processo n.º ...33, que deu origem ao Processo TAF: 550/22; - Processo n.º ...06, que deu origem ao Processo TAF: 551/22; - Processo n.º ...76, que deu origem ao Processo TAF: 552/22; - Processo n.º ...68, que deu origem ao Processo TAF: 553/22; - Processo n.º ...41, que deu origem ao Processo TAF: 554/22; - Processo n.º ...17, que deu origem ao Processo TAF: 555/22; - Processo n.º ...09, que deu origem ao Processo TAF: 556/22; - Processo n.º ...50, que deu origem ao Processo TAF: 557/22; 33º Importa mencionar que o Autor requereu pugnou pela apensação quer das execuções, quer das oposições, tendo disso informado o douto tribunal. 34º Em 11.06.2024, é proferida e notificada sentença, da qual extrai, sucintamente, 3 fundamentos: - Que o meio processual adequado à arguição da nulidade da citação é a reclamação judicial ao abrigo do artigo 276º do CPPT; - Que o meio processual adequado à arguição da ilegalidade da dívida exequenda é a impugnação judicial; - E que é impossível a convolação para o meio processual correto; E que, por isso, a oposição à execução está carecida de qualquer fundamento. 35º Decisão com a qual não concorda o recorrente, nem poderia concordar. Isto porque, 36º Em primeira instância aquilo que está a ser exigido ao contribuinte é impraticável e uma clara violação da garantia constitucional do acesso ao direito e à justiça e até mesmo do próprio princípio da igualdade. 37º Na medida em que não basta ser possível à AT interpor 1 processo por cada irregularidade sem que o contribuinte sem que se proceda à apensação oficiosa destes processos, e já requerido pelo contribuinte, como exigem que, por cada fundamento apresentado, intente uma ação diferente ou então que omita fundamentos para não correr o risco de ser alvo de indeferimento liminar. 38º Com o devido respeito e, salvo melhor entendimento, a inexigibilidade da dívida, à falta de clareza do título, a sentença proferida ao não se pronunciar sobre questões essenciais, como é o caso do título executivo, da nulidade da citação, da ilegalidade da execução e da peticionada suspensão da execução, viola o estatuído no disposto no nº 4 do artigo 607º do Código de Processo Civil, que dita, e cito: “ Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados, analisando criticamente as provas, indicando ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência”. 39º De facto, o tribunal a quo, na sua douta sentença proferida e ora recorrida, limitou-se a debitar sem, no entanto, especificar mediante exame critico, porque motivo é que considerou que a ilegalidade da liquidação não é fundamento de oposição, isto apesar de encontrar plasmada na alínea h) do artigo 204º do CPPT. 40º Neste sentido, impõe o artigo 615º, n.º 1 e alínea b) refere que, e cito: “É nula a sentença quando (…) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justifique a decisão (…)”. 41º Ora, no caso em apreço e, salvo melhor opinião, o Tribunal a quo, não andou bem ao não fundamentar devidamente a douta sentença, o que constitui uma nulidade da sentença que deve ser arguida pelas partes, o que expressamente se invoca, com todas as suas consequências legais. 42º Todavia, não se nos afigura que o citado artigo 615º, nº 2 exija uma fundamentação tão minuciosa que, de resto, em processos com algum grau de complexidade é dificilmente realizável. 43º O que é relevante é a possibilidade de, perante o despacho de fundamentação, as partes e o Tribunal de recurso poderem efetuar um controle crítico da lógica da decisão, ou seja, controlar a razoabilidade da convicção. 44º O que não se verificou no caso sub judice. 45º Apesar da deficiente fundamentação da sentença não constituir fundamento de anulação da decisão sobre a matéria de facto, nem o reenvio do processo para novo julgamento no Tribunal de 1ª instância, dando lugar isso sim, à remessa dos autos à primeira instância para que o Tribunal fundamente a sentença não devidamente fundamentada. 46º Considera o recorrente que a oposição à execução se encontra devidamente fundamentada por preenchimento da alínea h) do n.º 1 do artigo 204° do Código de Procedimento e Processo Tributário. 47º Em concreto, concluindo pela ilegalidade da liquidação do imposto, incluindo-se na norma da alínea h) do n.