Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01424/12.6BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/23/2021
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Helena Ribeiro
Descritores:APOIO JUDICIÁRIO- GABINETE DE CONSULTA JURÍDICA- PAGAMENTO.
Sumário:1-O instituto do acesso ao direito e aos tribunais engloba as vertentes da informação jurídica e da proteção jurídica e esta, por seu turno, inclui a consulta jurídica e o apoio judiciário.

2-Os gabinetes de consulta jurídica foram previstos, pela primeira vez, no Decreto-Lei n.º 387-B/87, de 29 de dezembro, que estatuiu o regime de acesso ao direito e aos tribunais.

3- A Lei n.º 47/2007, manteve o acesso ao direito através da consulta jurídica que continuou a ser assegurada pela via da implementação de gabinetes de consulta jurídica, e também pelos advogados que aderissem ao sistema de acesso ao direito e aos tribunais ( n.ºs 1 e 2 do artigo 15.º).

4- Na sequência das alterações aprovadas pela Lei n.º 47/2007, mantiveram-se em vigor as portarias relativas à criação dos Gabinetes de Consulta Jurídica que não foram revogadas.

5- Continua a impender sobre o Estado/ Ministério da Justiça a obrigação de suportar o custo das consultas jurídicas prestadas no âmbito do Gabinete de Consulta Jurídica de Guimarães, nos termos definidos na Portaria n.º 1231-A/90, de 28 de dezembro.
(Sumário elaborado pela relatora – art.º 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Recorrente:ESTADO PORTUGUÊS e Outros
Recorrido 1:N., e Outra
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:n/a
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte:

I – RELATÓRIO

1.1.N. e O., moveram a presente ação administrativa especial contra o MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, o GABINETE PARA A RESOLUÇÃO ALTERNATIVA DE LITÍGIOS, o INSTITUTO DE GESTÃO FINANCEIRA E DE INFRA-ESTRUTURAS DA JUSTIÇA, I.P. (atualmente INSTITUTO DE GESTÃO FINANCEIRA E EQUIPAMENTOS DA JUSTIÇA, I.P.), o GABINETE DE CONSULTA JURÍDICA DO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA DE (...), o MUNICÍPIO DE (...), a ORDEM DOS ADVOGADOS e o ESTADO PORTUGUÊS, pedindo a condenação dos Réus a:
a) Proferir despacho que ordene o pagamento ao 1º Autor da quantia de € 7.256,34, acrescida dos juros moratórios à taxa legal que se vencerem até efectivo e integral pagamento e, à 2ª Autora da quantia de € 8.560,73, acrescida dos juros moratórios à taxa legal que se vencerem até efectivo e integral pagamento.
b) Dar cumprimento a esse despacho no prazo de 5 dias úteis, realizando o pagamento das referidas quantias aos Autores.
c) A suportarem as custas do processo.

Alegaram, para tanto, em síntese, que pela Portaria nº 1231-A/90, de 26 de dezembro, foi criado o GABINETE DE CONSULTA JURÍDICA DE (...), o qual surgiu da atuação conjugada do MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, da ORDEM DOS ADVOGADOS e da CÂMARA MUNICIPAL DE (...), que asseguram a sua organização, estrutura e funcionamento;

Em setembro de 2010, os autores foram nomeados pela Diretora do GABINETE, ouvida a Delegação de (...) da ORDEM DOS ADVOGADOS, para aí iniciarem funções, prestando os serviços respeitantes à prossecução do objetivo do próprio GABINETE;

Que enquanto advogados e na sequência de nomeação, de 20.09.2010 a 07.09.2011 prestaram serviços de consulta jurídica no GCJG, compareceram no Gabinete nos dias acordados e aí prestaram as consultas jurídicas que lhes foram solicitadas durante o horário definido, tendo sido fixado o valor de honorários por consulta de €40,00
Mais alegam que em cada mês seguinte ao da prestação de serviços no GCJG remeteram ao Instituto de Gestão Financeira e de Infraestruturas da Justiça, IP, as folhas mensais de controlo das consultas jurídicas que prestaram com vista ao seu pagamento.

Contudo, até á data, esse pagamento não foi realizado, não tendo recebido quaisquer honorários pelos serviços prestados.

Aduzem que o âmbito de proteção jurídica pensada para o Gabinete e o seu modo de operar mantêm-se inalterados desde a sua criação, nos moldes regulamentados pela Portaria n.º 1231-A/90, que nunca foi revogada.

Fundam a ação, substantivamente, no disposto nos artigos 1154.º, 1158.º, 1167.º, 762.º, 789.º, 804.º e 806.º do Código Civil.

1.2. Citados, com exceção do GABINETE DE CONSULTA JURÍDICA, todos contestaram a ação.

1.2.1. O Município de (...) defendeu-se, alegando, em suma, ser alheio à pretensão deduzida, devendo, contudo, ser garantida a remuneração dos Autores pelo trabalho de qualidade e serviço público que prestaram.

1.2.2. O Instituto de Gestão Financeira e de Infraestruturas, IP (IGFIJ, IP), defendeu-se por exceção, invocando a sua ilegitimidade passiva, sustentando para o efeito, em síntese, apenas ter legitimidade para efetuar pagamentos de honorários nos termos do art.º 28.º da Portaria n.º 10/2008, de 29/02, pelo que, estando sujeito às regras previstas no Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de julho, não pode efetuar pagamentos sem que os mesmos sejam legais, ou seja, sem prévia existência de lei que autorize a despesa.
Defendeu-se ainda por impugnação, requerendo a improcedência da ação.

1.2.3. A Ordem dos Advogados (AO) defendeu-se por impugnação, alegando, em suma, nada dever aos autores por nenhuma obrigação de pagamento impender sobre a mesma, requerendo a sua absolvição do pedido.

1.2.4. O Ministério da Justiça defendeu-se por exceção, invocando a sua ilegitimidade passiva, alegando não ter interesse direto em contradizer os termos da ação, pedindo a sua absolvição da instância.
Defendeu-se também por impugnação, alegando, em suma, inexistirem evidências de que a factualidade invocada pelos autores devesse ser do conhecimento do mesmo, que a desconhece, incumbindo à Ordem dos Advogados exercer as funções inerentes à criação, instalação de GCJ bem como exercer as demais funções no âmbito do acesso ao direito, nos termos do art.º 60.º, n.º 2, alínea a) do EOA, não competindo ao MJ proceder a pagamentos diretamente aos autores.

1.2.5. O Estado Português, representando pelo Ministério Público, contestou a ação, defendendo -se por exceção e por impugnação.
Na defesa por exceção invocou a ilegitimidade passiva do Estado Português para ser demandado na presente ação, alegando, em síntese, que incumbe ao Ministério da Justiça, por si ou por intermédio dos serviços que direta ou indiretamente tutela, o reconhecimento do direito que os autores pretendem fazer valer, pelo que, a legitimidade passiva das entidades a demandar cabe ao Ministério da Justiça e ao atual IGFEJ, IP, a quem compete a prática dos atos materiais e jurídicos adequados e necessários à satisfação da pretensão dos Autores.

Invoca também a exceção da ilegitimidade ativa dos autores para demandarem na presente ação judicial os ora Réus, uma vez que os pagamentos das consultas jurídicas pelo IGFIJ, IP prestadas nos vários Gabinetes de Consulta Jurídica, não é efetuado aos profissionais forenses que naqueles Gabinetes prestam serviço, mas sim diretamente àqueles Gabinetes.

Defendeu-se ainda por impugnação, alegando, em síntese, que em consequência do Regime de Acesso ao Direito e aos Tribunais, aprovado pela Lei n.º 34/2004, de 29/07, alterado pela Lei n.º 47/2007, de 28/08, e, bem assim, da Portaria n.º 1386/2004, de 10.11, conduziu a uma lacuna legal quanto á fiscalização da realização das consultas efetuadas pelos GCJ, o que conduz à inexistência de norma que atribua competência ao IGFIJ, IP para o pagamento das consultas jurídicas realizadas ao abrigo das portarias de regulamentação dos diversos GCJ.
Ademais, o IGFIJ, IP apenas tem competência para efetuar pagamentos cuja informação seja remetida por via eletrónica, o que não se verificou no caso.

Mais alega, desconhecer se as consultas jurídicas subjacentes ao pedido deduzido pelos Autores foram efetivamente prestadas.

Por outro lado, a entrada em vigor dos referidos diplomas legais, sem que tivesse ocorrido a revogação expressa das portarias que regulavam os GCJ existentes nas diversas comarcas do país, deu azo à existência de conflitos no que concerne à regulamentação das consultas jurídicas;
Refere que o pagamento dos honorários devidos aos profissionais forenses pelas consultas jurídicas realizadas após a entrada em vigor da Portaria n.º 10/2008, de 03.01 será de acordo com o valor determinado no art.º 27 da mesma.

Quanto a juros, afirma não serem devidos, desde logo porque não se estabelece prazo perentório dentro do qual os honorários devem ser pagos.

1.3. Por despacho de 28/01/2014, o TAF de Braga suscitou oficiosamente as exceções dilatórias de erro na forma do processo e de falta de personalidade jurídica e judiciária do GABINETE PARA A RESOLUÇÃO ALTERNATIVA DE LITÍGIOS e do GABINETE DE CONSULTA JURÍDICA DE (...) (cfr. fls. 215-216 do SITAF).

1.4. Por despacho de 17/06/2014, foi a presente ação convolada em ação administrativa comum (cfr. fls. 254-258 do SITAF), despacho este que, após reclamação para a conferência, deduzida pelo réu MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, veio a ser confirmado (cfr. fls. 314-325 do SITAF).

1.5. Na sequência da convolação em ação administrativa comum, o Tribunal suscitou ainda a exceção dilatória de falta de personalidade jurídica e judiciária do réu MINISTÉRIO DA JUSTIÇA (cfr. fls. 352-353 do SITAF).

1.6. Proferiu-se despacho saneador (cfr. fls. 410-417 do SITAF) no qual se fixou o valor da causa em 15.817,07 € (quinze mil oitocentos e dezassete euros e sete cêntimos), se julgaram verificadas as exceções dilatórias de falta de personalidade jurídica e judiciária do GABINETE PARA A RESOLUÇÃO ALTERNATIVA DE LITÍGIOS, do GABINETE DE CONSULTA JURÍDICA DE (...) e do MINISTÉRIO DA JUSTIÇA e improcedentes as exceções dilatórias de ilegitimidade passiva dos réus ORDEM DOS ADVOGADOS, INSTITUTO DE GESTÃO FINANCEIRA E DE INFRA-ESTRUTURAS DA JUSTIÇA, I.P. e ESTADO PORTUGUÊS e, bem assim, como improcedente a exceção de ilegitimidade ativa dos autores.

1.7. Realizou-se audiência final (cfr. ata de fls. 545-553 do SITAF).

1.8. Foram apresentadas alegações escritas por todas as partes, reiterando as posições assumidas nos respetivos articulados.

1.9.O TAF de Braga proferiu sentença que julgou a ação procedente, sendo o seu dispositivo do seguinte teor:
«Termos em que julgo a presente ação procedente e, consequentemente, condeno o réu ESTADO PORTUGUÊS no pagamento das quantias reclamadas por cada um dos autores a título de consultas jurídicas prestadas, acrescidas de juros de mora nos termos expostos, e absolvo dos pedidos os réus INSTITUTO DE GESTÃO FINANCEIRA E EQUIPAMENTOS DA JUSTIÇA, I.P., MUNICÍPIO DE (...) e ORDEM DOS ADVOGADOS.
Custas pelos autores e pelo ESTADO PORTUGUÊS, nos termos supra expostos.
Registe e notifique.».

1.10. Inconformado com o assim decidido, o Réu Estado Português interpôs recurso jurisdicional, formulando as seguintes conclusões:

