Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
| Processo: | 01978/12.7BEBRG |
| Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
| Data do Acordão: | 06/05/2025 |
| Tribunal: | TAF de Braga |
| Relator: | PAULO MOURA |
| Descritores: | IVA; CESSÃO DE POSIÇÃO CONTRATUAL; |
| Sumário: | I. A cessão de posição contratual, num contrato de locação financeira imobiliária, realizada a título gratuito, deve ser tributada em sede de IVA, na medida em que se trata de uma prestação de serviços não isenta deste imposto. |
| Votação: | Unanimidade |
| Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
| Aditamento: |
| Parecer Ministério Publico: |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: [SCom01...], S.A., interpõe recurso da sentença que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de IVA do período 2008/03 e respetivos juros compensatórios, por entender que a sentença incorreu em erro na apreciação e valoração da matéria factual e de direito. Formula nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem: 1.Vem o presente recurso interposto da douta sentença, DO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE BRAGA QUE julgou improcedente, a impugnação das liquidações adicionais, relativas a Imposto sobre Valor Acrescentado e juros compensatórios, do ano de 2008, Liquidação adicional n.º ...55, ...., relativa ao período 0803 no montante de 73.073,49€ e Liquidação adicional n.º ...56, ...., relativa ao período 0803 no montante de 11.859,93€. 2. Vem o presente recurso interposto, da douta sentença recorrida, com base em erro de julgamento, consubstanciado na incorreta apreciação e valoração da matéria factual e de Direito efetuados; 3. Considerou a Douta sentença Recorrida quer a AT, que a situação em causa nos autos, que ora se recorre, relativa à cedência da posição contratual, da posição que ocupava no contrato de locação financeira imobiliária, se enquadra na alínea b) do nº 2 do artº 4º do CIVA, porque se está perante uma transmissão gratuita; 4. Entende a ora recorrente que tal enquadramento é ilegal, porquanto o objetivo do legislador foi tributar as prestações de serviços a título gratuito efetuadas pela própria empresa com vista às necessidades particulares do seu titular, do pessoal ou, em geral, a fins alheios à mesma; 5. Ora, a situação descrita não foi seguramente a situação da empresa ora recorrente. A cedência da posição contratual, não teve em vista necessidades particulares do seu titular, do pessoal ou fins alheios à mesma. Nem a AT, invocou tais factos para tal enquadramento, pelo que terá de se concluir pela ilegalidade, da correção preconizada. 6. A tributação de uma dada operação, em sede do IVA, deverá ser efetuada com base na existência de uma contraprestação associada a uma transmissão de bens ou prestação de serviços, enquanto expressão da atividade económica de cada agente. 7. E ao contrário do mencionado na Douta Sentença não existiu uma prestação de serviços a título gratuito. 8. Existiu sim uma prestação de serviços a título oneroso, só que, sem contrapartida a receber pela cedente. 9. Com efeito, esta transmitiu a sua posição contratual, abdicando dos seus direitos no contrato, tendo apenas como contrapartida o facto de ter ficado desonerada das suas obrigações no mesmo, que se consubstanciavam na obrigação de pagar as prestações vincendas. 10. E foi entendido pelas partes que o valor da cedência era nulo, já que o valor do imóvel à data do contrato seria, na melhor das hipóteses, igual ao valor das referidas prestações vincendas. 11. E como se verifica da avaliação efetuada ao imóvel, cujo relatório se juntou, o valor do imóvel à data da operação seria de 315.000,00, inferior, portanto, ao valor das prestações vincendas. 12. Sendo ainda relevante, que o valor patrimonial do imóvel, efetuado já de acordo com as regras do novo código do IMI, é de 170.940,00 €, conforme caderneta predial junto com o relatório de avaliação. 