Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01622/05.9BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/09/2024
Tribunal:TAF do Porto
Relator:PAULO MOURA
Descritores:ART.º 86.º, N.º 4 DA LGT;
ACORDO NA COMISSÃO DE REVISÃO DA MATÉRIA TRIBUTÁVEL;
Sumário:
I – É nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, de acordo com o disposto no 1 do art. 125º do CPPT e na alínea b) do n.º 1 do artigo 668.º do antigo CPC (atualmente al. b) do nº 1 do art. 615º do novo CPC).

II– Os recursos são meios de impugnação de decisões jurisdicionais proferidas nos termos do n.º 1 do art.º 676.º do antigo CPC, constituindo estas o objeto do recurso.

III – No procedimento de revisão que siga os respetivos ditames legais, introduz-se uma forma específica de dar corpo ao princípio legal e constitucional de participação dos contribuintes na formação do ato tributário, sendo que do n.º 1 do art.º 60.º da LGT, consagra a possibilidade do dito direito ocorrer por outras formas que não as consignadas na sua própria estatuição.

IV - O art. 86.º, n.º 4, da LGT, ao não permitir que na impugnação do ato tributário de liquidação, em que a matéria tributável tenha sido determinada com base em avaliação indireta, possa ser invocada qualquer ilegalidade se a liquidação tiver por fundamento o acordo obtido no processo de revisão da matéria tributável, não viola a Constituição da República Portuguesa.

V - O contribuinte não fica vinculado pelo acordo que seja obtido, podendo consequentemente impugnar a liquidação quanto à fixação da matéria tributável determinada por avaliação direta, sempre que se demonstre que o seu representante agiu fora dos limites dos seus poderes de representação.
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


«[SCom01...], Lda.», interpõe recurso da sentença que julgou improcedente a impugnação judicial eduzida contra a liquidação adicional de IRC do ano de 2001.