«1 - vem o presente recurso interposto da douta sentença que condenou o réu Estado Português no pagamento das quantias reclamadas por cada um dos autores a título de consultas jurídicas prestadas no Gabinete de Consultas Jurídicas de (...), acrescidas de juros de mora.
2 - o verdadeiro dissídio radica apenas em saber qual é a entidade, demandada ou a demandar, que deve praticar os atos administrativos necessários à satisfação da pretensão dos AA. para cumprimento do estabelecido no Convénio entre o Ministério da Justiça e a Ordem dos Advogados, assinado em 28/11/1989.
3 - a situação sub judice não é nova e já foi decidida por este tribunal, designadamente foi julgada no processo nº 1842/10.4 BEBRG.
4 - a decisão do tribunal ao recorrer, de forma simplista, às decisões anteriores, e acolher os termos da decisão da AA n.º 1842/10.4 BEBRG, sem atender ao regime jurídico aplicável ao tempo nos diferentes momentos em que ocorreram os factos numa e noutra ação, e ao fundamentar a condenação do Estado Português por omissão legislativa que não se verificava à data, incorre em erro de julgamento de direito.
5 - nos dois processos a condenação do Ministério da Justiça e do Estado Português foi fundamentada na responsabilidade civil extracontratual do Estado, por omissão [do Ministério da Justiça] de providências legislativas indispensáveis para garantir o pagamento dos serviços prestados, ainda que por via da Ordem dos Advogados.
6 - mas essa omissão não se verificou de forma idêntica relativamente aos dois casos, que permita esta decisão (AA n.º 1424/12.6BEBRG) acolher in totum a decisão anterior (AA n.º 1842/10.4 BEBRG).
7 - não obstante as citadas semelhanças entre o objeto da AA n.º 1842/10.4 BEBRG e o objeto da presente AA n.º 1424/12.6BEBRG, (prestação de consultas jurídicas no Gabinete de Consultas Jurídicas de (...)) há um aspeto que marca a diferença das situações em causa (a data dos factos, ou seja, a data em que foram prestadas as consultas jurídicas) e que reclama uma diferente decisão.
8 - na AA n.º 1842/10.4 BEBRG as consultas jurídicas ocorreram entre 22-09-2008 e 15-09-2009.
9 - na AA n.º 1424/12.6BEBRG as consultas jurídicas ocorreram entre 20-09-2010 e 07-09-2011.
10 - se no período de 2008 a 2009, poderia ser invocada essa omissão, o mesmo não se verifica no período de 2010 a 2011.
11 - a partir de 2007 (com a revogação tácita da Portaria n.º 1386/2004) e até à publicação e inicio de vigência da Portaria n.º 10/2008, de 3 de janeiro, com produção de efeitos prevista para 1 de março de 2008, verificou-se a inexistência de norma que atribuísse a competência ao IGFIJ para o pagamento das consultas jurídicas realizadas ao abrigo das Portarias regulamentares dos Gabinetes de Consulta Jurídica.
12 - a competência do IGFEJ, I.P, para a realização daqueles pagamentos, que tinha por base a Portaria n.º 1386/2004 e o referido Despacho do Secretário de Estado adjunto da justiça de 3 de março de 2005 deixou de existir a partir de 1 de março de 2008.
13 - a partir da vigência da Portaria n.º 10/2008, de 3 de janeiro, na redação da Portaria 210/2008, de 29 de fevereiro, que entrou em vigor em 1 de março de 2008, o IGFIJ voltou a ter a competência para efetuar o pagamento, mas com novas regras, esse pagamento seria sempre efetuado por via eletrónica, tendo em conta a informação remetida pela Ordem dos Advogados ao IGFIJ, e confirmada nos termos previstos no mesmo preceito.
14 - acresce que, com a alteração da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, pela Lei n.º 47/2007, de 28 de agosto e a Portaria n.º 10/2008, de 3 de janeiro, com as alterações introduzidas pelas Portaria n.º 210/2008, de 29/02, Portaria n.º 654/2010, de 11/08 e posteriormente da Portaria n.º 319/2011, de 30/12, foram fixadas novas regras para as consultas jurídicas.
15 - é aplicável à data dos factos em causa no presente processo, a versão da citada Portaria n.º 10/2008, de 3 de janeiro, com as alterações introduzidas pelas Portaria n.º 210/2008, de 29/02, e Portaria n.º 654/2010, de 11/08, com vigência a partir de 01-09-2010.
16 - nestes termos, a partir da Portaria 10/2008, na redação da Portaria n.º 654/2010, de 11/08, portanto, a versão aplicável ao tempo dos factos dos presentes autos:
- A consulta jurídica pode ser prestada nos gabinetes de consulta jurídica e nos escritórios dos advogados participantes no sistema de acesso ao direito, mas deve a nomeação advogados, para a prestação de consulta jurídica, ser efetuada pela Ordem dos Advogados a pedido dos serviços de segurança social, podendo essa nomeação ser efetuada de forma totalmente automática, através de sistema eletrónico gerido por aquela entidade.
- No caso de a consulta jurídica ser prestada em gabinete de consulta jurídica, o pagamento da taxa efetua-se junto do mesmo, revertendo o produto da taxa para o referido gabinete.
- Sendo a consulta jurídica prestada em escritório de advogado, o pagamento é efetuado pelo Instituto de Gestão Financeira e de Infra-Estruturas da Justiça, (IGFIJ) atual IGFEJ, por meio de DUC, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 1 do artigo 9.º da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de abril, e o valor da consulta jurídica é de (euro) 25, após a efetiva realização da consulta.
17 - ora, no caso, de consulta jurídica prestada em gabinete de consulta jurídica, revertendo o produto da taxa para o gabinete de consulta jurídica, deverá aquele gabinete pagar os honorários relativos às consultas jurídicas nele prestadas, nos termos que contratar com os profissionais que ali exercerem a sua atividade. Ou seja, os gabinetes de consulta jurídica passaram a ter receitas próprias, tendo passado a ser custeados pelo que cobram e não pelo que o Ministério da Justiça lhes paga.
18 - Nestes termos, a única responsabilidade que impende sobre o Estado (através do MJ/IGFEJ), desde 01-09-2010, com a produção de efeitos da Portaria n.º 654/2010, de 11/08 é a do pagamento das consultas jurídicas prestadas em escritório de advogado.
19 - por conseguinte, na data dos factos em causa na presente ação, já não existe omissão legal, já estava determinado o regime legal aplicável, sendo que se alterou o regime vigente à data da criação do Gabinete de Consulta Jurídica de (...).
20 - e, nestes termos, nesta data existe norma legal aplicável (não há omissão de norma),
Mas acontece que a norma existente alterou o regime anterior.
21- e, a norma existente não é norma habilitante que permita ao Ministério da Justiça proceder ao pagamento dos montantes relativos aos períodos em que os Senhores Advogados prestaram consultas Jurídicas no Gabinete de Consulta Jurídica de (...) de setembro de 2010 a setembro de 2011.
22 - com a entrada em vigor dos referidos diplomas que fixaram um novo regime do acesso ao direito e aos tribunais e, não obstante, não ter havido uma revogação expressa das Portarias que regulavam os Gabinetes de Consulta Jurídica, atento o regime jurídico posterior que veio regular a matéria de forma diferente, deve ter-se aquele primeiro regime tacitamente revogado, face à coincidência de âmbito de aplicação das novas normas forçoso será concluir que o regime inicial instituído para os gabinetes de consulta jurídica foi derrogado pelo novo modelo, em que compete ao (atual) IGFEJ o pagamento dos encargos com o apoio jurídico e de acordo com o novo procedimento instituído.
23 - por conseguinte, deve ter-se em conta que a partir de 1 de setembro de 2010, data da vigência da Portaria n.º 10/2008, com a redação dada pela Portaria n.º 654/10, de 11/08:
- Os gabinetes de consulta jurídica passaram a ter receitas próprias, tendo passado a ser custeados pelo que cobram e não pelo que o Ministério da Justiça lhes paga (cfr. n.º 8 do art. 1.º).
- A única responsabilidade que impende sobre o Estado (através do IGFEJ) é a do pagamento de consultas jurídicas prestadas em escritório de advogado (cfr. art. 27.º).
- Assim, a partir desta data não existe norma habilitante para o Ministério da Justiça proceder ao pagamento dos montantes relativos aos períodos em causa nestes autos, ao abrigo do Convénio, porquanto este foi tacitamente revogado pelo regime jurídico posterior, que expressamente previu que lhes era aplicável, (cfr art 47.º da Lei n.º 34/2004).
- De acordo com o novo regime introduzido pela Lei n.º 34/2004, e respetivas alterações e Portaria n.º 10/2008, e respetivas alterações, concretamente a partir a partir de 1 de setembro de 2010, com a redação introduzida pela Portaria n.º 654/10, de 11/08, como se afirmou, revertendo o produto da taxa para o gabinete de consulta jurídica, deverá ser este a pagar as consultas prestados pelos advogados nesses mesmos gabinetes, nos termos que contratar com os profissionais que ali exercem funções.
- Deve, pois, concluir-se que o Convénio, aplicado aos Gabinetes de Consulta Jurídica, foi outorgado no âmbito do regime jurídico de acesso ao direito e aos tribunais aprovado pelo Decreto-Lei n.º 387-B/87, de 29/12, teve a sua vigência, mas com a evolução do regime jurídico de acesso ao direito e aos tribunais, introduzido pela Lei n.º 34/2004, de 29/07 e designadamente com a redação dada pela Lei n.º 47/2007, de 28/08 (versão aplicável à data dos factos em causa nestes autos) e regulamentado pela Portaria n.º 10/2008, a partir da alteração introduzida pela Portaria n.º 654/2010, de 11/08, este Convénio, por contradição com a nova opção do legislador foi revogado tacitamente.
24 – assim, no que se refere à AA n.º 1842/10.4 BEBRG, as consultas jurídicas ocorreram no período entre 22-09-2008 e 15-09-2009, período anterior à vigência da Portaria n.º 10/2008, com a redação dada pela Portaria n.º 654/10, de 11/08, a partir da qual se determinou que os gabinetes de consultas jurídicas passaram a ter receitas próprias, tendo passado a ser custeados pelo que cobram e não pelo que o Ministério da Justiça lhes paga (cfr. n.º 8 do art. 1.º).
25 - nesta AA n.º 1424/12.6BEBRG estão em causa consultas jurídicas que ocorreram entre 20­09-2010 e 07-09-2011, portanto em data posterior ao citado regime de receitas dos gabinetes de consultas jurídicas, no qual se determinou que os gabinetes de consultas jurídicas passaram a ter receitas próprias, tendo passado a ser custeados pelo que cobram e não pelo que o Ministério da Justiça lhes paga (cfr. n.º 8 do art. 1.º),
26 - portanto, nesta data passou a existir norma que regulava a matéria (deixando de se verificar a omissão legislativa que fundamentou a condenação do Estado Português ao abrigo do regime de responsabilidade civil extracontratual do Estado), mas que determinou um regime diferente, tendo como consequência ter deixado de existir norma habilitante para o Ministério da Justiça proceder ao pagamento dos montantes relativos aos períodos em causa nestes autos.
27 - Importa ainda atentar que na AA n.º 1842/10.4 BEBRG a entidade que foi condenada à prática de tais atos foi o Ministério da Justiça e não o Estado Português que aí foi absolvido dos pedidos.
28 - ao aderir aos fundamentos da sentença proferida na AA n.º 1842/10.4 BEBRG a sentença recorrida incorre em contradição entre a fundamentação e a decisão já que a fundamentação por adesão conduz à condenação de uma entidade distinta daquela que no dispositivo da decisão recorrida foi condenada nos pedidos formulados. A ambiguidade gerada pela condenação nas duas decisões de duas entidades distintas – numa o Ministério da Justiça e noutra o Estado Português – com a mesma fundamentação torna ininteligível a decisão recorrida, o que constitui nulidade da decisão recorrida (artº 615º, nº 1, alínea c), do Cód. Proc. Civil).
29 - ora, a decisão recorrida assenta no equívoco de que o Estado e o Ministério da Justiça não são entidades distintas, radicando esse equívoco no facto de não se considerar que esta ação não é de responsabilidade pura do Estado nem tem por objecto relações contratuais e antes considerar que o Ministério da Justiça não tem personalidade jurídica e judiciária, antes a mesma é da pessoa coletiva pública Estado Português, concluindo erradamente que as imputações feitas ao Ministério da Justiça redundem, na realidade, em serem atribuídas tais responsabilidades ao Estado Português, nomeadamente a responsabilidade de assegurar o pagamento das quantias previstas no convénio por verbas próprias a consignar no Orçamento do Estado ou por outras que, para o efeito, venham a ser consignadas.
30 - no artº 17º do Convénio celebrado entre o então Ministro da Justiça e o Bastonário da Ordem dos Advogados ficou a constar que as quantias previstas nesse convénio eram asseguradas pelo Ministério da Justiça, por verbas próprias a consignar no Orçamento do Estado ou por outras que, para o efeito, viessem a ser consignadas.
31 - o Ministério da Justiça mais não é que o departamento governamental que tem por missão a conceção, condução, execução e avaliação da política de justiça definida pela Assembleia da República e pelo Governo (artº 1º do DL 123/2011).
32 - não compete pois ao Estado a elaboração de Orçamentos do Estado nem a sua aprovação tal como não lhe compete conceção, condução, execução e avaliação da política de justiça definida pela Assembleia da República e pelo Governo.
33 - consequentemente, não lhe competia assegurar o pagamento das quantias previstas no convénio «...por verbas próprias a consignar no Orçamento do Estado ou por outras que, para o efeito, venham a ser consignadas.».
34 - razão pela qual carece de qualquer fundamento legal a condenação do Estado no pagamento das quantias peticionadas pelos AA..
35 - a douta sentença recorrida, decidindo como decidiu, violou, frontalmente, o disposto nos artigos 8º, nº 3, do Código Civil; artº 15º da Lei nº 67/2007, de 31/12 (RRCEE); a Lei n.º 34/2004, e respetivas alterações, e Portaria nº 10/2008, e respetivas alterações, com a redação introduzida pela Portaria n.º 654/10, de 11/08, e artº 615º, nº 1, c), do NCPC.
Pelo que, deve ser proferido douto acórdão que revogando a sentença recorrida, julgue a ação totalmente improcedente quanto ao Estado Português.
Termos em que, deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se em consequência a douta sentença recorrida, com as legais consequências.»