13. Pelo exposto, facilmente se conclui que se a Douta Sentença recorrida e a AT, tivessem em atenção o valor de mercado do imóvel, facilmente teria compreendido o valor atribuído à contraprestação pela cedência da posição contratual, no contrato de locação financeira imobiliária. 14. Entende a ora recorrente que deve vingar a força probatória das declarações da Recorrente, porquanto as mesmas não foram elididas pelos Serviços de Inspecção. 15. Elucidativo do supra exposto, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, Processo 26603 de 30-04-2002: “Como se viu, o impugnante recebeu comprovadamente quantia inferior. … A seguir-se um caminho diverso estaríamos a tributar um proveito que manifestamente não existia. Podendo, no limite, vir o trespassante a pagar imposto superior à importância que viesse a receber. O que seria inadmissível. A interpretação que propugnamos é aquela para a qual aponta, na nossa perspectiva, o disposto no artº 107º nº 2 da CRP.” 16. Por todo exposto, deverá a Sentença recorrida ser anulada, devendo ser considerados que os atos em causa nos autos, assentam em ilegalidades que não legitimam a sua validade, pelo que não poderão manter-se na ordem jurídica. Termos em que, e nos mais de Direito, que Vossas Excelências Doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao recurso interposto assim se fazendo JUSTIÇA Não foram apresentadas contra-alegações. O Ministério Público emitiu parecer no sentido de o recurso ser julgado improcedente. Foram dispensados os vistos legais, nos termos do n.º 4 do artigo 657.º do Código de Processo Civil, com a concordância das Exmas. Desembargadoras Adjuntas, atenta a disponibilidade do processo na plataforma SITAF (Sistema de Informação dos Tribunais Administrativos e Fiscais). ** Delimitação do Objeto do Recurso – Questões a Decidir. As questões suscitadas pela Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respetivas conclusões [vide artigos 635.º, n.º 4 e 639.º CPC, ex vi alínea e) do artigo 2.º, e artigo 281.º do CPPT] são as de saber se a sentença incorreu em errónea classificação da incidência tributária, ao entender aplicável o disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 4.º do Código do IVA, e, nessa sequência, se era aplicável o preceituado na alínea c) do n.º 2 do artigo 16.º do Código do IVA e a remissão para o n.º 4 deste preceito, devendo, antes, considerar-se estar diante de um valor de cedência nulo, uma vez que o valor do imóvel, seria igual (ou inferior, se tomado em consideração o VPT), ao valor das prestações vincendas. ** Relativamente à matéria de facto, o tribunal, deu por assente o seguinte: 3. FUNDAMENTAÇÃO FACTOS PROVADOS Com relevância para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos: A) A impugnante é uma sociedade comercial que tem como actividade principal “panificação” (CAE 10711) e como actividade secundária “cafés” (CAE 56301), tendo estado enquadrada, no exercício de 2008, em sede do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), no regime normal com periodicidade mensal e, para efeitos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), no regime geral de tributação (cfr. relatório de inspecção a fls. 75 do PA apenso aos autos); B) Com data de 11-02-2004, foi subscrito pela sociedade “[SCom02...], S.A.” (na qualidade de 1ª outorgante) e pela impugnante (na qualidade de 2ª outorgante), um documento intitulado “contrato de locação financeira imobiliária”, de cujo teor se destaca o seguinte: A - CONDIÇÕES PARTICULARES I - IDENTIFICAÇÃO DO IMÓVEL Prédio urbano, que corresponde a um edifício de rés-do-chão e três andares, destinado a indústria, sito na Avenida ..., ..., Freguesia ..., Concelho ..., descrito na ... Conservatória Registo Predial ..., sob a ficha número ..68, da mencionada Freguesia, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...87. II - VALOR DE AQUISIÇÃO Valor de aquisição: setecentos e cinquenta mil euros. (…) III - PRAZO DO CONTRATO: Sete anos IV - RENDA: Periodicidade: Mensal Modalidade de cálculo: Variável Modalidade de pagamento: Antecipada Número