Formula nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:
1ª. O disposto no art. 659°, n° 2, do Cód. Proc. Civil impõe que na sentença sejam discriminados de forma clara, inequívoca e completa, um a um, os factos materiais que se considerem provados e não provados - incluindo os factos constantes de documentos de força probatória plena para, em face deles, serem interpretadas e aplicadas as diferentes normas jurídicas que ao caso caibam, não cumprindo aquele postulado legal a mera remissão para documentos juntos ao processo, dando como reproduzido o que deles consta;
2ª. Na douta decisão recorrida, as alíneas C), D), F), H), N) da matéria de facto dada como provada, remetem para os documentos nelas respectivamente referidos (dando-os como reproduzidos nos casos das alíneas C), D), F) e H)), não tendo, assim, sido feita a discriminação dos factos considerados provados como o impõe o supra citado art. 659°, n° 2, do Cód. Proc. Civil.
3ª. O que, para lá de configurar uma nulidade da sentença por violação do disposto no art. 659°, n° 2 do Cód. Proc. Civil, traduzindo uma falta de especificação da matéria de facto, revela, sempre e em qualquer caso, uma falta de fundamentação da sentença proferida, o que tudo tem manifesta influência na decisão proferida e nos direitos de defesa da Recorrente - cfr., art. 201°, n° 1, 668°, n° 1, al. b) do Cód. Proc. Civil; vd., tb., Ac. STJ de 12.2.04, Proc. n° 03B1414.
4ª. Impondo-se a revogação da sentença recorrida e a baixa dos autos à primeira instância para o Tribunal a quo se pronunciar sobre a matéria de facto que considera provada;
5ª. Sendo que a remissão e a reprodução de documentos no elenco da matéria de facto dada como provada apenas tem a virtualidade de dar como provada a sua existência (deles documentos) e não conduz nem traduz a prova dos factos que neles sejam mencionados;
6ª. Na douta decisão recorrida, decidiu-se, num primeiro momento que em face do acordo alcançado em sede de comissão de revisão estava vedado à Recorrente discutir em sede de impugnação judicial as questões apreciadas no âmbito do procedimento de revisão para, logo de seguida, se concluir que "a impugnante não logrou demonstrar a inadequação ou errada aplicação dos critérios de quantificação utilizados" e que "deste modo, mostra-se correcta a quantificação efectuada com base nos métodos indirectos, não assistindo razão à impugnante" - vd., fls. 15 a 18 da sentença;
7ª. Para a hipótese de aquelas considerações serem mais do que um obiter dictum afigura-se existir uma insanável contradição entre os dois segmentos decisórios acima referidos, o que convoca a nulidade da sentença proferida - cfr., art. 668°, n° 1, al. c), do Cód. Proc. Civil;
8ª. Na douta sentença recorrida, o Tribunal a quo não se pronunciou, como data venia lhe cumpria, sobre as questões deduzidas pela Recorrente elencadas em 5. e 6. supra;
9ª. Como tal, a sentença recorrida enferma de nulidade por omissão de pronúncia e, por isso, é nula - cfr., arts. 668°, n° 1, al. d) e 660°, n° 2, todos do Cód. Proc. Civil;
10º. A sentença recorrida julgou incorrectamente a matéria fáctica ao não considerar provado que o perito nomeado pela Recorrente para intervir em sede de Comissão de Revisão não actuou em desconformidade com os poderes que lhe foram carregados pela Recorrente, não os tendo, assim, exorbitado;
11ª. A apreciação crítica das provas produzidas, nomeadamente da reapreciação da prova gravada correspondente ao depoimento gravado, na audiência de discussão e julgamento de 7 de Fevereiro de 2011 da testemunha «AA» (depoimento gravado em sistema digital dos 00:00 até aos 47:02 conforme acta de fls. 403), a única testemunha inquirida em sede de audiência de julgamento e que revelou ter um conhecimento dos factos dos autos que lhe permitiu depor, com conhecimento de causa e de modo convincente, sobre a matéria objecto do respectivo depoimento, determina que se deva considerar como provado o facto referido na conclusão 10°, tudo como vai melhor identificado em 8 e 9 supra, dando-se como assente que o Sr. «AA», na qualidade de perito da Recorrente, exorbitou, em sede de comissão de revisão, os poderes que lhe foram conferidos pela Recorrente e actuou em desconformidade com os mesmos;
12ª. Com interesse para a boa decisão da impugnação, e em face do depoimento da testemunha «AA» (depoimento gravado em sistema digital dos 00:00 até aos 47:02 conforme acta de fls. 403) impõe-se ainda dar como provado que a contabilidade espelha com rigor e verdade todos os proveitos e custos da Recorrente, que os sócios efectuaram suprimentos à sociedade, que todos os adiantamentos efectuados pelos compradores estavam contabilizados e que a Recorrente à data não tinha por hábito celebrar contratos-promessa;
13ª. De igual modo, em face do teor dos docs. 6 (fls. 27) e 11, 12, 13 e 14, impõe-se também dar como provado, que, (i) os preços médios de venda das fracções tendo em conta as respectivas tipologias considerados no índice da APEMI constantes de fls. 27 do doc. n° 6 e artigos 107 a 111 da petição, (ii) os valores patrimoniais de cada uma das fracções em causa nos presentes autos calculados com base nos critérios estabelecidos no CIMI e constantes dos docs. 11, 12, 13 e 14 e dos artigos 113 a 130 da petição;
14ª. Do que se concluirá que, por um lado, pela aplicação dos referidos índices reportados às tipologias das fracções as mesmas foram, afinal, vendidas acima dos preços de mercado e, por outro lado, com base nas avaliações feitas com base nos critérios do CIMI, o valor patrimonial de cada uma das fracções é equivalente aos preços pelos quais a Recorrente declarou ter vendido cada uma das fracções;
15ª. O Tribunal ad quem é um órgão jurisdicional com competência própria em matéria de facto, cabendo-lhe decidir sobre a matéria de facto submetida à sua apreciação com base numa valoração autónoma dos meios de prova utilizados pelo Tribunal a quo para fundamentar a sua decisão, podendo, in casu devendo, alterar a decisão do Tribunal recorrido sobre a matéria de facto, de acordo com o disposto no art. 712°, n.°s 1, al. a), e 2, do Cód. Proc. Civil, com base nos meios de prova supra referidas: gravação do depoimento da testemunha «AA», docs. n°s 6 (fls. 27) e 11, 12, 13 e 14 da petição inicial - cfr., 685°-B, n° 1 e n° 2 e 712°, n.°s 1, al. a), e 2, do CPC;
16ª. O pedido de revisão da matéria tributável fixada por métodos indirectos deverá ser formulado em requerimento fundamentado dirigido ao órgão da administração tributária da área do domicílio fiscal do contribuinte, cumprindo ao contribuinte expor nesse requerimento os factos que sustentam o seu pedido de revisão e as razões de direito pelas quais considera que não estão verificados os pressupostos de aplicação dos métodos indiciários;
17ª. Cabendo ainda ao contribuinte nomear um perito para intervir na comissão de revisão - a qual participa da natureza de um órgão pericial -, sendo que a discussão – de cariz técnico-científico - entre os peritos está marginada e limitada pelos factos constantes quer do relatório de inspecção que sustentam a alteração da matéria colectável pretendida pela administração fiscal quer ainda pelos factos novos trazidos ao processo pelo contribuinte no pedido de revisão apresentado;
18ª. À luz dos princípios constitucionais da tutela judicial efectiva, da tributação do rendimento real, da proporcionalidade, da busca da verdade material e da igualdade consagrados nos arts. 2°, 13°, n° 1, 18°, n° 2, 20°, n° 1, 104°, n° 2, 268°. n° 4, da CRP, afigura-se inconstitucional a norma constante do art. 86°, n° 4, da LGT (e sempre e em qualquer caso, a interpretação que dele é feita na decisão recorrida) no segmento em que veda ao contribuinte o direito de impugnar o acto tributário de liquidação quando esta tenha por base o acordo obtido no processo de revisão da matéria tributável - vd., tb., arts. 5°, 8°, 55°, 58°, 59°, 63° da LGT e 5°, 6°, 7°, 8° do RCPIT;
19ª. Atenta a qualidade de órgão de perícia de que se reveste a Comissão de Revisão, os peritos que a compõem, não obstante terem sido nomeados pelas partes, não deixam de estar vinculados a exercer a sua actividade, apreendendo e apreciando os factos em discussão, de um modo imparcial e consciencioso, não podendo, assim, ser entendidos como representantes tout court da parte que o nomeia - cfr., art. 581°, n° 1, do CPC, art. 571°, n°, 1 e 122° e ss do CPC.
20ª. Quando se entenda que a relação contribuinte/perito nomeado pelo contribuinte, se configura como uma relação de representação, ter-se-á que concluir que os poderes de representação que, através da nomeação efectuada, são conferidos ao perito indicado pelo contribuinte se circunscrevem à discussão das matérias elencadas no pedido de revisão e à obtenção de um acordo que se inscreva no âmbito do pedido formulado;
21ª. In casu, conforme se alcança do pedido de revisão apresentado a fls. ... a Recorrente sustentou a ilegalidade do recurso aos métodos indirectos, o quantum fixado pela administração fiscal bem como a correcção da matéria tributável de modo a fazê-la coincidir com aquela originariamente declarada para os exercícios em causa visando, assim, obter a anulação da alteração da matéria tributável levada a cabo pela administração fiscal:
22ª. Em face da petição de revisão, o único sentido objectivo da nomeação do Sr. «AA» como seu perito - o qual para lá de ser do seu conhecimento era o sentido apreendido por um qualquer declaratário normal colocado na posição do real declaratário - foi o de defender a matéria alegada em sede de petição de revisão e atingir a finalidade visada com o pedido aí formulado, limitando-se a tanto, e nessa conformidade, os poderes conferidos - cfr., art. 236°, n° 1 e n° 2 do Cód. Civil;
23ª. Sendo que só os actos praticados pelo Sr. Perito nos limites dos poderes que lhe foram conferidos poderiam vincular a Recorrente; fora deles, são os mesmos ineficazes, existindo abuso de representação - cfr., art. 258°, 268° e 269° do Cód. Civil, art. 16°, n° 1 da LGT;
24ª. Ora, o acordo alcançado em sede de comissão de revisão foi firmado fora do âmbito, dos critérios de actuação e dos limites previstos na petição de revisão, a qual continha os termos e os limites da representação pelos quais o Sr. Perito se tinha que guiar, traduzindo assim um abuso de representação, uma actuação ilícita, abusiva e que não vincula a Recorrente;
25ª. A própria Fazenda Nacional em face do teor da petição de revisão sabia que o Sr. Perito da Recorrente não tinha os poderes bastantes para estabelecer o acordo firmado - nos precisos termos em que o foi -, o qual não só não se compaginava com as declarações insertas na petição de revisão como a violavam ostensiva e grosseiramente;
26ª. Acordo que, assim é nulo e absolutamente ineficaz: foi outorgado sem poderes representativos ou, no limite, contra os fins da representação, contra a vontade expressamente manifestada pela Recorrente, tendo por base questões que até então não tinham sido suscitadas - rentabilidade fiscal e custos não levados à contabilidade;
27ª. Por violação do direito a uma tutela judicial efectiva previsto nos arts. 2°, 20°, n° 1 e 268° n° 4 da CRP, é inconstitucional o disposto no art. 86°, n° 4, da LGT (e sempre e em qualquer caso, a interpretação que dele é feita na decisão recorrida) quando se vede o recurso à impugnação judicial nos casos em que o acordo estabelecido vai contra a argumentação contida na petição de revisão apresentada pelo contribuinte e nele sejam apreciadas e tidas em consideração novos factos e fundamentos para suportar o recurso aos métodos indiciários e para a consequente fixação da matéria tributável;
28ª. Por violação do direito de defesa e acesso ao direito previsto nos arts. 2°. 20°, n° 1 e 268°, n° 4, da CRP, é inconstitucional o disposto no art. 86°, n° 4, da LGT (e sempre e em qualquer caso, a interpretação que dele e feita na decisão recorrida) quando se vede o recurso à impugnação judicial em relação a vícios que não se enquadram nas competências da Comissão de Revisão ou que não tenham sido expressa e concretamente apreciadas nessa sede;
29ª. A Recorrente não conferiu ao Sr. Perito que nomeou poderes especiais nem ratificou o acordo outorgado em sede de comissão de revisão, pelo, também por esta via subsidiária se tem de concluir que não está impedida de impugnar as liquidações em crise - cfr., art. 268°, n° 2, do Cód. Civil cfr., art. 37°, 297°, 301°, n° 3, do CPC
30ª. Os arts. 81° e ss da LGT e, em especial, o n° 1, do art. 90° da LGT, tal como estão redigidos, porque permitem uma tributação presumida sem a sujeição da administração fiscal a um procedimento concreto e definido, sem qualquer margem de discricionariedade ou desvio de uma actuação uniforme e não assegurando ab initio o cumprimento dos postulados constitucionais que versam sobre a matéria, violam os princípios constitucionais da legalidade tributária, da capacidade contributiva, da tributação do rendimento real, da proporcionalidade, da proibição do excesso, da igualdade, da justiça, da segurança e confiança jurídica e são, por isso, inconstitucionais - cfr., arts. 266°, 104°, n° 2, 103°, n° 1 e 3, 18°, 13°, 3°, n° 3, 2° e 1° da CRP e 29°, n° 2 da DUDH, art. 4°, n° 1 da LGT;
31ª. À luz do disposto no art. 81° da LGT, a Administração Tributária apenas pode fazer uso da avaliação indirecta como método de apuramento da matéria colectável quando, por carência de elementos e nas hipóteses taxativamente enunciadas nos arts. 87° e 88° da LGT, não lhe seja possível determinar directamente a mesma;
