Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:03181/19.6BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:12/20/2024
Tribunal:TAF do Porto
Relator:RICARDO DE OLIVEIRA E SOUSA
Descritores:EMPREITADA;
DECLARAÇÕES NEGOCIAIS;
EFICÁCIA MODIFICATIVA;
Sumário:
I – Legitimando os autos a aquisição processual de que a sucessão de pedidos de prorrogação formulados pela Autora e as correspondentes deliberações da Ré configuram um comportamento negocial inequívoco no sentido da reconfiguração do prazo global de execução da empreitada, com expressa desconsideração do prazo de 107 dias inicialmente acordado no aditamento n.º 1, deve entender-se que não estamos perante uma interpretação corretiva ou desconforme com o elemento literal do aditamento, mas antes do reconhecimento da eficácia modificativa das declarações negociais posteriores das partes.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte - Secção de Contencioso Administrativo, subsecção de Contratos Públicos:
* *

I – RELATÓRIO

1. A sociedade comercial [SCom01...] & C.ª, S.A., Autora nos presentes autos de AÇÃO ADMINISTRATIVA em que é Ré a empresa municipal [SCom02...], E.M., vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença promanada nos autos, que julgou a presente ação administrativa totalmente improcedente e, em consequência, absolveu a Ré do pedido.

2. Alegando, a Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…)

A. Não se pode concordar com a douta Sentença recorrida de 21/11/2022, na parte em que julgou improcedente os pedidos A), B) e C) da PI, decidindo manter a deliberação do Conselho da administração da Ré, de 23 de agosto de 2019, de aplicação de sanção contratual à Autora por violação do prazo contratual, no período compreendido entre 12/06/2019 e 14/06/2019, no montante de 7.310,22€ (Sete Mil, Trezentos e Dez Euros e Vinte e Dois Cêntimos).

I – Dos Factos:

B. Na execução da empreitada pública de “Beneficiação da Rua ... e da Rua 1...” apurou-se a necessidade de realizar trabalhos a mais de correcção do muro de suporte de terras, situado na Ribeira ..., localizado na Rua 2....

C. A aprovação da execução dos trabalhos a mais foi comunicada à Autora, em 16/11/2018, com uma minuta denominada “Aditamento n.º 1 Trabalhos a Mais ao Contrato de Empreitada ...42”, da qual constava a seguinte artigo:

Artigo 4º

Para a execução dos trabalhos objecto do presente aditamento, o prazo global da empreitada é prorrogado em … (…) dias.

(cfr. Alíneas I), J), K), L) e M) dos Factos Provados)

D. Na mesma data, a Autora informou que os trabalhos de alteração da solução do muro de suporte da Ribeira ... durariam 107 dias, concluindo-se em 22/02/2019, excedendo o prazo final previsto para a empreitada em 27/01/2019. (Cfr. Alíneas N) e O) dos Factos Provados).

E. Na mesma comunicação de 16/11/2018, a Autora ressalvou que se reservava no direito de fazer novos pedidos para salvaguardar a execução dos trabalhos inicialmente contratados; o que veio a fazer em, 30/11/2018, requerendo uma prorrogação de 89 dias do prazo de execução da empreitada para a realização dos trabalhos previstos no contrato inicialmente celebrado. (Cfr. Alínea P) dos Factos Provados)

F. A execução dos trabalhos a mais foi formalizada no Aditamento n.º 1 ao contrato de empreitada, celebrado em 04/12/2019, cujo artigo 4º tinha a seguinte redacção:

Artigo 4º

Para a execução dos trabalhos objecto do presente aditamento, o prazo global da empreitada é prorrogado em 107 (cento e sete) dias.

(Cfr. Alínea R) dos Factos Provados)

G. Em 25/01/2019, a Ré deferiu parcialmente o requerimento de prorrogação de 89 dias, propondo uma prorrogação de 64 dias. (Cfr. Alíneas S), T) e U) dos Factos Provados).

H. A Ré concedeu à Autora uma prorrogação de 31 dias do final da empreitada, comunicada no dia 10/04/2022, e considerou justificada uma prorrogação de 40 dias, na decisão de 09/09/2019, que condenou a Autora ao pagamento de uma sanção contratual.

I. Nessa decisão, a Ré considerou que a Autora incumprira a obrigação de entregar a empreitada até 11/06/2019, condenando-a ao pagamento de uma sanção contratual de 7.310,22€, pelo atraso no período compreendido entre 12/06/2019 e 14/06/2019. (Cfr. Alínea JJ dos Factos Provados).

J. Porém, a Ré não poderia aplicar qualquer sanção contratual, se tivesse considerado, a prorrogação do prazo final da empreitada de 107 dias, o que fixaria o prazo final da empreitada em 17/08/209, ou mesmo em 26/09/2019, atendendo à prorrogação de 40 dias, concedida em 09/09/2019.

Isto posto,

II – Da Prorrogação do Prazo Final por 107 dias:

K. É inequívoco que a prorrogação de 107 dias e a prorrogação de 64 foram formalizadas por escrito, têm fundamentos distintos, versam sobre trabalhos distintos, com prazos de execução distintos, e devem ser consideradas na sua totalidade na data final de entrega.

L. A prorrogação de 107 dias versava sobre trabalhos a mais, foi determinada por aditamento ao contrato de empreitada, celebrado em 04/12/2018; a prorrogação de 64 dias, foi concedida a 25/01/2019, em resposta a requerimento de 30/11/2018, e deveu-se ao deferimento parcial de uma prorrogação de 89 dias para execução de trabalhos já previstos no contrato principal, mas que foram afectados pela realização dos trabalhos a mais.

M. Quando a Autora propôs realizar os trabalhos a mais num prazo de 107 dias, este prazo já implicava que se excedesse o prazo final inicialmente previsto para 27/01/2019, ignorando que o contrato que consagrou esse prazo apenas entrou em vigor a 04/12/2018.

N. À data de 04/12/2018, a Ré ainda não se pronunciara sobre o pedido de prorrogação de 89 dias que a Autora efectuara em 30/11/2018, para executar os trabalhos objecto do contrato.

O. Era, pois impossível, concluir os trabalhos no prazo previsto no prazo final da empreitada, sem uma prorrogação proporcional de 107 dias, correspondente à duração dos prazo dos trabalhos a mais, em conformidade com o disposto no artigo 374º, n.º1 do CCP.

P. Caso ambos os prazos dissessem respeito aos mesmos trabalhos, ou a trabalhos diferentes que decorressem em simultâneo, a Autora apenas necessitaria de solicitar uma prorrogação de 26 dias obra sobre a data de 27/01/2019.

Q. Porém, a Autora ressalvou que necessitaria de 107 dias para trabalhos a mais, e um período que veio a apurar de 89 dias para os trabalhos previstos no contrato de empreitada, dependentes da execução dos trabalhos a mais.

R. A Ré concordou com a necessidade de prorrogar o prazo em 107 dias pois foi quem minutou o aditamento n.º 1: primeiro, sem mencionar o prazo de 107 dias e depois com referência expressa a uma prorrogação por igual período, quando tomou conhecimento da duração dos trabalhos a mais.

S. As duas prorrogações foram insuficientes para realizar na íntegra o contrato de empreitada, pois a Ré concedeu novas prorrogações de 31 e 40 dias.

T. O simples facto de as partes, erradamente, não terem contabilizado a prorrogação de 107 dias nas comunicações entre si, não pode ser determinante para se considerar que a mesma não existiu.

U. As partes nunca rectificaram o conteúdo do artigo 4º do Aditamento n.º 1, ou da decisão que concedeu a prorrogação de 64 dias, como teriam feito se considerassem tratar-se de uma duplicação do mesmo prazo.

III – Da Interpretação das Declarações negociais das partes:

V. A interpretação do conteúdo do Aditamento n.º 1 e da decisão de conceder uma prorrogação de 64 dias, no sentido que dizem respeito aos mesmos prazos e trabalhos, é violadora dos princípios do interesse público, da legalidade, do equilíbrio contratual, da conformidade normativa, autonomia contratual, concorrência e transparência.

W. A referida interpretação não leva em consideração o interesse público na realização de diferentes tipos de trabalhos, em prazos distintos, com rigor e segurança, o cumprimento das normais legais que impunham esse tipo de trabalhos e prazos, nem a transparência e rigor que subjaz ao procedimento de formação de contratos públicos, com vista à sua fiscalização por entidades públicas e à confiança das entidades privadas.

X. O ponto de partida da interpretação dos contratos escritos, e bem assim dos contratos públicos, é o seu elemento literal pois a vontade real das partes tem de ter um mínimo de correspondência na sua vontade declarada, valendo com o sentido que um normal declaratário atribuiria às declarações escritas. – Cfr. artigo 238º, n.º 1 do CC.

Y. Estar-se-á a ignorar o elemento literal do artigo 4º do Aditamento n.º 1, se o mesmo foi interpretado no sentido de que as partes não quiseram prorrogar o prazo final da empreitada por 107 dias, pois estar-se-ia a concluir que a vontade real é oposta à declarada.