de rendas: oitenta e quatro Valor das rendas: Primeira renda no valor de cinquenta e seis mil duzentos e cinquenta euros, e as restantes oitenta e três rendas no valor de dez mil e quarenta e quatro euros e dezoito cêntimos, cada uma; Indexação da Renda: As rendas serão indexadas à Euribor Mensal sendo a taxa implícita arredondada a 1/4 superior. (…) Valor residual: dezasseis mil cento e vinte e cinco euros. (…) B - CONDIÇÕES GERAIS (…) CLÁUSULA DÉCIMA QUARTA (TERMO DO CONTRATO) UM - O presente contrato tem o seu termo final na data indicada nas Condições Particulares, salvo se a LOCATÁRIA optar pelo disposto na cláusula seguinte. DOIS - No termo do contrato a LOCATÁRIA pode optar entre: a) Adquirir a propriedade do imóvel, nos termos previstos na cláusula décima sexta; b) Negociar um novo contrato de locação financeira, tendo por objecto o mesmo imóvel; c) Negociar a utilização do imóvel em termos diferentes da locação financeira; d) Restituir o imóvel à LOCADORA, livre de ónus ou encargos, em bom estado de conservação e em condições de ser utilizado de imediato. (…) (cfr. documento a fls. 124-139 do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); C) Com data de 07-03-2008, foi subscrito pela impugnante (na qualidade de 1ª outorgante), pela sociedade comercial “[SCom03...], S.A.” (na qualidade de 2ª outorgante) e pela sociedade “[SCom02...], S.A.” (na qualidade de locadora), um documento intitulado “contrato de cessão de posição contratual”, de cujo teor se destaca o seguinte: 1º A 1ª OUTORGANTE é parte na qualidade de locatária no contrato de locação financeira imobiliária, que se anexa, e que tem por objecto o prédio urbano, que corresponde a um edifício de rés-do-chão e três andares, destinado a indústria, sito na Avenida ..., ..., Freguesia ..., Concelho ..., descrito na ... Conservatória Registo Predial ..., sob a ficha número ..68, da mencionada Freguesia, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...87. (…) 3º O referido contrato foi celebrado pelo prazo de sete anos, com início em onze de Fevereiro de 2004, sendo de oitenta e quatro as rendas a pagar pela 1ª OUTORGANTE, encontrando-se vencidas a pagas até à presente data quarenta e nove rendas e por vencer trinta e cinco 4º Pelo presente contrato a 1ª OUTORGANTE, pelo preço de 353.449,23 €, que ora recebe, cede à 2ª OUTORGANTE, que a aceita, a posição que detém no citado contrato de locação financeira, relativamente ao imóvel supra identificada, com todos os direitos e obrigações inerentes, nos termos da cláusula décima das Condições Gerais do identificado contrato, o qual é do perfeito conhecimento da 2ª OUTORGANTE. (…) (cfr. documento a fls. 25-27 do PA apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); D) À data da celebração do “contrato de cessão de posição contratual” a que se alude na alínea anterior, o capital em dívida relativo ao “contrato de locação financeira imobiliária” a que se alude na alínea B) era de 353.449,23 €, o montante a pagar pelas rendas vincendas era de 372.894,55 € e o valor inicial do contrato era de 806.250,00 € (cfr. “resumo do serviço de dívida” a fls. 29 do PA apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); E) Não obstante o referido na cláusula 4ª do documento intitulado “contrato de cessão de posição contratual” a que se alude na alínea C), não existiu qualquer movimento ou fluxo monetário entre a impugnante e a sociedade “[SCom03...], S.A.” (facto não controvertido); F) A impugnante foi submetida, ao abrigo da ordem de serviço nº OI20......31, a um procedimento inspectivo de âmbito geral relativo ao exercício de 2008 (cfr. relatório de inspecção a fls. 74v.