32ª. Sucede que a decisão da administração fiscal de lançar mão dos métodos indiciários para determinar a matéria colectável da Recorrente padece de falta de enquadramento jurídico pois não foram identificadas as concretas e especificas alíneas de cada um dos normativos supra citados que serviram de suporte à mesma;
33ª. Falta de enquadramento legal que se estende aos critérios utilizados na determinação da matéria tributável, pois não vem indicado de qual das alíneas do n° 1 do art. 90° da LGT se serviu a administração fiscal para o efeito;
34ª. O que tudo releva falta de fundamentação da decisão proferida e convoca a sua nulidade por traduzir uma manifesta violação dos direitos de defesa da Recorrente - cfr., art. 77° da LGT;
35ª. O recurso aos métodos indiciários como forma de determinar a matéria colectável do contribuinte, não decorre, ipso facto, da existência de erros, omissões ou inexactidões na contabilidade do contribuinte sendo ainda imprescindível que aquelas irregularidades sejam, de todo, impeditivas do apuramento correcto da matéria colectável e do imposto devido;
36ª. O que não é o caso dos autos, pois, aceite, a benefício de raciocínio e sem prescindir, a existência das supostas irregularidades invocadas sempre a administração fiscal estaria em condições de determinar a matéria tributável da Recorrente com base na sua contabilidade e cumprindo o dever investigatório a que está adstrita - levantando, designadamente, se fosse caso disso, o sigilo bancário quer da recorrente, quer dos compradores -, apurando o concreto montante do valor da venda de cada fracção que tinha sido omitido e procedendo, em conformidade, às correcções aritméticas que se impusessem;
37ª. Cumpre ainda referir que, quer no relatório de inspecção, quer na deliberação da comissão de revisão, a administração fiscal não cumpriu o dever que sobre ela impendia de fundamentar e demonstrar a verificação dos pressupostos de que dependia o recurso aos métodos indiciários e designadamente a impossibilidade da comprovação e quantificação directa da matéria tributável com base na sua contabilidade, limitando-se a proferir sobre a questão um mero juízo conclusivo, de uma forma sumida e de plano - cfr., art. 77° da LGT.
38ª. Tendo a administração fiscal recorrido à avaliação indirecta na determinação da matéria tributável da Recorrente, por considerar estar impossibilitada de fazer uso da avaliação directa, devia ter-lhe conferido um prazo para o suprimento das irregularidades eventualmente detectadas e/ou para esclarecer as dúvidas que as declarações e os documentos apresentados suscitavam e que justificavam, na ótica da administração fiscal, o recurso à aplicação de métodos indirectos, o que não fez - cfr., art. 88°, al. a) da LGT e art. 52°, n° 2 do CIRC;
39ª. Os "factos" invocados como pressupostos do recurso à fixação da matéria tributável da Recorrente por recurso aos métodos indiciários não têm, por si e em si, qualquer relevância no sentido de poderem servir de suporte àquela decisão;
40ª. Designadamente, a não celebração de contratos-promessa pela Recorrente (o que foi confirmado pelos diferentes compradores) corresponde a um acto de gestão decidido pela Recorrente de acordo apenas com os seus critérios próprios de gestão, não cabendo à administração fiscal avaliá-la e, muito menos, questioná-la;
41ª. O que, de igual modo, sucede em relação aos adiantamentos pagos pelos diferentes compradores das fracções, os quais foram determinados e aceites, pela Recorrente e por cada cliente, nas negociações havidas e de acordo com as circunstâncias e disponibilidades de cada um;
42ª. Quanto aos movimentos ocorridos nas contas dos sócios e dos saldos mensais e anuais referidos nada se consegue inferir, mais a mais quando não foram identificados os concretos e específicos movimentos, a débito e a crédito, ocorridos ao longo do período em causa.
43ª. Como, em boa verdade, não foram, sequer, identificados os concretos adiantamentos que não estão relevados na contabilidade da Recorrente e quando é que os mesmos foram entregues à Recorrente;
44ª. De resto, em nenhum momento se diz - e se provou - que os suprimentos retractados na contabilidade da recorrente não foram efectivamente realizados pelos seus diferentes sócios;
45ª. E os critérios utilizados pela administração tributária na fixação da matéria colectável da Recorrente não são aceitáveis, conduzindo a resultados manifestamente excessivos, notoriamente injustos e desajustados da realidade da Recorrente – quer no período em causa, quer historicamente - e do próprio sector onde a mesma se insere;
46ª. O índice de preços índice de preços que foi considerado pela administração fiscal para dar suporte à conclusão de que os preços de venda praticados pela recorrente eram inferiores aos preços de mercado, correspondia a um índice publicado na imprensa referente ao ano de 1999 e a uma freguesia distinta, desconhecendo-se, em absoluto, o rigor cientifico com que o mesmo foi construído, as premissas e os pressupostos em que o mesmo assentou;
47ª. Para demonstrar de um modo cabal a falácia em que assentam as conclusões alcançadas pela administração fiscal sobre a existência de uma parte do preço de venda das fracções que não terá sido declarado e bem assim para reforçar a falta de idoneidade do índice do preço médio por m2 utilizado pela administração fiscal, note-se que se ao invés daquele índice tivesse sido utilizado pela administração fiscal o preço médio por tipologia definido pela mesma entidade - vd., fis 27 do doc. n° 6 da petição -, chegar-se-ia à conclusão que, afinal, os valores de venda declarados pela Recorrente se situavam acima dos valores de mercado.
48ª. A margem de rentabilidade fiscal de que se serviu a administração fiscal em sede de comissão de revisão para lá de configurar um índice que não se reveste da necessária idoneidade para aferir e determinar a matéria tributável da Recorrente, não constitui - como não constituía em 2000 - um dos critérios previstos no art. 90°, nº 1, da LGT, para o efeito;
49ª. Para lá de que, em sede de comissão de revisão, fica sem se perceber quais os custos que a administração fiscal entendeu não terem sido relevados na contabilidade da Recorrente e, bem assim, as razões, de facto e de direito, pelas quais assim se concluiu;
50ª. Como do mesmo passo não se alcança do acordo e da deliberação tomada em sede de comissão de revisão quais as razões que levaram os Srs. Peritos a não atender às questões invocadas pela Recorrente na sua petição de revisão;
51ª. Do que se segue que o acordo e a deliberação tomada em sede de comissão de revisão padece de falta de fundamentação - cfr., art. 77°, n° 1 e 92°, n° 4, da LGT
52ª. Resulta evidente o erro nos pressupostos factuais em que assentaram os cálculos e as correcções da administração tributária, desprovidos de qualquer base factual, que, consequentemente, viciam os resultados obtidos;
53ª. Não tendo sido levados a cabo pela administração fiscal quaisquer diligências que pudessem validar e comprovar as conclusões do Relatório de inspecção e da decisão da comissão de revisão e os resultados alcançados, designadamente o apuramento das concretas quantias pagas por cada um dos compradores e recebidas pela Recorrente através de, entre o mais, o levantamento do sigilo bancário - o que tudo revela o incumprimento do dever de investigação a que a administração fiscal está adstrita - cfr., art. 58° da LGT;
54ª. A contabilidade da Recorrente reflecte com verdade e rigor a sua exacta situação patrimonial e os valores das vendas que efectuou em 2000, sendo que se presumem que se presumem "verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal" - cfr., art. 75° da LGT
55ª. À luz das conclusões precedentes e do que se deixou alegado no corpo das alegações fica suficientemente demonstrado, em múltiplas sedes e por diferentes vícios, a ilegalidade da fixação da matéria tributável levada a cabo pela administração tributária, sendo certo que basta para afastar as correcções efectuadas pela administração tributária a existência de dúvida fundada sobre os pressupostos em que assenta e os resultados que dela decorrem;
56ª. Compulsando a matéria dada como provada nos presentes autos, retira-se que não foram dados como provados os motivos e os factos que justificavam o recurso à aplicação dos métodos indirectos nem os factos referentes aos critérios - e à sua idoneidade - utilizados na determinação da matéria tributável, não tendo, mais a mais, sido feita prova sobre qualquer um dos "factos" invocados em sede de relatório de inspecção ou na deliberação da comissão de revisão;
57ª. Sendo que a prova da existência dos documentos e do seu teor referidos nas al. F), G), H), L) e N) da matéria assente na douta decisão recorrida é coisa distinta da prova dos factos que neles são mencionados - sobre os quais não só nenhuma prova foi feita como não constam da matéria dada como provada;
58ª. Não consta da matéria provada a factualidade necessária para caucionar a actuação da administração fiscal, a fixação da matéria tributável da Recorrente através da aplicação de métodos indiciários e a consequente liquidação impugnada pelo que deverá ser revogada a sentença recorrida e julgada procedente a impugnação deduzida;
59ª. Nos termos das als. d) e e) do n° 1, do art. 60° da LGT está a administração tributária constituída no dever de proceder à audição do sujeito passivo em momento anterior à prolação da decisão de aplicação de métodos indirectos e bem assim antes da conclusão do relatório da inspecção tributária; sempre que, posteriormente, sejam invocados novos factos de suporte à decisão a proferir, sobre os quais o contribuinte não se tenha pronunciado, deverá novamente ser ouvido, fixando-se-lhe um novo prazo superior a 8 e inferior a 15 dias para o exercício do direito de audição- cfr., art. 60°, n° 5, da LGT (na redacção em vigor à data dos factos) e art. 267°, n° 5, do CRP;
60ª. Em sede de comissão de revisão foram invocados novos factos como suporte da fixação da matéria colectável através da aplicação dos métodos indiciários tendo sido utilizados novos critérios para a fixação da matéria colectável: rentabilidade fiscal e custos não contabilizados;
61ª. Não tendo a administração fiscal notificado a Recorrente para o exercício do direito de audição em momento anterior à decisão proferida em sede de comissão de revisão e na sequência da invocação de novos factos de suporte àquela decisão, mostra-se violado o direito de audição da Recorrente - cfr., cfr., art. 60° da LGT, 8°, 100° e 101° do CPA.
62ª. Dever que persistia mesmo quando se entenda que o Sr. Perito nomeado pela Recorrente era seu representante - o que apenas se admite a beneficio de raciocínio e sem prescindir -, mais a mais porque aquela relação de representação (a existir) não abrangia o exercício daquele direito de audição, circunscrevendo-se à discussão e apreciação das questões suscitadas em sede de petição de reclamação;
63ª. A interpretação do art. 60°, n° 1, al. d) e e) e n° 3 da LGT feita na douta sentença decorrida no sentido de se mostrar dispensada a audição prévia da Recorrente em momento anterior à prolação da deliberação da Comissão de Revisão por se considerar que a Recorrente estava representada nessa sede pelo Sr. Perito que a nomeou, não obstante terem sido invocados novos factos e fundamentos para suportar aquela decisão e que até aí não tinham sido invocados, viola o disposto no art. 267°, n° 5, da CRP e o princípio ai plasmado do direito defesa e participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes digam respeito, pois retira à Recorrente a possibilidade de se pronunciar sobre os mesmos;
64ª. Da notificação das liquidações impugnadas dirigidas à Recorrente, constata-se que dela não consta qualquer fundamentação de suporte às liquidações impugnadas, dela não se retirando as razões de facto e de direito que fundamentaram as liquidações operadas, como não consta qualquer manifestação de adesão ou concordância com as conclusões expressas no relatório de inspecção de fls. ... ou, sequer, com a decisão proferida em sede de comissão de revisão, do que segue a falta de fundamentação das mesmas - art. 77°, n° 1 e n° 2 da LGT, art. 63° do RCPIT, arts. 123° e ss do CPA, art. 268°, n° 3 da CRP;
65ª. Do mesmo passo, não está fundamentada a liquidação de juros compensatórios pois, entre o mais, não veem alegados factos susceptíveis de preencherem o requisito de culpa da Recorrente no retardamento da liquidação ou entrega do imposto que se considere devido - cfr. art. 35°, n° 1 , n° 2 e 77°, n° 1 e n° 2 da LGT e art. 94°, n° 1, do CIRC;
66ª. Não constando aquela fundamentação da notificação da liquidação remetida à Recorrente, nem do Relatório de Inspecção que lhe foi notificado, nem da deliberação da comissão de revisão, nem tendo sido mencionado na notificação da liquidação em que concreto e específico documento se encontrava a fundamentação do acto, é mister concluir pela violação do disposto no art. 63° do RCPIT e pela falta de fundamentação da liquidação de juros compensatórios impugnada - cfr. art. 77°, n° 1 e n° 2 da LGT, 123° e ss do CPA, art. 268°, n° 3 da CRP e art. 35°, n° 1, n° 2 da LGT;
67ª. Na procedência do presente recurso e da impugnação judicial deduzida e tendo a Recorrente pago em devido tempo as liquidações impugnadas assiste-lhe o direito a obter o ressarcimento dos montantes das liquidações pagas indevidamente como também a ser indemnizada pelo pagamento dos juros indemnizatórios vencidos e vincendos calculados, à taxa legal, desde 22.1.04 e até à integral pagamento - cfr., art. 43°, n°1 da LGT e 61° do CPPT.
68ª. Na decisão recorrida, violaram-se as disposições legais supra citadas.

