Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 02531/08.5BEPRT |
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Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
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Data do Acordão: | 11/11/2021 |
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Tribunal: | TAF do Porto |
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Relator: | Paula Moura Teixeira |
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Descritores: | BENEFÍCIOS FISCAIS; CANCELAMENTO DO BENEFÍCIO FISCAL, ARTIGO 12.º, N.ºS 5 E 6, DO EST. BENEFÍCIOS FISCAIS, EBF, PRINCÍPIO DA JUSTIÇA |
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Sumário: | I. O pressuposto do cancelamento do benefício fiscal, nos termos dos n.ºs 5 e 6 do artigo 12.º, do EBF, consiste na existência de dívida tributária não liquidada no termo do exercício. II. O princípio da justiça tem um campo de aplicação residual, estando o seu acionamento reservado para situações de injustiça grave e notória.* * Sumário elaborado pela relatora |
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Recorrente: | AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Recorrido 1: | M. |
Votação: | Unanimidade |
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Decisão: | Conceder provimento ao recurso. |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: 1. RELATÓRIO A Recorrente, AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, com os demais sinais nos autos, interpôs recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Porto, que julgou procedente, a ação administrativa especial e instaurada por M. e I., em consequência condenou a entidade requerida a manter o beneficio fiscal de deficiência de caracter permanente com grau de incapacidade de 70% ao Autor, no ano de 2007. E para tal formulou nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem: “(…) A. Vem o presente recurso interposto contra a douta sentença de 25/11/2015, [25.11.2014] proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que: "condenou a Entidade requerida a manter o benefício fiscal de deficiência de carácter permanente com grau de incapacidade de 70% ao A. Relativamente ao ano de 2007. B. A douta Sentença recorrida interpretou e aplicou erradamente as normas legais referentes ao Estatuto dos Benefícios Fiscais, porquanto entendeu que tendo a dívida de IMI sido paga em 24.01.2008, tinha desaparecido: "o pressuposto necessário para cessar o benefício fiscal dos A's, existência de dívida e manutenção da situação de incumprimento (cfr. Alínea a) do n.º 5 do artigo 12.° do EBF)". C. No entanto, em 31/12/2007, existiam dívidas fiscais, assim, pese embora a dívida tenha sido paga em 24/01/2008, a decisão de cancelamento dos benefícios fiscais objecto de recurso tem por referência a falta de pagamento do IMI do ano de 2006, tendo o processo executivo sido instaurado em 29/10/2007. D. Deste modo verificam-se os requisitos do art.° 12.° n.º 5 al. b) do EBF, para a cessação do beneficio fiscal porquanto em 31/12/2007, a dívida não tinha sido objecto de reclamação, impugnação ou oposição, tendo decidido erroneamente a douta decisão quando determinou que tinha desaparecido o "pressuposto necessário para cessar o benefício fiscal dos A.'s". E. O entendimento propugnado na douta sentença, alicerça-se no pressuposto de que os Autores em 19/08/2008, data em que foi emitido o ofício de cessação dos benefícios fiscais, já tinham pago a dívida de IMI do ano de 2006 no valor de €170,39, que originou a instauração, em 29/10/2007, do processo de execução fiscal n.º 3204200701083953. F. No entanto os Autores, à data de 31/12/2007, tinham uma dívida em execução fiscal, que não tinha sido objecto de reclamação, impugnação ou oposição. G. Ora, prescrevia o n.º 5 do art.° 12.