-75 do PA apenso aos autos); G) Notificada para o efeito, a impugnante informou os Serviços de Inspecção Tributária, por comunicação escrita de 11-04-2012, do seguinte: No contrato celebrado entre as duas referidas sociedades consta, efetivamente, que a primeira outorgante ([SCom01...].) cederia a sua posição contratual à segunda outorgante (Imobiliária) no contrato de locação imobiliária, pelo preço de € 353.449,23. Este valor correspondia, à data, ao montante do capital em dívida no referido contrato de locação, o qual, só por si, era muito superior ao valor de mercado do imóvel objeto de locação. Motivo pelo qual a [SCom01...] SA não recebeu o montante de € 353.449,23, referido no contrato de cessão de posição contratual. (cfr. documento a fls. 33 do PA apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); H) Na sequência da realização do procedimento inspectivo referido na alínea F) foi elaborado, com data de 01-06-2012, o respectivo relatório, de cujo teor se destaca o seguinte: III. Descrição dos factos e fundamentos das correções meramente aritméticas III.1. Em sede de IRC III.1.1. Preços de transferência – artigo 58.º (atual artigo 63.º) do Código de IRC Situação identificada No decurso da análise efetuada aos elementos da contabilidade, verificou-se que o sujeito passivo apurou uma menos valia de € 373.275,21, no exercício de 2008, resultante da cedência da posição contratual, que detinha no contrato de locação financeira imobiliária relativo a um imóvel situado na Av. ..., em ..., inscrito na matriz urbana sob o artigo ...87, ao sujeito passivo [SCom03...], SA, NIPC: ...22. Entre o sujeito passivo [SCom01...] S.A. e a [SCom03...] S.A. verifica-se a existência de relações especiais, identificadas no ponto seguinte, analisadas à luz das normas estabelecidas no artigo 58.º do Código de IRC (redação vigente à data dos factos, tendo por correspondência o atual artigo 63.º do Código de IRC) e da Portaria n.º 1446C/2001, de 21 de dezembro. Obrigações – Documentação em matéria de preços de transferência Notificou-se (…) a empresa, para apresentar o dossier de preços de transferência, nos termos do n.º 6, do artigo 58.º (atual artigo 68.º), do Código de IRC. (…) Passado o prazo legal da notificação o Sujeito Passivo não apresentou qualquer documentação referente a preços de transferência. Descrição das Relações Especiais Considera-se que existem relações especiais entre duas entidades nas situações em que uma tem o poder de exercer, direta ou indiretamente, uma influência significativa nas decisões de gestão da outra, o que se considera, nos termos da alínea d), do nº 4, do artigo 58.º, entre: “d) Entidades em que a maioria dos órgãos sociais, ou dos membros de quaisquer órgãos de administração, direção, gerência ou fiscalização, sejam as mesmas pessoas ou, sendo pessoas diferentes, estejam ligadas entre si por casamento, união de facto legalmente reconhecida ou parentesco em linha reta;”. O sujeito passivo [SCom01...], S.A., NIPC ...63 tem como elementos do órgão de administração os que se elencam no quadro seguinte: [Imagem que aqui se dá por reproduzida] No que respeita ao sujeito passivo [SCom03...], S.A., NIPC ...22, os elementos do órgão de administração, à data dos factos em análise, eram os seguintes: [Imagem que aqui se dá por reproduzida] Pelo exposto nos quadros anteriores (Anexo 2) conclui-se pela existência de relações especiais, nos termos da alínea d), do n.º 4, do citado artigo, aferida, por um lado, pela existência de membros da administração comuns, nomeadamente, «AA» e «BB», quer pela relação de parentesco em linha reta, entre «CC» (pai), presidente da [SCom01...], S.A. e as administradoras (filhas) da [SCom03...], S.A., «DD», «AA» e «BB». Descrição dos termos em que normalmente decorrem operações da mesma natureza entre pessoas independentes e em idênticas circunstâncias Em 2008-03-07, o sujeito passivo cedeu a posição contratual (Anexo 3) que detinha no contrato de locação financeira imobiliária relativamente ao prédio urbano, inscrito na matriz sob o artigo ...87, da freguesia ..., Concelho ..., ao sujeito passivo [SCom03...], SA. No seguimento da cedência da posição contratual, o sujeito passivo apurou uma menos valia contabilística, no montante de € 373.275,45, resultante dos seguintes valores: (…) Importa determinar se, conforme dispõem o artigo 63.