Z. Do elemento literal, apenas se pode concluir que a Ré se vinculou a uma redacção conforme a sua vontade, porque foi quem redigiu a minuta do Aditamento n.º 1, e quem acrescentou, posteriormente, o prazo de 107 dias a essa minuta.

AA. Segundo o elemento literal da decisão de prorrogar o prazo de 64 dias da empreitada, deve interpretar-se que a mesma concedeu uma prorrogação adicional aos 107 dias, pois resulta de uma fundamentação e pedido de prorrogação distintos.

BB. O carácter distinto da prorrogação de 64 dias denota-se também pela sua formalização: um requerimento da Autora a que a Ré deu parcial provimento, tendo as partes optado por não o formalizar como aditamento ao contrato de empreitada.

CC. Autora e Ré são estruturas empresariais, capazes e altamente organizadas habilitadas a formular declarações negociais complexas e de forma informada, e como tal, particularmente habilitadas a formular a sua vontade real, ao ponto de qualquer declaratário normal considerar que a sua vontade real coincide com a declarada.

DD. Mesmo nos termos do artigo 236º, n.º 2 do CC, quando a vontade real diverge da declarada, tem de ter nela um mínimo de correspondência para poder ser valorada, ou a actuação da entidade pública nunca poderia ser supervisionada e fiscalizada por quem de Direito.

EE. Ignorar totalmente o elemento literal de um contrato implica que qualquer entidade privada que negociasse com entidades públicas tivesse de indagar a cada momento se a vontade manifestada corresponde à sua vontade real.

FF. Uma constante indagação pela vontade real do contraente público, por parte do privado, não tem cabimento legal, é desnecessária, excessiva e desproporcional para os contratantes privados, pondo em causa o interesse público.

GG. Pelo contrário, a bem do princípio da concorrência e da transparência, as pessoas colectivas públicas estão particularmente vinculadas às suas declarações, mesmo quando não correspondam à sua vontade real, para que não se desresponsabilizem de declarações negociais que proferem, num contexto de rigoroso processo de formação de contrato e de fiscalização da sua execução.

HH. Sem prejuízo, nos termos do disposto no artigo 237º do CC, em situações limite deve-se optar-se pela interpretação que conduza ao maior equilíbrio das prestações, que no nosso entendimento corresponde à que reconhece existir uma prorrogação de prazo para trabalhos a mais, aprovados, necessários e imprevisíveis de 107 dias, e outra de 64 dias para trabalhos já previamente definidos, pois é a que melhor atende as necessidades das partes, o interesse público, e o conteúdo das suas declarações.

II. De acordo, com todas os elementos de interpretação, literal, sistemático, histórico, e hermenêutico, integrados pelos princípios que norteiam a contratação pública, devem interpretar-se o aditamento n.º 1, e a decisão de prorrogação de 64 dias, no sentido que a Autora defende no seu petitório.

IV – Da Sentença Recorrida:

JJ. Mal andou o Tribunal a quo ao não reconhecer que a vontade real da Ré não correspondeu à declarada, e que nesse caso, apenas poderia ser valorada se tivesse o mínimo de correspondência com o teor do aditamento e da decisão a que se vinculou, por escrito.

KK. O Tribunal a quo, mal, optou por considerar o elemento literal um mero ponto de partida de interpretação, e que as alegadas intenções da Ré se sobrepõem, sempre, à sua vontade declarada.

LL. Como expusemos, o elemento literal constitui o limite da interpretação das normas contratuais, e o conhecimento da vontade real não pode ser presumido de forma subjectiva, sem qualquer sustentação na vontade declarada, sob pena de se subjectivar todo o procedimento de formação dos contratos públicos.

MM. O Tribunal a quo refere que “até esta data (16/11/2018) nada resulta da factualidade provada sobre o prazo necessário para a execução dos trabalhos a mais aprovados e/ou sobre o seu impacto no prazo global da empreitada”, porém a verdade é que até à data de 16/11/2018, a Autora ainda não informara a Ré da duração dos trabalhos a mais, nem da possibilidade de os executar em simultâneo com os trabalhos já previstos, pelo que essa data nunca poderia figurar nas primeiras minutas elaboradas pela Autora.

NN. Ao contrário do que parece defender o Tribunal a quo, o n.º 2 do artigo 374º do CCP configura uma excepção ao n.º 1, porque este só não se aplicará “quando estejam em causa trabalhos a mais cuja execução não prejudique o normal desenvolvimento do plano de trabalhos.”

OO. Como na sua resposta de 16/11/2018, a Autora informou a Ré: a) que o prazo de execução dos trabalhos a mais tinha uma duração previsível de 107 dias; b) que a execução dos trabalhos a mais excederia a data limite do final da empreitada; c) que a execução dos trabalhos a mais teria implicações no andamento dos demais trabalhos já previstos, em prazo ainda por determinar.

PP. A Ré apenas se podia limitar a cumprir o disposto no artigo 374º, n.º 1 do CCP, ao minutar uma cláusula de prorrogação geral do prazo global da empreitada, pelo prazo de duração dos trabalhos a mais, ou seja, de 107 dias.

QQ. O que a Ré fez, em 04/12/2018, já conhecendo o requerimento da Autora de 30/11/2018 para uma prorrogação de 89 dias do prazo final para executar trabalhos previamente contratados.

RR. Não assiste razão ao Tribunal a quo quando diz que “foi através da Deliberação do Conselho de Administração da Ré de 25-01-2019, que, de facto, a prorrogação do prazo global da empreitada por 64 dias, foi aprovada”, (Cfr. página 35 da Sentença Recorrida), pois quando considerou a data final de 01/04/2019, não levou em conta que se previu inicialmente que os trabalhos a mais só se concluíam em 22/02/2018 e que os 64 dias apenas diziam respeito ao impacto nos trabalhos do contrato original.

SS. O Tribunal a quo fez uma interpretação correctiva das declarações negociais, sem respaldo no elemento literal, que é verdadeiramente contraditória e contrária às melhores normas no planeamento da construção civil

TT. Ao considerar o Tribunal a quo que “decorre do comportamento das partes ao longo da execução deste contrato é que, para a execução destes tais trabalhos a mais, o prazo de execução (global) foi prorrogado pelo prazo de 64 dias de calendário, em relação à data de conclusão contratual inicialmente prevista de 27-01-2019.” (cfr. página 37 da Sentença Recorrida), apenas relevou na sua interpretação da vontade real das partes, as comunicações posteriores ao aditamento (cfr. alíneas V), W) E X) dos Factos Provados), mas não a vontade declarada das partes no próprio aditamento e na decisão que aplicou a prorrogação de 64 dias.

UU. Isto porque, as comunicações posteriores ao aditamento que, erradamente não contabilizam a prorrogação de 107 dias que as partes acordaram, é que devem ser consideradas erradas.

VV. O Tribunal a quo faz uma interpretação violadora do interesse público, da legalidade, da transparência, e acima de tudo das normas da concorrência da vontade real e declarada das partes.

WW. O Tribunal a quo ignorou que a Ré formou e formulou a sua vontade de forma clara, voluntária e consciente, por razões de ordem contratual e de interesse público.

XX. O Tribunal a quo não valorou que a Ré pôde corrigir os seus supostos lapsos no Aditamento n.º 1 e na decisão de prorrogação de 64 dias, mas nunca o fez; ao contrário da troca de e-mails com errados prazos finais da empreitada.

YY. O entendimento sufragado pelo Tribunal a quo é violador dos artigos 236º, 237º, 238º do Código Civil, dos artigos 374, n.º 1 e artigo 373º, n.ºs 3 e 4 do CPC.

ZZ. Sem prescindir, também se considera que a interpretação feita pelo Tribunal a quo é violadora do artigo 266º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, na medida em que é desproporcional, desigual e violadora de garantias de imparcialidade e boa-fé da actuação da Administração Pública, no cumprimento dos contratos que celebra com privados.

Pelo que revogando a douta Sentença recorrida, sendo a mesma substituída por uma decisão que condene a Ré nos Pontos A), B) e C) da PI, farão V. Ex.as a mais Serena e Sã Justiça! (…)”.


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3. Notificada que foi para o efeito, a Recorrida apresentou contra-alegações, que rematou com o seguinte quadro conclusivo: “(...)

A. O recurso a que se responde vem interposto da douta sentença proferida a 21 de Novembro de 2022, a qual, indeferindo a tese propugnada pela Recorrente, julgou totalmente improcedente a acção por esta intentada.

B. A Recorrente estriba a sua pretensão num único argumento: o teor literal da Cláusula 4ª do aditamento n.º 1 ao contrato de empreitada é preponderante, devendo prevalecer sobre o contexto em que o aquele aditamento foi celebrado e o comportamento das partes antes e depois da sua celebração. Como tal, entende a Recorrente que o prazo global da empreitada foi prorrogado pelo período de 107 dias para além das prorrogações pelo período de 64 e 31 dias sucessivamente concedidas.