º 1 do artigo 204° do CPPT - a ilegalidade abstrata ou absoluta que consiste, no caso em apreço, em não existir fundamentação exata e clara da citação apresentada ou título executivo. 48º Mais ainda, o pedido formulado na oposição à execução é o de que seja julgada procedente a oposição, com consequente extinção e suspensão do processo executivo, declarando-se verificada a ilegalidade da liquidação do imposto. 49º De todo o modo, o pedido de extinção e suspensão da execução é próprio da oposição à execução fiscal, tratando-se, portanto, de um pedido adequado ao meio processual utilizado. 50º Ora, de acordo com o princípio pro actione, o qual se encontra estabelecido no artigo 7° do Código de Processo dos Tribunais Administrativos e do princípio da tutela judicial efetiva, o Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a adotar: “(...) uma posição de grande flexibilidade na interpretação do pedido quando, em face das concretas causas de pedir invocadas, se possa intuir — ainda que com recurso à figura do pedido implícito — qual a verdadeira pretensão de tutela jurídica”. 51º Conjugando estas regras com o pedido formulado pelo recorrente - “Nestes termos, requer a V. Exa., se digne admitir a presente oposição e, julgando – a provada e procedente, declare a: a) Nulidade da citação; b) A ilegalidade do imposto liquidado; c) Dado os prejuízos que o decurso da execução identificada em epígrafe, determine, previamente, a suspensão imediata da execução; d) Atento as alíneas a), b) e c) supra, declare a extinção da execução titulada pelo processo nº ...41” 52º Facilmente podemos concluir que tal pedido se conforma à previsão da alínea h) do n.º 1 do artigo 204.º do CPPT, uma vez que é função própria da oposição a extinção e suspensão da execução fiscal. 53º Conclui-se assim que a sentença do Tribunal a quo operou num errado enquadramento do pedido e da causa de pedir ao julgar procedente a exceção de erro na forma do processo, pelo que deverá a mesma ser revogada, com todas as consequências legais. Caso assim não se entenda e, por mera cautela de patrocínio, sempre se dirá que: 54º Sem perder de vista que o legislador organizou meios processuais para que o contribuinte possa restabelecer a situação jurídica de direito material, tal como efetivamente resulta da lei, devemos, no entanto, ter igualmente presente a linha de separação entre as duas vias paralelas de reação ao acto tributário e que são a impugnação e a oposição. 55º Assim, enquanto o processo de impugnação visa a apreciação da correspondência do acto tributário com a lei no momento em que o mesmo foi praticado, o processo de oposição respeita aos fundamentos supervenientes que podem tornar ilegítima ou injusta a execução devido a falta de correspondência com a situação material subjacente no momento em que se adotam as providências executivas (cfr. Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, Almedina, 1972, pág.586 e seg.). 56º Por outras palavras, a reclamação graciosa, tendo por função a anulação total ou parcial dos atos tributários pelo contribuinte, visando a declaração de inexistência ou nulidade do acto impugnado ou a sua anulação, com fundamento em qualquer vício que afete a validade do mesmo acto (cfr. artº.99, ex vi artigo 70º do C.P.P. Tributário). 57º Por sua vez o processo de oposição, tendo por efeito paralisar a eficácia do acto tributário corporizado no título executivo, visa a extinção da respetiva execução, com base em fundamentos supervenientes ou de ordem formal ou processual (cfr. artº.204, do C.P.P. Tributário). 58º A análise da propriedade do meio processual empregue pela parte e da sua consequente e eventual admissibilidade legal, deve ser efetuada levando em atenção o princípio da economia processual que enforma todo o direito adjetivo (cfr. artº.130, do C.P. Civil, na redação da Lei 41/2013, de 26/6, “Ex vi” do artº.2, al. e), do C.P.P. Tributário). 59º No processo judicial tributário o erro na forma do processo igualmente substancia uma nulidade processual de conhecimento oficioso, consistindo a sanação na convolação para a forma de processo correta, importando, unicamente, a anulação dos atos que não possam ser aproveitados e a prática dos que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, tanto quanto possível, da forma estabelecida na lei (cfr.artº.97, nº.3, da L.G.T.; artº.98, nº.4, do C.P.P.T.; ac.S.T.A.