° do EBF que: "No caso de benefícios fiscais permanentes ou temporários dependentes de reconhecimento da administração tributária, o acto administrativo que os concedeu cessa os seus efeitos nas seguintes situações: a) O sujeito passivo tenha deixado de efectuar o pagamento de qualquer imposto sobre o rendimento, a despesa ou o património e das contribuições relativas ao sistema da segurança social, e se mantiver a situação de incumprimento; b) A dívida tributária não tenha sido objecto de reclamação, impugnação ou oposição, com a prestação de garantia idónea, quando exigível". H. Existindo uma dívida em execução fiscal, não garantida, durante o exercício de 2007, o pagamento efectuado em 24/01/2008, não pode produzir o efeito impeditivo da cessação do beneficio fiscal, por não estarem preenchidos os pressupostos do art.° 12.° n.° 5 do EBF, tendo a AT demonstrado que não estavam reunidos os pressupostos para o A. Beneficiar do benefício fiscal de plano - poupança reforma ou contribuições para o fundo de pensão. I. Não podendo manter-se o direito aos benefícios quando o sujeito passivo tenha deixado de efectuar o pagamento de qualquer imposto, não podem os mesmos produzir quaisquer efeitos, ainda que a apreciação definitiva dos mesmos só tenha ocorrido em 19/08/2008 e a dívida tenha sido paga em 24/01/2008. J. Não podendo a ora recorrente, conformar-se com a argumentação aduzida na sentença objecto de recurso, por se verificar o pressuposto necessário à cessação do benefício - A existência de dívidas em 31/12/2007. K. Mantendo-se, nestes termos, os pressupostos que originaram o procedimento de cessação do benefício, estando a Autoridade Tributária legitimada para proceder à cessação do benefício fiscal controvertido. Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas., deve o presente Recurso Jurisdicional ser julgado procedente, com legais consequências, assim se fazendo JUSTIÇA.. (…)” Os Recorridos deduziram contra-alegações tendo formulado as seguintes conclusões:” (…) 1. A sentença recorrida fez correcta aplicação dos normativos legais invocados e decidiu e valorou, acertadamente, os factos dados como provados, pelo que deve manter-se na sua totalidade. 2. Os Autores, aqui Recorridos, apresentaram a sua declaração de rendimentos respeitante ao ano de 2007, no dia 11 de Março de 2008. 3. Daquela Declaração de Rendimentos constava a indicação de que o Sujeito Passivo A, M., aqui Autor, era portador de uma incapacidade física permanente de 70%, pelo que o preenchimento dos anexos A e H levaram em conta essa incapacidade física permanente. 4. Nos termos do art° 16° do Estatuto dos Benefícios Fiscais, entretanto revogado pela Lei 53-A/2006, de 29/12, mas com aplicabilidade do regime transitório previsto no art° 161° do citado diploma legal, os rendimentos da categoria A, inscritos no anexo A e as deduções à colecta, que constavam do anexo H, podiam usufruir dos benefícios fiscais, que lhe eram concedidos. 5. Em 29.10.2007 foi instaurado processo de execução fiscal (n.º 3204200701083953) por dívida de IMI do ano de 2006, que foi pago em 24.01.2008. 6. Com efeito, no dia 24 de Janeiro de 2008 a quantia exequenda, na importância de 170,39 euros e respectivos acréscimos legais (juros de mora e custas do processo) foi paga pelos Recorridos. 6. No seguimento de procedimento administrativo relativo à cessação de benefícios fiscais, os Autores, aqui Recorridos, foram notificados para o exercício de audição, tendo aqueles exercido tal direito invocando entre outros argumentos que o imposto já se encontrava pago, desde 24 de Janeiro de 2008, nada mais havendo em dívida à Fazenda Pública. 7. Perante o pagamento da quantia em dívida, desapareceu o pressuposto necessário para cessar o benefício fiscal dos Autores, aqui Recorridos, ou seja, a existência da dívida e a manutenção da situação de incumprimento. 8. Na verdade, a dívida do IMI foi paga em 24.01.2008, data anterior entrega da declaração de IR5 do ano de 2007 (11.03.2008) e ao referido exercício do direito de audição (13.08.2008). 