Termos em que, na procedência do recurso, requer-se a V. Exas. se dignem revogar a decisão recorrida, com todas as legais consequências, considerando-se procedente a impugnação apresentada mais se condenando a Fazenda Pública no ressarcimento dos montantes das liquidações pagas indevidamente como também no pagamento dos juros indemnizatórios vencidos e vincendos calculados, à taxa legal, desde 22.1.04 e até à integral pagamento – cfr., art. 43º, nº 1 da LGT e 61º do CPPT.
Quando assim não se entenda, deverá ser revogada a decisão recorrida e ordenada a baixa dos autos à primeira instância.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Ministério Público emitiu parecer no sentido de o recurso ser julgado improcedente.

Foram dispensados os vistos legais, nos termos do n.º 4 do artigo 657.º do Código de Processo Civil, com a concordância dos Exmos. Desembargadores Adjuntos, atenta a disponibilidade do processo na plataforma SITAF (Sistema de Informação dos Tribunais Administrativos e Fiscais).

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Delimitação do Objeto do Recurso – Questões a Decidir.
As questões suscitadas pela Recorrente, delimitada elas alegações de recurso e respetivas conclusões [vide artigos 635.º, n.º 4 e 639.º CPC, ex vi alínea e) do artigo 2.º, e artigo 281.º do CPPT] são as de saber se a sentença recorrida padece das nulidades que lhe estão assacadas e incorre em erro na matéria de facto e na aplicação do direito.
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Relativamente à matéria de facto, o tribunal, deu por assente o seguinte:
I) Com relevância para a decisão da causa, o tribunal julga provados os seguintes factos:
A) [SCom01...], LDA., ora impugnante nos presentes autos, exerce como actividade principal a compra e venda de bens imobiliários (CAE 70120) (fls. 116).
B) Em 15-07-1999, «BB» e a impugnante celebraram, por escritura pública, um contrato denominado “Permuta e Constituição de Propriedade Horizontal”, constante de fls. 122 a 129, mediante o qual, o primeiro outorgante, na qualidade de “dono e legítimo possuidor” de três parcelas de terreno aí identificadas e descritas, declarou que “da[va] à sociedade (…) [SCom01...], LDA., as parcelas de terreno (...) descritas sob as verbas UM, DOIS e TRÊS, no valor global de CENTO E CINQUENTA MIL CONTOS”, enquanto a impugnante declarou que “da[va] por sua vez ao primeiro outorgante «BB»” as dez fracções autónomas aí identificadas e descritas, cujo valor global seria de cento e trinta e nove mil contos (fls. 122 a 129).
C) Em 22-10-2002, no Serviço de Finanças ..., foi aditado ao contrato mencionado na alínea B) o contrato denominado “Permuta” constante de fls. 130 a 133.
D) Na sequência da acção inspectiva de que a impugnante foi alvo entre 03-12-2003 e 22-04-2004, credenciada pela Ordem de Serviço n.º ...31, referente aos anos de 2000 e 2001, “pelo facto de [ter ] hav[ido] um contrato de permuta de dois terrenos, por dez fracções entre o sócio maioritário e [a A.], tendo-se detectado que os preços de venda das fracções eram bastante inferiores ao valor de mercado” (fls. 37); foi elaborado, em 22-04-2004, o Projecto de Relatório de Inspecção Tributária e Anexos, que consta de fls. 37 a 62 e que aqui se dá por, integralmente reproduzido; tendo o mesmo sido objecto de parecer favorável nos seguintes termos: “Confirmo as correcções propostas no presente Relatório relativas à Mat. tributável de IRC dos exercícios de 2000 e 2001, calculados com recurso a métodos indirectos: 2000 = 1.113.000,17 €; 2001 = 558.182,28 €” (fls. 34 e 35).
E) Pelo Ofício n.º ...67, datado de 23-04-2004, a impugnante foi notificada para que, “no prazo de 8 dias, […] querendo, exercer o direito de audição, por escrito ou oralmente, sobre o Projecto de Conclusões do Relatório de Inspecção, que se anexa, nos termos previstos nos artigos 60º da Lei Geral Tributária e 60º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (…)(fls. 33).
F) Em 13-05-2004, e não tendo a impugnante exercido o seu direito de audição, foi elaborado o Relatório de Inspecção Tributária (RIT) e Anexos, que aqui se dá por integralmente reproduzidos (fls. 65 a 90); tendo o mesmo sido objecto de parecer favorável nos seguintes termos: Confirmo as correcções propostas no presente Relatório relativas à Matéria Tributável de IRC dos exercícios de 2000 e 2001, calculados com recurso a métodos indirectos: 2000 = 1.113,000,17 €; 2001 = 558.183,28 €” e de despacho de aprovação (fls. 63 e 64).
G) O Capítulo IV do Relatório de Inspecção Tributária, mencionado em F), é dedicado aos Motivos e exposição dos factos que implicam recurso a métodos indirectos”: “(…)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
”(fls. 66 a 72).
H) O Capítulo V do Relatório de Inspecção Tributária, mencionado em F), é dedicado aos “Critérios e cálculos dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos”, constante de fls. 72 a 79, o qual se dá aqui por reproduzido e no qual é dito, entre o mais, que:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(fls. 72 a 79, em particular fls. 79).
I) Pelo Ofício n.º ...83 datado de 07-06-2004, foi a impugnante notificada, entre o mais, “nos termos (…) do art. 55.º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC) (…) de que a matéria tributável (…) lhe foi(…) fixad[a] (…):
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(…)” (fls. 91 a 93).
J) Em 08-07-2004 (e após ter sido notificada do Relatório de Inspecção Tributária e respectivas Notas de Fixação em 24-05-2004 (fls. 62 a 93 e 139)), a impugnante deduziu pedido de revisão da matéria colectável, tendo nomeado o técnico oficial de contas, «AA», para a representar na apreciação do pedido de revisão (fls. 94 a 105 e respectivos versos).
K) Pelo Ofício n.º ...23, datado de 16-09-2004, foi a impugnante notificada “nos termos do art. 77.º da Lei Geral Tributária (…) de que o pedido de revisão (…), foi decidido em 07/09/2004, conforme fotocópia autenticada da acta da reunião n.º ...4 que se anexa (…)” (fls. 117 dos autos e fls. 376 e 377 do PA).
L) Da acta da reunião referida na alínea K), estiveram reunidos o perito nomeado pela impugnante e o perito da Fazenda Pública; tendo constado da mesma, entre o mais, o seguinte: “(…)
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(...)” (fls. 118 a 121).
M) A impugnante apresentou as simulações de avaliação das fracções vendidas, em 2000, considerando o prédio com 1 (um) ano de idade, constantes de fls. 140 a 263 (fls. 140 a 263).
N) Os rácios de IRC demonstrados pela impugnante para o exercício de 2001 comparativamente aos rácios de IRC a nível nacional constam de fls. 289; os rácios de IRC por unidade orgânica constam de fls. 290 a 291; e, os rácios de IRC extraídos do SIT (Sistema de Inspecção Tributária) constam de fls. 292 a 319 (fls. 289 a 319).
O) Em 20-04-2005, a impugnante pagou a quantia de 105.004,20 €, referente às liquidações adicionais de IRC n.º ...73 e ...00 e respectiva liquidação de juros compensatórios n.º ...58, dentro do prazo de pagamento voluntário (fls. 28 a 30).
P) Em 15-07-2005, foi apresentada a presente impugnação (fls. 3).
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II) Com relevância para a decisão da causa, o tribunal julga não provado o seguinte facto
«Ponto único. O perito nomeado pela impugnante, na Comissão de Revisão que teve lugar no âmbito do procedimento de revisão da matéria tributável, actuou em desconformidade, tendo exorbitado os poderes que lhe foram concedidos pela impugnante (depoimento prestado pela testemunha «AA»).»
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3.1.1 – Motivação.
«O tribunal considerou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos e ao processo administrativo que não foram impugnados e bem assim na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados (art. 74.º da Lei Geral Tributária (LGT)), também são corroborados pelos documentos juntos aos autos (arts. 76.º, n.º 1, da LGT e 362.º e seguintes do Código Civil (CC)), identificados em cada um dos factos.
A matéria de facto julgada não provada, no ponto único, resulta do depoimento prestado pela testemunha «AA» e, bem assim, da insuficiência da prova produzida. Com efeito, o depoimento prestado pela testemunha «AA», na qualidade de técnico oficial de contas e de perito nomeado pela impugnante, revelou-se convincente para o tribunal no sentido de que este não exorbitou os poderes que lhe foram conferidos pela impugnante. Com efeito, a testemunha, principiou o seu depoimento, dizendo que teve reuniões com os sócios-gerentes da impugnante, tendo-lhe sido pedido para defender a verdade que estava na contabilidade até às últimas consequências, pelo que estudou a reclamação apresentada pela impugnante. No seu depoimento, a testemunha afirmou, peremptoriamente, que não tinha sido coagida a assinar o acordo. Falou que, na primeira reunião, limitaram-se ambos os peritos a analisar os documentos; ao passo que, na segunda reunião, disse que a perita da Fazenda Pública o convenceu, de acordo com a argumentação aduzida, da decisão tomada, pelo que concordou em assinar tal acordo. Disse, também, que fez o melhor, não pensando de todo que a impugnante não iria gostar do acordo que havia firmado. Afirmou que, antes da notificação desse acordo à impugnante, informou a mesma do teor do acordo que havia efectuado, tendo esta dito à testemunha que não deveria ter feito acordo nenhum. Disse, ainda, que antes de assinar o acordo, estava ciente das consequências para a impugnante, pelo que assinou o acordo, já que, caso não o tivesse assinado, a impugnante teria de pagar mais. De notar que a testemunha disse que o valor a que chegaram foi através da multiplicação do critério de 10% sobre a rentabilidade dos negócios (volume de negócios real dos dois anos). Apesar de tudo, a testemunha afirmou, de forma peremptória, que, na sua consciência, fez o melhor no interesse da impugnante, já que não existia por parte da perita da Fazenda Pública abertura para reduzir a zero.
Nestes casos, apesar dos factos alegados pela impugnante poderem ser comprovados por prova testemunhal (art. 393.º do CC), os depoimentos devem revelar-se coerentes, assertivos e credíveis ao ponto corroborarem os factos que são comprovados documentalmente. O nível de exigibilidade da verosimilhança dos depoimentos das testemunhas nestes casos tem de ser mais exigente, porque têm de substituir a força probatória dum documento.
Ora, não podemos esquecer-nos que “as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos” (art. 341.º do CC).
Pelo que, no caso em apreço, a coerência e assertividade do depoimento foi suficiente para o tribunal poder julgar provada não provada a matéria de facto alegada pela impugnante.
A restante matéria de facto alegada não foi julgada provada ou não provada, por revelar-se inútil para a decisão da causa ou por integrar conceitos de direito ou alegações conclusivas quer de facto quer de direito.»

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Apreciação jurídica do recurso.

Cumpre começar por referir que a situação que aqui nos ocupa em termos de impugnação de liquidação de IRC do ano de 2001, já foi objeto de análise por este Tribunal Central Administrativo Norte em relação à liquidação de IRC do ano de 2000, sendo que ambas as liquidações decorreram da mesma ação inspetiva a este sujeito passivo.
A impugnação deduzida contra o IRC do exercício de 2000, foi objeto de análise no processo n.º 650/05.9BEPRT, em Acórdão proferido em 24/04/2024 (no qual fomos 1.º Adjunto), e, verifica-se que os recursos são totalmente idênticos, com as mesmas conclusões (sendo apenas uma conclusão a menos neste processo), pelo que a decisão proferida no processo relativo ao IRC do exercício de 2000, é aqui perfeitamente transponível; até porque s sentenças também são idênticas, na medida em que o julgador foi o mesmo em ambos os processos.
Assim por concordarmos com o teor do Acórdão proferido no processo n.º 650/05.9BEPRT (até porque ali fomos 2.º Adjunto), assim como por economia de meios e visando a interpretação e aplicação uniforme do direito (vide artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil), acolhemos a argumentação jurídica ali deduzida, aderindo a todo o seu discurso fundamentador.
Assim, passamos a transcrever o Acórdão proferido no citado processo, com as devidas adaptações.

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«IV – Da apreciação do presente recurso.

Constitui objeto do presente recurso a sentença proferida nestes autos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto pela qual se concedeu negou provimento à impugnação deduzida pelo Recorrente julgou improcedente a impugnação que intentou contra a liquidação adicional de IRC relativa ao exercício de 2000.
A liquidação supra referida assentou na decisão final proferida no âmbito de um procedimento de revisão da matéria coletável que, por sua vez, assumiu os fundamentos de um relatório de inspeção elaborado pelos serviços da AT e no qual se concluiu pela correção à matéria tributável, com recurso a métodos indiretos.
Ora, na sua essência o regime de recursos de decisões jurisdicionais proferidas pelos tribunais tributários está, globalmente, sujeito o regime de recursos em sede processual civil, sem prejuízo das especialidades normativamente previstas no próprio CPPT (cf. art.º 281.º do CPPT). Assim, o regime de recurso em processo civil foi objeto de sucessivas alterações legislativas tendo, mais recentemente, culminado com a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil (NCPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho. Porém, nos termos do artigo 7.º deste diploma legal, no que diz respeito às ações intentadas antes de 01.01.2008 e cujas decisões objeto de recurso sejam anteriores 01.09.2013, aplica-se o regime de recursos do antigo Código do Processo Civil (CPC).
Por isso, na presente situação é aqui ainda aplicável o regime do antigo CPC atento o disposto no art.º 7.º da Lei 41/2013, de 26 de junho e tendo em conta da data de entrada do presente processo e a data de prolação da sentença recorrida.

IV.1 – Das nulidades invocadas.