-2ª. Secção, 29/2/2012, rec.441/11; ac.T.C.A.Sul2ª.Secção, 26/6/2012, proc.4704/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6862/13; Jorge Lopes de Sousa, C. P. P. Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.88 e seg.). 60º Quando o pedido formulado pelo autor não se ajusta à finalidade abstratamente figurada pela lei para essa forma processual ocorre o erro na forma do processo, nulidade de conhecimento oficioso, cognoscível até ao trânsito em julgado da decisão que ponha termo ao processo e que, sempre que possível, deve ser sanada mediante convolação para a forma processual adequada. 61º Para que essa convolação seja possível exige-se que a petição tenha sido apresentada em tempo para efeitos da nova forma processual, que o pedido formulado, devidamente interpretado, bem como a causa de pedir invocada se adequem a esta forma processual e que no processo não tenham sido formulados cumulativamente pedidos a que correspondam formas processuais diversas, o que in casu sucede e ora expressamente se requer. 62º Nunca poderia o douto tribunal a quo sentenciar sem proceder à suspensão da instância fruto da impugnação deduzida. 63º A Douta sentença violou o disposto nos artigos 607º e 615º todos do Código de Processo Civil e artigo 204º do Código de Procedimento e Processo Tributário. NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO QUE V. EXAS., DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVE O PRESENTE RECURSO: - MERECER PROVIMENTO, POR PROVADO E, EM CONSEQUÊNCIA, SER A DOUTA DECISÃO A QUO, REVOGADA. - DECIDINDO DESSA FORMA, FARÃO, V. EXAS, A TÃO ACOSTUMADA JUSTIÇA!» A Recorrida não apresentou contra alegações. O Digno Procurador Geral Adjunto emitiu parecer concluindo pela manutenção da sentença, do qual se extrata o seguinte: «(…). Afigurando-se-nos que a sindicada decisão, em face do alegado e pedido no articulado inicial (no pleno exercício, autorresponsabilizante, do dispositivo) e dos demais elementos documentais constantes dos autos, reflecte acertado tratamento e subsunção jurídica da matéria sobre que se debruçou – como decorre da respectiva fundamentação e, quanto à aventada nulidade, do explanado no despacho que a apreciou (cfr. SITAF, p. 191). E que nas situações em que resulte claramente da decisão as razões de facto pelas quais a petição é liminarmente indeferida, “poderá mostrar-se desnecessária a elaboração de um enunciado de factos provados e não provados em termos idênticos àqueles que são exigidos num saneador - sentença ou numa sentença proferida na sequência da realização da audiência final” (cfr. Acórdão da Relação de Évora de 12/09/2024, tirado no Proc. nº 1291/21.9T8LLE, editado in www.dgsi.pt). Neste entendimento, não padecendo a sindicada sentença de quaisquer patologias que, do ponto de vista da legalidade, determinem ou justifiquem a sua revogação, deverá ser negado provimento ao interposto recurso.» * Com dispensa dos vistos legais [cfr. artigo 657.º, n.º 4, do Código de Processo Civil], cumpre apreciar e decidir o presente recurso. * II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR. Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, cujo objeto do recurso está delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, que se centram em saber, em suma, se a sentença recorrida padece de (i) nulidade por falta de fundamentação, (ii) erro de julgamento de direito ao concluir pela rejeição liminar da oposição, nos termos do disposto no art. 209.º, n.º 1, alínea b), do CPPT, por falta de alegação de fundamentos de oposição, e (iii) se adotou um entendimento desconforme a Lei fundamental. * III – FUNDAMENTAÇÃO: Na decisão em discussão não foi selecionada e autonomizada matéria de facto, pelo que se passa a transcrever todo o seu discurso fundamentador do qual se retira a matéria de facto subjacente à decisão tomada. «De harmonia com o preceituado no artigo 209.º, n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário5 , recebido o processo, o juiz rejeitará logo a oposição caso se verifique um dos seguintes fundamentos: a) a oposição ter sido deduzida fora de prazo; b) não ter sido alegado algum dos fundamentos admitidos no n.º 1 do artigo 204.º do CPPT e c) ser manifesta a sua improcedência. São fundamentos de oposição aqueles que se encontram taxativamente elencados no n.