1.11. Os autores contra-alegaram, formulando as seguintes conclusões:

.«1. Com os fundamentos constantes na douta sentença recorrida, cujo teor por brevidade aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, o Mmª. Juiz a quo, condenou o réu ESTADO PORTUGUÊS no pagamento das quantias reclamadas por cada um dos autores a título de consultas jurídicas prestadas, acrescidas de juros de mora.
2. Porquanto, resultaram provados todos os factos invocados pelos AA., na sua petição inicial, nomeadamente, para o que aqui mais interessa, a nomeação dos AA., pela Diretora do Gabinete de Consulta Jurídica de (...), o período em que prestaram o respetivo serviço; o número de consultas prestadas, o valor das mesmas, a informação remetida pelo Gabinete e rececionada pelo Instituto de Gestão Financeira e de Infraestruturas da Justiça, I.P., quanto à identificação dos autores aquando da respetiva nomeação, bem como as correspondentes folhas mensais de controlo de pagamentos com a indicação do número de consultas prestadas por cada um dos autores e o correspondente valor a pagar, sem a apresentação de qualquer reclamação ou pedido de esclarecimento por parte daquele Instituto, para além de que, resultou ainda provado que os AA., relativamente aos serviços prestados entre 20-09-2010 até 07/09/2011, nada receberam.
3. Refere, ainda, a douta sentença, que “a questão decidenda é a de saber se os Autores têm o direito de receber as quantias reclamadas a título de pagamento por serviços prestados no Gabinete de Consulta Jurídica. E, em caso afirmativo, quais as Entidades – de entre as Demandadas – a condenar no pagamento dos montantes referentes aos serviços prestados pelos Advogados, aqui Autores. Considerando a factualidade provada, a primeira questão não suscita dúvidas.”
4. A douta sentença recorrida faz ainda uma descrição das normas e regulamentos aplicáveis ao caso, que continuam em vigor, não tendo existido qualquer revogação dos mesmos, nem expressa nem tácita.
5. O recurso agora interposto pelo Estado Português prende-se essencialmente com o facto de o Mmo. Juiz a quo ter recorrido, “de forma simplista”, a decisões anteriores (uma vez que já havia sido decidida questão idêntica por aquele tribunal, no âmbito nomeadamente do proc. n.º 1842/10.4BEBRG) sem atender ao regime jurídico aplicável ao tempo nos diferentes momentos em que ocorreram os factos numa e noutra ação, e ao fundamentar a condenação do Estado Portuguesa por omissão legislativa que não se verificava à data, incorrendo em erro de julgamento.
6. Refere o recurso interposto que a condenação do Ministério da Justiça (no supra referido processo n.º 1842/10.4BEBRG) e do Estado Português (nos presentes autos) foi fundamentada na responsabilidade civil extracontratual do Estado, por omissão de providências legislativas indispensáveis para garantir o pagamento dos serviços prestados, ainda que por via da Ordem dos Advogados, mas que, no presente caso, tal omissão não se verificou de forma idêntica aos casos anteriores, o que deveria, nos termos do recurso agora apresentado ter levado a decisão diferente.
7. As diferenças apontadas no recurso prendem-se com a alteração da Portaria 10/2008, de 29/02, pela Portaria n.º 654/2010, de 11/08, com início de vigência em 1 de setembro, bem como, com a condenação do Estado Português (e não do Ministério da Justiça) nas quantias reclamadas pelos AA..
8. Ora, a Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 13.º, estabelece o princípio da igualdade e assegura que ninguém pode ser prejudicado pela sua situação económica, e o artigo 20.º da CRP consagra expressamente o direito de todos no acesso ao direito e aos tribunais, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos (n.º 1), abrangendo, no n.º 2 de tal artigo, “o acesso universal à informação e consulta jurídicas”,
9. Não restando dúvidas de que o Estado é o garante último de tal desígnio, nomeadamente conforme expressamente prescreve a Lei do Acesso e aos Tribunais, Lei n.º 34/2004, de 29 de julho.
10. No que se refere à regulamentação daquela lei, refere a douta sentença recorrida, e é corroborado no recurso interposto, que “o Regime de Acesso ao Direito e aos Tribunais, aprovado pela Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, foi alterado pela Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto, tendo ficado parcialmente revogada a Portaria n.º 1386/2004, de 10 de Novembro.
11. Com a revogação parcial da aludida Portaria e do Despacho do Secretário de Estado Adjunto da Justiça, ficaram por regulamentar matérias essenciais para o bom e pontual cumprimento dos compromissos financeiros referentes aos Gabinetes de Consulta Jurídica, designadamente, qual a entidade competente – no âmbito do Ministério da Justiça – para fiscalização da despesa, processamento e pagamento das consultas jurídicas realizadas.”
12. O recurso agora interposto sustenta que que a partir do início de vigência da Portaria n.º 10/2008, de 3 de janeiro, na redação da Portaria 210/2008, de 29 de fevereiro, que entrou em vigor em março de 2008, o IGFIJ voltou a ter a competência para efetuar os referidos pagamentos, mas com novas regras, ou seja, que esse pagamento seria sempre efetuado por via eletrónica, tendo em conta a informação remetida pela Ordem dos advogados ao IGFIJ,
13. Ou seja, segundo a versão do Recorrente, a partir de março de 2008 deixou de existir omissão legal, no entanto, a prestação dos serviços pelos profissionais forenses a que se refere o processo n.º 1842/10.4BEBRG, supra referido, com decisão idêntica à dos presentes autos, realizou-se entre setembro de 2008 e setembro de 2009, ou seja, já na vigência daquela Portaria, sendo que a decisão foi equivalente à dos presentes autos, ou seja, de omissão legislativa, que agora o Recorrente diz não existir naquele período, sendo que tal decisão não mereceu qualquer censura ou recurso por parte do Réu ali condenado.
14. Voltando à redação da Portaria 10/2008, de 29/02, que lhe foi dada pela Portaria n.º 654/2010, de 11/08, com vigência a partir de 1 de setembro, relevante para os presentes autos, a alteração que se verificou foi a seguinte:
«Artigo 1.º
[...]
1 - ...
2 - ...
3 - ...
4 - A consulta jurídica a prestar às vítimas de violência doméstica nos termos do n.º 1 do artigo 25.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, é efectuada por advogado, aplicando-se, para efeitos de nomeação, o disposto no número anterior.
5 - (Anterior n.º 4.)
6 - Sendo a consulta jurídica prestada em escritório de advogado, o pagamento da taxa a que se refere o número anterior é efectuado até ao momento da prestação da consulta jurídica, a favor do Instituto de Gestão Financeira e de Infra-Estruturas da Justiça, I. P. (IGFIJ, I. P.), por meio de documento único de cobrança (DUC), aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 1 do artigo 9.º da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de Abril.
7 - O profissional forense nomeado para prestar consulta jurídica colabora com o beneficiário para efeitos de emissão do DUC.
8 - Sendo a consulta jurídica prestada em gabinete de consulta jurídica, o pagamento da taxa a que se refere o n.º 5 efectua-se junto do mesmo, revertendo o produto da taxa para o referido gabinete.
9 - O Gabinete para a Resolução Alternativa de Litígios (GRAL) acompanha a actividade dos gabinetes de consulta jurídica e divulga publicamente informação acerca do seu funcionamento.
15. Mantiveram-se, assim, inalterados os números 1, 2 e 3, e referem o seguinte:
«Artigo 1.º
Prestação de consulta jurídica
“1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, a prestação de consulta jurídica gratuita ou sujeita ao pagamento de uma taxa, nos termos da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, na redacção dada pela Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto, é definida por protocolo a celebrar entre o Ministério da Justiça e a Ordem dos Advogados.
2 - A consulta jurídica pode ser prestada nos gabinetes de consulta jurídica e nos escritórios dos advogados participantes no sistema de acesso ao direito.
3 - A nomeação dos profissionais forenses para a prestação de consulta jurídica é efectuada pela Ordem dos Advogados a pedido dos serviços de segurança social, podendo essa nomeação ser efectuada de forma totalmente automática, através de sistema electrónico gerido por aquela entidade.”
16. Assim, conforme facilmente se pode alcançar, a nova redação do n.º 8 apenas prevê que que no caso de ser devida taxa pela consulta prestada no gabinete de consulta jurídica, tal taxa é paga junto do mesmo, revertendo o produto da taxa para o respetivo gabinete, sendo que, no caso de consulta prestada em escritório de advogado o pagamento da referida taxa pela prestação da consulta é paga através de DUC a favor do IGFIJ,IP.
17. Ora, se por um lado, o pagamento de uma taxa pela prestação de consulta não se confunde com o pagamento devido ao profissional forense que prestou tal serviço, por outro, não resolve a questão do pagamento devido ao profissional forense quando não seja devida qualquer taxa pela consulta, ou seja, no caso de consulta gratuita, expressamente prevista.
18. E, se relativamente ao valor e ao pagamento de consulta jurídica em escritório de advogado, a lei prevê tais pagamentos e valor (art.º 27.º da referida Portaria), relativamente às consultas jurídicas gratuitas prestadas em gabinete de consulta jurídica, a lei é omissa e a referida alteração não veio colmatar tal omissão.
19. Não foi cobrada qualquer taxa por qualquer das consultas jurídicas prestadas pelos AA., pois que todas as consultas jurídicas que prestaram foram gratuitas. Gratuitidade esta prevista na lei e adequada à tutela jurídico-constitucional do acesso ao direito e aos tribunais.
20. Para além disso, salvo melhor opinião, para que esta questão pudesse ser colocada agora, deveria o Réu Estado Português, aquando da respetiva contestação, ter invocado, levado aos temas de prova a apurar e provado, a existência de verbas próprias do Gabinete de Consulta Jurídica de (...) para proceder aos respetivos pagamentos, ou, que a falta de cobrança de tais quantias que lhe poderia ser imputado, o que não aconteceu (cfr. ver temas da prova, despacho de fls..., de 9 de fevereiro de 2017).
21. Não existe ali, nem tal questão foi levantada pelo Réu, qualquer referência à cobrança de qualquer taxa ou sua eventual obrigatoriedade, sendo certo que, não eram os AA. que procediam à marcação das respetivas consultas ou da análise da insuficiência económica dos consulentes.
22. Reafirmando-se, e conforme resultou provado da audiência de julgamento, que todas as consultas jurídicas, prestadas pelos AA., foram gratuitas, nos termos previstos na lei e conforme o n.º 1, do art.º 1.º da Portaria 10/2008, de 29/02, na redação que lhe foi dada pela Portaria n.º 654/2010, de 11/08.
23. Assim, esta Portaria 654 nada regulamentou relativamente à prestação de consultas jurídicas gratuitas em gabinete de consulta jurídica, apenas prevendo que, caso fosse de cobrar uma taxa por tal consulta, o que só aconteceria no caso de pessoa que não preenchesse as condições para a consulta gratuita, tal taxa fosse afeta ao gabinete respetivo, constituindo receitas próprias, sendo que tais receitas poderiam ser utilizadas nas mais diversas despesas dos gabinetes, que não no pagamento de consultas jurídicas.
24. Não existiu, assim, qualquer revogação tácita do regime anterior, nomeadamente da Portaria nº 1231-A/90, de 26 de Dezembro, que criou o Gabinete de Consulta Jurídica de (...), ou do Convénio celebrado em 28-11-1989 entre o Ministério da Justiça e a Ordem dos Advogados, aliás, nem sequer o recurso sustenta convenientemente tal tese, apenas fazendo referência a uma questão, que nem sequer é a questão a que se referem os autos, que é sobre consultas jurídicas gratuitas.
25. O art.º 7.º, n.º 2 do Código Civil, refere que “a revogação pode resultar de declaração expressa, da incompatibilidade entre as novas disposições e as regras precedentes ou da circunstância de a nova lei regular toda a matéria da lei anterior”, para além disso, dispõe o n.º 3 que “a lei geral não revoga a lei especial, excepto se outra for a intenção inequívoca do legislador.”
26. A revogação diz-se, assim, tácita «quando resulta da incompatibilidade entre as disposições novas e as antigas, ou ainda quando a nova lei regula toda a matéria da lei anterior – substituição global» ([12]) – cfr. Parecer do Conselho Consultivo da PGR, de 08-10-2009, in www.dgsi.pt
27. O que não se verifica no presente caso.
28. Acresce que, a nomeação dos AA. foi devidamente comunicada ao IGFIJ, IP, nos termos de comunicação da anterior entidade competente, bem como, as folhas mensais de controlo de pagamentos com a indicação do número de consultas prestadas por cada um dos autores e o correspondente valor a pagar, sem a apresentação de qualquer reclamação ou pedido de esclarecimento por parte daquele Instituto ou de outra entidade.
29. Aliás, durante todo o tempo que decorreu a prestação dos serviços por parte dos AA., quase um ano (setembro de 2010 a setembro de 2011), apesar de instado, nomeadamente, o Ministério da Justiça, nunca foi referida ou invocada qualquer revogação tácita do Convénio e Regulamentos relativos ao Gabinete de Consulta Jurídica de (...), sempre tendo sido criada, durante todo esse tempo, a expectativa nos AA. de que o pagamento iria acontecer, apenas faltando colmatar uma omissão legislativa que se verificava, nomeadamente de norma habilitante para que o referido Instituto procedesse aos respetivos pagamentos, o que nunca veio a acontecer.
30. Seguimos, assim, a douta sentença proferida nos autos, e que se considera que não é colocada em causa no recurso interposto que “os Gabinetes Jurídicos foram criados por diploma legal, existiam em termos orgânicos, encontrando-se em pleno funcionamento, gerando uma previsível despesa que tinha que ser acautelada pelo Orçamento. Os honorários constituíam despesas mensais que reclamavam fiscalização, apuramento do valor da despesa, processamento e pagamento.” (sublinhado nosso).
31. Finalmente, atenta a falta de personalidade jurídica e judiciárias do Gabinete de Consultas Jurídicas de (...), decidida pelo Tribunal a quo (cfr. despacho saneador a fls. ... dos autos) se a tese do Réu procedesse, seriam os AA. a assegurar e garantir o direito a consulta jurídica gratuita plasmado na Lei e na Constituição, a todos os cidadãos que não dispõe de capacidade económica para pagar uma consulta jurídica!
33332. Verifica-se, assim, conforme referido, e bem, na douta sentença recorrida, que o “Ministério da Justiça – pese embora ter conhecimento da necessidade – omitiu providências legislativas indispensáveis para garantir o pagamento dos serviços prestados, ainda que por via da Ordem dos Advogados.”
33. Que, “a situação de ilicitude – não pagamento das quantias devidas aos Autores – era susceptível de ser evitada, bastando, para tanto, ao Ministério da Justiça diligenciar pela aprovação de providências legislativas/regulamentares ou pela determinação através de despacho.”
34. Que, “a omissão do Ministério da Justiça impediu a própria Administração Pública de cumprir compromissos assumidos por Convénio, violando por consequência direitos ou interesses legalmente protegidos dos Autores, uma vez que tal omissão apresenta-se desconforme com a própria Constituição quando designadamente subordina os órgãos e agentes administrativos aos ditames de princípios como o da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da boa-fé.”
35. Concluindo, assim, que a “falta de actuação, enquanto facto ilícito, merece um juízo de censura imputável exclusivamente ao Ministério da Justiça, pelo que o Estado terá de responder pelo dano, a saber: não recebimento atempado das quantias em dívida – conforme decorre do artigo 15.º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas. A indemnização a atribuir para reparar o prejuízo dos Autores passará pelo pagamento de juros de mora a contar desde o mês seguinte àquele a que as folhas mensais de controlo de pagamento deram entrada (independentemente da concreta Entidade) no Ministério da Justiça [à taxa legal de 4% (cfr. art.º 559º, nº 1, do Código Civil e art.º 1º da Portaria nº 291/2003)].”
36. Assim, mantém-se a omissão legislativa, que levou à condenação do Estado Português nos presentes autos, ao contrário do que sustenta o recurso interposto.
37. Relativamente à segunda questão referida no recurso, a condenação do Estado Português, ao contrário do que aconteceu no anterior processo, em que foi condenado o Ministério da Justiça, a mesma já foi decidida pelo Tribunal a quo, no despacho saneador.
38. Conforme decorre dos autos, o Ministério da Justiça foi citado da presente ação, tendo apresentado contestação, invocando, para além do mais, a respetiva ilegitimidade passiva – cfr. contestação apresentada pelo MJ a fls... dos autos,
39. Através do douto despacho, a fls. ... dos autos, a Mma. Juiz a quo decidiu, para o que mais interessa, “verificado erro na forma de processo”, tendo convolado a ação administrativa especial, intentada pelos AA., em ação administrativa comum. Desta decisão houve reclamação para a Conferência, que confirmou a decisão da Mma. Juiz a quo.
40 Nestes termos, verificando-se a referida convolação, em 25 de agosto de 2016, a Mma. Juiz a quo proferiu a seguinte decisão, já transitada em julgado:
“Os presentes autos foram convolados em ação administrativa comum.
É sabido que apenas quando esteja em causa a ação ou omissão de uma entidade pública no âmbito de uma ação administrativa especial pode, no caso da pessoa coletiva Estado, ser parte demandada o ministério a cujos atos seja imputável o ato impugnado ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os atos omitidos (sem prejuízo de se poderem indicar os órgãos).
Ora, nos processos que tenham por objeto relações contratuais e de responsabilidade parte legítima será o Estado Português, representado pelo Ministério Público nos termos do art. 11.º, n.º 2 do CPTA.
Nos presentes autos os AA. demandaram, além do mais, o Ministério da Justiça, o qual não dispõe neste âmbito de personalidade jurídica e judiciária, e o Estado Português, mas neste último caso “a citar na pessoa do Ministro da Justiça” o que veio a suceder.
a. Notifique as partes para se pronunciarem quanto à falta de personalidade jurídica e judiciária do Ministério da Justiça;
b. Proceda à citação do Estado Português, mas representado pelo Ministério Público.”
41. Tendo tal questão sido decidida definitivamente no despacho saneador, a fls... dos autos, em 9 de fevereiro de 2017, que aqui, por brevidade, se dá integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais, quando decidiu, para além do mais, da falta de personalidade jurídica e judiciária do Ministério da Justiça, do Gabinete para a Resolução Alternativa de Litígios (Direcção-Geral da Política de Justiça) e do Gabinete de Consulta Jurídica de (...).
42. Para além disso, relativamente à ilegitimidade passiva invocada pelo Réu Estado Português, refere aquele douto despacho que:
43. “Também o Estado Português se arroga parte ilegítima entendendo que,
nos termos dos normativos aplicáveis e dos convénios celebrados, cabe ao Ministério da Justiça e ao IGFEF, IP a prática dos atos materiais e jurídicos adequados a dar satisfação à pretensão dos AA., que inexiste qualquer relação contratual entre os AA. e o Estado ou o Ministério da Justiça, e que não sendo esta uma ação de contrato ou de responsabilidade pura a legitimidade passiva não pertence ao Estado mas sim ao Ministério da Justiça.” (Ministério da Justiça que já havia também invocado a respetiva ilegitimidade).”