A Apelante veio em sede de recurso invocar que a decisão jurisdicional recorrida enfermava de várias nulidades que enuncia.
Assim, se bem entendemos a alegação da Recorrente, a matéria vertida nas alíneas C), D), F), H), N) da matéria de facto dada como provada, ao remeter para os documentos nelas referidos (dando-os como reproduzidos nos casos das alíneas C), D), F) e H)), não constitui verdadeiramente uma discriminação dos factos considerados provados como se imporia de acordo com art. 659°, n° 2, do anterior CPC. Assim, sendo, na perspetiva da Apelante, tal constituiria uma nulidade da sentença por violação desta última norma, traduzindo-se numa falta de especificação da matéria de facto, o que levaria à verificação de uma falta de fundamentação da sentença proferida.
Quanto à apontada nulidade, seguimos a orientação já há muito prolatada pelo colendo STA. Com efeito e a mero titulo de exemplo, citamos e seguimos o entendimento no sentido de que: “[…] Trata-se de nulidade da sentença prevista também no nº 1 do art. 125º do CPPT e na al. b) do nº 1 do art. 615º do CPC Na presente situação, aplica-se ainda a norma idêntica à citada, então prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 668.º do antigo CPC.: é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
Importa, porém, distinguir a falta absoluta de motivação, da motivação deficiente, medíocre ou errada, sendo que o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação e tal nulidade só abrange a falta absoluta de motivação da própria decisão e não já a falta de justificação dos respectivos fundamentos: isto é, a nulidade só é operante quando haja total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão. (Cfr., entre outros, o ac. do STA, de 10/5/73, BMJ 228, 259 e o ac. do STJ, de 8/4/75, BMJ 246, 131.) A insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. (Cfr. Alberto dos Reis, CPC anotado, Vol. V, 140.)[…]” (extrato do acórdão do STA de 06.02.2019, proferido no processo/recurso n.ºs 0249/09.0BEVIS 01161/16, disponível em www.dgsi.pt).
Na presente situação, na decisão jurisdicional ora em apreço, estipularam-se, globalmente, os factos tidos como provados, fazendo-se a necessária remissão para os correspetivos meios de prova, conforme resulta das ditas alíneas «C», «D», «F» e «H» da matéria de facto tida por assente na sentença recorrida. Assim, não é correta a afirmação feita pela Apelante que relativamente ao que vai descrito nas citadas alíneas, a sentença recorrida se tenha limitado a fazer apenas uma remissão para os documentos nelas referidos. Por isso, quanto às apontadas alíneas não se verifica a apontada nulidade.
Porém, no que concerne à alínea «N», constata-se que a mesma se apresenta redigida de forma aparente e unicamente remissiva para a documentação junta aos autos nela citada. No entanto, entendemos que a dita imperfeição, não fulmina a sentença de nulidade. Por outro lado, a remissão que na mesma é feita para os «rácios» avaliativos invocados, não foi sequer matéria factual que tivesse sido objeto de concretização por parte das partes em presença, mormente por parte da Recorrente (então Impugnante). Por isso, a apontada pecha, não constitui nulidade que afeta a sentença recorrida, não tendo qualquer influência nas concebíveis e eventuais soluções passíveis de prefigurar do presente pleito.
Por isso, também aqui, não se vê que exista qualquer nulidade.
Em segundo lugar, a Recorrente invoca que a decisão jurisdicional ora em apreço padece de nulidade por contradição, à luz do que ia então disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC. Para o efeito, convoca dois segmentos da sentença recorrida, mas invoca-os de forma descontextualizada. Assim, o que é dito na sentença recorrida é que: “Considerando que o perito nomeado pela impugnante, na Comissão de Revisão, não exorbitou nem actuou em desconformidade com os poderes que por ela lhe foram conferidos (matéria de facto julgada não provada no ponto único e respectiva motivação para a qual se remete), a qualidade e a competência do perito em causa só à impugnante poderão ser assacados. Com efeito, à semelhança do que é dito no douto Acórdão, do Colendo Supremo Tribunal Administrativo, de 15-09-2010, proferido no âmbito do Processo n.º 062/10, “I - O art. 86.º, n.º 4, da LGT, ao não permitir que na impugnação do acto tributário de liquidação, em que a matéria tributável tenha sido determinada com base em avaliação indirecta, possa ser invocada qualquer ilegalidade se a liquidação tiver por fundamento o acordo obtido no processo de revisão da matéria tributável, não viola o princípio constitucional contido no art. 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa. II - O contribuinte não fica vinculado pelo acordo que seja obtido, podendo consequentemente impugnar a liquidação quanto à fixação da matéria tributável determinada por avaliação directa, sempre que se demonstre que o seu representante agiu fora dos limites dos seus poderes de representação”; e também no douto Acórdão do Venerando Tribunal Central Administrativo Sul, de 20-01-2009, proferido no âmbito do Processo n.º 02531/08 [ambos disponíveis online em www.dgsi.pt], “I) O acordo em que intervenha um perito designado pelo contribuinte, para o procedimento de revisão da matéria tributável, só não vincula o contribuinte, nos casos em que o perito, seu representante, actuar para além dos poderes que lhe foram conferidos. II) Esse acordo não impede o contribuinte de invocar vícios ocorridos no procedimento de avaliação indirecta e de revisão, excluídos do âmbito do que foi objecto do acordo [...]” – o que, como já vimos, não ocorreu no caso em apreço.
Por conseguinte, as questões supra elencadas não podem ser sindicadas por este tribunal, atento o teor do acordo firmado entre o perito da impugnante e a perita da Administração Tributária, constante da respectiva acta que foi lavrada para o efeito.
Não assiste, assim, aqui razão à impugnante.
Mas, ainda que se não entendesse desta forma e que as matérias cuja legalidade a impugnante põe em causa não tivessem sido objecto da Comissão de Revisão, este tribunal pode afirmar que da análise crítica conjugada da matéria de facto provada nas alíneas F), G), H), M) e N), não assistiria razão ao alegado pela impugnante nos artigos 26.º a 38.º e 65.º a 121.º da petição inicial, na medida em que:
[…]”
Ora, o que na sentença se afirma é que a Recorrente não poderia questionar a aplicação de métodos indiretos, mas que, ainda que assim não se considerasse, não assistiria razão à então Impugnante.
Por outro lado, a nulidade invocada, ao invés do que é dito pela Recorrente, tem que ser aferida segundo a fundamentação da sentença e o seu respetivo sentido decisório e, nesta vertente, a sentença acaba por decidir no sentido da improcedência da pretensão da Impugnante, o que está de acordo com os respetivos fundamentos convocados para o efeito.
Por isso, julgamos que não se verifica esta segunda nulidade invocada.
Em terceiro lugar, a Apelante refere que a sentença recorrida enferma de omissão de pronúncia por não se ter pronunciado sobre as questões colocadas na motivação sob os ns.º 5 e 6 do presente recurso. Assim, a este propósito, a Recorrente afirmou nos ditos números da motivação do presente recurso que:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