º 1, do artigo 204.º, do CPPT, o qual dispõe o seguinte: «1 - A oposição só poderá ter algum dos seguintes fundamentos: a) Inexistência do imposto, taxa ou contribuição nas leis em vigor à data dos factos a que respeita a obrigação ou, se for o caso, não estar autorizada a sua cobrança à data em que tiver ocorrido a respectiva liquidação; b) Ilegitimidade da pessoa citada por esta não ser o próprio devedor que figura no título ou seu sucessor ou, sendo o que nele figura, não ter sido, durante o período a que respeita a dívida exequenda, o possuidor dos bens que a originaram, ou por não figurar no título e não ser responsável pelo pagamento da dívida; c) Falsidade do título executivo, quando possa influir nos termos da execução; d) Prescrição da dívida exequenda; e) Falta de notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade; f) Pagamento ou anulação da dívida exequenda; g) Duplicação da colecta; h) Ilegalidade da liquidação da dívida exequenda, sempre que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação; i) Quaisquer fundamentos não referidos nas alíneas anteriores, a provar apenas por documento, desde que não envolvam apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda, nem representem interferência em matéria de exclusiva competência da entidade que houver extraído o título.». No caso versado, constata-se que o oponente sustenta a sua pretensão invocando os seguintes fundamentos: 1) a nulidade da citação, por o acto de citação não vir acompanhado do título executivo nem conter a indicação da natureza e proveniência da dívida nem a indicação do seu montante e 2) a ilegalidade da dívida exequenda, alicerçada na alegação de que nada deve à AT. Quanto ao primeiro fundamento invocado [nulidade da citação], podemos já adiantar que o mesmo não pode ser conhecido em sede de oposição, por não se integrar em nenhuma alínea do elenco taxativo dos fundamentos de oposição, previstos no artigo 204.º, n.º 1 do CPPT, tal vem sendo decidido pelos nossos tribunais superiores, antes constituindo fundamento de requerimento de arguição de nulidade dirigido ao órgão da execução fiscal, cabendo, posteriormente, reclamação judicial a que alude os artigos 276.º e seguintes do CPPT para o tribunal tributário de 1.ª instância, caso tal requerimento venha a ser indeferido [a título meramente exemplificativo, vejam-se os Arestos do Supremo Tribunal Administrativo6 de 22-02-2017 e de 22-03-2018 proferidos, respectivamente, nos processos n.º 01528/14 e 0714/15, ambos disponíveis em www.dgsi.pt]. Em ambos Arestos citados se afirma expressamente que, «A nulidade da citação, porque não determina a extinção da execução fiscal, mas apenas a repetição do acto com cumprimento das formalidades omitidas, não constitui fundamento de oposição à execução fiscal, antes devendo ser arguida em primeira linha perante o órgão de execução fiscal com possibilidade de reclamação judicial de eventual decisão desfavorável.». Quanto ao segundo fundamento invocado [ilegalidade da dívida exequenda], sustentada na alegação de que o oponente nada deve à AT, estamos perante a invocação da ilegalidade concreta da dívida exequenda, a qual apenas constituirá fundamento de oposição judicial susceptível de ser apreciado à luz do artigo 204.º, n.º 1, alínea h) do CPPT, isto é, quando a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação, situação que é inaplicável no caso em apreço, uma vez que o oponente podia ter deduzido contra o respectivo acto de liquidação que subjaz à dívida exequenda o adequado meio processual [impugnação judicial]. Aqui chegados, cumpre sublinhar que a presente acção está carecida de qualquer fundamento de oposição à execução fiscal taxativamente previstos no artigo 204.º, n.