44. Refere, ainda, o douto despacho saneador que, “resulta da alegação dos AA. que estes prestaram serviços de consulta jurídica no Gabinete de Consulta jurídica de (...), sustentando que esta estrutura resulta de convénios celebrados entre a Ordem dos advogados e o Ministério da Justiça no âmbito do regime do acesso ao direito e aos tribunais , e que ao Ministério da Justiça incumbe a atribuição dos fundos necessários ao pagamento dos honorários devidos aos advogados pela prestação dos serviços no Gabinete.
45. Como se disse supra, o Ministério da Justiça não tem personalidade jurídica e judiciária, antes a mesma é da pessoa coletiva pública Estado Português, daí que as imputações feitas ao Ministério da Justiça redundem, na realidade, em serem atribuídas tais responsabilidades ao Estado Português. Sabendo-se que só no âmbito das ações administrativas especiais o legislador permite a extensão da personalidade jurídica e judiciárias aos ministérios, em ações que, como a dos autos, a pretensão é o pagamento de quantias (sem estar subjacente a prática de qualquer ato administrativo), não é de aplicar o disposto no art.º 10.º, n.º 2 do CPTA, pelo que parte legítima será pois o Estado Português.”
46. Concluindo o douto despacho que “o R., Estado Português é parte legítima, pois nos moldes em que os AA. configuram a causa de pedir, e nele estar integrado o Ministério da Justiça, aduzindo que este é a entidade a quem cabe disponibilizar os fundos destinados ao pagamento das quantias que reputam ser-lhe devidas, tem interesse direto em contradizer a presente ação.”
47. O despacho saneador destina-se, nomeadamente, a conhecer das exceções dilatórias, como é o caso da ilegitimidade passiva, e das nulidades suscitadas pelas partes, sendo que, nos termos do disposto no art.º 595.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (ex vi art.º 1.º do CPTA) e no art.º 87.º, n.º 2 do CPTA (na redação aplicável ao presente processo), que agora se encontra plasmado no 88.º, n.º 2, do CPTA, tais questões, decididas no despacho saneador, não podem vir a ser reapreciadas.” (sublinhado nosso).
48. O art.º 595.º, n.º 3 do CPC, refere, ainda, que no caso previsto na alínea a) do n.º 1, (decisão sobre as exceções dilatórias) o despacho constitui, logo que transite, caso julgado formal, quanto às questões concretamente apreciadas.”
49. Assim, tendo o tribunal a quo apreciado expressamente e decidido sobre a legitimidade do Réu Estado Português (e sobre a ilegitimidade Ministério da Justiça), não poderia voltar a apreciar e decidir (noutro sentido) sobre tal questão, atento o disposto no art.º 613º do CPC, sob pena de nulidade – cfr. art.º 615º, nº 1, alínea d), do CPC.
50. Verifica-se, pois, que, ao contrário da invocada nulidade de decisão que o recurso advoga, que essa nulidade não se verifica na douta sentença recorrida, mas verificar-se-ia caso o tribunal tivesse alterado a decisão anterior quanto legitimidade do réu Estado Português.
51. Não pode, por isso, agora o Réu Estado Português vir invocar que os atos em falta, necessários à satisfação da pretensão dos AA., caberia ao Ministério da Justiça e ao IGFEG, IP, pois tal questão já foi definitivamente decidida nos autos, com trânsito em julgado, tanto mais que aquele ministério teve intervenção neste processo, tendo o tribunal tomado uma decisão relativamente a tal questão, pronunciando-se no sentido da ilegitimidade do ministério.
52. Atente-se, ainda, que aos presentes autos aplica-se a redação do art.º 10.º do CPTA anterior à entrada em vigor do DL n.º 214-G/2015, de 02/10.
53. De todo o modo, sempre se acompanha o raciocínio de que “são numerosos os órgãos do Estado, bem como os serviços públicos que auxiliam esses órgãos. O Governo, os membros do Governo individualmente considerados, os directores-gerais, os governadores civis, os chefes das repartições de finanças – e tantos outros – são órgãos do Estado. Os ministérios, as secretarias de Estado, as direcções-gerais, os governos civis, as repartições de finanças – e tantas outras – são serviços públicos do Estado”.
54. “Personalidade jurídica una: apesar da multiplicidade das atribuições, do pluralismo dos órgãos e serviços, e da divisão em ministérios, o Estado mantém sempre uma personalidade jurídica una. Todos os ministérios pertencem ao mesmo sujeito de direito, não são sujeitos de direito distintos: os ministérios e as direcções-gerais não têm personalidade jurídica 1. Cada órgão do Estado – cada Ministro, cada director-geral, cada governador civil, cada chefe de repartição – vincula o Estado no seu todo, e não apenas o seu ministério ou o seu serviço. Consequentemente, o património do Estado é só um (...)” - Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, 3.ª Edição, Vol. I, Almedina, pág. 230
55. Ou seja, aos ministérios é atribuída, em determinadas ações, personalidade judiciária, e por meras questões de comodidade dos particulares, como diz o Autor. Em última instância, sendo o património do Estado um só e vinculando, cada órgão, o Estado no seu todo, a condenação do Estado ou do Ministério da Justiça, materialmente, é igual porquanto é o mesmo património que responderá.
56. Não se verifica, assim, a ininteligibilidade da decisão recorrida, nem a invocada nulidade,
57. Pelo que, deve improceder o recurso interposto pelo Réu Estado Português, mantendo a douta sentença recorrida.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado improcedente, confirmando-se assim o decidido na sentença recorrida».

1.12. Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
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II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO.

2.1. Conforme jurisprudência firmada, o objeto de recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.

Acresce que por força do artigo 149.º do CPTA, o tribunal ad quem, no âmbito do recurso de apelação, não se queda por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decide “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.

2.2. Assentes nas enunciadas premissas, as questões que se encontram submetidas à apreciação do tribunal ad quem e que importa resolver, passam por saber se:

a) se o despacho saneador que julgou o Ministério da Justiça carecido de personalidade judiciária e o absolveu da instância, padece de erro de direito, a propósito do que se suscita a questão prévia de saber se essa decisão era imediata e autonomamente recorrível e se não tendo o apelante interposto recurso da mesma se pode agora imputar a essa decisão os erros de direito que lhe assaca;

b) se a sentença recorrida enferma de vício de nulidade constante da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, por contradição entre a decisão e a fundamentação;

c) se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento sobre a matéria de direito por violar o disposto no artigo 8º, nº 3, do Código Civil, artigo 15º da Lei nº 67/2007, de 31/12 (RRCEE), a Lei n.º 34/2004, e respetivas alterações, e Portaria nº 10/2008, e respetivas alterações, com a redação introduzida pela Portaria n.º 654/10, de 11/08.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
A.DE FACTO