II. DA IMPROCEDÊNCIA DO RECURSO

C. Dir-se-á, à cabeça, que efectivamente determinante para a boa decisão da causa é a adequada ponderação da decisão proferida sobre a matéria de facto, uma vez que desta se extraem os vários indícios que levam à derradeira conclusão do Tribunal a quo e, consequentemente, também ao indeferimento do recurso interposto: os que as partes quiseram com a outorga do aditamento n.º 1 ao contrato de empreitada foi prever os trabalhos a mais necessários e o prazo da sua execução, sem que daí resultasse a prorrogação do prazo global da empreitada por idêntico período.

D. É a própria Recorrente quem admite que a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal a quo não é merecedora de censura. Esta asserção implica o reconhecimento, por parte da Recorrente, de que a sua postura e os comportamentos assumidos antes e depois da celebração do aditamento n.º 1 ao contrato de empreitada são absolutamente dissonantes da pretensão trazida a juízo.

E. A Recorrente pressupôs sempre, nas várias comunicações dirigidas à Recorrida, que o prazo de 107 dias dizia apenas respeito à execução dos trabalhos a mais, não sendo intenção de qualquer das partes prorrogar o prazo global da empreitada por esse período.

F. O mesmo resulta também do facto de o prazo global por si proposto para a execução da empreitada nos dois pedidos de prorrogação do prazo de execução da obra que apresentou depois daquela data não contabilizarem os referidos 107 dias.

G. E também do facto de nunca se ter oposto ao teor das comunicações, ofícios e despachos proferidos pela Recorrida relativamente aos pedidos de prorrogação submetidos pela Recorrente e à determinação sucessiva do prazo global para execução da empreitada (que evidenciavam que o prazo de prorrogação da obra nunca tinha sido prorrogado pelos referidos 107 dias).

H. A Recorrente sabia, portanto, que não era intenção de qualquer das partes prorrogar o prazo global da empreitada pelo período de 107 dias, pelo que o teor da Cláusula 4.a do aditamento n.º 1 ao contrato de empreitada assentava num lapso, não correspondendo à vontade real de ambas as outorgantes.

I. Dada a preponderância dos comportamentos das partes para a determinação da sua vontade real, a redução do sentido da Cláusula 4.a do aditamento à sua expressão literal implicaria a total desconsideração daquela que era efectivamente a intenção da Recorrida e da Recorrente estabelecer o prazo de 107 dias para realização dos trabalhos a mais - para além de desvirtuar em absoluto o regime de interpretação a que se encontram sujeitos os contratos administrativos.

J. Em casos como o dos autos, mais do que os elementos intrínsecos do acordo de vontades - v.g., o elemento literal -, assumem preponderância os elementos extrínsecos de interpretação daquele, essenciais para apurar o sentido juridicamente relevante das declarações de vontade das partes, em particular o seu contexto.

K. No caso dos autos, o que o contexto em que o aditamento foi celebrado e o comportamento, anterior e posterior, das partes revelam é que nenhuma das partes pretendeu, com o acordo de vontades aposto no aditamento, a prorrogação do prazo global da empreitada pelo período de 107 dias.

L. Quer se considere que a interpretação de contratos administrativos está sujeita a um regime próprio, quer se entenda que aquela obedece às regras previstas nos artigos 236.º a 238.º do Código Civil, a verdade é que a conduta assumida por ambas as partes e, em particular, pela Recorrente, é de tal forma expressiva que não permite senão concluir que a expressão literal da Cláusula 4.ª do aditamento contém um lapso significativo ostensivo e manifesto, que determina a sua total dissonância em relação à vontade real das partes.

M. Em qualquer caso, não merece censura o entendimento do Tribunal a quo, quando entende que "face ao acervo fáctico apurado nesta afio, é de concluir que a razão está do lado da Ré".

N. Com efeito, é a própria Recorrente que, em cada instância de comunicação com a Recorrida e em cada pedido sucessivo de prolongamento do prazo de empreitada, parte sempre do pressuposto de que a previsão do prazo de 107 dias para a execução dos trabalhos a mais não determinou a prorrogação do prazo global da empreitada. Para além disso, a Recorrente conformou-se sempre com o teor das comunicações que lhe foram dirigidas pela Recorrida, assim como com as decisões de indeferimento ou deferimento parcial dos pedidos de prorrogação apresentados e com os prazos estipulados em função daquelas.

O. A principal evidência de que as partes não pretendiam, nem acordaram, a prorrogação do prazo global da empreitada pelo período de 107 dias é, portanto, o próprio comportamento da Recorrente, designadamente a postura evidenciada aquando da apresentação dos três pedidos de prorrogação do prazo.

P. A decisão recorrida não resulta, ao invés do defendido pela Recorrente, da negação da relevância do elemento literal da Cláusula 4.ª do aditamento; ao invés, a ponderação exclusiva da expressão escrita da norma conduziria, isso sim, a um resultado hermenêutico perverso.

Q. Nos termos dos artigos 236.º e 238.º do Código Civil, aplicáveis in casu, pode valer um sentido sem um mínimo de correspondência no texto da norma se aquele corresponder à vontade das partes.

R. E inequívoco, conforme exaustivamente demonstrado na contestação e confirmado, de forma exemplar, na sentença recorrida, que ambas as partes conheciam a vontade real uma da outra aquando da outorga do aditamento, sendo inequívoco que ambas pretendiam apenas estipular o prazo para execução dos trabalhos a mais, e não prorrogar o prazo global da empreitada pelo período de 107 dias.

S. Assim sendo, a apreciação circunstanciada do contexto em que o aditamento foi celebrado e da postura de ambas as partes antes e depois desse evento permitem demonstrar, de forma inequívoca, que a Cláusula 4.ª do aditamento apenas pode ser interpretada no sentido de que o que foi realmente acordado entre as partes foi a fixação de um prazo de 107 dias para a realização dos trabalhos a mais, sem a prorrogação do prazo global da empreitada por igual período.

T. Sendo a vontade real de cada uma das partes totalmente distinta da sua vontade declarada, inexistem motivos que determinem, in casu, a prevalência desta sobre a primeira.

U. Como tal, deve improceder a tese da Recorrente, de acordo com a qual o teor literal da Cláusula 4.ª é determinante e deve sobrepor-se à vontade real de ambas as partes, devendo manter-se a sentença recorrida qua tale, na medida em que fez uma análise irrepreensível da factualidade relevante, subsumindo-a de forma exemplar às normas de Direito concretamente aplicáveis (…)”.


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4. O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida.

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5. O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior silenciou quanto ao propósito vertido no n. º1 do artigo 146.º do C.P.T.A.

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6. Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.

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II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR

7. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.

8. Neste pressuposto, as questões essenciais a determinar são as de saber se a sentença promanada nos autos, ao julgar nos termos e com o alcance explicitados no ponto I) do presente aresto, incorreu em erro[s] de julgamento de direito, por (i) violação da normação contida nos “(…) artigos 236º, 237º, 238º do Código Civil, dos artigos 374, n.º 1 e artigo 373º, n.ºs 3 e 4 do CPC (…)”, e, bem assim, no “(…) artigo 268º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa (…)”.

9. É na resolução de tais questões que se consubstancia a matéria que a este Tribunal Superior cumpre solucionar.


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III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

10. O quadro fáctico apurado na decisão judicial recorrida foi o seguinte:

A) Em 19 de fevereiro de 2018, foi celebrado entre a Autora e a Ré o Contrato de Empreitada ...42, destinado à execução da empreitada de “Beneficiação da Rua ... e da Rua 3...”, no ..., cujo teor se dá por integralmente reproduzido - cf. contrato de empreitada junto à p.i. e que consta do PA;

B) No âmbito do contrato identificado na alínea antecedente, para a realização dos trabalhos objeto da empreitada, a Ré obrigou-se ao pagamento à Autora do preço de € 1.218.370,68 - cf. contrato de empreitada junto à p.i. e que consta do PA;

C) O prazo global para execução dos trabalhos da referida empreitada foi fixado em 270 dias de calendário “contados da data da consignação da obra, ou da data em que o Dono da Obra comunique ao Empreiteiro a aprovação do plano de segurança e saúde, nos termos previstos na lei, caso esta última data seja posterior” - cf. contrato de empreitada junto à p.i. e que consta do PA;

D) O Contrato de empreitada identificado na alínea A) foi precedido de um procedimento pré-contratual, que integra as respetivas peças procedimentais, designadamente o Caderno de Encargos, do qual se extrai, entre o mais, o seguinte, quanto à aplicação de “multas por violação dos prazos contratuais”:


[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

- cf. CE que consta do PA (pasta processo de formação do contrato);

E) Em 2 de maio de 2018, a obra foi consignada, data em que se iniciaram os trabalhos - cf. auto de consignação da obra que consta do PA; quanto ao início dos trabalhos, facto admitido por acordo (2.ª parte do artigo 6.º da petição inicial e 2.ª parte do artigo 33.º da contestação);

F) A data inicialmente prevista para a conclusão dos trabalhos correspondia ao dia 27 de janeiro de 2019 - facto admitido por acordo (última parte do artigo 6.º da petição inicial e artigo 34.º da contestação), corroborado pela documentação relativa à empreitada que consta do PA;