º 1 do CPPT. Poder-se-ia equacionar a ocorrência da nulidade processual ou secundária do erro na forma do processo, pois este afere-se pelo pedido formulado nos autos e no caso concreto os pedidos formulados de declaração de nulidade da citação e da declaração de ilegalidade do imposto liquidado não são, efectivamente, pedidos consentâneos com o meio processual utilizado, ao invés, são pedidos compatíveis, o primeiro, com o requerimento de nulidade da citação dirigido ao órgão da execução fiscal e, o segundo, com o do meio processual de impugnação judicial. Contudo, nuca estaríamos perante o erro na forma do processo in totum, mas, somente, parcial, porquanto existem outros dois pedidos que são compagináveis com o meio processual de oposição judicial, concretamente, a extinção e suspensão da execução fiscal, pelo que, logo por aí, estaria afastada a possibilidade de proceder à convolação para outro meio processual. Acresce que essa possibilidade de convolação estaria também afastada pelo facto de existirem vários pedidos formulados que correspondem a distintos meios processuais tributários, não estando nas mãos do tribunal escolher qual o meio de reacção que deverá prosseguir, em detrimento dos demais [neste sentido, vide, a título meramente exemplificativo, os Acórdãos do STA de 01-10-2014 e de 20-06-2018, proferidos, respectivamente, nos processos n.º 1908/13 e 0212/18, consultáveis em www.dgsi.pt]. Posto isto, estando a presente petição inicial destituída de qualquer um dos fundamentos de oposição judicial taxativamente previstos no artigo 204.º, n.º 1 do CPPT e não sendo, também, possível a convolação para qualquer outro meio processual tributário, pelas razões já apontadas, impõe-se concluir pelo indeferimento liminar da presente petição inicial, o que se determinará a final». * IV - DE DIREITO: Cumpre, então, apreciar e conhecer as questões suscitadas no presente recurso relacionadas com (i) a nulidade da sentença por falta de fundamentação, (ii) o indicado erro de julgamento em que incorreu o tribunal a quo ao indeferir liminarmente a oposição, nos termos da alínea b), do n.º 1, do art. 204.º do CPPT, e (iii) por a sentença verter um entendimento desconforme a Lei fundamental. Sendo certo que o tribunal não se encontra sujeito às alegações das partes no que à indagação, interpretação e aplicação do direito diz respeito [art. 5.º, n.º 3, do CPC]. A sentença é nula por falta de fundamentação? Neste segmento recursivo, entende o Recorrente que a sentença é nula, nos termos da alínea b), do n.º 1, do art. 615.º, do CPC, porquanto, como condensado na conclusão 39, «o tribunal a quo, na sua douta sentença proferida e ora recorrida, limitou-se a debitar sem, no entanto, especificar mediante exame critico, porque motivo é que considerou que a ilegalidade da liquidação não é fundamento de oposição, isto apesar de encontrar plasmada na alínea h) do artigo 204º do CPPT.» Ora, conforme resulta dos termos conjugados no n.º 1 do artigo 125.º, do CPPT e na al. b) do n.º 1 do art. 615.º, do CPC., é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Nesta matéria a jurisprudência tem reiteradamente afirmado que importa, porém, distinguir a falta absoluta de motivação, da motivação deficiente, medíocre ou errada, sendo que o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação e tal nulidade só abrange a falta absoluta de motivação da própria decisão e não já a falta de justificação dos respetivos fundamentos: isto é, a nulidade só é operante quando haja total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão. A insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade [vide, por todos, o acórdão do STA, de 14.10.2020, processo n.º 02213/04.7BELSB,disponível no sítio da DGSI e, ainda, Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil anotado, Vol. V, pág. 140. e Jorge Lopes de Sousa, in CPPT, anotado e comentado, 6.ª edição 2011, Vol. II, pág. 357]. Ora, a sentença não padece de falta absoluta de fundamentação de modo a provocar a sua nulidade. Na verdade, não obstante não exteriorizar uma (autónoma) fundamentação de facto, diga-se, precisamente, por não haver dela necessidade para a decisão proferida, facto é que na sentença foram atendidos os concretos fundamentos que constituem a causa de pedir, por um lado, fazendo sobre eles incidir um juízo subsuntivo de direito, por outro. Esta análise casuística dos fundamentos e a respetiva aplicação do direito realizada pelo tribunal a quo é que era essencial que fosse levada a cabo e que resultasse vertida, como resulta, na fundamentação da sentença. Se bem ou mal, de forma suficiente ou insuficiente, não importa neste momento apreciar, posto que é matéria que nos remete para o conhecimento sobre mérito da decisão, a apreciar em sede de erro de julgamento. Pelo exposto, não pode afirmar-se que, na sentença, haja total omissão dos fundamentos em que decisão assenta. Assim, por tudo quanto precede, é patente a improcedência da nulidade da sentença agora analisada, não sendo provido o recurso nesta parte. * Erro de julgamento de direito? Nos termos do disposto no art.