3.1. A 1.ª Instância deu como provados, com interesse para a decisão da causa, os seguintes factos:

«A) Em 28-11-1989 foi celebrado entre o MINISTÉRIO DA JUSTIÇA e a ORDEM DOS ADVOGADOS, tendente à instalação do GABINETE DE CONSULTA JURÍDICA DO PORTO, o Convénio cujo teor, em parte, segue:
1ª. A consulta jurídica do Gabinete de Consulta Jurídica do Ministério da Justiça é assegurada exclusivamente por advogados e advogados estagiários, nos termos do presente convénio;
2ª. Os serviços prestados pelos advogados e advogados estagiários serão remunerados nos termos da tabela constante do anexo ao presente convénio, a qual será revista anualmente com base na taxa oficial de inflação divulgada pelo Banco de Portugal;
3ª. O pagamento dos advogados e advogados estagiários será feito pela Ordem dos Advogados, com os fundos que lhe forem atribuídos pelo Ministério da Justiça e de acordo com o processo previsto na cláusula 14ª; (...)
14ª.
1. No final de cada mês, o Director de cada um dos Gabinetes enviará ao Gabinete do Ministro da Justiça uma nota, discriminada por cada consultor, do número de consultas dadas e dos quantitativos a processar a cada um;
2. Mediante prévio despacho do Ministro da Justiça, as quantias serão processadas a cada um dos consultores por intermédio do Conselho Geral da Ordem dos Advogados e do Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados, conforme os casos; (...)
17ª. As quantias previstas no presente convénio serão asseguradas pelo Ministério da Justiça, por verbas próprias a consignar no Orçamento do Estado ou por outras que, para o efeito, venham a ser consignadas;
(cfr. o documento intitulado “Convénio entre o MINISTÉRIO DA JUSTIÇA e a ORDEM DOS ADVOGADOS”, junto aos autos com a p.i. sob a designação “doc. 1”, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
B) O GABINETE DE CONSULTA JURÍDICA DE (...), criado pela Portaria nº 1231-A/90, de 26 de Dezembro, foi instalado e funcionou no edifício da Câmara Municipal de (...), sito no Largo (…), na cidade de (...), em instalações cedidas pela referida Edilidade;
C) Em cumprimento do disposto no Regulamento do Gabinete de Consulta Jurídica de (...), aprovado pela Portaria nº 1231-A/90, de 26 de Dezembro, foi celebrado, no dia 10-01-1991, um protocolo entre o MUNICÍPIO DE (...) e a Delegação de (...) da ORDEM DOS ADVOGADOS, de cujo teor se destaca o seguinte:
Entre a CÂMARA MUNICIPAL DE (...) e a DELEGAÇÃO DA ORDEM DOS ADVOGADOS DA COMARCA DE (...) é celebrado o presente protocolo a que se refere o artigo 16º do Regulamento do Gabinete de Consulta Jurídica de (...) homologado pela Portaria nº 1231-A/90, de 26 de Dezembro: (...)
ARTIGO 2º
O secretariado do Gabinete é assegurado pelos Serviços Sociais da Câmara Municipal de (...).
CAPITULO II
ATRIBUIÇÕES
ARTIGO 3º
Compete à Câmara Municipal:
a) Ceder, manter e equipar gratuitamente as instalações para o funcionamento do Gabinete;
b) Atribuir ao Gabinete um subsídio anual actualizável de 15.000$00 para a aquisição de livros jurídicos de consulta mais frequente;
c) Destacar até dois funcionários para o exercício de funções de secretariado do Gabinete;
d) Divulgar, por quaisquer meios eficazes e idóneos, a existência do Gabinete, os objectivos do mesmo, os pressupostos para a obtenção dos serviços pelo mesmo prestados, bem como a gratuitidade dos mesmos;
e) Através do secretariado, inscrever e escalar os consulentes que poderão beneficiar do serviço prestado pelo Gabinete, agendar as consultas e bem assim registar e arquivar toda a documentação relativa a cada consulente.
ARTIGO 4º
Compete à Delegação da Ordem dos Advogados da Comarca de (...):
a) Assegurar a organização eficiente do Gabinete, sendo para tal coadjuvada pelo respectivo secretariado;
b) Promover e diligenciar a atempada resolução de todas as questões decorrentes da actividade do Gabinete;
c) Definir os pressupostos e as condições para o acesso à informação jurídica, consulta e orientação a prestar aos consulentes do Gabinete;
d) Garantir o funcionamento do Gabinete em duas sessões semanais de duas horas cada uma, mediante a nomeação de dois advogados para o efeito.
CAPITULO III
LOCAL DO GABINETE
ARTIGO 5º
O Gabinete funcionará nas instalações da Câmara Municipal de (...), em espaço por esta escolhido com aptidão para os fins a que se destina, depois de ouvido o Director do Gabinete. (...)
CAPITULO VIII
EXPEDIENTE
ARTIGO 22º
1º- Todo o expediente de secretariado, nomeadamente os modelos de fichas de inscrição, declarações, ofícios, registos e arquivos, será elaborado pelo Director do Gabinete e executado pela Câmara Municipal de (...).
2º- Ao arquivo têm acesso tão somente o Director do Gabinete, os advogados nomeados, bem como os funcionários do secretariado, mas estes apenas na medida do necessário para o exercício das respectivas funções. (...)
(cfr. o documento intitulado “Protocolo”, a fls. 558-567 do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
D) O GABINETE DE CONSULTA JURÍDICA DE (...) funcionou, desde a sua origem, de forma ininterrupta, nunca tendo suspendido ou interrompido a sua actividade;
E) O GABINETE DE CONSULTA JURÍDICA DE (...) funcionava duas vezes por semana, às segundas-feiras e quartas-feiras, das 14:00 às 19:00;
F) Em data não concretamente apurada, os serviços da Direcção Geral da Administração Extrajudicial elaboraram a informação nº 2/DSADT/2005, de cujo teor se destaca o seguinte:
A DGAE tem assegurado, desde o ano de 2002, os encargos com as despesas dos Gabinetes de Consulta Jurídica, conforme decorre dos compromissos financeiros assumidos nos respectivos Protocolos de criação, outorgados entre o Ministério da Justiça e a Ordem dos Advogados.
No ano de 2004 o orçamento da DGAE não foi, contudo, dotado de verba para fazer face aos encargos previstos com a actividade dos Gabinetes de Consulta Jurídica.
Assim e por despacho da Sua Ex.ª a Ministra da Justiça, de 14 de Fevereiro pp, foi determinado que, até á criação do IAD, os encargos com os Gabinetes de Consulta Jurídica continuariam a ser assumido pela DGAE e que, para tal, o seu orçamento seria reforçado com montante igual ao das importâncias a despender (cf. despacho em anexo).
Continuou, pois, esta Direcção Geral a receber, validar, processar e pagar as despesas dos Gabinetes de Consulta Jurídica decorrentes da actividade destes e respeitantes a consultas, apoio logístico quando convencionado e honorários dos directores dos Gabinetes de Consulta Jurídica de Lisboa e do Porto. (...)
Relativamente ao ano de 2005, a situação é, em tudo idêntica, à do ano transacto, ou seja, embora continuando a ter, na sua lei orgânica, a actividade, esta não está orçamentada, não dispondo o orçamento da DGAE de qualquer montante para fazer face aos encargos previsíveis com os Gabinetes de Consulta Jurídica.
Urge, assim, providenciar que, ano âmbito do orçamento do Ministério da Justiça para 2005, seja definida qual a entidade que assumirá as responsabilidades financeiras decorrentes da actividade dos Gabinetes de Consulta Jurídica.
(cfr. documento junto com o requerimento probatório do IGFEJ, IP sob a designação “doc. 6”, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
G) Em 03-03-2005, o Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça exarou, sobre a informação referida na alínea anterior, o despacho que segue:
Determino que, enquanto não for criado o Instituto de Acesso ao Direito ou estrutura equivalente, o pagamento dos honorários relativos à consulta jurídica a que se refere o art. 14º da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho seja processado pelo IGFPJ em cumprimento e nos termos do disposto no nº 3 do art. 6º da Portaria nº 1386/2004, de 10 de Novembro.
(cfr. documento junto com a contestação do IGFEJ, IP sob a designação “doc. 1”);
H) Por carta datada de 16-07-2009, o GABINETE PARA A RESOLUÇÃO ALTERNATIVA DE LITÍGIOS informou o GABINETE DE CONSULTA JURÍDICA DE (...) de que a partir de tal data toda a documentação relativa ao pagamento das consultas jurídicas efectuadas no âmbito dos Gabinetes de Consulta Jurídica deveria ser remetida para o INSTITUTO DE GESTÃO FINANCEIRA E DE INFRA-ESTRUTURAS DA JUSTIÇA, I.P. (cfr. documento junto aos autos com a p.i. sob a designação “doc. 4”);
I) A tabela de honorários mínimos segundo o estilo da comarca de (...) fixa como valor mínimo de cada consulta a quantia de 40,00 €, acrescida de IVA à taxa legal (cfr. acta da deliberação da Assembleia Geral da Delegação da Comarca de (...) da ORDEM DOS ADVOGADOS de 31-03-2005, junta aos autos com a p.i. sob a designação “doc. 2”);
Mais se provou o seguinte:
J) O 1º autor é advogado inscrito na ORDEM DOS ADVOGADOS, com a cédula profissional nº (...), fazendo da advocacia a sua profissão habitual e remunerada;
K) A 2ª autora é advogada inscrita na ORDEM DOS ADVOGADOS, com a cédula profissional nº (...), fazendo da advocacia a sua profissão habitual e remunerada;
L) Em Setembro de 2010, os autores foram nomeados pela Directora do GABINETE DE CONSULTA JURÍDICA DE (...), ouvida a Delegação de (...) da ORDEM DOS ADVOGADOS, para iniciarem funções naquele GABINETE;
M) A partir de 20-09-2010, os autores iniciaram a prestação de serviços naquele GABINETE, nele comparecendo nos dias acordados entre ambos, prestando as consultas jurídicas que lhes foram solicitadas durante o horário definido;
N) E assim ocorreu até ao dia 07-09-2011, tendo, nesta data, os autores sido substituídos por outros dois colegas que haviam sido, igualmente, nomeados pelo Director do GABINETE, ouvida a Delegação de (...) da ORDEM DOS ADVOGADOS;
O) Aquando da nomeação dos autores, o GABINETE remeteu, por carta datada de 21-09-2010, para a o INSTITUTO DE GESTÃO FINANCEIRA E DE INFRA-ESTRUTURAS DA JUSTIÇA, I.P., a identificação dos autores com a indicação do regime fiscal em que os mesmos se encontravam a fim de ser efectuado o pagamento dos honorários a eles devidos (cfr. documento junto aos autos com a p.i. sob a designação “doc. 3”);
P) No período compreendido entre 20-09-2010 e 07-09-2011, o 1º autor prestou o seguinte número de consultas jurídicas:
Setembro 2010: 10 consultas, no valor global de 420,00 €
Outubro 2010: 28 consultas, no valor global de 1176,00 €
Novembro 2010: 15 consultas, no valor global de 630,00 €
Dezembro 2010: 2 consultas, no valor global de 84,00 €
Janeiro 2011: 17 consultas, no valor global de 714,00 €
Fevereiro 2011: 17 consultas, no valor global de 714,00 €
Março 2011: 17 consultas, no valor global de 714,00 €
Abril 2011: 5 consultas, no valor global de 210,00 €
Maio 2011: 21 consulta, no valor global de 882,00 €
Junho 2011: 14 consultas, no valor global de 588,00 €
Julho 2011: 15 consultas, no valor global de 630,00 €
Setembro 2011: 4 consultas, no valor global de 168,00 €
(cfr. documentos juntos aos autos com a p.i. sob as designações “doc. 5” a “doc. 16”);
Q) No período compreendido entre 20-09-2010 e 07-09-2011, a 2ª autora prestou o seguinte número de consultas jurídicas:
Setembro 2010: 13 consultas, no valor global de 546,00 €
Outubro 2010: 20 consultas, no valor global de 840,00 €
Novembro 2010: 16 consultas, no valor global de 672,00 €
Dezembro 2010: 17 consultas, no valor global de 714,00 €
Janeiro 2011: 19 consultas, no valor global de 798,00 €
Fevereiro 2011: 23 consultas, no valor global de 966,00 €
Março 2011: 23 consultas, no valor global de 966,00 €
Abril 2011: 8 consultas, no valor global de 336,00 €
Maio 2011: 17 consulta, no valor global de 714,00 €
Junho 2011: 17 consultas, no valor global de 714,00 €
Julho 2011: 14 consultas, no valor global de 588,00 €
Setembro 2011: 8 consultas, no valor global de 336,00 €
(cfr. documentos juntos aos autos com a p.i. sob as designações “doc. 5” a “doc. 16”);
R) Em cada mês seguinte àquele em que foi prestado o serviço, o GABINETE remeteu ao INSTITUTO DE GESTÃO FINANCEIRA E DE INFRA-ESTRUTURAS DA JUSTIÇA, I.P., as correspondentes folhas mensais de controlo de pagamentos com a indicação do número de consultas prestadas por cada um dos autores e o correspondente valor a pagar (cfr. documentos juntos aos autos com a p.i. sob as designações “doc. 5” a “doc. 16”);
S) O INSTITUTO DE GESTÃO FINANCEIRA E DE INFRA-ESTRUTURAS DA JUSTIÇA, I.P. recebeu a informação referida na alínea anterior, não tendo, relativamente a cada uma das folhas mensais de controlo de pagamentos, efectuado qualquer reclamação ou pedido de esclarecimento, nomeadamente quanto ao número de consultas, bem como quanto ao valor fixado para as mesmas;
T) O MINISTÉRIO DA JUSTIÇA e o INSTITUTO DE GESTÃO FINANCEIRA E DE INFRA-ESTRUTURAS DA JUSTIÇA, I.P. não entregaram à ORDEM DOS ADVOGADOS, ou à sua Delegação de (...), ou sequer directamente aos autores, qualquer verba destinada ao pagamento dos honorários referidos na alínea R) (acordo).
*
FACTOS NÃO PROVADOS
Não existem factos a dar como não provados com interesse para a decisão em causa, atenta a causa de pedir.»
***

III.B.DE DIREITO
b.1. Se o despacho saneador que julgou o Ministério da Justiça carecido de personalidade judiciária e o absolveu da instância, padece de erro de direito, a propósito do que se suscita a questão prévia de saber se essa decisão era imediata e autonomamente recorrível e se não tendo o apelante interposto recurso da mesma se pode agora imputar a essa decisão os erros de direito que o Apelante lhe assaca.

3.2. Nas conclusões de recurso formuladas sob os pontos 29.º a 33.º, o apelante alega que os atos em falta, necessários à satisfação da pretensão dos autores, caberiam antes ao Ministério da Justiça e ao IGFEG, IP. Com tal alegação, o mesmo mais não está do que a insurgir-se contra o despacho saneador que absolveu da instância o Ministério da Justiça com o fundamento de que o mesmo não detinha personalidade jurídica e judiciária, antes a mesma era da pessoa coletiva pública Estado Português.

E sendo assim, importa prima facie verificar se o Apelante está em tempo para impugnar a decisão que absolveu o Ministério da Justiça da instância.

Conforme resulta dos autos, o Ministério da Justiça foi citado para a presente ação, tendo apresentado contestação na qual se defendeu por exceção, invocando, para além do mais, a sua ilegitimidade passiva.

O Tribunal a quo proferiu despacho que decidiu, entre o mais, a existência de erro na forma de processo, convolando a ação administrativa especial, intentada pelos AA., em ação administrativa comum. E no despacho saneador decidiu que nos processos que tenham por objeto relações contratuais e de responsabilidade parte legítima será o Estado Português, representado pelo Ministério Público, nos termos do artº. 11.º, n.º 2 do CPTA., e assim, considerou o Ministério da Justiça como carecido de personalidade jurídica e judiciária, assim como o Gabinete para a Resolução Alternativa de Litígios (Direcção-Geral da Política de Justiça) e o Gabinete de Consulta Jurídica de (...), julgando parte legítima o Estado Português.

O despacho saneador destina-se entre outros fins, a conhecer das exceções dilatórias, como é o caso da ilegitimidade passiva constituindo caso julgado formal logo que transite ( art.º 87.º, n.º2 do CPTA e art.º 595.º, n.ºs 1, al. a) e 3 do CPC).

Nos termos do disposto no artigo 644.º, n.º1, alínea b) do CPC cabe apelação autónoma doDespacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa ou absolva da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos”.

No caso, tendo o Tribunal a quo apreciado e decidido sobre a legitimidade do Réu Estado Português e sobre a falta de personalidade judiciária do Ministério da Justiça, que absolveu da instância, em sede de despacho saneador, e não tendo sido interposto recurso autónomo contra essa decisão, a mesma transitou em julgado, tratando-se de questão definitivamente decidida, que impede que este Tribunal possa agora entrar na sua apreciação.

A falta de impugnação através de recurso interposto contra o despacho saneador que absolva algum dos réus da instância, preclude a possibilidade da sua impugnação com o recurso da decisão final.

Assim, não podem os erros de direito que o Apelante imputa à decisão que absolveu o Ministério da Justiça da instância e que considerou o Estado parte legítima, serem apreciados no âmbito do presente recurso, por se tratarem de questões definitivamente decididas e consolidadas na ordem jurídica.

Termos em que improcede o recurso quanto aos erros de direito que o Apelante assaca ao despacho saneador devidamente transitado em julgado.
**

b.2. Da nulidade da sentença com fundamento na existência de contradição entre a decisão e os seus fundamentos ( cfr. alínea c) do n.º1 do art.º 615.º do CPC).

3.3.O Apelante imputa à sentença recorrida o vício de nulidade previsto na alínea c) do n.º1 do art.º 615.º do CPC.

Prescreve o art.º 615º, n.º 1, al. c), do CPC, que a sentença é nula, entre o mais, quando «Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível».

Esta nulidade está relacionada com a obrigação imposta pelos artigos 154º e 607º, n.ºs 3 e 4, ambos do Código de Processo Civil, do juiz fundamentar as suas decisões e com o facto de se exigir que a decisão judicial constitua um silogismo lógico-jurídico, em que a decisão seja a consequência ou conclusão lógica da aplicação da norma legal aos factos.

Por outras palavras, “os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, funcionam na estrutura expositiva e argumentativa em que se traduz a sentença, como premissas lógicas necessárias para a formação do silogismo judiciário”, pelo que “constituirá violação das regras necessárias à construção lógica da sentença que os fundamentos da mesma conduzam logicamente a conclusão diferente da que na mesma resulta enunciada”. Cfr. Ac. TRG, de 14/05/2015, Processo nº 414/13.6TBVVD.G;

No mesmo sentido, Acórdão da Relação de Coimbra, de 11/01/1994, Cardoso Albuquerque, BMJ nº 433, pg. 633, onde se lê que “entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica pelo que se, na fundamentação da sentença, o julgador segue determinada linha de raciocínio apontando para determinada conclusão e, em vez de a tirar, decide em sentido divergente, ocorre tal oposição” e ainda, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 13/02/1997, e de 22/06/1999, BMJ nº 464, página 524 e CJ, 1999, Tomo II, página 160, respetivamente).
Esta nulidade substancial está para a decisão do tribunal como a contradição entre o pedido e a causa de pedir está para a ineptidão da petição inicial, posto que em ambos os casos falta um nexo lógico entre as premissas e a conclusão (art.º 186º, nºs 1 e 2, al. b) do CPC).


Com vista a fundamentar a aludida nulidade da sentença recorrida ( art.º 615.º, n.º1, al. c) do CPC), o Apelante sustenta que a sentença recorrida ao aderir aos fundamentos da sentença proferida na ação n.º 1842/10.4 BEBRG incorre em contradição entre a fundamentação e a decisão já que a fundamentação por adesão conduz à condenação de uma entidade distinta daquela que no dispositivo da decisão recorrida foi condenada nos pedidos formulados. A ambiguidade gerada pela condenação nas duas decisões de duas entidades distintas – numa o Ministério da Justiça e noutra o Estado Português – com a mesma fundamentação torna ininteligível a decisão recorrida, o que constitui nulidade da decisão recorrida.

Aduz que a decisão recorrida assenta no equívoco de que o Estado e o Ministério da Justiça não são entidades distintas, radicando esse equívoco no facto de não se considerar que esta ação não é de responsabilidade pura do Estado nem tem por objeto relações contratuais e antes considerar que o Ministério da Justiça não tem personalidade jurídica e judiciária, antes a mesma é da pessoa coletiva pública Estado Português, concluindo erradamente que as imputações feitas ao Ministério da Justiça redundem, na realidade, em serem atribuídas tais responsabilidades ao Estado Português, nomeadamente a responsabilidade de assegurar o pagamento das quantias previstas no convénio por verbas próprias a consignar no Orçamento do Estado ou por outras que, para o efeito, venham a ser consignadas.