9. Deste modo, a Autoridade Tributária não poderia ter procedido à cessação do benefício fiscal aqui em causa. 10. Por outro lado, sempre seria de decidir pela ilegalidade da actuação da Autoridade Tributária, por violação dos princípios da proporcionalidade e da justiça constitucionalmente previstos, atento o carácter diminuto da dívida em causa e a extinção pelo pagamento voluntário da dívida exequenda. 11. Na verdade, a perda do benefício fiscal em apreço é excessiva, em face da grave incapacidade física permanente de 70%, do Sujeito Passivo A, M., aqui Recorrido, e do carácter diminuto da dívida fiscal, aqui em causa. 12. Os princípios da proporcionalidade, da confiança e da previsibilidade públicas imporiam outra conduta por parte da Autoridade Tributária, que fosse no sentido de revelar a falta do contribuinte e a manter o benefício fiscal de deficiência permanente de 70% do Recorrido, M., relativamente ao ano de 2007, pelos fundamentos invocados na sentença recorrida, que aqui se dão por integralmente reproduzidos. 13. Assim sendo, deve manter-se a sentença recorrida. Termos em que devem improceder totalmente as conclusões formuladas pela Recorrente nas suas alegações de recurso e, consequentemente, deve ser negado provimento ao recurso interposto, confirmando-se a sentença recorrida, como é de inteira JUSTIÇA. (…) Atendendo a que o processo se encontra disponível em suporte informático, no SITAF, com a sua concordância, dispensa-se os vistos do Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, submetendo-se à Conferência para julgamento. 2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito. 3. DO JULGAMENTO DE FACTO Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte: 1. Em 13.02.1996 foi emitido atestado médico de incapacidade atestando que M. apresenta deficiências de carácter permanente que lhe conferem um grau de incapacidade de 70% - cfr. fls. 19 dos autos. 2. Em 28.09.1996 M. casou com I. no regime de separação de bens – cfr. fls. 35 dos autos. 3. Em 29.10.2007 foi instaurado pelo Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia 2 o processo de execução fiscal n.º 3204200701083953 em nome de I. por dívida de IMI do ano de 2006 no valor de €170,39 – cfr. fls. 91 e 92 dos autos. 4. Em 24.01.2008 a quantia exequenda a que se alude em 3. foi paga – cfr. fls. 22 e 23 dos autos. 5. M. e I. entregaram em 11.03.2008, declaração de IRS, modelo 3 do ano de 2007, com indicação de grau de deficiência de M. de 70% - cfr. fls. 14 a 17 dos autos 6. Em 28.07.2008 foi emitido o ofício n.º 76917 e remetido a M. com o seguinte teor:“(...) Assunto: Cancelamento de benefícios fiscais Por análise sistemática dos dados existentes nos sistemas da DGCI, constatou-se a existência da(s) seguinte(s) dívida(s) à data de 2007-12-31
7. Em 13.08.2008 foi emitida declaração pelo Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia 2 com o seguinte teor: “(...) Para os devidos efeitos, declara-se que o contribuinte M. esteve presente neste Serviço de Finanças a fim de apresentar defesa em Audição Prévia com os seguintes argumentos: O SP A declara que a dívida de IMI se reporta a imóvel, bem próprio do SP B, e que o regime de casamento tem convenção pré-nupcial de separação total de bens. Divida da liquidada em Jan/2008. O SP A é que beneficia da isenção que está a ser analisada a sua cessação. (...)” – cfr. fls. 20 dos autos. 8. Em 19.08.2008 foi emitido o ofício n.º 82904 e remetido a M. com o seguinte teor:“(...) Fica notificado, nos termos do artigo 36º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) de que, foi decidido considerar-se improcedente a argumentação deduzida em sede de audição prévia (...) mantendo-se o sentido e alcance da proposta de cessação dos benefícios fiscais, (artigo 12.º do estatuto dos Benefícios fiscais – EBF), referente à liquidação de IRS.