Vejamos, então, se a decisão jurisdicional recorrida enferma de nulidade por omissão de pronúncia.
A este propósito relatou-se no acórdão deste TCA de 15.12.2022 proferido no processo n.º 0037/12.7BECBR (in www.dgsi.pt) que:
“[…] Nos termos do disposto no artigo 125º nº 1 do CPPT, “Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.”
A nulidade por omissão de pronúncia tem lugar apenas quando se verifica uma violação dos deveres de pronúncia do Tribunal sobre questões que deveria conhecer, o que, de acordo com o disposto no artigo 608º, nº2 do CPC [aplicável ex vi artigo 2º, al. e) do CPPT], significa que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas, cuja decisão, esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Portanto, a apontada nulidade só ocorre nos casos em que o tribunal “pura e simplesmente, não tome posição sobre qualquer questão sobre a qual devesse tomar posição, inclusivamente não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento. No entanto, mesmo que entenda não dever conhecer de determinada questão, o tribunal deve indicar as razões por que não conhece dela, pois, tratando-se de uma questão suscitada, haverá omissão de pronúncia se nada disser sobre ela” (Vide, Jorge Lopes de Sousa, CPPT, anotado e comentado, volume II, 6ª edição, 2011, Áreas Editora, pág. 363). Neste sentido, entre muitos outros, podem ver-se os acórdãos do STA de 13.07.11 e de 20.09.11, proferidos nos recursos nºs 0574/11 e 0268/11, respectivamente.
[…]”
Ora, da sentença recorrida resulta que as questões suscitadas pela ora Recorrente na sua petição inicial foram objeto de expressa apreciação na sentença recorrida (cf. fls. 13 a 21 desta). Para o efeito, temos que distinguir o que são questões do que são meros argumentos. Efetivamente, quer a doutrina, quer a jurisprudência diferenciam, por um lado "questões" e, por outro lado, "razões" ou "argumentos" para concluir que só a falta de apreciação das primeiras incorpora a nulidade por omissão de pronúncia, mas já não a mera falta de discussão das "razões" ou "argumentos" invocados. Ora, na situação em presença não houve qualquer oblívio decisório das questões suscitadas em sede de p.i., sendo que o Tribunal aqui e além fez foi desconsiderar dois argumentos apresentados pela então Impugnante.
Por isso, neste subponto, não padece a sentença recorrida de omissão de pronúncia.
Sucede que a Recorrente após ter sido notificada da contestação, apresentou um articulado, no qual, além de uma nulidade processual, apresentou um novo conjunto de razões que levariam à eventual invalidade do ato recorrido.
Ora, aqui há que concretamente distinguir duas situações: a da invocação feita de novos vícios eventualmente geradores da anulabilidade da liquidação recorrida e a alegação de inconstitucionalidade de um conjunto de normas.
Quanto aos primeiros, isto é quanto aos novos vícios alegados no dito articulado, que não são de conhecimento superveniente, os mesmos deveriam ter sido alegados na petição inicial e em devido tempo. Ora, in casu, não o foram. Por isso, quanto a estes o Tribunal recorrido não estava obrigado a proceder à sua apreciação e decisão, pelo que não há aqui qualquer nulidade.
Porém, como se refere no acórdão do TCAS, datado de 11-03-2021, proferido no processo n.º 213/09.0BECTB (in www.dgsi.pt):
“[…]
Com efeito, o processo civil português consagra o chamado princípio da preclusão, ao qual subjaz o ónus de alegação no momento oportuno dos factos essenciais.
No entanto, tal princípio não colide com a alegação ulterior de questões ou que sejam de conhecimento oficioso ou que sejam supervenientes.
Portanto, é sempre possível alegar novos vícios, mesmo em momento ulterior ao da apresentação da petição inicial, se decorrerem de facto superveniente ou se forem de conhecimento oficioso.
Ora, nos termos do art.º 204.º da Constituição da República Portuguesa, “[n]os feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinja o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados”.
Assim, a inconstitucionalidade é questão de conhecimento oficioso.
A este respeito, chama-se à colação o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 14.05.2014 (Processo: 0195/13), no qual se refere:
“Sendo as questões de inconstitucionalidade, no âmbito da fiscalização difusa da constitucionalidade das leis, de conhecimento oficioso, como consensualmente aceite pela jurisprudência e a doutrina, não nos parece (…) que só haja dever de pronúncia do juiz sobre tais questões quando estas tenham sido suscitadas pelo impugnante na sua petição inicial, como relativamente às questões que não são de conhecimento oficioso, antes nos parece que tal dever de pronúncia existe ainda que a questão seja suscitada tardiamente, mas a tempo de sobre ela ser emitida pronúncia na sentença.
[…]”
No entanto, se é certo que a sentença recorrida não se pronunciou expressamente sobre as questões de inconstitucionalidade invocadas pela Recorrente no articulado que apresentou na sequência da notificação da contestação apresentada pela RFP, a verdade é que ao proceder à aplicação das normas em causa, fê-lo na pressuposição da sua não inconstitucionalidade, citando até, ainda que à “vol d'oiseau”, um acórdão do STA sobre a questão.
Por isso, não se verifica a apontada nulidade por omissão de pronúncia.
No entanto, por se tratar de matéria de conhecimento oficioso alegada também neste recurso, iremos proceder à apreciação das ditas questões atinentes às inconstitucionalidades invocadas. Assim, teremos que referir primeiramente que a Recorrente alegou que o n.º 4 do art.º 86.º da LGT seria inconstitucional ou que, pelo menos, se estaria a fazer uma interpretação em desconformidade com a CRP. Ora, sobre esta alegação e dando resposta à invocada inconstitucionalidade interpretativa, já há abundante jurisprudência do STA e dos TCA sob a dita questão, no sentido de uniformemente concluírem que a mesma não se verifica, entendimento com o qual concordamos. Assim, por exemplo, no acórdão do TCAS de 11.03.2021, proferido no processo n.º 6514/13.5BCLSB:
“[…]
A questão da constitucionalidade da interpretação aqui adoptada sobre o alcance do artigo 86.º, n.º 4, da CRP, à face os artigos 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da CRP, foi já apreciada pelo Supremo Tribunal Administrativo por acórdão de 23/11/2004, processo n.º 0656/04, cujo discurso fundamentador se acompanha, e com a devida vênia, se transcreve nesta parte seguidamente:
Mas, no caso, não estamos perante um acto administrativo que afecte os direitos ou interesses da recorrente
É que a fixação da matéria tributável, sendo assunto da competência da Administração Tributária, foi objecto de um pedido de revisão formulado pela ora recorrente, nos termos do artigo 91º da LGT, e a liquidação tomou por base o acordo a que chegaram os peritos da Administração e da agora recorrente, tudo como consta da matéria de facto fixada.
Ora, sendo, hoje, o perito designado pelo contribuinte para o procedimento de revisão um seu representante, o acordo em que ele intervenha vincula o contribuinte, projectando-se na sua esfera jurídica. Agindo o seu perito em representação do contribuinte, não pode este queixar-se senão de si – a não ser que o seu perito actue para além dos poderes que lhe conferiu, que é questão que, no caso, se não levanta.
Deste modo, estamos perante algo que não é um puro acto de autoridade, cujo resultado se imponha ao contribuinte independentemente da sua vontade, mas perante um acordo entre um seu representante e o da Administração, vinculativo, aliás, para esta, e insusceptível, com a já apontada ressalva, de afectar os seus direitos ou interesses – o acordo consubstancia, antes, a realização desses direitos ou interesses.
Não vemos, pelas razões expostas, que haja impedimento constitucional a que a lei não admita que se invoque, na impugnação judicial do acto de liquidação, a errónea determinação da matéria tributável com base em avaliação indirecta, nos casos em que aquela matéria tenha sido encontrada mediante acordo obtido no processo de revisão. (disponível em www.dgsi.pt/).
Acolhendo a jurisprudência do STA, temos por indemonstrada a violação do disposto nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4 da CRP, visto que o entendimento supra explanado é o que decorre da formulação legislativa e dos princípios supra referidos, que não violam qualquer princípio constitucional, não se descortinando, igualmente, que da inimpugnabilidade em apreço, atento o acordo obtido no procedimento de revisão da matéria colectável, resulte qualquer injustiça e iniquidade tributáveis graves e irresolúveis.
[…]”
Ora, também aqui não vemos que exista qualquer inconstitucionalidade tout court da norma em questão, nomeadamente pela violação dos normativos constitucionais que haviam sido invocados pela Recorrente, uma vez que não é tolhida a capacidade do contribuinte de se defender judicialmente, sendo que o acordo obtido, desde que autorizado, se traduz no exercício de uma livre prerrogativa, legitima e livremente conformadora da vontade daquele. Aliás, a jurisprudência citada, fazendo uma leitura em defesa dos valores constitucionais invocados, aparta qualquer leitura restritiva da citada norma, tal como sucedeu no caso em concreto. Ora, como se afirma no acórdão do STA de 15.09.2010 (recurso n.º 062/10):
“[…]
O art. 86.º, n.º 4, estabelece que «na impugnação do acto tributário de liquidação em que a matéria tributável tenha sido determinada com base em avaliação indirecta, pode ser invocada qualquer ilegalidade desta, salvo quando a liquidação tiver por base o acordo obtido no processo de revisão da matéria tributável regulado no presente capítulo».
É inequívoco, à face da parte final desta norma, que se afasta a possibilidade de impugnação judicial da fixação da matéria tributável quando a liquidação se tenha baseado no acordado no procedimento de revisão, previsto nos arts. 91.º e 92.º da LGT.
Na verdade, há naquele art. 86.º, n.º 4, uma opção clara pelo regime da impugnação unitária, que é confirmada pelo art. 54.º do CPPT, ao estabelecer que «salvo quando forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte ou disposição expressa em sentido diferente, não são susceptíveis de impugnação contenciosa os actos interlocutórios do procedimento, sem prejuízo de poder ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida».
Por outro lado, a estatuição no sentido de não poder ser invocada na impugnação do acto de liquidação a matéria tributável resultante de acordo obtido no procedimento de revisão tem o alcance de expressar que não é admitida também a impugnação autónoma.
Na verdade, para além de não se vislumbrar qualquer possível justificação para excepcionar do princípio da impugnação unitária a fixação da matéria tributável apenas nos casos em que foi fixada por acordo, trata-se de uma situação em que, quando com base na fixação da matéria tributável é praticado um acto de liquidação, não se está perante um acto imediatamente lesivo nem perante um caso em que exista disposição expressa no sentido da impugnação autónoma, que são as únicas situações em que o art. 54.º do CPPT afasta a aplicação do princípio da impugnação unitária.
Por outro lado, o procedimento de revisão abrange não só as operações de quantificação através de métodos indirectos, mas também a decisão de os utilizar, como evidencia o art. 117.º, n.º 1, do CPPT, ao estabelecer a regra de que «a impugnação dos actos tributários com base em erro na quantificação da matéria tributável ou nos pressupostos de aplicação de métodos indirectos depende de prévia apresentação do pedido de revisão da matéria tributável».
Na verdade, se a impugnação dos actos tributários com base em erro nos pressupostos de aplicação de métodos indirectos depende de prévia apresentação do pedido de revisão da matéria tributável, é forçoso concluir que este procedimento abrange a decisão de utilização de métodos indirectos.
Por isso, o acordo a que se referem os n.ºs 3 a 5 do art. 92.º da LGT, que, pondo termo ao procedimento, abrange necessariamente tudo o que nele pode ser questionado, implica concordância não só sobre a forma como eles foram aplicados os métodos indirectos, mas também sobre a existência de uma situação em que eles podem ser utilizados.
Assim, é de concluir que o regime que resulta da lei ordinária é o de que o acordo no procedimento de revisão da matéria tributável abrange tanto a decisão de utilização de métodos indirectos como a forma como foram utilizados para quantificar a matéria tributável e que se proíbe, quanto a esses pontos, a impugnação da liquidação que for efectuada com base no acordo.
Não quer isto dizer que seja proibida, em absoluto, a impugnação da liquidação efectuada com base no acordo, pois este regime pressupõe, naturalmente, a validade do acordo e a sua oponibilidade ao contribuinte.
Ficará aberta, assim, a possibilidade de impugnação da liquidação efectuada com base no acordo invocando ilegalidade procedimental que afecte a sua validade. ( ( )Neste sentido, pode ver-se o acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 23-11-2004, processo n.º 656/04. )
O art. 62.º, n.º 1, do CPPT confirma esta interpretação no sentido do carácter não absoluto da proibição de impugnação da liquidação efectuada com base no acordo, ao estabelecer que «em caso de a fixação ou a revisão da matéria tributável dever ter lugar por procedimento próprio, a liquidação efectua-se de acordo com a decisão do referido procedimento, salvo em caso de esta violar manifestamente competências legais», o que supõe que o contribuinte possa questionar a validade do acordo, pois estabelece-se que «a declaração da violação das referidas competências legais pode ser requerida pelo contribuinte» (n.º 2 deste art. 62.º).
Por outro lado, assentando o acordo na intervenção de um representante do contribuinte, será aplicável o regime próprio da representação, quanto à vinculação do sujeito passivo pela actuação deste perito, da mesma forma que tal vinculação existe no domínio do direito civil (arts. 1178.º, n.º 1, e 258.º do Código Civil), o que tem suporte explícito no art. 16.º, n.º 1, da LGT que, com carácter geral, estabelece que «os actos em matéria tributária praticados pelo representante em nome do representado produzem efeitos na esfera jurídica deste, nos limites dos poderes de representação que lhe forem conferidos por lei ou por mandato».( ( ) Neste sentido, pode ver-se o acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 23-11-2004, processo n.º 657/04. )
Não é de colocar, no âmbito de um acordo, a possibilidade de vício formal derivado de falta ou deficiência de fundamentação, pois a lei e a CRP apenas a exigem quanto a decisões da Administração (actos administrativos, cujo conceito é definido no art. 120.º do CPA) e não quanto a acordos, mesmo que inseridos em procedimentos administrativos ou tributários (arts. 268.º, n.º 3, da CRP, 124.º e 125.º do CPA e 77.º da LGT).
Porém, o evidente alcance útil do n.º 4 do art. 86.º da LGT é não permitir que seja discutida a fixação da matéria tributável quanto àquilo sobre que versa o acordo que é, como se referiu, tanto a verificação dos pressupostos da utilização de métodos indirectos como a quantificação da matéria tributável.
Sendo este o regime legal previsto na lei ordinária, são irrelevantes as considerações que a Recorrente faz sobre a hipotética desprotecção de terceiros, pois não se detecta uma preocupação legislativa desse tipo, o que, aliás, nem se compreenderia, uma vez que a disponibilidade que o contribuinte tem sobre a fixação da matéria tributável é essencialmente idêntica à que tem de aceitar a fixação proposta pela Administração Tributária, abstendo-se de apresentar reclamação.
Assim, havendo uma opção legislativa no sentido da inimpugnabilidade da liquidação efectuada com base no acordo, abrangendo tanto a decisão de utilização de métodos indirectos como a forma como foram utilizados, a aplicação deste regime pelos Tribunais apenas pode derivar de ofensa de regra de hierarquia superior à lei ordinária, nomeadamente de normas constitucionais.
É precisamente uma ofensa deste tipo que a Recorrente defende existir, por incompatibilidade deste regime com o art. 268.º, n.º 4, da CRP, pelo que há que apreciar a questão da constitucionalidade material deste regime.
6 – A questão da constitucionalidade, à face dos arts. 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da CRP, da interpretação aqui adoptada sobre o alcance do art. 86.º, n.º 4, da CRP, foi já apreciada por este Supremo Tribunal Administrativo no citado acórdão de 23-11-2004, proferido no processo n.º 656/04, nos seguintes termos:
Mas, no caso, não estamos perante um acto administrativo que afecte os direitos ou interesses da recorrente.
É que a fixação da matéria tributável, sendo assunto da competência da Administração Tributária, foi objecto de um pedido de revisão formulado pela ora recorrente, nos termos do artigo 91º da LGT, e a liquidação tomou por base o acordo a que chegaram os peritos da Administração e da agora recorrente, tudo como consta da matéria de facto fixada.
Ora, sendo, hoje, o perito designado pelo contribuinte para o procedimento de revisão um seu representante, o acordo em que ele intervenha vincula o contribuinte, projectando-se na sua esfera jurídica. Agindo o seu perito em representação do contribuinte, não pode este queixar-se senão de si – a não ser que o seu perito actue para além dos poderes que lhe conferiu, que é questão que, no caso, se não levanta.
Deste modo, estamos perante algo que não é um puro acto de autoridade, cujo resultado se imponha ao contribuinte independentemente da sua vontade, mas perante um acordo entre um seu representante e o da Administração, vinculativo, aliás, para esta, e insusceptível, com a já apontada ressalva, de afectar os seus direitos ou interesses – o acordo consubstancia, antes, a realização desses direitos ou interesses.
Não vemos, pelas razões expostas, que haja impedimento constitucional a que a lei não admita que se invoque, na impugnação judicial do acto de liquidação, a errónea determinação da matéria tributável com base em avaliação indirecta, nos casos em que aquela matéria tenha sido encontrada mediante acordo obtido no processo de revisão.
É esta jurisprudência com que se concorda, que aqui se adopta.
[…]”
No mesmo sentido, leiam-se, igualmente os acórdãos do Tribunal Constitucional n.sº 376/2009, de 23.07.2009 e 658/2023, de 12.10.2023. Por outro lado, não retiramos da alegação da Impugnante, qualquer razão para se poder eventualmente considerar que haja a violação de outros princípios constitucionais, como a da igualdade e da tributação pelo rendimento real.
Também, no que concerne à invocada inconstitucionalidade dos artigos 81.º e segs. da LGT, máxime do seu artigo 90.º, n.º 1, se bem entendemos a alegação da então Impugnante, a tributação por métodos indiretos em si mesma considerada, de acordo com os critérios nela definidos, seria ofensiva dos princípios constitucionais da legalidade tributária, da tributação do rendimento real, da proibição do excesso, da igualdade, da justiça e da segurança e confiança jurídica.
Porém, quanto a esta última alegação, a Impugnante faz um conjunto de considerações de natureza algo genérica, sem que as contextualize e as afira por referência a dados de facto emergentes da situação concreta. Ora, a pretendida desaplicação das aludidas normas por parte dos Tribunais, tem um intuito concreto e não geral, o que significa que perante a factualidade apurada, a aplicação das sobreditas normas se teria que manifestar na violação do cardápio das normas constitucionais invocadas. Assim, nesta vertente, a Impugnante nada diz. Por outro lado, há que ter presente que a tributação indireta em si mesma considerada, tem sido vista pelo Tribunal Constitucional como não afrontando os princípios constitucionais invocados (vide, a este título, por exemplo os acórdãos números 306/2010 e 695/2014).
Concluiu-se, assim, que as normas acima citadas pela Recorrente não enfermam em si mesmas de inconstitucionalidade, nem a interpretação feita daquelas infringe qualquer dos preceitos e princípios constitucionais invocados.