º 209.º, n.º 1 do Código de Processo Tributário “Recebido o processo, o juiz rejeitará logo a oposição por um dos seguintes fundamentos: a) Ter sido deduzida fora do prazo; b) Não ter sido alegado algum dos fundamentos admitidos no n.º 1 do artigo 204.º; c) Ser manifesta a improcedência”. A jurisprudência do STA já, por várias vezes, expressou o entendimento de que o indeferimento liminar só terá lugar quando for de todo em todo impossível o aproveitamento da petição inicial, isto tendo em atenção que o princípio da pronúncia sobre o mérito se sobrepõe a questões formais que não interfiram e ponham em causa o mesmo. Assim, o despacho de indeferimento liminar só é admissível quando a improcedência da pretensão do autor for tão evidente e razoavelmente indiscutível que torne dispensável assegurar o contraditório (art. 3.º, n.º 3, do CPC) e inútil qualquer instrução e discussão posterior, isto é, «quando o seguimento do processo não tenha razão alguma de ser, seja desperdício manifesto de actividade judicial» - cfr. neste sentido, vide, por todos, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 26.09.2012, proc. n.º 377/12 e de 16.05.2012, proc. n.º 212/12 e deste TCA Norte de 09.05.2024, proc. n.º 970/22.8BEPRT, disponíveis para consulta em www. dgsi.pt. Vejamos, então, se no caso concreto errou o tribunal a quo ao ter rejeitado liminarmente a oposição, tendo em consideração os fundamentos invocados na petição inicial. Tendo presente o teor da sentença somos levados a extrair duas ilações com sentido divergente. A primeira conclusão a obter é o acerto da sentença quanto ao facto de estarmos em presença de uma oposição à execução fiscal tendo em conta o pedido de extinção da execução fiscal formulado na petição inicial [inexistindo razões para se falar em erro na forma de processo, ao contrário do alegado pelo Recorrente] e, bem como, quanto à nulidade da citação não ser fundamento de oposição Na verdade, em sintonia com o bem ajuizado na sentença, constitui jurisprudência há muito consolidada dos tribunais superiores, desde logo, do Supremo Tribunal Administrativo, que a nulidade da citação não consubstancia fundamento de oposição à execução fiscal nos termos do art.º 204.º do CPPT, porquanto, “constituindo o acto de citação para a execução fiscal um acto processual, praticado no âmbito de um processo judicial, a invalidade desse acto tem de ser suscitada no respectivo processo executivo, perante o órgão de administração fiscal, com posterior reclamação para o tribunal tributário de 1.ª instância da eventual decisão de indeferimento, em harmonia com o preceituado nos artigos 276.º do CPPT e 103.º, n.º 2 da LGT” [vide, por todos, acórdãos do STA de 20.01.2016, proc. n.º 01124/15; de 04.03.2015, proc .n.º 01271/13; de 18.06.2013, proc. n.º 01276/12 e, ainda, por todos, acórdão deste TCA Norte de 07.12.2023, proc. n.º 1254/22.7BEBRG e de 10.05.2025, proc. 572/11.4BEVIS]. E como refere o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, in «CPPT, anotado e comentado, 6.ª edição, 2011», III volume, Áreas Editora, pág. 500, em consonância com a jurisprudência, não integra fundamento de oposição, nos termos da alínea i), do n.º 1, do art. 204.º do CPPT, as nulidades do processo de execução fiscal (como a decorrente da nulidade da citação), que devem ser arguidas no próprio processo de execução. Este entendimento consolidado é uma concretização do princípio estruturante e transversal dos processos judiciais previsto no art. 2.º, n.º 2 do CPC, segundo o qual a cada direito corresponde uma ação adequada para a sua defesa em juízo, por um lado; e de que a legalidade do despacho de reversão exige a declaração fundamentada os seus pressupostos e extensão temporal da responsabilidade subsidiária, a incluir na citação, embora com autonomia jurídica em relação a esta (art. 23.º n.º4 LGT), por outro. [vide acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA de 08.07.2020, processo n.