G) Por referência à empreitada de “Beneficiação da Rua ... e da Rua 3...”, com data de 2 de novembro de 2018, os serviços da Ré elaboraram a Informação INT/2447/PRD/18, sob o assunto: «Aprovação de Trabalhos a Mais», de que se extrai, designadamente, o seguinte:


[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

- cf. Informação relativa à execução dos Trabalhos a Mais que consta do PA;

H) Em anexo à Informação identificada na alínea antecedente consta a minuta de “Aditamento n.º 1 Trabalhos a Mais ao Contrato de Empreitada ...42” (e respetivo Anexo I), cujo teor se dá por integralmente reproduzido, cujo clausulado faz referência ao valor dos «Trabalhos a Mais» e não faz referência ao prazo para a execução dos sobreditos “Trabalhos a Mais” nem ao prazo de execução global da empreitada - cf. Informação e anexos relativa à execução dos Trabalhos a Mais que consta do PA;

I) Em 5 de novembro de 2018, o Vogal do Conselho de Administração da Ré proferiu despacho de autorização da execução de «Trabalhos a Mais» e de «Trabalhos a menos» e de aprovação do Aditamento ao Contrato de Empreitada, que se mostra exarado na referida Informação INT/2447/PRD/18 - cf. Informação e despacho que constam do PA;

J) Por correio eletrónico de 7 de novembro de 2018, remetido pela Gestora de Empreendimento da Ré, foi comunicada à Autora a decisão identificada na alínea antecedente, de aprovação da execução “de trabalhos a mais - Alteração da solução do muro de suporte da Ribeira ... no valor de 259.497,27 €, bem como a supressão de trabalhos o valor de 112.807,56 €” - cf. documento n.º 2 junto com a contestação;

K) Por Deliberação do Conselho de Administração da Ré, de 9 de novembro de 2018, foi ratificada a Decisão do Vogal do Conselho de Administração, de 5 de novembro de 2018, que se mostra exarado na referida Informação INT/2447/PRD/18 - cf. Informação e deliberação relativa à execução dos Trabalhos a Mais que constam do PA;

L) Por correio eletrónico de 16 de novembro de 2018, remetido pelo Gabinete Jurídico da Ré, foi comunicado à Autora a referida Deliberação, de aprovação da execução “dos trabalhos a mais da empreitada supra identificada, adjudicando-os pelo valor de € 259.497,27”, para a prestação de caução, no prazo de 10 dias úteis e para, no prazo máximo de 5 dias úteis, se pronunciar sobre a minuta de contrato, remetida em anexo - cf. documento n.º 3 junto com a contestação;

M) Em anexo à referida comunicação consta a minuta de “Aditamento n.º 1 Trabalhos a Mais ao Contrato de Empreitada ...42”, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, de que se extrai, designadamente, o seguinte do seu clausulado:


[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

- cf. documento n.º 3 junto com a contestação;

N) Em resposta à comunicação da Ré, de 16 de novembro de 2018, por correio eletrónico dessa mesma data, a Autora comunicou à Ré que “elaboraram um Plano de Trabalhos onde constam as tarefas a executar”; que “da análise do mesmo, e considerando que teremos condições climatéricas favoráveis à execução dos trabalhos, verifica-se que a conclusão prevista será a 22 de fevereiro de 2018”; que a “Alteração da solução do muro se suporte da Ribeira ...” só por si ultrapassa o prazo contratual da Empreitada Geral. No entanto, estamos ainda a aferir quais as implicações que esta alteração da solução do muro de suporte tem/terá sobre os demais trabalhos já previstos na Empreitada. Reservando-nos o direito de apresentar o que daí decorra” - cf. documento n.º 4 junto com a contestação;

O) O Plano de Trabalhos remetido pela Autora na comunicação identificada na alínea antecedente contempla a previsão para a execução dos «Trabalhos a Mais» que compreendia o período de 107 dias, com termo a 22 de fevereiro de 2019 - cf. documento n.º 4 junto com a contestação;

P) Por carta com data de 30 de novembro de 2018, dirigida à Ré, a Autora solicitou um pedido de “prorrogação do prazo de execução da empreitada” de 89 dias, com data de conclusão da obra para o dia 26-04-2019, nos seguintes termos, que se reproduzem:


[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

- cf. documento n.º 5 junto com a contestação;

Q) Por correio eletrónico de 30 de novembro de 2018, a Autora comunicou à Ré que “na sequência da contratualização dos trabalhos do Muro de Suporte/Contenção, somos a enviar Pedido de Prorrogação para a empreitada”, apresentando os custos que considera devidos, no valor de € 6.951, 30, cujo teor se dá por integralmente reproduzido - cf. anexo ao documento n.º 7 junto com a contestação;

R) Em 4 de dezembro de 2018, foi celebrado entre a Autora e a Ré o Aditamento n.º 1 referente a “Trabalhos a Mais” ao Contrato de Empreitada ...42, melhor identificado na alínea A), do qual se extrai, designadamente, a seguinte cláusula:


[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

- cf. Aditamento ao contrato de empreitada que consta do PA;

S) Com data de 16-01-2019, os Serviços da Ré elaboraram a Informação INT/101/PRD/19, sob o assunto: pedido de prorrogação de prazo, na qual propuserem a não aceitação do pedido de prorrogação de prazo apresentado pelo empreiteiro em 89 dias, antes propondo que seja concedida a prorrogação de prazo em 64 dias de calendário, com previsão do termo de conclusão da obra para o dia 01-04-2019, nos seguintes termos:


[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

[assinatura]

- cf. documento n.º 6 junto com a contestação;

T) Em anexo à Informação identificada na alínea antecedente consta o “Parecer da Fiscalização” referenciado na sobredita Informação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido - cf. documento n.º 6 junto com a contestação;

U) Por Deliberação do Conselho de Administração da Ré, de 25 de janeiro de 2019, a prorrogação do prazo global da empreitada por 64 dias foi aprovada, com a indicação de que o prazo de conclusão da obra passava para o dia 01-04-2019, o que foi comunicado à Autora por ofício, com data de 25 de janeiro de 2019, com a referência INT/221/PRD/19, assinado pelo Administrador Executivo da Ré, com o seguinte teor:


[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

- cf. documento n.º 8 junto com a contestação;

V) Por carta, com data de 8 de março de 2019, dirigida à Ré, a Autora solicitou um pedido de “prorrogação do prazo de execução da empreitada” de 6 semanas (44 dias), com data de conclusão da obra para o dia 15-05-2019, nos seguintes termos, que se reproduzem (em parte):


[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

cf. documento n.º 9 junto com a contestação;

W) O pedido de prorrogação de prazo identificado na alínea antecedente foi objeto de apreciação pela Fiscalização, cujo parecer de 27-03-2019 se dá por integralmente reproduzido, que propôs que “seja concedida a prorrogação legal de prazo em 31 dias de calendário em relação à data de 01-04-2019, apontando o término da empreitada para 02.05.2019”, proposta que foi aprovada pela Ré - cf. documento n.ºs 10 e 11 juntos com a contestação;

X) Por ofício, com data de 10 de abril de 2019, com a referência INT/974/PRD/19, assinado pelo Administrador Executivo da Ré, foi comunicado à Autora que a referida prorrogação de prazo “mereceu aprovação parcial, conforme parecer da fiscalização que se anexa”, tendo sido “concedida a prorrogação legal de prazo de 31 dias de calendário em relação à data de conclusão contratual de 1.04.2019, fixando a data de conclusão da empreitada para o dia 2 de maio de 2019”, informando que “deverão entregar o plano de trabalhos, conforme consta no parecer em anexo de fiscalização” - cf. documento n.º 12 junto com a contestação;

Y) Por carta, com data de 16 de abril de 2019, dirigida à Ré, a Autora solicitou um pedido de “prorrogação do prazo de execução da empreitada” de 44 dias, com data de conclusão da obra para o dia 15-06-2019, nos seguintes termos, que se reproduzem:


[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

- cf. documento n.º 13 junto com a contestação;

Z) O pedido de prorrogação de prazo identificado na alínea antecedente foi objeto de apreciação pela Fiscalização, cujo parecer de 30-04-2019 se dá por integralmente reproduzido, que propôs “não existir lugar a prorrogação do prazo da empreitada, mantendo-se o término da empreitada para 02.05.2019” - cf. documento n.º 14 junto com a contestação;

AA) Com data de 16-05-2019, os Serviços da Ré elaboraram a Informação INT/1189/PRD/19, sob o assunto: pedido de prorrogação de prazo - indeferimento, na qual propuserem a “não aprovação da prorrogação legal de prazo solicitada de 44 dias de calendário mantendo-se deste modo, o término da empreitada para 02.05.2019, pelo que a partir desta data entrará em incumprimento por violação do prazo contratual para a conclusão dos trabalhos”, nos seguintes termos:


[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

- cf. documento n.º 15 junto com a contestação;