º do Código do IRC e a Portaria 1446-C/2001, de 21 de dezembro, na cedência da posição contratual em causa, foram praticados preços de plena concorrência, isto é, se o preço praticado foi substancialmente idêntico ao normal preço de mercado. Como se pode constatar de seguida, o imóvel foi cedido abaixo do seu valor contabilístico. (…) A cláusula n.º 4 do contrato de cessão de posição contratual refere que “Pelo presente contrato a 1ª OUTORGANTE, pelo preço de 353.449,23 €, que ora recebe, cede a 2ª OUTORGANTE, que a aceita, a posição que detém no citado contrato de locação financeira, (…)”. Constata-se que o valor denominado como “preço” da cedência respeita ao valor do capital em dívida à data da cessão da posição contratual, conforme decorre do plano financeiro daquele contrato de locação. Embora o contrato refira, na sua cláusula n.º 4, que o valor da cedência foi de € 353.449,23, que a 1ª outorgante (o sujeito passivo) reconheceu ter recebido, a verdade é que pela cedência da posição contratual não chegou a receber nenhum valor, tendo apenas deixado de ter como encargo futuro o capital que estava em dívida. Conclui-se, assim, que a cedência foi a título gratuito, conforme comprovam os lançamentos contabilísticos efetuados relativos ao apuramento da menos valia, o facto não estar contabilizado o recebimento de qualquer quantia e as próprias declarações prestadas pela administradora «AA» (Anexo 6). Objetivamente, o preço praticado não teve por referência o justo valor do imóvel, deduzido de encargos futuros que serão assumidos pelo cessionário daquele contrato, mas sim, exclusivamente, estes encargos, o que não faz qualquer sentido em função das condições contratuais subjacentes. De referir que, o facto de o sujeito passivo não ter cumprido a notificação não tendo apresentado o dossier de preços de transferência, faz cessar o “princípio da verdade declarativa e da boa fé” das declarações do sujeito passivo, procedendo-se à aplicação do disposto no n.º 3, do artigo 77.º, da Lei Geral Tributária. Aplicação dos métodos previstos na lei Considera-se que o método do preço comparável de mercado, previsto no artigo 6.º, da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de dezembro, é o que proporciona o mais elevado grau de comparabilidade. Não obstante, não possuímos evidências sobre condições contratuais análogas à exposta, nos termos, na tempestividade e em locais próximos, suscetíveis de referenciar a obtenção de um “preço comparável”. Na ausência das evidências que suportam o preço definido pelo sujeito passivo, tomaremos como referência, no apuramento da mais (menos) valia contabilística do imóvel em causa, o valor contabilístico do mesmo à data da cedência, definido como o valor de aquisição do bem (para efeitos contabilísticos, em função da aplicação do princípio contabilístico da substância sobre a forma), corrigido pelo desgaste evidenciado por via das correspondentes depreciações. (…) III.2. Em sede de IVA (…) III.2.2. Imposto sobre o valor acrescentado no contrato de cedência de posição contratual Situação identificada Em 2008-03-07 foi celebrado um contrato de cessão de posição contratual no contrato de locação financeira imobiliária entre a [SCom01...] S.A. NIPC ...63 (na qualidade de locatária cedente) e [SCom03...], S.A. (na qualidade de locatária cessionária) que teve por objeto o prédio urbano sito na Avenida ..., Concelho ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...87... imóvel havia sido objeto de contrato de locação financeira imobiliária, celebrado em 2004-02-02, entre a [SCom01...] S. A. e a sociedade anónima [SCom02...] S. A., no montante de € 806.250,00. O referido contrato de cedência de posição contratual identifica, como vimos anteriormente, o montante de € 353.449,23 como valor da cedência, sendo este o valor do capital em dívida em 2008-02-02. Não obstante, na cláusula 4.