Numa primeira abordagem à questão da alegada nulidade da sentença consubstanciada numa contradição insanável entre os fundamentos e a decisão, prevista no artigo 615º, nº 1 al- c) do CPC, cumpre-nos dizer que não vislumbramos a apontada nulidade da sentença.

A condenação do Réu Estado no âmbito da presente ação, ao invés do Ministério da Justiça, como sucedeu no âmbito do processo n.º 1842/10.4BEBRG não torna a sentença recorrida nula por contradição entre os seus fundamentos e a respetiva decisão.

A assistir razão ao Recorrente, quando sustenta que o responsável pelo pagamento das quantias reclamadas, a serem devidas, é o Ministério da Justiça e não o Estado Português, tal como foi julgado na decisão que o TAF de Braga proferiu no processo n.º 1842/10.4 BEBRG, a cuja fundamentação o Tribunal a quo aderiu, estar-se-á perante um erro de julgamento e não perante um vício da sentença que determine a sua nulidade nos termos da alínea c) do n.º1 do art.º 615.º do CPC.

A circunstância de a entidade condenada ao pagamento ser o Estado e não o Ministério da Justiça, não impedia que o Tribunal a quo acolhesse os mesmos fundamentos que levaram à condenação do Ministério da Justiça no referenciado processo, e a reconhecer, em conformidade, que os autores têm direito a ver-lhes paga as quantias que reclamam relativas às consultas jurídicas que realizaram no âmbito do Gabinete de Consulta Jurídica de (...).
É que, pese embora o Tribunal a quo tenha seguido a fundamentação veiculada pelo TAF de Braga na sentença proferida no processo n.º1842/10.4BEBRG e a entidade condenada seja outra, no caso o Estado, nenhuma contradição existe entre a decisão e a sua fundamentação na medida em que no presente processo o Ministério da Justiça foi considerado carecido de personalidade judiciária, e como tal, absolvido da instância, tendo-se antes julgado como detendo legitimidade passiva o Estado Português, não sendo por via disso que os fundamentos jurídicos da decisão acolhida deixam de poder sustentar a decisão condenatória do Estado.

O facto de a entidade condenada nestes autos ser o Estado ao invés do Ministério da Justiça não torna a decisão e os seus fundamentos ininteligíveis. Ademais, considerando que o Ministério da Justiça foi absolvido da instância em sede de despacho saneador e que dessa decisão não foi oportunamente interposto recurso, nunca a decisão recorrida poderia condenar o Ministério da Justiça, que deixou de ser parte nos presentes autos.

É perfeitamente claro que a decisão recorrida não enferma do apontado vício de nulidade, não sofrendo de qualquer ambiguidade ou obscuridade que a torne ininteligível.

Termos em que improcede a invocada nulidade.
**

b.3. Do erro de julgamento sobre a matéria de direito decorrente da violação do artigo 8º, nº 3, do Código Civil, artigo 15º da Lei nº 67/2007, de 31/12 (RRCEE), da Lei n.º 34/2004, e respetivas alterações, e das Portaria 10/2008 e 654/10, de 11/08.

3.4. Os Autores intentaram a presente ação alegando como fundamento da sua pretensão que enquanto advogados e na sequência de nomeação, prestaram serviços de consulta jurídica no Gabinete de Consulta Jurídica de (...) (GCJG), no período compreendido entre o dia 10.09.2010 e o dia 07.09.2011, o qual manteve inalterado o seu modo de operar desde a respetiva criação, através da Portaria n.º 1231-A/90, tendo sido fixado o valor de honorários por consulta de €40,00. Mais alegaram que, pese embora as interpelações que efetuaram, nunca foram pagos pelos serviços prestados, a que têm direito, nos termos do disposto nos artigos 1154.º, 1158.º, 1167.º, 762.º, 789.º, 804.º e 806.º do Código Civil.

A 1.ª Instância julgou a ação movida pelos Autores como procedente por provada e, consequentemente, condenou o Apelante ao pagamento das quantias reclamadas por cada um dos autores como contrapartida pela prestação de serviços de consulta jurídica no âmbito do GCJG no período compreendido entre o dia 20 de setembro de 2010 e 07 de setembro de 2011, acrescida de juros de mora, absolvendo dos pedidos os demais Réus.

O Apelante discorda da decisão recorrida que, por sua vez, acolheu a fundamentação seguida na sentença proferida no processo n.º 1842/10.4BEBRG, na qual, perante questão idêntica mas relativa a consultas prestadas no período compreendido entre 22/09/2008 e 15/09/2009, o TAF de Braga condenou o Ministério da Justiça a pagar as quantias aí reclamadas com fundamento no instituto da responsabilidade civil extracontratual do Estado e das demais entidades públicas, nos termos do art.º 15.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro ou seja, com fundamento na omissão de providências legislativas indispensáveis para garantir o pagamento dos serviços prestados, ainda que por via da Ordem dos Advogados. Considerou o Tribunal a quo que o Ministério da Justiça agiu ilicitamente, pelo que tinha de responder pelos danos causados ao abrigo da referida norma.

Lê-se na decisão recorrida designadamente o seguinte: «Com a revogação parcial da aludida Portaria e do Despacho do Secretário de Estado Adjunto da Justiça, ficaram por regulamentar matérias essenciais para o bom e pontual cumprimento dos compromissos financeiros referentes aos Gabinetes de Consulta Jurídica, designadamente, qual a entidade competente – no âmbito do Ministério da Justiça – para fiscalização da despesa, processamento e pagamento das consultas jurídicas realizadas. Ou seja, o Ministério da Justiça – pese embora ter conhecimento da necessidade – omitiu providências legislativas indispensáveis para garantir o pagamento dos serviços prestados, ainda que por via da Ordem dos Advogados.
(…)
Assim, a omissão do Ministério da Justiça impediu a própria Administração Pública de cumprir compromissos assumidos por Convénio, violando por consequência direitos ou interesses legalmente protegidos dos Autores, uma vez que tal omissão apresenta-se desconforme com a própria Constituição quando designadamente subordina os órgãos e agentes administrativos aos ditames de princípios como o da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da boa-fé.
A falta de actuação, enquanto facto ilícito, merece um juízo de censura imputável exclusivamente ao Ministério da Justiça, pelo que o Estado terá de responder pelo dano, a saber: não recebimento atempado das quantias em dívida – conforme decorre do artigo 15.º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas».
Para o Apelante, na situação vertente, a referida omissão legislativa não se verifica de forma idêntica aos casos anteriores, o que deveria ter levado o Tribunal a quo à prolação de uma decisão diferente da que foi subscrita, ao invés de ter recorrido “de forma simplista” a essas decisões anteriores, com o que incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de direito.

Afirma que a 1.ª Instância não atendeu ao regime jurídico aplicável nos diferentes momentos em que ocorreram os factos numa e noutra ação, e por isso acabou por fundamentar a condenação do Estado Português por omissão legislativa que não se verificava à data, assim incorrendo em erro de julgamento.

Assim, de acordo com a tese professada pelo Apelante, as diferenças que existem entre a situação versada nestes autos e tratada no processo n.º 1842/10.4BEBRG, para além da entidade que foi condenada, reconduzem-se à circunstância de atendendo à data em que as consultas jurídicas foram prestadas pelos autores, na situação vertente estar em vigor o regime da Portaria n.º 10/2008, de 29/02 na versão conferida pela Portaria n.º 654/2010, de 11/08, que teve o seu início de vigência em 01 de setembro de 2010, donde resulta inexistir qualquer omissão legislativa, tendo a responsabilidade pelo pagamento reclamado passado a ser da Ordem dos Advogados.

Vejamos se assiste razão ao Apelante.
Conforme resulta dos factos provados, os Autores, na sequência da nomeação, em setembro de 2010, para exercerem funções no Gabinete de Consulta Jurídica de (...), prestaram consultas jurídicas no período compreendido entre 20/09/2010 e 07/09/2011, data em que foram substituídos, consultas que nunca lhe foram pagas.

Está em causa, essencialmente, saber sobre quem impende o dever de proceder ao pagamento das consultas jurídicas prestadas pelos autores no âmbito do GCJG e ao abrigo de que disposições legais esse pagamento lhes deve ser processado.

Conforme nota SALVADOR DA COSTA In “ APOIO JUDICIÁRIO”, Normativo dos DECRETOS-LEIS 387-B/87, DE 29 DE DEZEMBRO E 391/88, DE 26 DE OUTUBRO, “ANOTADO E COMENTADO”, 1990, pág. 16 e sgts; A assistência jurídica a quem dela carecia foi, em regra, em Portugal, deixada, sem contrapartida remuneratória, aos profissionais do foro. Mas certas normas de direito antigo já previam sobre situações relativas ao acesso ao tribunal dos indigentes.
(…) A nossa primeira lei sobre assistência judiciária foi publicada, sob proposta de José Maria de Alpoim, em 31 de julho de 1899 (…).
(…) A Declaração Universal dos Direitos do Homem estabelece sob o art.º 8.º que «Toda a pessoa tem direito ao recurso efetivo às jurisdições nacionais competentes contra atos que violem os direitos fundamentais reconhecidos pela constituição ou pela lei».
A Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que Portugal ratificou através da Lei 75/78, de 13 de outubro refere…sob o art. 6.º, n.º3, c) e e), que o acusado tem direito « a defender-se a si próprio ou a ter assistência de um defensor da sua escolha e, se não tiver meios para remunerar um defensor, a poder ser assistido gratuitamente por um defensor oficioso, quando os interesses da justiça o exigirem, e a fazer-se assistir gratuitamente por intérprete se não compreender ou não falar a língua usada no processo»”.

Por sua vez, o artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), inspirado no artigo 8.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos estabeleceu que “ A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos” ( n.º1) e bem assim que “ Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade” ( n.º2).

Entre nós, o direito à informação e consulta jurídicas passou a ser constitucionalmente assegurado no artigo 20.º da Lei Fundamental, em termos tais que não pode ser denegada proteção jurídica a quem não possua meios económicos para suportar os respetivos encargos, cabendo porém ao legislador ordinário delimitar a definir as condições de concretização deste direito, garantindo que os profissionais forenses prestem a quem não dispõe de meios económico-financeiros suficientes, a assistência jurídica de que careçam.

O legislador do Decreto-Lei n.º 387-B/87, de 29 de dezembro, consciente de que a «gratuitidade da assistência jurídica aos cidadãos que para o efeito não dispõem de meios económicos, já não é, considerando os padrões de desenvolvimento sócio- económico vigentes na nossa comunidade, um princípio deontológico ou de ética fundamental relativo às profissões forenses», veio « pela primeira vez, garantir aos causídicos que interviessem no acesso ao direito e aos tribunais a adequada remuneração, postulada, além do mais, pelo princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei». Cfr. SALVADOR DA COSTA, in “O APOIO JUDICIÁRIO”, 5.ª Edição Atualizada e Ampliada, Almedina, pág.28;

Os gabinetes de consulta jurídica surgem pela primeira vez no panorama nacional, com a publicação do Decreto-Lei n.º 387-B/87, de 29 de dezembro, que estatuiu o regime de acesso ao direito e aos tribunais. Depois de nesse diploma legal se estabelecer que “ O acesso ao direito e aos tribunais constitui uma responsabilidade conjunta do Estado e das instituições representativas das profissões forenses, através de dispositivos de cooperação” ( art.º 2.º) e de se prever que “ O Estado garante uma adequada remuneração aos profissionais que intervierem no sistema de acesso ao direito e aos tribunais” ( art.º3, n.º1), consignou-se que “ A proteção jurídica reveste as modalidades de consulta jurídica e de apoio judiciário” ( art.º 6.º).

É consabido que o instituto do acesso ao direito e aos tribunais engloba as vertentes da informação jurídica e da proteção jurídica e esta, por seu turno, inclui a consulta jurídica e o apoio judiciário.

A consulta jurídica era e é uma modalidade de proteção jurídica e a ela tinham direito, as pessoas singulares que demonstrassem não dispor de meios económicos bastantes para suportar os honorários dos profissionais forenses, devidos por efeito da prestação dos seus serviços (art.º 7.º, n.º 1).
Para operacionalizar o direito à consulta jurídica no território nacional, a quem dela necessitasse, estabeleceu-se no art.º 11.º, n.º1 dessa Lei que Em cooperação com a Ordem dos Advogados, o Ministério da Justiça instalará e assegurará o funcionamento de gabinetes de consulta jurídica, com vista à gradual cobertura territorial do país”.

Deste modo, a operacionalização do direito previsto no n.º 2 do art.º 20.º da CRP depende da implementação e funcionamento dos gabinetes de consulta jurídica, sendo que todo o serviço de consulta jurídica previsto no Decreto-Lei n.º 387-B/87, é prestado nos Gabinetes de Consulta Jurídica.

Quanto à remuneração dos profissionais forenses que assegurem a prestação de assistência judiciária no âmbito dos referidos GCJ estabeleceu-se no art.º 12.º do referenciado diploma que os mesmos serão remunerados nos termos estabelecidos em convénios de cooperação, a celebrar entre o Ministério da Justiça e a Ordem dos Advogados ou, quando for caso disso, com a Câmara dos Solicitadores, cabendo ao Ministro da Justiça homologar por portaria os regulamentos dos respetivos gabinetes ( art.º 13.º). E no art.º 14.º previu-se ainda queOs serviços forenses prestados nos gabinetes de consulta jurídica podem ficar sujeitos, nos termos estabelecidos nos regulamentos …a uma taxa de inscrição, que reverterá para o Cofre Geral dos Tribunais”.

Em conformidade com as referidas disposições legais, foram celebrados Convénios entre o Ministério da Justiça e a Ordem dos Advogados para a instituição de Gabinetes de Consulta Jurídica, designadamente, os Convénios celebrados em 25/11/1986 e 28/11/1989, entre o Ministério da Justiça e a Ordem dos Advogados, através do qual foram criados os Gabinetes de Consulta Jurídica de Lisboa e do Porto.

Conforme se extrai dos referenciados Convénios o pagamento aos advogados era feito pela Ordem dos Advogados com os fundos que lhe eram atribuídos pelo Ministério da Justiça de acordo com o procedimento previsto na cláusula 14.ª nos termos da qual “No fim de cada mês, o Diretor de cada um dos Gabinetes enviará ao Gabinete do MJ uma nota discriminativa por cada consultor, do número de consultas e dos quantitativos a processar”.