BB) Por Deliberação do Conselho de Administração da Ré, de 20 de maio de 2018, foi aprovado o indeferimento do pedido de prorrogação do prazo de empreitada, que se mostra exarada na Informação identificada na alínea antecedente - cf. documento n.º 15 junto com a contestação;

CC) Por ofício, com data de 21 de maio de 2019, com a referência INT/1236/PRD/19, assinado pelo Administrador Executivo da Ré, foi comunicado à Autora que a referida prorrogação de prazo “não mereceu a nossa aprovação, conforme parecer da fiscalização que se anexa”, e que, não tendo sido “concedida a prorrogação de prazo solicitada (…) mantendo-se inalterada a data de conclusão da empreitada no passado dia 2 de maio de 2019, dia a partir do qual se encontram V. Exas. em mora no cumprimento da Vossa prestação contratual” - cf. documento n.º 16 junto com a contestação;

DD) Com data de 14-06-2019, os Serviços da Ré elaboraram a Informação INT/1464/PRD/19, sob o assunto: intenção de aplicação de sanção contratual, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, na qual procederam ao “cálculo da sanção contratual pecuniária correspondente ao período de mora compreendido entre o dia 3 de maio de 2019 até à presente data, de acordo com o auto de fiscalização em anexo, com o valor de 104.779,82€”, e propuserem que “se notifique o empreiteiro da intenção de aplicação de uma sanção contratual no montante de 104.779,82€” - cf. documento n.º 18 junto com a contestação;

EE) Por ofício, com data de 25 de junho de 2019, com a referência INT/1470/PRD/19, assinado pelo Vogal do Conselho de Administração da Ré, foi comunicado à Autora a intenção de aplicação de sanção contratual, no valor de € 104.779,82 - cf. documento n.º 16 junto com a contestação;

FF) Em 5 de julho de 2019, a Autora apresentou pronúncia em sede de audiência dos interessados, cujo teor consta do documento n.º 10 junto com a petição inicial, que se dá por integramente reproduzido, na qual requereu a revogação do despacho de intenção de aplicação de multa contratual e a substituição deste por outro que não aplique esta ou qualquer outra multa - cf. documento n.º 10 junto com a petição inicial;

GG) Com data de 14-08-2019, a Fiscalização elaborou uma Informação/Parecer sobre a ocorrência de “algumas circunstâncias imprevistas de prever que não permitiram antecipar a conclusão da empreitada” alegadas pela ora Autora no requerimento junto ao PA de 07-08-2019, cujos teores se dão por integralmente reproduzidos, na qual concluíram pela aceitação dos “argumentos expostos nos pontos c), f), h), J), n), m), o), p), dando o total de 40 dias de calendário de atraso global uma vez que o ponto i) não teve relevância no prazo total da empreitada, uma vez que houve uma sobreposição com o ponto j) já considerado anteriormente. Apontando assim o final da empreitada para 11 de junho de 2019” - cf. documento que consta do PA;

HH) Em anexo à referida Informação/Parecer da Fiscalização consta o “Auto para Aplicação de Sanção Contratual”, de que extrai, designadamente, o seguinte:


[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

- cf. documento junto com o PA;

II) Com data de 14-08-2019, os Serviços da Ré elaboraram a Informação INT/1946/PRD/19, sob o assunto: aplicação de multa - reclamação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, na qual procederam à apreciação da pronúncia apresentada pela ora Autora, melhor identificada na alínea FF), e concluíram pela proposta de “concessão de uma prorrogação legal de prazo de 40 dias de calendário fixando-se, desta forma, e no pressuposto de que a mesma será aprovada, o término da empreitada no dia 11 de junho de 2019”, o que terá “reflexo no número de dias de mora a considerar para o cálculo do quantum da sanção contratual pecuniária a aplicar ao empreiteiro”, do seguinte modo:


[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

- cf. documento junto com o PA;

JJ) - Por ofício, com data de 9 de setembro de 2019, com a referência INT/1952/PRD/19, assinado pelo Vogal do Conselho de Administração da Ré, foi comunicado à Autora o teor da Deliberação do Conselho de Administração de 23-08-2019, de aplicação de sanção contratual, no valor de € 7.310,22 (ato ora impugnado), nos seguintes termos:


[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

- cf. documento junto ao PA.

KK) A presente ação administrativa foi instaurada em 02-12-2019 - cf. fls. 1 e seguintes dos autos.


*

11. Nos termos do artigo 662º do CPC, aplicável ex vi artigos 1º e 140º do CPTA, adita-se a seguinte factualidade que se mostra documentalmente comprovada:

*

LL) Reproduz-se na íntegra o teor da deliberação da Ré [e parecer da fiscalização anexo] referido na sobredita alínea U): “(…)

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

LL) Reproduz-se na íntegra o teor da deliberação da Ré [e parecer da fiscalização anexo] referido na sobredita alínea X): “(…)

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]


* *

IV- DO MÉRITO DA INSTÂNCIA DE RECURSO

12. Vem posta em causa na presente apelação a sentença emanada pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou a presente ação improcedente e absolveu a Ré do pedido.

13. A resenha processual relevante é a seguinte:

14. A Autora intentou a presente ação administrativa contra a Ré, tendo formulado o seguinte petitório:“(…) Termos em que, e nos melhores de Direito que V. Ex.a doutamente suprirá, deve a presente ação ser julgada procedente por provada e, consequentemente, ser a Ré condenada: A – A reconhecer que o prazo de 107 dias para realização dos trabalhos a mais constante do aditamento ao contrato de empreitada, celebrado em 04 de dezembro de 2018, prorrogou, em igual período de tempo, o prazo global da empreitada; B – Que com as prorrogações por ela concedidas, o prazo para conclusão da empreitada se fixou, pelo menos, na data de 17 de agosto de 2019; e C – Por via disso, ser anulada a deliberação do Conselho da administração da GOP, de 23 de agosto de 2019, de aplicação de multa por violação do prazo contratual, no período compreendido entre 12/06/2019 e 14/06/2019, no contrato de empreitada de “Beneficiação da Rua de ... e da Rua 1...”, por assentar em factos arredios da verdade; D – Na mera eventualidade de se considerar que a Autora violou o prazo contratual da empreitada, o que por mera hipótese de patrocínio se admite ou consente, não deve a multa aplicada ser superior a 3.655,11 (Três Mil, Seiscentos e Cinquenta e Cinco Euros e Onze Cêntimos), nos termos supra referidos. E – Ser autorizada a Autora a prestar caução no montante de 7.310,22 (Sete Mil, Trezentos e Dez Euros, e Vinte e Dois Cêntimos), a prestar por garantia bancária, e que apenas poderá ser levantada pela Ré, na eventualidade de esta ser totalmente absolvida do presente pedido, por decisão transitada em julgado (…)”.

15. Substanciou a pretensão impugnatória formulada nos autos, em suma, na alegação de que o ato de aplicação de multa contratual impugnado nos autos - fundado no pressuposto de que o contrato de empreitada devia estar concluído até à data de 03.05.2019 -“ (…) enferma[va] de vício por assentar em factos arredios da verdade (…) ”.

16. Com efeito, sustenta a Autora que o prazo de execução da empreitada, inicialmente fixado para 3 de maio de 2019, foi objeto de sucessivas alterações objetivas, nomeadamente através de: (i) um aditamento contratual que concedeu uma dilação de 107 dias para execução dos trabalhos a mais; e (ii) duas prorrogações de prazo de 64 e 31 dias, respetivamente.

17. Assim sendo, considerando que a consignação da obra ocorreu em 2 de maio de 2018, o prazo global de execução da empreitada foi dilatado de 207 para 472 dias [270+107+64+31], estabelecendo-se como data-limite para a conclusão dos trabalhos o dia 17 de agosto de 2019.

18. Já quanto à pretensão subsidiária atinente ao valor da multa, a Autora argumenta que, perante a ausência de estipulação contratual específica quanto ao montante da coima contratual, o valor diário da multa deveria ter sido calculado à taxa de 1% do preço contratual, ao invés dos 2% aplicados, pelo que, na eventualidade de se considerar devida a aplicação de coima contratual à Autora, o montante máximo exigível não poderá exceder 3.655,11 €.

19. O T.A.F. do Porto, como sabemos, não validou estas pretensões, tendo julgado improcedente a presente ação e absolvido a Ré do pedido.

20. A ponderação de direito que arrimou a improcedência da presente ação foi, sobretudo, o seguinte: “(…)

No fundo, com esta ação administrativa, o que a Autora pretende é que o Tribunal reconheça, em primeira linha, que a conclusão da empreitada estava prevista pata o dia 17-08-2019, e, baseado nesse reconhecimento quanto à data de conclusão da empreitada sob análise, que o ato de aplicação de multa contratual, por violação do prazo contratual, no período compreendido entre 12-06-2019 e 14-06-2019, seja anulado.

A apreciação desta pretensão da Autora passa, a montante, pela interpretação do Artigo 4.º do 1.º do Aditamento a Contrato de Empreitada ...42 celebrado entre as partes em 19-02-2018, destinado à execução da empreitada de “Beneficiação da Rua ... e da Rua 3...”, no ..., conforme identificado na alínea A) do probatório.