9. Em 16.09.2008 foi emitida a liquidação de IRS o ano de 2007 no montante a reembolsar de €4.112,18 – cfr. fls. 28 dos autos. ** Não se mostram provados outros factos, além dos supra referidos.** O Tribunal considerou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos, que não foram impugnados; no processo de reembolso junto aos autos, assim como, nos factos alegados pelas partes que, não tendo sido impugnados, também são corroborados pelos documentos juntos. “(…)4. DO JULGAMENTO DE DIREITO 4.1. A questão a decidir nos presentes autos prende-se em saber se a sentença recorrida interpretou e aplicou erradamente as normas legais referentes ao Estatuto dos Benefícios Fiscais, porquanto entendeu que tendo a dívida de IMI de 2006, sido paga em 24.01.2008, tinha desaparecido: "o pressuposto necessário para cessar o benefício fiscal dos A's, existência de dívida e manutenção da situação de incumprimento (cfr. Alínea a) do n.º 5 do artigo 12.° do EBF)". Vejamos: Prescrevia o n.º 5 do art.° 12.° do EBF que: “No caso de benefícios fiscais permanentes ou temporários dependentes de reconhecimento da administração tributária, o ato administrativo que os concedeu cessa os seus efeitos nas seguintes situações: a) O sujeito passivo tenha deixado de efetuar o pagamento de qualquer imposto sobre o rendimento, a despesa ou o património e das contribuições relativas ao sistema da segurança social, e se mantiver a situação de incumprimento; b) A dívida tributária não tenha sido objecto de reclamação, impugnação ou oposição, com a prestação de garantia idónea, quando exigível.” Por sua vez, o n.º 6 do artigo 12.º do EBF, preceitua que “Verificando-se as situações previstas nas alíneas a) e b) do número anterior os benefícios automáticos não produzem efeitos no ano em que ocorram os seus pressupostos, até ao pagamento da dívida que originou a sua suspensão.” Por força do disposto no artigo 11.º do EBF, o direito aos benefícios fiscais deve reportar-se à data da verificação dos respetivos pressupostos. Em causa está um benefício fiscal, o qual, constituí uma medida de carácter excecional pois não só implica uma correlativa despesa fiscal, como comporta uma derrogação ao princípio da igualdade fiscal, do qual decorre que todos os contribuintes devem pagar os impostos que lhes são devidos, na medida da respetiva capacidade contributiva, admitida pelo sistema apenas e na medida em que estejam em causa “a tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes, que sejam superiores aos da própria tributação”. (cf. art.º 2.º, n.º 1, do EBF), Assim, e atendendo ao seu caráter excecional, o legislador exige dos beneficiários uma conduta exemplar em termos fiscais, impondo-lhes o cumprimento atempado das respetivas obrigações fiscais sob pena de os benefícios fiscais não produzirem os seus efeitos no ano ou período de tributação em que deixe de se efetuar o pagamento de qualquer imposto, tal como resulta do disposto nos n.ºs 5 e 6 do art.º 12.º do EFB. Importa trazer à colação o n.º 1 do artigo 87.º do CIRS no qual se previa que: "São dedutíveis à coleta por cada sujeito passivo com deficiência uma importância correspondente a três vezes a retribuição mínima mensal e por cada dependente com deficiência, bem como por cada ascendente com deficiência que esteja nas condições da alínea e) do n.º 1 do artigo 79.º, uma importância igual à retribuição mínima mensal". Nos termos do n. º 4 do mesmo preceito, considera-se pessoa com deficiência aquela que apresente um grau de incapacidade permanente, devidamente comprovado mediante atestado médico de incapacidade multiuso emitido nos termos da legislação aplicável, igual ou superior a 60%. Nesta conformidade o pressuposto do cancelamento do benefício fiscal, nos termos dos n.ºs 5 e 6 do artigo 12.