Deste modo, tendo sido decidida no despacho saneador a falta de personalidade jurídica e judiciária do Ministério da Justiça, e que a mesma é antes da pessoa coletiva pública Estado Português, concluindo-se no mesmo que “o R., Estado Português é parte legítima, pois nos moldes em que os AA. configuram a causa de pedir, e nele estar integrado o Ministério da Justiça, aduzindo que este é a entidade a quem cabe disponibilizar os fundos destinados ao pagamento das quantias que reputam ser-lhe devidas, tem interesse direto em contradizer a presente ação.”, e mantendo-se a omissão legislativa referida na sentença recorrida impõe-se manter a condenação do Estado Português nos termos determinados pela sentença recorrida.

Por sua vez, nos termos da cláusula 15.ªMediante despacho do MJ as quantias serão processadas a cada um dos consultores através da Ordem dos Advogados.”

E o Ministério da Justiça homologará por portaria os regulamentos dos Gabinetes de consulta jurídica de Lisboa e do Porto elaborados pela Ordem dos Advogados, no prazo de 30 dias.

A referida homologação implica a cessação da vigência do anexo do convénio que fixava a tabela de remuneração dos advogados.
Através da Portaria n.º 1102/89, de 26 de dezembro, o Ministro da Justiça, em conformidade com o disposto no n.º2 do art.º 13.º, homologou o Regulamento dos Gabinetes de Consulta Jurídica de Lisboa e do Porto, vindo a ser criado, nos termos do 18.º da citada Portaria, o Gabinete de Consulta Jurídica de (...), como extensão do Gabinete de Consulta Jurídica do Porto, cujo Regulamento foi aprovado pela Portaria n.º 1231-A/90, de 26 de dezembro.

Nos termos desta Portaria, o Gabinete de Consulta Jurídica de (...) regia-se pelo Regulamento do Gabinete de Consulta Jurídica do Porto homologado pela Portaria n.º 1102/89, de 26 de dezembro e pelo Convénio entre o Ministério da Justiça e a Ordem dos Advogados de 28 de novembro de 1989.

Observe-se que no exercício dessa competência foram homologados por Portaria do Ministro da Justiça vários regulamentos de gabinetes de consulta jurídica.

Nos termos da Portaria n.º 1231-A/90, de 26 de dezembro, o Gabinete de Consulta Jurídica de (...) funciona nas instalações da Câmara Municipal de (...), com secretariado assegurado pelos Serviços Sociais da Câmara, sendo dirigido pelo presidente da delegação da Ordem dos Advogados da comarca de (...).

Entretanto, foi publicada a Lei n.º 34/2004, através da qual se procurou «introduzir rigor na concessão das modalidades de proteção jurídica e de reforço das vertentes da informação e consulta jurídica e articular o texto da lei com a criação do Instituto de Acesso ao Direito, destinado a assegurar a informação jurídica, a consulta jurídica e o patrocínio oficioso» Cfr. SALVADOR DA COSTA, in “O APOIO JUDICIÁRIO”, 5.ª Edição Atualizada e Ampliada, Almedina, pág.19;.

Este diploma, que alterou o regime de acesso ao direito e aos tribunais, continuou a considerar que “O acesso ao direito compreende a informação jurídica e a proteção jurídica” ( art.º 2.º, n.º2), prevendo no art.º 6.º,n.º1, que “ A proteção jurídica reveste as modalidades de consulta jurídica e de apoio judiciário”, englobando assim, no sistema de acesso ao direito e aos tribunais, a consulta jurídica.

Nos termos do n.º 2 do art.º 3.º desta Lei “O Estado garante uma adequada remuneração bem como o reembolso das despesas realizadas aos profissionais forenses que intervierem no sistema de acesso ao direito e aos tribunais, em termos a regular por portaria conjunta dos Ministros das Finanças e da Justiça”, prevendo-se também no n.º4 do art.º 45.º da mesma Lei que “ O Estado financia a Ordem dos Advogados no exercício das competências previstas nesta Lei de acordo com as regras a definir por portaria conjunta dos Ministros das Finanças e da Justiça”.

A Portaria a que estes normativos se referem é a Portaria n.º 1386/2004, de 10 de novembro que se previu que vigorasse até que começasse a funcionar a unidade orgânica prevista no art.º 45.º, n.º1 da referida Lei.

O art.º 15.º, n.º1 da referida Lei continua a prever a existência de gabinetes de consulta jurídica com vista à gradual cobertura do país e estatui que o Ministério da Justiça, em cooperação com a Ordem dos Advogados e as autarquias locais interessadas, garante a existência dos mesmos ( e o seu financiamento) e a Ordem dos Advogados garante o seu funcionamento em termos de prestação do serviço de consulta jurídica.

Entretanto, o acesso à concessão de proteção jurídica na modalidade de consulta jurídica passou a depender de decisão dos órgãos da segurança social ( art.º 8.º) ou da comissão ( art.45.º), na sequência de pedido formulado pelo interessado, cuja concessão depende da prova da insuficiência económica do requerente, o que veio preencher uma lacuna existente a este nível, dado que os gabinetes de consulta jurídica não tinham possibilidade de controlo sobre a situação económica das pessoas que recorriam a consulta jurídica.

Nos termos do art.º 45.º desta Lei, o Estado passa a financiar a Ordem dos Advogados com verbas acordadas entre ambos a fim de aquela gerir o sistema de acesso ao direito e aos tribunais.

Quanto aos GCJ existentes Até outubro de 2004, já existiam instalados os seguintes Gabinetes de Consulta Jurídica: Lisboa e Porto, Guimarães, Évora, Lamego, Covilhã, Ponta Delgada, Vila do Conde, Angra do Heroísmo, Vila Nova de Gaia, Viana do Castelo, Coimbra, Faro, Guarda, Matosinhos, Oliveira do Bairro, Sintra, Horta, Barreiro, Albufeira, Cascais, Pombal, Estremoz, Setúbal, Cadaval, Castelo Branco e Seia e estavam em instalação os Gabinetes de Chaves, Bragança, Olhão, Santiago, Alcobaça e Viseu – cfr. ob. Cit., pág. 259, nota 203; dispõe o 47.º desta Lei que “Os gabinetes de consulta jurídica atualmente existentes no quadro de aplicação do artigo 15.º são integrados no regime de consulta disposto na presente lei“, o que significa que a Ordem dos Advogados garante o funcionamento dos Gabinetes de Consulta Jurídica, procedendo à remuneração dos causídicos que prestem o serviço de consulta com as verbas que para o efeito lhe são afetadas pelo Estado.

Quanto ao pagamento dos honorários, o n. º 3, do artigo 6° da Portaria n.º 1386/2004, de 10 de novembro, previa que seriam pagos pelo Cofre Geral dos Tribunais, devendo ser solicitados em requerimento dirigido ao Instituto de Gestão Financeira e Patrimonial da Justiça, (cujo pagamento seria efetuado após parecer da Direcção-Geral da Administração Extrajudicial (DGAE) e posteriormente do Gabinete de Resolução Alternativa de Litígios (GRAL), gabinete que estava inserido na orgânica da Direção Geral da Politica da Justiça (DGPJ), que sucedeu nas atribuições da DGAE.

É neste contexto que por Despacho do Secretario de Estado Adjunto da Justiça, de 03.03.2005, foi determinado que a entidade responsável pelo pagamento das consultas a que reporta o artigo 14.º da citada Lei e para efeitos do disposto no art.º 6.º, n.º3 da Portaria n.º 1386/04, de 10.11., seria o Instituto de Gestão Financeira e Patrimonial da Justiça (IGFPJ), posteriormente Instituto de Gestão Financeira e de Infraestruturas da Justiça, IP. (IGFIJ), atual Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça (IGFEJ)), e enquanto não fosse criado o Instituto de Acesso ao Direito ou estrutura equivalente (que nunca chegou a ser criado).

O Gabinete de Consulta Jurídica de (...), conforme consta do elenco dos factos provados, foi informado do novo procedimento para o pagamento de despesas dos gabinetes, ou seja, que o pagamento seria efetuado pelo então Instituto de Gestão Financeira e Patrimonial da Justiça.
A partir dessa altura, cumprindo o solicitado, o Gabinete de Consulta Jurídica remetia para o Instituto de Gestão Financeira e de Infraestruturas da Justiça, I.P. (IGFIJ) as folhas mensais de controlo de pagamentos solicitando o seu pagamento.

Assim, no cumprimento do n. º 3, do artigo 6° da Portaria n.º 1386/2004, de 10 de novembro, a entidade responsável pelo pagamento das consultas jurídicas era o Instituto de Gestão Financeira e Patrimonial da Justiça (IGFPJ), atual Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça (IGFEJ).

Entretanto, em 28 de agosto de 2007, foi publicada a Lei n.º 47/2007, que alterou significativamente a Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, e que implicou a revogação da Portaria n.º 1386/2004, de 10 de novembro, e a sua substituição pela Portaria 10/2008, de 03 de janeiro, a qual, por sua vez foi alterada pela Portaria 210/2008, de 29 de fevereiro, que entrou em vigor em março de 2008 e posteriormente alterada ainda pela Portaria 654/2010.

Com as alterações introduzidas pela Lei n.º 47/2007, passou a prever-se no n.º 1 do art.º 15.º que “A consulta jurídica pode ser prestada em gabinetes de consulta jurídica ou nos escritórios dos advogados que adiram ao sistema de acesso ao direito”.

A este respeito, escreve SALVADOR DA COSTA que “A prestação de consulta jurídica em gabinetes de consulta jurídica corresponde a prática com cobertura legal no regime pretérito, o que não acontece com a prestação dessa consulta em escritórios de advogados.” Cfr. Ob.cit.pág.101;
Com esta Lei, para além de se continuar a prever a prestação de consulta jurídica em gabinetes de consulta jurídica, tal como no regime pretérito, passou a prever-se inovadoramente a possibilidade da consulta jurídica ser realizada em escritórios de advogados, passando também o acesso à proteção jurídica na modalidade de consulta jurídica a depender de decisão dos órgãos de segurança social, na sequência de pedido para tal formulado pelos interessados, e desde que provem a situação de insuficiência económica nos termos dos artigos 8.º-A e 8.º-B desta Lei.

Ademais, a prestação de consulta jurídica passou a ser suscetível de funcionar sob a obrigação de o interessado suportar o pagamento de uma taxa (art.º 8.º-A, n.ºs 1, alínea b), e n.º4). Nesse sentido, prescreve-se no art.º8-A, da Lei em análise que:
«1-A insuficiência económica das pessoas singulares é apreciada de acordo com os seguintes critérios:
a) O requerente cujo agregado familiar tenha um rendimento relevante para efeitos de proteção jurídica igual ou inferior a três quartos do indexante de apoios sociais não tem condições objetivas para suportar qualquer quantia relacionada com os custos de um processo, devendo igualmente beneficiar de atribuição de agente de execução e de consulta jurídica gratuita;
b) O requerente cujo agregado familiar tenha um rendimento relevante para efeitos de proteção jurídica superior a três quartos e igual ou inferior a duas vezes e meia o valor do indexante de apoios sociais tem condições objetivas para suportar os custos de uma consulta jurídica gratuita sujeita ao pagamento prévio de uma taxa de justiça (…)”.
(…)
4- O valor da taxa devida pela prestação da consulta jurídica a que se refere a alínea b) do n.º1 é fixado por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça”.

Por sua vez, a Portaria n.º 10/2008, na versão que lhe foi conferida pela Portaria n.º 654/2010, de 11 de agosto, estabeleceu no artigo 1.º que:
1. Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, a prestação de consulta jurídica gratuita ou sujeita ao pagamento de uma taxa, nos termos da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, na redação dada pela Lei n.º 47/2007, de 28 de agosto, é definida por protocolo a celebrar entre o Ministério da Justiça e a Ordem dos Advogados.
2 -A consulta jurídica pode ser prestada nos gabinetes de consultas jurídica e nos escritórios dos advogados participantes no sistema de acesso ao direito.
3-A nomeação dos profissionais forenses para a prestação de consulta jurídica é efetuada pela Ordem dos Advogados a pedido dos serviços de segurança social, podendo essa nomeação ser efetuada de forma totalmente automática, através de sistema eletrónico gerido por aquela entidade.
4-(…)
5. O valor da taxa devida pela prestação da consulta jurídica, nos termos do n.º4 do artigo 8.º-A da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, é de €30.
6.Sendo a consulta jurídica prestada em escritório de advogado, o pagamento da taxa de justiça a que a se refere o número anterior é efetuado até ao momento da prestação da consulta jurídica, a favor do Instituto de Gestão Financeira e de Infraestruturas da Justiça, I.P. (IGFIJ, I.P.), por meio de documento único de cobrança (DUC), aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º1 do artigo 9.º da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de abril.
7. O profissional forense nomeado para prestar consulta jurídica colabora com o beneficiário para efeitos de emissão do DUC.
8-Sendo a consulta jurídica prestada em gabinete de consulta jurídica, o pagamento da taxa a que se refere o n.º5 efetua-se junto do mesmo, revertendo o produto da taxa para o referido gabinete.
9- O Gabinete para a Resolução Alternativa de Litígios (GRAL) acompanha a atividade dos gabinetes de consulta jurídica e divulga publicamente informação acerca do seu funcionamento”.

O pagamento da referida taxa pelos utentes da proteção jurídica na modalidade de consulta jurídica tem como pressuposto que eles não tenham direito a esse serviço gratuito, como resulta do disposto no art.º 8.º-A, n.º1, al. b) da Lei 34/2004, na versão conferida pela Lei n.º 47/2007, e nos termos do n.º8 do art.º 1 da Portaria em análise.

O pagamento dessa taxa efetua-se no Gabinete de Consulta Jurídica e constitui receita própria, quando se trate de consulta aí realizada.

Quanto ao valor a pagar por consulta aos causídicos que as prestem no âmbito do acesso ao direito do artigo 27.º da dita Portaria estabelece que “Pela realização de uma consulta jurídica em escritório de advogado é devido o pagamento de €25, após a efetiva realização da consulta”.

Este preceito está conexionado com o que se prescreve no art.º 18.º, n.º1, al. d) e artigo 28.º da citada Portaria.