IV.2 – Do erro de julgamento de facto.
No presente recurso, a Recorrente veio impugnar o julgamento feito quanto à matéria de facto julgada provada na sentença recorrida (cf. conclusões 10.ª a 13.ª, assim como a motivação que as sustenta).
Deste modo, dispunha o artigo 685.º-B do antigo CPC, na redação ainda aqui aplicável que:
Artigo 685.º-B
Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto
1 - Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 522.º-C, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.
3 - Na hipótese prevista no número anterior, incumbe ao recorrido, sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, proceder, na contra-alegação que apresente, à indicação dos depoimentos gravados que infirmem as conclusões do recorrente, podendo, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.
4 - Quando a gravação da audiência for efectuada através de meio que não permita a identificação precisa e separada dos depoimentos, as partes devem proceder às transcrições previstas nos números anteriores.
5 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 684.º-A.
Posto isto, na generalidade, a Recorrente cumpre os ónus processuais vertidos na citada norma, pelo que se impõe aferir da valia da sua alegação.
Assim, no que concerne ao invocado pela Apelante nas conclusões 10.ª e 11.ª, temos que ter presente que o mesmo, atento o seu conteúdo, não constitui verdadeira matéria de facto, antes estando imbuída de matéria conclusiva e de direito. Por isso, a alegação ali contida, aqui não pode ser valorada como matéria de facto a apreciar ou a considerar por esta instância.
No que diz respeito à matéria alegada na conclusão 12.ª, ainda que previamente expurgada de alguma referência conclusiva, a verdade é que a matéria factual que nela vai vertida não foi oportunamente alegada pela então Impugnante em sede de petição inicial. Ora, cabia a esta ter alegado tal matéria na dita sede, como decorria do n.º 1 do art.º 108.º do CPPT e n.º 1 do art.º 99.º da LGT. Deste modo, não o tendo feito, a referida matéria factual ínsita na citada conclusão não pode ser aqui tida em conta.
Já no que concerne ao invocado pela Recorrente na conclusão 13.ª, a verdade é que a mesma também não constitui verdadeira matéria de facto, uma vez que não se escalpelizam factos concretos, antes se limitando a fazer uma afirmação genérica e conclusiva quanto ao preço das frações vendidas e ao seu valor patrimonial tributário ou de mercado, sem qualquer referência concreta e individual quer quanto às ditas e não identificadas frações, quer quanto ao seu valor atribuído a cada uma delas, de acordo com os invocados critérios de fixação de preço (pelos índices da APEMI ou pelo VPT).
Deste modo, ter-se-á que concluir pela improcedência do presente recurso incidente sobre a matéria de facto.