º, do EBF, consiste na existência de dívida tributária não liquidada no termo do exercício. No caso em exame, está em causa a dedução à coleta do IRS, do beneficio fiscal, do exercício de 2007, por motivo de deficiência. A sentença recorrida entendeu que: “(…) Assim, sobre a AT recai o ónus de comprovar que não estavam reunidos os pressupostos para o A. beneficiar do benefício fiscal de plano-poupança reforma ou contribuições para fundos de pensão. Retornando ao caso que aqui nos ocupa e como decorre do probatório, ponto 1., foi emitido atestado médico de incapacidade atestando que M. apresenta deficiências de carácter permanente que lhe conferem um grau de incapacidade de 70%. Em 29.10.2007 foi instaurado processo de execução fiscal (n.º 3204200701083953) por divida de IMI do ano de 2006, pago em 24.01.2008 (cfr. pontos 3. e 4. do probatório). No seguimento de procedimento administrativo relativo à cessação de benefícios fiscais foram os Autores notificados para o exercício de direito de audição como coligido no probatório, ponto 6., tendo aqueles exercido tal direito invocando entre outros argumentos o pagamento da quantia em questão. Não obstante o sustentado, a AT indeferiu as razões apresentadas pelos Autores procedendo à cessação do benefício fiscal decorrente da deficiência de que padece o Autor (cfr. ponto 8. do acervo probatório). In casu e como aqui já demos conta, perante o pagamento da quantia em dívida, desapareceu o pressuposto necessário para cessar o benefício fiscal dos A.`s, existência de dívida e a manutenção da situação de incumprimento (cfr. alínea a) do n.º 5 do artigo 12.º EBF). Saliente-se que a dívida de IMI foi paga em 24.01.2008, previamente à entrega da declaração de IRS do ano de 2006 (11.03.2008) e ao próprio exercício do direito de audição (13.08.2008), cfr. nos informa o probatório, pontos 4., 5. e 7., demonstrando o carácter meramente acidental da dívida. Assim, a AT não poderia ter procedido à cessação do benefício fiscal controvertido. Acresce que, mesmo que assim não fosse de entender sempre seria de decidir pela ilegalidade da actuação da AT, por violação dos princípios da proporcionalidade e da justiça constitucionalmente previstos.(…) O Recorrido, marido, tinha direito ao benefício fiscal em apreço dado preencher o pressuposto fáctico, tendo em 13.02.1996 sido emitido atestado médico de incapacidade atestando que apresenta deficiências de carácter permanente que lhe conferem um grau de incapacidade de 70%. Como se constata, no exercício 2007, ocorreu a condição negativa, cuja verificação determina o não reconhecimento do benefício fiscal, por existência de dívida de IMI, imputável aos Recorridos. Nesta conformidade o pressuposto do cancelamento do benefício fiscal, nos termos dos n.ºs 5 e 6 do artigo 12.º, do EBF, consiste na existência de dívida tributária não liquidada no termo do exercício, ou seja, até ao dia 31.12.2007. A sentença escuda-se ainda no facto do pagamento ter sido efetuado em 24.01.2008, antes da entrega do IRS e antes da decisão do procedimento administrativo relativo à cessação de benefícios fiscais. Estas circunstâncias não podem ser valoradas a favor dos Recorridos, para que não se verificasse a cessação do benefício fiscal, não poderiam ter qualquer dívida no final do exercício, o que não sucedeu. Aqui chegados teremos de concluir que a sentença em apreço padece de erro de julgamento de direito, pois o ato impugnado não merece censura. A sentença recorrida para reforçar a sua tese, escora-se ainda num acórdão do TCAS, (rec. 06988/13 de 27.11.2014), refere que se assim não fosse de entender sempre seria de decidir pela ilegalidade da atuação da AT, por violação dos princípios da proporcionalidade e da justiça constitucionalmente previstos. No entanto, não consubstancia os factos pelos quais considera que há violação do principio da proporcionalidade e da justiça, pese embora esteja subjacente o caracter diminuto