º do contrato de cessão de posição contratual poder ler-se que “Pelo presente contrato a 1ª OUTORGANTE, pelo preço de € 353.449,23 €, que ora recebe, cede à 2ª OUTORGANTE (…)”. Da consulta efetuada ao extrato de conta corrente da conta POC 26807 - [SCom03...] constata-se que não ocorreu o recebimento da referida contraprestação, ou seja, a cedência de posição contratual foi efetuada sem o correspondente movimento monetário aludido na cláusula 4º. Por outro lado, o crédito inicialmente lançado na conta 26807 - [SCom03...], em 200803, no montante de € 344.571,95 (Anexo 13) com o descritivo cedência de posição contratual, acabou por ser anulado com o lançamento feito em 2008.06, no montante de €328.142,79. Na verdade, estamos na presença de uma cedência gratuita da referida posição contratual, dado que o valor mencionado na mesma, não é mais do que o valor das rendas vincendas que viriam a ser assumidas pelo cessionário, conforme supra referido e assumido pela administradora da sociedade (Anexo 6). Enquadramento Fiscal No âmbito do Código do IVA, estão sujeitas a este imposto as transmissões de bens ou prestações de serviços efetuadas por um sujeito passivo em território nacional, conforme preceituado na alínea a), do n.º 1, do artigo 1.º daquele código tributário. A cessão da posição contratual em causa configura, para efeitos de IVA, uma prestação de serviços, transcendendo o conceito de prestação de serviços delimitado pelo direito privado comum, em função do caráter residual que é atribuído a este conceito pelo Código do IVA quando define, no n.º 1 do artigo 4.º, que “(...) São consideradas prestação de serviços as operações efetuadas a título oneroso que não constituem transmissão de bens, aquisições intracomunitárias ou importações de bens.” Não obstante o caráter residual associado àquele conceito autónomo do Direito comunitário, “transmissões de bens” e “prestações de serviços” estarão sempre, em sede de IVA, delimitados pelo próprio conceito de atividade económica, presente na Diretiva IVA e enunciado na alínea a), do n.º 1, do artigo 2.º, do Código do IVA. Por não se aplicar ao caso em apreço nenhuma das isenções consignadas no artigo 9.º do Código do IVA, nomeadamente aquelas que normalmente abrangem a atividade exercida pelo sujeito passivo, o facto tributário em causa, sustentado na cessão da posição contratual de um contrato de leasing imobiliário configura, para efeitos de IVA, numa operação sujeita e não isenta. Assim, a cedência de posição contratual é tributada, em sede de IVA, como sendo uma prestação de serviço. No caso em concreto, estamos perante uma prestação de serviços gratuita, sujeita a IVA nos termos da alínea b), do n.º 2, do artigo 4.º, do Código do IVA, devendo, na quantificação da base tributável, atender ao preceituado no artigo 16.º, n.º 2, alínea c), que remete para o “valor normal do serviço” definido no n.º 4 daquele artigo. Tendo presente o valor inicial do contrato, no montante de € 806.250,00 e o valor das reintegrações praticadas, no montante de € 104.831,76, obtemos o valor do imóvel reportado à data da celebração do contrato de cedência da posição contratual, que deduzido do montante do capital em dívida, em 2008-02-02, de € 353.449,23, nos permite obter o preço do custo reportado ao momento para a operação de cedência de posição contratual em análise, ou seja, um valor tributável, tendo por referência a alínea c), do n.º 4, do artigo 16.º do CIVA, de € 347.969,01, que corresponde ao valor atribuído ao bem no contrato, deduzido das reintegrações praticadas (que correspondem ao preço pela utilização do bem) e do capital em dívida à data da cedência da posição contratual (2008-02-02). Ora, conforme determina o n.º 9, do artigo 18.