IV.3 – Dos erros de julgamento alegados.
IV.3.1 – Nesta apelação, a Recorrente alega um conjunto de circunstâncias e de razões legais, pelas quais se deveriam considerar os atos recorridos como inválidos, sem que faça a necessária ponte com o decidido na sentença recorrida (vide, nomeadamente, as conclusões 32.ª a 56.ª e 65.ª a 67.ª do presente recurso).
Mas, como é sabido, decorria do n.º 1 do art.º 676.º do antigo CPC, que os recursos tinham como objeto as decisões jurisdicionais e não eram os meios para ex nuovo se impugnarem atos de tributários, pelo que as aludidas questões caiem fora do âmbito recursivo e, atenta a sua natureza, não são sequer passiveis de aqui serem oficiosamente conhecidas.
Por isso, o que vai nelas alegado, não pode ser objeto de apreciação nesta instância.
IV.3.2 – A Recorrente insurge-se, também, contra o decidido na sentença recorrida no que tange à questão relativa à suposta ausência de audiência prévia, antes de ter sido proferida decisão em sede de procedimento de revisão, uma vez que teriam sido invocados novos factos de suporte à dita decisão.
Quanto a esta questão na sentença recorrida, formulou-se o seguinte raciocínio:
Em relação à preterição do direito de audição antes de proferida a decisão que pôs termo ao procedimento de revisão, entendemos que também não assiste razão à impugnante.
Com efeito, atendendo ao teor da matéria de facto provada na alínea L), verificamos que a decisão da Comissão de Revisão formada pelo perito nomeado pela impugnante e pela perita da Fazenda Pública, terminou em acordo.
Ora, tendo sido alcançado acordo no seio da Comissão de Revisão, não assiste à impugnante qualquer exercício de direito de audição prévia à notificação de tal acordo. De facto, a este respeito já se pronunciou o Venerando Tribunal Central Administrativo Norte, no citado douto Acórdão de 01-06-2006, perfilhando o seguinte entendimento, a saber: “[…] com a LGT, a relação entre o sujeito passivo e o perito por si designado, para participar no procedimento de revisão da matéria tributável, deve configurar-se como de representação, justificando-se, assim e então, que «se estabeleça a vinculação do sujeito passivo pela actuação deste perito, da mesma forma que tal vinculação existe no domínio do direito civil (arts. 1178.º n.º 1 e 258.º do Código Civil). […] Não poderão também deixar de aplicar-se a esta vinculação as restrições que a lei civil estabelece em relação à vinculação dos representados pelos actos dos seus representantes»; em consonância, além do mais, com o estatuído no art. 16.º n.º 1 LGT[…]”. Atento o teor de tal transcrição, entendemos que, no caso em apreço, os actos praticados pelo representante (o perito nomeado pela impugnante) em nome da representada (a impugnante) produzem efeitos jurídicos na esfera desta, apenas e tão só, se tiver actuado em conformidade e sem exorbitar os poderes que lhe foram acometidos em razão dessa representação.
Ora, in casu, resulta da matéria de facto julgada não provada no ponto único, que o perito nomeado pela impugnante não actuou em desconformidade com as directrizes desta nem exorbitou os seus poderes de representação; muito pelo contrário, actuou sempre no interesse da impugnante. E, com efeito, da acta lavrada a respeito da Comissão de Revisão (matéria de facto provada na alínea L)), constatamos que a matéria invocada pela impugnante corresponde à matéria objecto do acordo alcançado.
Acordo, esse, que foi notificado à impugnante (matéria de facto provada na alínea K) e fls. 376 e 377 do PA). Pelo exposto, também não assiste aqui razão à impugnante.
[…]”
Ora, quanto à aludida questão temos que salientar que a Recorrente se fez representar em sede da comissão de revisão, no âmbito do respetivo procedimento e que este se iniciou por sua iniciativa.
Também, há que ter em conta que a Recorrente não esclarece quais os factos novos e que supostamente lhe seriam desconhecidos, que foram incluídos no acordo final obtido no procedimento de revisão, nem o Tribunal consegue alcançar qualquer dado facto que confirme tal invocação. Mais se diga, que tal alegação é potencialmente contraditória, uma vez que toda a factualidade foi conhecida pelo legítimo representante da ora Recorrente.
Por outro lado, entendemos que no procedimento de revisão que siga os respetivos ditames legais, introduz-se uma forma específica de dar corpo ao princípio legal e constitucional de participação dos contribuintes na formação do ato tributário, sendo que do n.º 1 do art.º 60.º da LGT, consagra a possibilidade do dito direito ocorrer por outras formas que não as consignadas na sua própria estatuição. Com efeito, esta norma dispõe que: “1 - A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas:
… “ (sublinhado nosso)
Acresce, ainda, que a dita interpretação feita pela sentença recorrida não afronta o regime previsto no n.º 5 do art.º 267.º da CRP, uma vez que salvaguardou, em concreto, a participação da Recorrente no âmbito do procedimento de revisão e que conduziu à liquidação impugnada, tendo-o feito dentro dos ditames da lei ordinária, tal como é referido na dita norma constitucional.
Por isso, quanto a esta questão, terá que improceder o presente recurso.
IV.3.3 – A Apelante veio invocar que a decisão jurisdicional ora sob escrutínio, errou na medida em que não foram reunidos elementos factuais que justificassem a aplicação de métodos indiretos.
Sobre esta questão, na sentença apelada apresentou-se o seguinte entendimento:
“[…]
Da leitura atenta do preceituado no art. 86.º da LGT, verificamos que, decorrente do princípio da impugnação unitária dos actos tributários, admite a lei que, nessa impugnação, seja possível a invocação de qualquer ilegalidade ocorrida no procedimento de liquidação. Todavia, tal dispositivo legal, no seu n.º 4, afasta, de uma forma expressa e inequívoca, tal possibilidade sempre que tenha sido obtido acordo no procedimento de revisão. De notar, no entanto, que o acordo a que alude o art. 86.º, n.º 4, da LGT, abrange apenas e tão-só as questões que tenham sido apreciadas no âmbito do procedimento de revisão.
In casu, a impugnante invoca vícios atinentes à falta de fundamentação do acordo, à inexistência de pressupostos para aplicação de métodos indirectos e falta de fundamentação do recurso aos mesmos e, ainda, ao erro na quantificação da matéria tributável. Contudo, resulta da matéria de facto provada na alínea L) - para a qual se remete, por uma questão de economia processual – que no ponto 1 dos fundamentos do acordo, constantes da acta da reunião da Comissão de Revisão, se encontram plasmadas as questões que a impugnante suscitou quer quanto ao Relatório de Inspecção Tributária, quer quanto à aplicação dos métodos indirectos na fixação da matéria tributável e quer, ainda, em relação ao quantum fixado. Por seu turno, nos pontos 2 e 3 dos fundamentos, a questão do recurso à avaliação indirecta para determinação da matéria tributável e sua quantificação é expressamente abordada; e, no ponto 4 dos fundamentos, conclui-se que “depois de analisados os factos constantes do ponto 2 desta acta e ponderadas as razões expressas no ponto 3, os Peritos do contribuinte e da Administração Fiscal concordaram em aceitar os preços de venda presumidos para a totalidade das fracções alienadas nos exercícios de 2000 e 2001 e concordaram também que a matéria tributável fixada se situa em níveis acima dos valores normais para o sector de actividade onde a empresa está inserida. A tributação por métodos indirectos é um recurso utilizado pela AF quando não é possível apurar o lucro tributável com base na contabilidade, sem que contudo deixe de ter em vista o lucro real obtido. Segundo informação veiculada pela Associação dos Industriais de Construção Civil, a rentabilidade fiscal das empresas que se dedicam à construção de imóveis em regime de propriedade horizontal ronda os 10% do volume de negócios. Os Peritos do contribuinte e da AF acordaram em presumir o lucro tributável dos exercícios de 2000 e 2001 respectivamente em € 461.704,54 e € 263.663,32, que corresponde a 10% do valor das vendas presumido, considerando que a contabilidade não reflectirá a totalidade dos custos do empreendimento (...). O perito do contribuinte deixou expressa que aceita o acordo numa perspectiva de encerramento do processo, evitando despesas e incómodos para o contribuinte e também em conformidade com o espírito do art.º 92º da Lei Geral Tributária.”.
Neste sentido, vide, o douto Acórdão, do Colendo Supremo Tribunal Administrativo, de 10-03-2011, proferido no âmbito do Processo n.º 022/11, “I – Na impugnação judicial do acto tributário de liquidação em que a matéria tributável tenha sido determinada com base em avaliação indirecta, pode ser invocada qualquer ilega-lidade desta, salvo quando a liquidação tiver por base acordo no processo de revisão da matéria tributável (artigo 86.º, n.º 4 da LGT). II – Este procedimento não se traduz, na prática, numa diminuição das garantias de igualdade e defesa do contribuinte perante a administração fiscal, já que o contribuinte pode escolher livremente o seu perito e este, por certo, procederá sempre de acordo com os poderes que aquele lhe delegou, pois não está vinculado a nenhum acordo ou a agir com total independência e fora dos seus poderes de representação” – disponível online em www.dgsi.pt. Também, em sentido idêntico, se havia já pronunciado o Venerando Tribunal Central Administrativo Norte, no seu douto Acórdão de 01-06-2006, proferido no âmbito do Processo n.º 00185/04, de acordo com o qual “[…] 3. O art. 86.º n.º 4 LGT, na sua parte final, ressalva a possibilidade de ser invocada qualquer ilegalidade da avaliação indirecta (na impugnação do acto tributário de liquidação) “quando a liquidação tiver por base o acordo obtido no processo de revisão da matéria tributável regulado no presente capítulo”. 4. “ A medida da inimpugnabilidade da liquidação feita com base no acordo, tendo a sua razão de ser na existência deste acordo, terá de ter (de) ser restringida ao que foi objecto deste, que é a medida da matéria tributável. Por isso, a existência de acordo não poderá afastar o direito do contribuinte impugnar a liquidação feita com base no acordo por qualquer razão que não lhe esteja ligada, como, por exemplo, vícios de forma (falta de fundamentação, incompetência, violação de direitos procedimentais) ou de violação de lei (como erro na taxa aplicável ou sobre a existência de uma isenção total ou parcial)”. 5. Impedindo o n.º 4 do art. 86.º LGT a impugnação da liquidação que for efectuada com base em acordo e na medida do âmbito deste, porque tal convénio se tem de estender, por imposição legal – arts. 86.º n.º 5 LGT e 117.º n.º 1 CPPT, às questões de facto e de direito atinentes à existência dos pressupostos da utilização de métodos indirectos, o acordo que vincula o contribuinte, enquanto assumido pelo seu perito, inibi-lo-á de impugnar a liquidação com fundamento na não verificação desses pressupostos” – também disponível online em www.dgsi.pt.
Considerando que o perito nomeado pela impugnante, na Comissão de Revisão, não exorbitou nem actuou em desconformidade com os poderes que por ela lhe foram conferidos (matéria de facto julgada não provada no ponto único e respectiva motivação para a qual se remete), a qualidade e a competência do perito em causa só à impugnante poderão ser assacados. Com efeito, à semelhança do que é dito no douto Acórdão, do Colendo Supremo Tribunal Administrativo, de 15-09-2010, proferido no âmbito do Processo n.º 062/10, “I - O art. 86.º, n.º 4, da LGT, ao não permitir que na impugnação do acto tributário de liquidação, em que a matéria tributável tenha sido determinada com base em avaliação indirecta, possa ser invocada qualquer ilegalidade se a liquidação tiver por fundamento o acordo obtido no processo de revisão da matéria tributável, não viola o princípio constitucional contido no art. 268.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa. II - O contribuinte não fica vinculado pelo acordo que seja obtido, podendo consequentemente impugnar a liquidação quanto à fixação da matéria tributável determinada por avaliação directa, sempre que se demonstre que o seu representante agiu fora dos limites dos seus poderes de representação”; e também no douto Acórdão do Venerando Tribunal Central Administrativo Sul, de 20-01-2009, proferido no âmbito do Processo n.º 02531/08 [ambos disponíveis online em www.dgsi.pt], “I) O acordo em que intervenha um perito designado pelo contribuinte, para o procedimento de revisão da matéria tributável, só não vincula o contribuinte, nos casos em que o perito, seu representante, actuar para além dos poderes que lhe foram conferidos. II) Esse acordo não impede o contribuinte de invocar vícios ocorridos no procedimento de avaliação indirecta e de revisão, excluídos do âmbito do que foi objecto do acordo [...]” – o que, como já vimos, não ocorreu no caso em apreço.
Por conseguinte, as questões supra elencadas não podem ser sindicadas por este tribunal, atento o teor do acordo firmado entre o perito da impugnante e a perita da Administração Tributária, constante da respectiva acta que foi lavrada para o efeito.
Não assiste, assim, aqui razão à impugnante.
[…].”
Assim, no caso em apreço, temos que afirmar o nosso acordo com o decidido na sentença recorrida quanto a esta questão, como decorre aliás daquela que é a jurisprudência citada no trecho acima transposto daquela, assim como na jurisprudência que acima citámos.
Deste modo, tal decisão faz com que fique prejudicada a necessidade de análise da questão do acerto ou desacerto do julgado em matéria de aplicação de métodos indiretos que aqui não é passível de ser questionada atento o disposto nos termos do n.º 4 do art.º 86.º da LGT.
Porém, a sentença recorrida foi mais longe e veio a considerar que se encontravam reunidos os pressupostos necessários para a aplicação da avaliação indireta. Só que tal julgamento, traduz-se numa mera afirmação que não contende com o sentido do julgado, na medida em que se as considerações feitas a propósito da referida questão da aplicação de métodos indiretos fossem retiradas do conteúdo da sentença recorrida, esta não deixaria de ter o mesmo sentido. Efetivamente, há que ter presente que a apreciação de tal questão foi feita com um particular sentido de mera salvaguarda de poder vir a não vingar a tese antes explanada na sentença recorrida, relativa à impossibilidade de recurso ao presente meio processual à luz do disposto no n.º 4 do art.º 86.º da LGT. Estamos aqui perante uma afirmação meramente cautelosa prolatada pelo tribunal recorrido, no sentido de mera defesa do decidido, que não contende com a decisão primordial decorrente do regime e aplicação em concreto da limitação prevista na citada norma da LGT.
Assim sendo, torna-se aqui inútil aferir do invocado erro de julgamento quanto à questão atinente à aplicação de métodos indiretos, uma vez que tendo sido obtido um acordo no âmbito do procedimento de revisão, sem que se provasse qualquer facto demonstrativo da sua eventual ilegalidade, a ora Recorrente, à luz do disposto no n.º 4 do art.º 86.º da LGT, estava impedida de invocar a ilegalidade da liquidação de IRC aqui em causa.
Por isso, consequente e logicamente, não poderia a Recorrente obter vencimento no presente pleito e, por essa via, obter o direito à perceção dos juros peticionados.
Deste modo, terá que improceder o presente recurso quanto à questão acima aflorada.» [Fim de citação]

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Face ao exposto, o recurso não merece provimento.
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No concerne a custas, atenta a improcedência total do recurso, é a Recorrente a responsável pelas custas do recurso – vide artigo 527.º, nos. 1 e 2 do e 529.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
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Nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do Código de Processo Civil, elabora-se o seguinte sumário:
I – É nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, de acordo com o disposto no 1 do art. 125º do CPPT e na alínea b) do n.º 1 do artigo 668.º do antigo CPC (atualmente al. b) do nº 1 do art. 615º do novo CPC).
II– Os recursos são meios de impugnação de decisões jurisdicionais proferidas nos termos do n.º 1 do art.º 676.º do antigo CPC, constituindo estas o objeto do recurso.
III – No procedimento de revisão que siga os respetivos ditames legais, introduz-se uma forma específica de dar corpo ao princípio legal e constitucional de participação dos contribuintes na formação do ato tributário, sendo que do n.º 1 do art.º 60.º da LGT, consagra a possibilidade do dito direito ocorrer por outras formas que não as consignadas na sua própria estatuição.
IV - O art. 86.º, n.º 4, da LGT, ao não permitir que na impugnação do ato tributário de liquidação, em que a matéria tributável tenha sido determinada com base em avaliação indireta, possa ser invocada qualquer ilegalidade se a liquidação tiver por fundamento o acordo obtido no processo de revisão da matéria tributável, não viola a Constituição da República Portuguesa.
V - O contribuinte não fica vinculado pelo acordo que seja obtido, podendo consequentemente impugnar a liquidação quanto à fixação da matéria tributável determinada por avaliação direta, sempre que se demonstre que o seu representante agiu fora dos limites dos seus poderes de representação.

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Decisão
Termos em que, acordam em conferência, os juízes da Subsecção Tributária Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
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Custas a cargo da Recorrente.
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Porto, 09 de maio de 2024.

Paulo Moura
Carlos de Castro Fernandes
Rui Esteves