E é estipulado o seguinte no citado Artigo 4.º do 1.º do Aditamento a Contrato de Empreitada ...42, a que se alude na alínea R) do elenco da Matéria de Facto assente:

“Artigo 4.º

Para a execução dos trabalhos objeto do presente aditamento, o prazo global da empreitada é prorrogado em 107 (cento e sete) dias.”

Ora, é consabido que «diferentemente do que se verifica ocorrer no âmbito dos negócios jurídicos privados (cfr. artigos 236.º e 239.º do C.Civil) não existem normas jurídicas que especificamente disponham sobre os termos a que deve obedecer a interpretação do contrato administrativo. Tendo, porém, em consideração, que toda a atividade desenvolvida pela Administração Pública se encontra funcionalizada à satisfação do interesse público, as regras interpretativas a considerar neste âmbito não podem ser, sem mais, as que se aplicam no âmbito dos negócios jurídicos privados, devendo antes buscar-se as mesmas no sistema de direito administrativo».

E que, fazendo apelo à doutrina, «conforme sustentam MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO DE MATOS, in “Contratos Públicos- Direito Administrativo Geral”, Tomo III, 2.ª edição, D. Quixote, pág.132 e ss “a interpretação deve ser orientada por uma finalidade predominantemente objectiva: assim, deve entender-se que o sentido das declarações negociais é não o que as partes lhe quiseram dar, mas aquele que lhes seria atribuído por uma pessoa normal; contudo, o sentido subjectivo deve prevalecer sempre que a vontade real de uma das partes seja pela outra conhecida (…)”, sustentando aqueles autores que “os meios de interpretação do contrato administrativo são os argumentos gerais de interpretação jurídica”» - cf. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), de 27-06-2014, proferido no processo n.º 01180/06.7BEBRG, disponível para consulta em www.dgsi.pt - destaque nosso.

Assim sendo, como se conclui neste aresto, se é certo que «a interpretação do contrato administrativo não pode alhear-se do teor literal das respetivas cláusulas, constituindo o argumento linguístico o ponto de partida e o limite da interpretação», certo é também que «no que concerne aos argumentos sistemáticos extrínsecos a considerar, não pode deixar de se ter em conta o comportamento das partes posteriores ao contrato, designadamente no seu cumprimento e execução, que podem iluminar retrospectivamente o sentido das disposições contratuais» - destaque nosso.

Ora, tendo presente estes considerandos na interpretação deste artigo do Artigo 4.º do 1.º do Aditamento a Contrato de Empreitada, face ao acervo fáctico apurado nesta ação, é de concluir que a razão está do lado da Ré.

Com efeito, como ficou provado nos autos, o prazo global para execução dos trabalhos da empreitada “Beneficiação da Rua ... e da Rua 3...”, no ..., era de 270 dias de calendário, remetendo a data de conclusão dos trabalhos para o dia 27-01-2019, o que está provado pelo acordo das partes.

E, com data de 01-11-2018, foi elaborada a Informação INT/2447/PRD/18 pela Ré, relativo à aprovação de Trabalhos a Mais, donde decorre, designadamente, que:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

Ou seja, perante este circunstancialismo, tornou-se necessário “redefinir a solução para a zona do muro” da Ribeira ..., da qual resultou o seguinte:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

E, em anexo à referida Informação, consta a Minuta de “Aditamento n.º 1 Trabalhos a Mais ao Contrato de Empreitada ...42”, cujo clausulado faz referência ao valor dos «Trabalhos a Mais», mas já nada diz quanto ao prazo para a execução dos sobreditos “Trabalhos a Mais” nem quanto ao prazo de execução global da empreitada.

E foi esta a Minuta de “Aditamento n.º 1 Trabalhos a Mais ao Contrato de Empreitada ...42” que foi aprovada pelo Conselho de Administração da Ré, no contexto da aprovação dos sobreditos trabalhos a mais - cf. alíneas I) e K) do probatório.

O que seguiu, depois, foi o envio pela Ré, por correio eletrónico de 16-11-2018, de uma comunicação à Autora (i) da Deliberação do Conselho de Administração da Ré, de aprovação da execução “dos trabalhos a mais da empreitada supra identificada, adjudicando-os pelo valor de € 259.497,27”, (ii) para a prestação de caução, no prazo de 10 dias úteis; (iii) e para, no prazo máximo de 5 dias úteis, se pronunciar sobre a minuta de contrato, remetida em anexo - cf. alíneas L) e M) do probatório.

E é aqui, neste anexo - do qual consta a tal «minuta do contrato», a que se alude na alínea M) do probatório, que surge, pela primeira vez, o Artigo 4.º, com o seguinte teor:

“Artigo 4.º

Para a execução dos trabalhos objeto do presente aditamento, o prazo global da empreitada é prorrogado em … (…) dias”.

Até esta data (16-11-2018) nada resulta da factualidade provada sobre o prazo necessário para a execução dos trabalhos a mais aprovados e/ou sobre o seu impacto no prazo global da empreitada, o que não é necessariamente o mesmo, considerando o disposto no artigo 374.º do CCP, segundo o qual:

“1 - Quando haja lugar à execução de trabalhos a mais, o prazo de execução da obra é proporcionalmente prorrogado de acordo com os prazos definidos nos termos do disposto no artigo 373.º.

2 - O disposto no número anterior não é aplicável quando estejam em causa trabalhos a mais cuja execução não prejudique o normal desenvolvimento do plano de trabalhos”. [Ou seja, como nos diz o citado preceito, no seu n.º 2, quando estejam em causa trabalhos a mais cuja execução não prejudique o normal desenvolvimento do plano de trabalhos, não é de seguir a regra prevista no n.º 1, em que o prazo de execução da obra é “proporcionalmente prorrogado”, de acordo com as regras e prazos definidos no artigo precedente, o artigo 373.º].

E tanto é assim que, em resposta a esta comunicação da Ré, de 16-11-2018, por correio eletrónico desse mesmo dia, a Autora comunicou à Ré que “elaboraram um Plano de Trabalhos onde constam as tarefas a executar” e que “da análise do mesmo, e considerando que teremos condições climatéricas favoráveis à execução dos trabalhos, verifica-se que a conclusão prevista será a 22 de fevereiro de 2018”.

Mas diz mais. Diz a Autora, de forma inequívoca, que a “Alteração da solução do muro se suporte da Ribeira ...” só por si ultrapassa o prazo contratual da Empreitada Geral”, mas que, “no entanto, estamos ainda a aferir quais as implicações que esta alteração da solução do muro de suporte tem/terá sobre os demais trabalhos já previstos na Empreitada. Reservando-nos o direito de apresentar o que daí decorra”.

Ou seja, é a própria Autora que, nesta data, 16-11-2018, com a entrega de um Plano de Trabalhos, informa a Ré que (i) a conclusão prevista para a execução destes trabalhos a mais é a 22-02-2019 (de 107 dias), mas que (ii) está, ainda, a aferir quais as implicações que esta alteração da solução do muro de suporte tem/terá sobre os demais trabalhos já previstos na Empreitada, “reservando-nos o direito de apresentar o que daí decorra” - alínea N) e O) do probatório.

E é, então, aí que, logo depois, por carta com data de 30-11-2018, a Autora solicitou à Ré um pedido de “prorrogação do prazo de execução da empreitada” de 89 dias, remetendo nesse pedido, a data de conclusão da obra para o dia 26-04-2019, utilizando os seguintes termos: “Como é do vosso conhecimento, nesta Empreitada foram agora incluídos os Trabalhos de Execução do Muro de Suporte/Contenção e trabalhos envolventes. Estes trabalhos têm como consequência direta a necessidade associada à execução dos trabalhos agora em fase de contratualização, bem como a inerente coordenação/compatibilização com os trabalhos já previstos no Contrato Inicial”, mais informando que, oportunamente, seria remetido o plano de trabalhos ajustado - alínea P) do probatório.

Sendo que, como ficou provado, por correio eletrónico de 30-11-2018, a ora Autora/Empreiteiro comunicou à Ré/DO que “na sequência da contratualização dos trabalhos do Muro de Suporte/Contenção, somos a enviar Pedido de Prorrogação para a empreitada”, apresentando os custos que considera devidos, no valor de € 6.951,30, para essa mesma prorrogação.

E o que se extrai desta factualidade é que, segundo o próprio empreiteiro, o prazo para a execução de trabalhos a mais é de 107 dias e que o impacto da execução desses mesmos trabalhos a mais no normal desenvolvimento do plano de trabalhos e dos trabalhos contratualizados é de 89 dias, sendo que é esta a prorrogação de prazo (com impacto na conclusão total da obra) que é solicitada pelo empreiteiro.

Estamos, pois, perante um caso cujo tratamento é de enquadrar no disposto no citado artigo 374.º, n.º 2 do CCP.