da dívida (€ 170,39) o pagamento que apelida indevidamente de “voluntário” em 24.01.2008, a par da incapacidade de ganho resultante da incapacidade do Autor /Recorrido com grau de 70%, fundamento do benefício fiscal. Esclareça-se, como resulta da matéria de facto provada, que foi instaurado processo de execução fiscal contra os Autores/Recorridos, tendo em vista a cobrança coerciva da dívida em causa, a qual foi paga, em 24.01.2008. E como se disse no acórdão deste TCAN de 15.04.2021, no rec. 01952/11.0BEBRG, que tem um quadro factual idêntico ao dos autos “ (…) o princípio da justiça tem um âmbito de aplicação desde logo residual relativamente a outros princípios aplicáveis ao procedimento administrativo e à atuação das entidades administrativas, apenas se justificando, por isso, em situações de que se provem ser de injustiça grave e notória o que não é, manifestamente, o caso, pois o que resulta da factualidade provada é que a cessação do benefício fiscal no ano de 2010 [in casu 2007] se deveu à conduta dos AA, que não cuidaram, como deviam, pagar o IMI devido em tempo, como era sua obrigação, independentemente de qualquer notificação para o efeito, e, que em qualquer caso, não cumpriram atempadamente com as obrigações decorrentes do disposto no art. 19.º da LGT. De facto, e ainda que a Administração tivesse alguma margem de livre decisão no caso em apreço, o que atendendo o circunstancialismo provado, não tinha, não lhe restando senão fazer cessar o benefício fiscal, sempre haveria que concluir pela diminuta relevância deste princípio (da justiça), pois “sob pena de anulação constante de condutas administrativas com base em conceitos emocionais e subjectivos de justiça, o princípio da justiça enquanto tal só pode considerar-se violado nas situações cuja qualificação como injustas é susceptível de alcançar um consenso intersubjectivo” (cf. SOUSA, Marcelo Rebelo de, e MATOS, André Salgado de - Direito Administrativo Geral - Tomo I Introdução e princípios fundamentais. 3.ª edição. Lisboa: D. Quixote, 2008, págs. 228-229), devendo por isso reservar-se a sua aplicação, como foi já suprarreferido, e independentemente de estarmos perante o domínio da atividade administrativa vinculada, ou não, para o “controlo de injustiças graves e notórias” [cf. SILVA, Suzana Tavares da – O Princípio da Razoabilidade. In GOMES, Carla Amado Gomes; NEVES, Ana; SERRÃO, Tiago (Coord.) - Comentários ao Código do Procedimento Administrativo. Vol. I. 5.ª edição. Lisboa: AAFDL, pág. 368]. Importa ainda esclarecer que, e atendendo ao circunstancialismo em causa, o ato foi adequado, não comportando qualquer violação dos princípios da proporcionalidade, da confiança – as consequências da falta de pagamento de tributos estão patentes na norma aplicada – ou da igualdade, nada resultando provado que pudesse levar a esta conclusão.(…)” Nesta conformidade, seguindo a jurisprudência deste TCAN, em que nos revemos, a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento pelo que procede as alegações de recurso. 4.2. E assim, formulando as seguintes conclusões/sumário: I. O pressuposto do cancelamento do benefício fiscal, nos termos dos n.ºs 5 e 6 do artigo 12.º, do EBF, consiste na existência de dívida tributária não liquidada no termo do exercício. II. O princípio da justiça tem um campo de aplicação residual, estando o seu acionamento reservado para situações de injustiça grave e notória. 5. DECISÃO Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, em conceder provimento ao presente recurso, e em consequência revogar a sentença recorrida, julgando-se a ação administrativa especial em causa improcedente. * Custas em ambas as instâncias pelos Recorridos, nos termos do art.º 527.º do CPC.Porto, 11 de novembro de 2021 Paula Maria Dias de Moura Teixeira Maria da Conceição Soares Carlos Alexandre Morais de Castro Fernandes |