º 0484/15.2BESNT]. A segunda conclusão a extrair é que, apesar de ser acertado o julgamento realizado na sentença quanto à ilegalidade concreta não constituir fundamento de oposição, designadamente subsumível na alínea h) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, por a lei assegurar o meio próprio [impugnação judicial] para atacar o ato de liquidação de IVA [vide, por todos, os acórdãos do STA de 28.10.2020, proc. n.º 0539/13.8BEBRG e de 26.10.2022, proc. n.º 0446/18.8BELRA, e deste TCA Norte de 11.01.2024, proc. n.º 737/19.0BECBR, e de 30.04.2025, proc. n.º 198/23.0Bevis], no caso objeto, o oponente invocou o pagamento da dívida exequenda, não se limitando a apelar à ilegalidade concreta da dívida. Vejamos. No que a esta questão diz respeito, alega o oponente na petição inicial que «[d]e todo o modo, o contribuinte não deve nada às finanças, cumpre integral e tempestivamente, as suas obrigações» [art. 13.º da PI]; «Pelo que, impugna a liquidação constante da citação, que aqui se faz oposição» [art. 14.º da PI]. Do exposto, resulta que o oponente sustenta que não é devido o pagamento da liquidação constante na citação, entenda-se, da quantia exequenda, por nada dever à ATA. O mesmo é dizer que entende o oponente que não se justifica a sua cobrança coerciva por já ter procedido ao pagamento voluntário da quantia exequenda e não, como consta da sentença, que «[q]uanto ao segundo fundamento invocado [ilegalidade da dívida exequenda], sustentada na alegação de que o oponente nada deve à AT, estamos perante a invocação da ilegalidade concreta da dívida exequenda». Ora, o pagamento ocorrido em data anterior à da execução fiscal, invocado pelo oponente, constitui de forma inquestionável fundamento de oposição, elencado na alínea f) do n.º 1, do art. 204.º do CPPT [“pagamento e anulação da dívida exequenda”]. Destarte, não existem motivos para considerar que não foram alegados fundamentos admitidos no n.º 1 do art. 204.º do CPPT ou, mesmo, que seja manifesta a improcedência da ação, causas da rejeição liminar da oposição, nos termos do disposto nas aíneas b) e c) do n.º 1 do art. 209.º do CPPT. Pelo exposto, decide-se revogar a decisão recorrida que não pode manter-se na ordem jurídica, ordenando-se a baixa dos autos à 1ª instância para aí ser proferido novo despacho liminar, que não seja de indeferimento liminar por não ter sido alegado qualquer fundamento de oposição ou por manifesta improcedência. Ficando, deste modo, prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas no presente recurso. * Assim, nos termos do n.º 7 do art.º 663.º do CPC., formula-se o seguinte SUMÁRIO: I – O despacho de indeferimento liminar só é admissível quando a improcedência da pretensão do autor for tão evidente e razoavelmente indiscutível que torne dispensável assegurar o contraditório (art. 3.º, n.º 3, do CPC) e inútil qualquer instrução e discussão posterior. II – Se o oponente sustenta que não é devido o pagamento da liquidação constante na citação, entenda-se, da quantia exequenda, por nada dever à ATA. O mesmo é dizer que entende o oponente que não se justifica a sua cobrança coerciva por já ter procedido ao pagamento voluntário da quantia exequenda. III - O pagamento ocorrido em data anterior à da execução fiscal, invocado pelo oponente, constitui de forma inquestionável fundamento de oposição, elencado na alínea f) do n.º 1, do art. 204.º do CPPT [“pagamento e anulação da dívida exequenda”]. IV - Destarte, não existem motivos para considerar que não foram alegados fundamentos admitidos no n.º 1 do art. 204.º do CPPT ou, mesmo, que seja manifesta a improcedência da ação, causas da rejeição liminar da oposição, nos termos do disposto nas aíneas b) e c) do n.º 1 do art. 209.º do CPPT. * V – DECISÃO: Em face do exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos de Contraordenacionais, da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, em conceder provimento ao recurso e, nessa sequência, revogar parcialmente a decisão recorrida e ordenar a baixa dos autos ao tribunal a quo para aí ser proferido novo despacho liminar, que não seja de rejeição nos termos do disposto nas aíneas b) e c) do n.º 1 do art. 209.º do CPPT. Custas a cargo da Recorrida, as quais não incluem taxa de justiça por não ter contra alegado. Porto, 26 de junho de 2025 [Vítor Salazar Unas] [Cláudia Almeida] [Maria do Rosário Pais] |