E depois, na factualidade, surge o Aditamento n.º 1 referente a “Trabalhos a Mais” ao Contrato de Empreitada ...42, que foi celebrado entre a ora Autora e a ora Ré, em 04-12-2018, do qual se extrai, designadamente, a seguinte cláusula:

“Artigo 4.º

Para a execução dos trabalhos objeto do presente aditamento, o prazo global da empreitada é prorrogado em 107 (cento e sete) dias”.

Mas o certo é que foi só depois da celebração do sobredito Aditamento n.º 1 que, em 16-01-2019, os Serviços da Ré elaboraram a Informação INT/101/PRD/19, que incidiu sobre o referido pedido de prorrogação de prazo apresentado pelo empreiteiro de 89 dias, na qual propuserem a não aceitação desse pedido, antes propondo que fosse concedida a prorrogação de prazo em 64 dias de calendário, com previsão do termo de conclusão da obra para o dia 01-04-2019.

E, nessa senda, foi através da Deliberação do Conselho de Administração da Ré, de 25-01-2019, que, de facto, a prorrogação do prazo global da empreitada por 64 dias foi aprovada.

O que, como resulta da alínea U) do probatório, foi comunicado à Autora por ofício, dessa mesma data, com a referência INT/221/PRD/19, assinado pelo Administrador Executivo da Ré, em que o DO comunica, de forma expressa, que “foi concedida a prorrogação legal de prazo de 64 dias de calendário em relação à data de conclusão contratual de 27.01.2019, fixando a data de conclusão da empreitada para o dia 1 de abril de 2019”.

E foi justamente esta a data de conclusão da empreitada - 1 de abril de 2019 - que, como se extrai do facto elencado na alínea V) do probatório, foi usada pelo Empreiteiro como bitola para o 2.º pedido de prorrogação de prazo por 6 semanas (44 dias), formulado em 08-03-2019, em que o empreiteiro previa como data de conclusão da obra o dia 15-05-2019.

Tendo o DO concedido parcial provimento a esse tal 2.º pedido de prorrogação de prazo (31 dias e não 44 dias, conforme requerido), fixando a data de conclusão da empreitada para o dia 02-05-2019 - cf. alíneas W) e X) do probatório.

O que foi comunicado ao Empreiteiro por ofício de 10-04-2019, com a referência INT/974/PRD/19, assinado pelo Administrador Executivo da Ré, em que se reafirma que a data de conclusão contratual prevista até esta data é o dia de 01-04-2019, referindo-se concretamente que foi “concedida a prorrogação legal de prazo de 31 dias de calendário em relação à data de conclusão contratual de 1.04.2019, fixando a data de conclusão da empreitada para o dia 2 de maio de 2019”, informando que “deverão entregar o plano de trabalhos, conforme consta no parecer em anexo de fiscalização - cf. alínea X) do probatório (sublinhado nosso).

E depois, de forma sucessiva, foi esta a data de conclusão da empreitada - 2 de maio de 2019 - que, como se extrai do facto elencado na alínea Y) do probatório, foi usada pelo empreiteiro como bitola para o 3.º pedido de prorrogação de 44 dias, formulado em 16-04-2019, em que o empreiteiro previa como data de conclusão da obra o dia 15-062019.

O que, como ficou provado, foi indeferido pelo DO - cf. al. Z), AA) a CC) do probatório - estabelecendo-se como data final de conclusão de empreitada o dia 02-052019.

Assim, tendo como ponto de partida o teor da cláusula 4.ª do Aditamento n.º 1, acima transcrita, e considerando o comportamento das partes anterior e posteriormente ao mencionado Aditamento, designadamente as missivas/ofícios que foram sendo trocadas/enviados entre o Empreiteiro e o DO, os três pedidos de prorrogação de prazo, os planos de trabalhos juntos, “que podem iluminar retrospetivamente o sentido das disposições contratuais”, é de concluir que, não obstante a previsão do prazo para a execução de trabalhos a mais ser de 107 dias, conforme plano de trabalhos apresentado pelo Empreiteiro, que mereceu a concordância do DO, o que decorre do comportamento das partes ao longo da execução deste contrato é que, para a execução destes tais trabalhos a mais, o prazo de execução (global) da empreitada foi prorrogado pelo prazo de 64 dias de calendário em relação à data de conclusão contratual inicialmente prevista de 27-012019, fixando-se a data de conclusão da empreitada, como referido, em virtude da execução dos trabalhos a mais, no dia 01-04-2019. Sendo que, conforme se retira do probatório e foi sendo aqui relatado, após as prorrogações de prazo concedidas pelo DO, a data final de conclusão desta empreitada correspondia ao dia 02-05-2019.

E tudo isto era do pleno conhecimento do Empreiteiro (o que se confirma pela análise das atas de reunião de obra que constam do PA), que agiu, ao longo da Empreitada e das três prorrogações de prazo que foi solicitando, em conformidade com este circunstancialismo fáctico. Se a interpretação (literal) da Cláusula a seguir fosse a pretendida pela Autora, a mesma significaria que nos teríamos de alhear de todo o comportamento adotado pelos contraentes (público e privado) ao longo da execução deste contrato de empreitada, quer antes, quer depois, da celebração deste Aditamento n.º 1, e que as missivas envidas pelo Empreiteiro e os pressupostos em que as mesmas assentaram, os respetivos planos de trabalho, os ofícios remetidos pelo DO, os pareceres e informações elaboradas, não teriam qualquer relevância para a determinação do sentido desta disposição contratual, o que naturalmente não pode prevalecer.

Improcedem, assim, os pedidos formulados pela Autora nas alíneas A) e B) do petitório. Como também improcede o pedido formulado em C) do petitório - i.e. de anulação do ato de aplicação de multa, por violação do prazo contratual.

Concluindo-se, como se concluiu, que a data final de conclusão de empreitada correspondia ao dia 02-05-2019, tendo sido concedido pelo DO, já no quadro do procedimento de aplicação da multa contratual “o total de 40 dias de calendário de atraso global”, pelas razões apontadas pela Fiscalização a que se alude na GG) do probatório, o que apontaria para a conclusão da obra para o dia 11-06-2019, temos então um atraso de conclusão da obra de três dias, concretamente entre os dias 12-06-2019 e 14-06-2019 [data em que os Serviços da Ré elaboraram a Informação INT/1464/PRD/19, que incidiu sobre a intenção de aplicação de sanção contratual - cf. alínea DD) do probatório], tudo conforme se extrai das alíneas DD) a JJ) do probatório.

Também no que tange ao quantum da multa aplicada o ato impugnado não é censurável.

Com efeito, dispõe o artigo 403.º do CCP, invocado pela Autora, o seguinte:

“Artigo 403.º

Atraso na execução da obra

1 - Em caso de atraso no início ou na conclusão da execução da obra por facto imputável ao empreiteiro, o dono da obra pode aplicar uma sanção contratual, por cada dia de atraso, em valor correspondente a 1 (por mil) do preço contratual inicial, sem prejuízo de o contrato poder prever valor mais elevado, até ao dobro daquele valor.

2 - Em caso de incumprimento de prazos parciais de execução da obra por facto imputável ao empreiteiro, é aplicável o disposto no número anterior, sendo o montante da sanção contratual aí prevista reduzido a metade.

3 - O empreiteiro tem direito ao reembolso das quantias pagas a título de sanção contratual por incumprimento de prazos parciais de execução da obra quando recupere o atraso na execução dos trabalhos e a obra seja concluída dentro do prazo de execução do contrato.” - sublinhado nosso.

Ora, conforme resulta do probatório, a aplicação de multa por violação do prazo contratual estava prevista na Cláusula 17.ª do Caderno de Encargos do procedimento précontratual que antecedeu a celebração do Contrato de Empreitada ...42, destinado à execução da empreitada de “Beneficiação da Rua ... e da Rua 3...”, no ..., o que era conhecido pelas partes, e que estas aceitaram, ao assinar o Contrato.

Como a Ré salienta na sua contestação, o teor do Contrato é integrado, designadamente, pelo Caderno de Encargos, o que desde logo resulta do artigo 96.º, n.º 2, alínea c) do CCP, como, ainda, do próprio clausulado do sobredito Contrato, cujo teor se deu por integralmente reproduzido na alínea A) do probatório.

Na verdade, como se disse, resulta do Caderno de Encargos (que, como também se disse, faz parte integrante do Contrato) que, em caso de incumprimento do prazo contratual, ficaria a adjudicatária sujeita ao pagamento de sanção contratual, por cada dia de atraso, em valor correspondente a 2 do preço contratual.

Recorde-se a Cláusula 17.ª do Caderno de Encargos, sob epigrafe “Multas Por Violação Dos Prazos Contratuais”, a que alude a alínea D) dos factos provados:

“1. Em caso de atraso no início ou na conclusão da execução da obra por facto imputável ao Empreiteiro, o Dono da Obra pode aplicar uma sanção contratual, por cada dia de atraso, em valor correspondente a 2 ‰ do preço contratual.

2. O Dono da Obra poderá aplicar as sanções contratuais previstas nos termos os números anteriores até à notificação da conta final da empreitada”.