Assim, o profissional forense, que no momento da sua candidatura, opte pela “Designação para consulta jurídica”, vê o pagamento pelo serviço prestado a ser processado pelo IGFIJ, I.P., e quanto a esse procedimento estabelece-se no artigo 28.º, n.º2, alínea e) o seguinte: “ Na consulta jurídica realizada em escritório de advogado, a sua realização, confirmada por remessa eletrónica, em formato PDF, pelo profissional forense ao IGFEJ, I.P., de declaração assinada pelo beneficiário da consulta jurídica atestando que a mesma lhe foi prestada”.

Resulta destes preceitos que, quanto à consulta jurídica realizada em escritório de advogado, o facto determinante do pagamento é a sua prestação confirmada por remessa pelo respetivo causídico ao Instituto, por via eletrónica, em formado PDF, de declaração, assinada pelo seu beneficiário, de que a mesma lhe foi prestada.

No n.º 3 deste art.º 28.º consigna-se que “O pagamento é sempre efetuado por via eletrónica, tendo em conta a informação remetida pela Ordem dos Advogados ao IGFIJ, I.P., confirmada nos termos dos números anteriores”.
Porém, compulsada a referida Portaria, constata-se que nela não só não se estabeleceu qual o valor a pagar pela consulta jurídica quando realizada em Gabinete de Consulta Jurídica, tal como se fez em relação ás consultas realizadas em escritório de advogado, em que se fixou o valor de €25, como não se definiu que esse pagamento seria efetuado pelo IGFIJ, I..P, como sucedeu em relação ao pagamento das consultas jurídicas realizadas em escritório de advogado ( art.º 28.º, n.º1 e 2, al. e).

Assim, forçoso é concluir que inexiste nos citados diplomas norma que disponha sobre o valor a pagar aos causídicos que realizem consultas jurídicas nos gabinetes de consulta jurídica, e que regule o procedimento relativo ao processamento desse pagamento, inexistindo qualquer referência que indique ser o IGFIJ, IP a entidade a quem cabe processar esse pagamento, quais as entidades que fiscalizam a prestação efetiva dessas consultas, e em que moldes se processam os pagamentos.

A única referência é a que consta do art.º 8.º-A, n.º1, al. b) da Lei 34/2004, na versão conferida pela Lei n.º 47/2007, e no n.º8 do art.º 1 da Portaria em análise, onde se prevê o pagamento de uma taxa de 30€ pelo beneficiário, a efetuar no Gabinete de Consulta Jurídica como receita própria quando se trate de consulta aí realizada.

Porém, é inegável que o acesso ao direito através da consulta jurídica continuou a ser assegurado por via dos gabinetes de consulta jurídica, que se mantiveram, sendo apodítico, em face da Lei n.º 47/2007, o compromisso do Estado, através do Ministério da Justiça, de impulsionar a criação de condições de prestação de consulta jurídica em todo o território nacional, seja por via da implementação de gabinetes de consulta jurídica, seja por via de advogados que adiram ao sistema de acesso ao direito e aos tribunais ( n.ºs 1 e 2 do artigo 15.º).

E no n.º3 do art.º 15.º prevê-se mesmo que a “criação de gabinetes de consulta jurídica e as suas regras de funcionamento, são aprovadas por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça, ouvida a Ordem dos Advogados”.

Deste modo, a prestação de proteção jurídica na modalidade de consulta jurídica a realizar em Gabinete de Consulta Jurídica a que se reportam os artigos 14.º e 15.º desta Lei, é definida por via de protocolo a outorgar entre a Ordem dos Advogados e o Ministério da Justiça.

Nesse sentido aponta inclusivamente a Portaria em análise, em cujo Artigo 1.º, n.º1 se estabelece que Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, a prestação de consulta jurídica gratuita ou sujeita ao pagamento de uma taxa, nos termos da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, na redação dada pela Lei n.º 47/2007, de 28 de agosto, é definida por protocolo a celebrar entre o Ministério da Justiça e a Ordem dos Advogados.
Ademais, prevê-se no art.º 33.º desta Lei que Os encargos decorrentes da gestão do sistema de acesso ao direito são suportados em termos a definir por protocolo celebrado entre o Ministério da Justiça e a Ordem dos Advogados”.

Assim, a lei remete para um convénio a celebrar entre estas entidades, a definição de quem suportará estes encargos, passando a alternativa pelo Estado apenas, ou por este e a Ordem dos Advogados, convénio esse que nunca veio a ser celebrado.

O Apelante sustenta que o Convénio aplicado aos Gabinetes de Consulta Jurídica, que foi outorgado no âmbito do regime jurídico de acesso ao direito e aos tribunais aprovado pelo Decreto-Lei n.º 387-B/87, de 29/12, teve a sua vigência, mas com a evolução do regime jurídico de acesso ao direito e aos tribunais, introduzido pela Lei n.º 34/2004, de 29/07 e designadamente com a redação dada pela Lei n.º 47/2007, de 28/08 (versão aplicável à data dos factos em causa nestes autos) e regulamentado pela Portaria n.º 10/2008, a partir da alteração introduzida pela Portaria n.º 654/2010, de 11/08, por contradição com a nova opção do legislador, foi revogado tacitamente.

Será assim?
Não se pode ignorar que não foram celebrados novos protocolos entre o Ministério da Justiça e a Ordem dos Advogados na sequência, designadamente, das alterações aprovadas pela Lei n.º 47/2007.Por outro lado, também não se pode deixar de considerar que as portarias relativas à criação dos Gabinetes de Consulta Jurídica não foram revogadas.

Assim sendo, mantendo-se os Gabinetes de Consulta Jurídica existentes em funcionamento, e, reafirma-se, não se tendo operado a revogação expressa das portarias que os constituíram, nem os convénios subscritos entre Ministério da Justiça e a Ordem dos Advogados para a constituição dos mesmos, consideramos que também não houve revogação tácita das respetivas portarias e convénios.

Conforme se estabelece no artigo 7.º, n.º 2 do Código Civil “a revogação pode resultar de declaração expressa, da incompatibilidade entre as novas disposições e as regras precedentes ou da circunstância de a nova lei regular toda a matéria da lei anterior”, prevendo-se no n.º 3 que “a lei geral não revoga lei especial, exceto se outra for a intenção inequívoca do legislador”.

Na definição que consta do Parecer emitido pelo Conselho Consultivo da PGR, de 08/10/2009, e que vem citado pelos Apelados, ocorre revogação tácita quando resulta da incompatibilidade entre as disposições novas e as antigas, ou ainda quando a nova lei regula toda a matéria da lei anterior- substituição global”.

No caso, não só não houve revogação expressa, como também não houve revogação tácita das referidas Portarias e Convénio, não se detetando nenhuma incompatibilidade entre as alterações legislativas operadas pelos diplomas referenciados e a manutenção do quadro regulatório definido nas Portarias em questão.
Assim o entende também SALVADOR DA COSTA, que com pertinência para a problemática em discussão afirma que “Continuam, porém, em vigor, ao que parece, até que seja publicado o novo regulamento, os vários regulamentos dos gabinetes de consulta jurídica outrora homologados, quanto às matérias a que se reportam Cfr. Ob.cit.pág.102;( sublinhado nosso).

Em face do exposto, continua a impender sobre o Estado/ Ministério da Justiça a obrigação de suportar o custo das consultas jurídicas prestadas no âmbito do Gabinete de Consulta Jurídica de (...), nos termos definidos na respetiva Portaria.

A esta conclusão não obsta a tese professada pelo Apelante, de acordo com a qual, em face das alterações introduzidas pela Lei n.º 47/2007 e pelas Portarias identificadas, o Estado, através do Ministério da Justiça, deixou de ter qualquer obrigação de pagar as consultas jurídicas que sejam prestadas em gabinete de consulta jurídica , por estes gabinetes terem passado a dispor de receitas próprias, advindas da arrecadação da taxa a que se refere a alínea b) do n.º1 e o n.º4 do artigo 8.º-A da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, na redação atual, em conjugação com o disposto no n.º8 do artigo 1.º da Portaria n.º 10/2008, de 3 de janeiro, na sua redação atual, regime que se aplica desde 01 de setembro de 2010.

O Apelante advoga que com a alteração da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, pela Lei n.º 47/2007, de 28 de agosto e a Portaria n.º 10/2008, de 3 de janeiro, com as alterações introduzidas pelas Portarias n.º 210/2008, de 29/02, Portaria n.º 654/2010, de 11/08 e posteriormente da Portaria n.º 319/2011, de 30/12, foram fixadas novas regras para as consultas jurídicas, delas resultando que os Gabinetes de Consultas Jurídicas passaram a arrecadar receitas próprias decorrentes do pagamento da taxa de €30 nos termos previstos no artigo 1.º, n.º8 da Portaria n.º 10/2008, na versão conferida pela Portaria n.º 654/2010, de 11/08, pelo que, passou a ser da sua exclusiva responsabilidade o pagamento da assistência judiciaria prestada aos respetivos beneficiários das consultas jurídicas realizadas no âmbito desses gabinetes.

Mas este entendimento não pode ser acolhido.

A nova redação do n.º8 do artigo 1.º da Portaria 10/2018, na versão conferida pela Lei n.º 654/2010, de 11/08, vigente a partir de 01 de setembro, passou a prever apenas que para o caso do requerente da consulta jurídica não estar isento do pagamento da referida taxa de justiça, a mesma é paga junto desse GCJ, revertendo o produto da taxa para o respetivo gabinete, do mesmo modo que se prevê, que caso a consulta seja prestada em escritório de advogado e a ser devido pagamento dessa taxa, a mesma é paga através da emissão de DUC a favor do IGFIJ, I.P..

Com bem observam os Apelados, o pagamento de uma taxa pela prestação de consulta não se confunde com o pagamento devido ao profissional forense que prestou assistência judiciária ao beneficiário da consulta jurídica e, por outro lado, ainda que assim não fosse e se considerasse que a receita proveniente da arrecadação dessa taxa se destinava ao pagamento do causídico que realizou a consulta jurídica, ficaria por resolver a questão relativa ao pagamento das consultas jurídicas gratuitas, ou seja, aquelas em que não houve lugar ao pagamento de qualquer taxa por parte do requerente de proteção jurídica, como sucede nos casos em que a segurança social considera verificada a situação de insuficiência económica do requerente e essa consulta seja realizada por profissional forense no âmbito de um gabinete de consulta jurídica e não em escritório de advogado, sendo que, no caso vertente, nenhum facto foi alegado, e por isso provado, em como se esteja perante consultas que não tenham sido gratuitas.

É inegável que a Portaria n.º 654/2010, não estabeleceu qualquer regulamentação quanto à prestação de consultas jurídicas gratuitas em gabinete de consulta jurídica, estabelecendo apenas que naqueles casos em fosse de cobrar uma taxa pela consulta por o requerente não preencher os requisitos para a consulta gratuita, tal taxa fosse afeta ao GCJ, constituindo receita própria do mesmo. Assim, não pode concluir-se, como conclui o Apelante, que os montantes arrecadados por via do pagamento da aludida taxa fossem destinados ao pagamento das consultas aos causídicos, cujo valor também não se regulou na referida Portaria, e que não fossem destinados a outras despesas dos gabinetes.
Como já supra se referiu, não ocorreu a revogação expressa nem tácita do regime que criou o GCJ de (...) - a Portaria n.º 1231-A/90, de 28 de dezembro.

No artigoº 17º do Convénio celebrado entre o então Ministro da Justiça e o Bastonário da Ordem dos Advogados ficou a constar que as quantias previstas nesse convénio eram asseguradas pelo Ministério da Justiça, por verbas próprias a consignar no Orçamento do Estado ou por outras que, para o efeito, viessem a ser consignadas.

Assim, no caso, a questão do pagamento das consultas prestadas pelos Autores em causa nos autos, estão sujeitas às regras previstas na Portaria que criou o referido Gabinete, cujo valor então fixado foi de €40 por consulta.

Esse pagamento tem de ser assegurado pela Ordem dos Advogados, através de verbas a transferir pelo Estado/Ministério da Justiça sobre quem impende a obrigação de dotá-la dos montantes necessários para realizar os correspondentes pagamentos aos profissionais do foro que tenham efetuado consultas jurídicas, não resultando da lei que pelo facto de os gabinetes de consulta jurídica passarem a ter as receitas próprias provenientes da cobrança da taxa de 30€ em relação às consultas não gratuitas, o pagamento aos causídicos tenha passado a ser custeado pela Ordem dos Advogados em função do que aqueles Gabinetes cobram.

Considerando que se encontra definitivamente decidido que o Ministério da Justiça não detém personalidade judiciária para a presente ação é sobre o Estado, tal como foi decidido pela 1.ª Instância, que impende a obrigação de assegurar o pagamento das importâncias reclamadas pelos Autores.

Termos em que improcedem os fundamentos de recurso invocados pelo Apelante, impondo-se confirmar a sentença recorrida.
**

IV- DECISÃO

Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso, e, confirmam a decisão recorrida.

*
Custas pelo Apelante, nos termos do artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.

*
Notifique.

*
Porto, 23 de abril de 2021.

Helena Ribeiro
Conceição Silvestre
Isabel Jovita, em substituição
_______________________________________
i) Cfr. Ac. TRG, de 14/05/2015, Processo nº 414/13.6TBVVD.G;

ii) In “ APOIO JUDICIÁRIO”, Normativo dos DECRETOS-LEIS 387-B/87, DE 29 DE DEZEMBRO E 391/88, DE 26 DE OUTUBRO, “ANOTADO E COMENTADO”, 1990, pág. 16 e sgts;

iii) Cfr. SALVADOR DA COSTA, in “O APOIO JUDICIÁRIO”, 5.ª Edição Atualizada e Ampliada, Almedina, pág.28;

iv) Cfr. SALVADOR DA COSTA, in “O APOIO JUDICIÁRIO”, 5.ª Edição Atualizada e Ampliada, Almedina, pág.19;

v) Até outubro de 2004, já existiam instalados os seguintes Gabinetes de Consulta Jurídica: Lisboa e Porto, Guimarães, Évora, Lamego, Covilhã, Ponta Delgada, Vila do Conde, Angra do Heroísmo, Vila Nova de Gaia, Viana do Castelo, Coimbra, Faro, Guarda, Matosinhos, Oliveira do Bairro, Sintra, Horta, Barreiro, Albufeira, Cascais, Pombal, Estremoz, Setúbal, Cadaval, Castelo Branco e Seia e estavam em instalação os Gabinetes de Chaves, Bragança, Olhão, Santiago, Alcobaça e Viseu – cfr. ob. Cit., pág. 259, nota 203;

vi) Cfr. Ob.cit.pág.101;

vii) Cfr. Ob.cit.pág.102;