Por conseguinte, atento o disposto no artigo 403.º, n.º 1 do CCP, conjugado com a Cláusula 17.ª do Caderno de Encargos (que faz parte integrante do Contrato), perante o acervo fáctico apurado nos autos, a Ré também não pode ser condenada no pedido formulado pela Autora na alínea D) do probatório.

Nesta conformidade, e ante o acima exposto, esta ação administrativa terá de improceder totalmente (…)”.

21. Sintetizando a motivação de direito que se vem de transcrever, dir-se-á que o juízo de improcedência dos pedidos formulados nas alíneas A), B) e C) do petitório inicial estribou-se na ponderação que, não obstante a previsão de prazo para a execução dos trabalhos a mais de 107 dias, o que decorre do comportamento das partes ao longo da empreitada é que para a execução destes trabalhos a mais o prazo de execução global da empreitada foi prorrogado por 64 dias relativamente à data inicial contratualmente fixada de 27-01-2019, que passou a ser 01.04.2019, entretanto, objeto de redefinição para a data final de 02.05.2019, fruto de nova prorrogação de prazo, carecendo, por isso, de sustentação jurídica os fundamentos invocados pela Autora.

22. Já a denegação da pretensão jurisdicional formulada na alínea D) do petitório inicial, arrimou-se na consideração de que o caderno de encargos é inequívoco na previsão regulamentar de que, em caso de incumprimento do prazo contratual, ficaria a adjudicatária sujeita ao pagamento de sanção contratual, por cada dia de atraso, em valor correspondente a 2% do preço contratual, subsistindo, por isso, falta de fundamento quanto à tese veiculada pela Autora.

23. Patenteiam as conclusões recursórias que a Recorrente insurge-se contra o assim decidido, por manter a firme convicção – aqui sintetizada - de que o Tribunal recorrido operou uma interpretação corretiva das declarações negociais das partes, sem o mínimo de correspondência com o teor do aditamento n.º1 a que se vinculou, por escrito, optando por considerar o elemento literal um mero ponto de partida de interpretação, e que as alegadas intenções da Ré se sobrepõem, sempre, à sua vontade declarada, o que considera violador da normação contida nos “(…) artigos 236.º, 237º, 238.º do Código Civil, dos artigos 374, n.º 1 e artigo 373.º, n.ºs 3 e 4 do CPC (…)”, e, bem assim, no “(…) artigo 268.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa (…)”.

24. Esta teia argumentativa, porém, não é, minimamente, persuasiva, desde logo, por falta de certeza jurídica da premissa [interpretação corretiva] em que se baseia.

25. Na verdade, cabe notar que, de entre outras realidades e para o que ora nos interessa, se mostra provado que, em 19 de fevereiro de 2018, foi celebrado entre a Autora e a Ré o Contrato de Empreitada ...42, destinado à execução da empreitada de “Beneficiação da Rua ... e da Rua 3...”, no ..., cujo prazo global de execução foi fixado em 270 dias contados da data de consignação, ou seja, 02.05.2018, terminando em 27.01.2019 [Cfr alineas A) a E) do probatório].

26. Cabe ainda notar que resulta demonstrado que o referido contrato de empreitada foi objeto de um aditamento [nº1] com vista à realização de trabalhos a mais [Muro de Suporte/Contenção], do qual se extrai a seguinte cláusula: “Para a execução dos trabalhos objeto do seguinte aditamento, o prazo global da empreitada é prorrogado 107 dias. “ [cfr. alíneas G) a R), sobretudo esta última].

27. Emerge ainda processualmente adquirido que, por carta datada de 30.11.2018, a Autora formulou um pedido de prorrogação de prazo de execução da empreitada nos seguintes termos: “(…) Como é do vosso conhecimento, nesta empreitada foram agora incluídos os Trabalhos de Execução do Muro de Suporte/Contenção e trabalhos envolventes. Estes trabalhos têm como consequência associada à execução dos trabalhos agora em fase de contratualização, bem como a inerente coordenação/compatibilização dos trabalhos já previstos no Contrato inicial. Assim, pelo exposto, solicitamos uma nova prorrogação de prazo de execução por 89 dias, sendo a data de conclusão o dia 26 de abril de 2019 (…)”, o que logrou obter deferimento parcial de prorrogação do prazo por 64 dias, fixando-se o prazo de execução da empreitada para o dia 01.04.2019. [cfr. alíneas P) a U)].

28. Resulta ainda processualmente adquirido que, por carta de 08.03.2019, a Autora formulou novo pedido de prorrogação de prazo por 44 dias, com data de conclusão da obra para o dia 15.05.2019, o que foi o que logrou obter deferimento parcial de prorrogação do prazo por 31 dias, fixando-se o prazo de execução da empreitada para o dia 02.05.2019. [cfr. alíneas V) a X)].

29. É também consensual que, por carta de 16.04.2019, a Autora formulou novo pedido de prorrogação de prazo por 44 dias, com data de conclusão da obra para o dia 15.06.2019, o que foi indeferido pela Ré por deliberação da Ré datada de 20.05.2018.

30. Cristalizada a realidade que antecede, é de manifesta evidência que, não obstante sobrelevar da mesma a aquisição processual da ampliação ab initio do prazo de execução global da execução da empreitada pelo período de 107 dias, as partes, optaram por “reconfigurar supervenientemente” o prazo global de execução da empreitada nos termos e com o alcance que derivam dos pedidos de prorrogação de prazo e das decisões administrativas que recaíram sobre os mesmos e desconsiderando o cômputo do lapso temporal de 107 dias formalizado no aditamento nº.1.

31. De facto, conforme grassa à evidência do tecido fáctico supra elencado, Autora, nos pedidos de prorrogação de prazo contratual formulados à Ré, propôs a fixação de um prazo final de conclusão dos trabalhos globais da empreitada descartado do cálculo do apontado prazo de 107 dias, dessa sorte, operando uma reconfiguração da realidade temporal em questão.

32. Tal convicção surge particularmente potenciada pelo sentido decisório assumido pela Ré como resposta a tais pedidos de prorrogação, no qual se assume, por remissão para o parecer da fiscalização anexo, que “(…) 1- a prorrogação engloba todos os trabalhos, que até à presente data, não estavam contratualmente previstos na empreitada (…)”,, com a expressa fixação de novas datas de conclusão dos trabalhos mediante a contabilização única dos prazos adicionais de 64 e 31 dias [cfr. alineas LL) e MM) do probatório].

33. No contexto assinalado, é de manifesta evidência que, se, inicialmente, o prazo de execução global da empreitada foi prorrogado por 107 dias, mais tarde, o mesmo veio a ser redefinido no sentido do mesmo ser apenas prorrogado pelos prazos adicionais de 64 e 31 dias de calendário em relação à data de conclusão contratual inicialmente prevista de 27.01.2019, e com a inclusão da execução dos trabalhos complementares.

34. Destarte, à luz da teoria da impressão do destinatário, a interpretação do comportamento negocial das partes não pode deixar de conduzir à conclusão de que estas, através das suas declarações negociais posteriores, procederam a uma efetiva reconfiguração do regime temporal da empreitada, substituindo o prazo inicialmente previsto no aditamento n.º 1 pelos novos prazos consensualmente estabelecidos.

35. Com efeito, a sucessão de pedidos de prorrogação formulados pela Autora e as correspondentes deliberações da Ré configuram um comportamento negocial inequívoco no sentido de uma reconfiguração do prazo global de execução da empreitada, com expressa desconsideração do prazo de 107 dias inicialmente acordado no aditamento n.º 1.

36. Não se trata, pois, de uma interpretação corretiva ou desconforme com o elemento literal do aditamento, mas antes do reconhecimento da eficácia modificativa das declarações negociais posteriores das partes.

37. Deste modo, tendo também sido este o caminho trilhado na sentença recorrida, com maior ou menor variação de fundamentação, impõe-se reconhecer que esta não é merecedora da censura que a Recorrente lhe dirige, designadamente dos artigos 236.º, 237.º e 238.º do Código Civil, porquanto a interpretação adotada resulta diretamente da aplicação dos cânones hermenêuticos neles consagrados, dessa sorte, não resvalando em qualquer violação dos princípios constitucionais da igualdade, proporcionalidade, justiça, imparcialidade e boa-fé, consagrados no artigo 266.º, n.º 2 da CRP.

38. Assim deriva, naturalmente, que, com base nestes fundamentos de recurso, não se antolha a existência de qualquer fio condutor lógico-jurídico que justifique a reversão da decisão versada.

39. E assim fenecem todas as conclusões de recurso.

40. Mercê de tudo o quanto ficou exposto, deverá ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional e mantida a decisão judicial recorrida.

41. Ao que se proverá no dispositivo.


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V – DISPOSITIVO

Nestes termos, acordam em conferência os Juízes da Subsecção de Contratos Públicos da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da CRP, em NEGAR PROVIMENTO ao recurso jurisdicional “sub judice” e manter a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Registe e Notifique-se.


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Porto, 20 de dezembro de 2024


Ricardo de Oliveira e Sousa

Tiago Afonso Lopes de Miranda

Clara Ambrósio