º, do Código do IVA, a taxa aplicável é a que vigora no momento em que o imposto se torna exigível. Nestes termos, na medida em que a taxa de IVA, em vigor no mês de março de 2008, era de 21%, será esta a taxa a aplicar ao valor tributável. Assim, o valor do IVA em falta para o período 2008/03M relativo à operação em análise cifra-se no montante de € 73.073,49 e resulta da aplicação da taxa de 21% ao valor tributável de € 347.969,01. (cfr. relatório de inspecção a fls. 71-83v. do PA apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido); I) Foi emitida, com data de 10-07-2012, a liquidação adicional de IVA nº ...55, relativa ao período de 2008/03, a qual apresentava como valor a pagar a quantia de 73.073,49 € e como data limite de pagamento o dia 31-08-2012 (cfr. “doc. 1” juntos aos autos com a p.i.); J) Foi emitida, com data de 10-07-2012, a liquidação adicional de juros compensatórios nº ...56, relativa ao IVA do período de 2008/03, a qual apresentava como valor a pagar a quantia de 11.859,93 € e como data limite de pagamento o dia 31-08-2012 (cfr. “doc. 2” juntos aos autos com a p.i.); K) A petição inicial foi remetida ao Tribunal no dia 29-11-2012, através de correio electrónico (cfr. fls. 1 do SITAF). ** Apreciação jurídica do recurso. Alega a Recorrente que o valor da cedência da posição contratual é nulo, já que o valor do imóvel à data do contrato seria, na melhor das hipóteses, igual ao valor das referidas prestações vincendas. Por isso, entende a Recorrente, que a sentença incorreu em errónea classificação da incidência tributária, ao entender aplicável o disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 4.º do Código do IVA, e, nessa sequência, aplicável o preceituado na alínea c) do n.º 2 do artigo 16.º do Código do IVA e a remissão para o n.º 4 deste preceito. A sentença recorrida secundou o entendimento da Administração Tributária de que se estava diante de uma prestação de serviços gratuita, diante da qual se havia de apurar um montante para tributar a operação em apreço, e, tendo sido aplicados os normativos referidos no parágrafo anterior, foi encontrado o valor tributável e aplicada a respetiva taxa de IVA. Apreciando. Se bem interpretamos o alegado pela Recorrente, entende que cedeu o imóvel, com a contrapartida de se desonerar do cumprimento das prestações vincendas. E, como se desonerou dessas prestações vincendas, a cedência tem valor nulo, até porque o valor do imóvel é inferior às prestações vincendas. Ora, na situação em discussão nos autos, está em apreço uma cessão de posição contratual, num contrato de locação financeira imobiliária, em que a Recorrente era locatária. Portanto, cedeu a sua posição de locatária no referido contrato. Para melhor compreensão da situação, consideramos necessário, ver esclarecidos os conceitos de contrato de locação financeira imobiliária e de cessão de posição contratual por parte do locatário nesse contrato de locação. Assim, socorremo-nos do que sobre este assunto já foi tratado, por este Tribunal Central Administrativo Norte, em Acórdão proferido em 11/02/2021, no processo n.º 00860/12.2BEAVR (disponível em www.dgsi.pt), cuja parte explicativa, de ambos os tipos de contratos, passamos a transcrever: «O contrato de locação financeira encontra-se disciplinado no Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de junho (diploma com as seguintes alterações: DL n.º 265/97, de 02/10; Decl. Rect. N.º 17-B/97, de 31/10; DL 285/2001, de 03/11 e DL 30/2008, de 25/02), que estabelece logo no seu artigo 1.º a definição de locação financeira da seguinte forma; Artigo 1.º (Noção) Locação financeira é o contrato pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a ceder à outra o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação desta, e que o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado, por um preço nele determinado ou determinável mediante simples aplicação dos critérios nele fixados. Salienta-se deste regime o facto de no final do contrato o locador não ser obrigado a comprar o bem locado, conforme é expressamente referido no artigo 1.º do diploma em referência. Neste sentido pode ver-se o artigo de Alexandra Coelho Martins, «Locação, Cedências, IVA e Contabilidade», publicado em “Cadernos de IVA 2018”, Almedina, págs. 41 a 69, referindo a pág. 48 o seguinte: «Constata-se, desde logo, que no regime português, a locação financeira não é equiparável a uma locação-venda, pois o locatário pode comprar o bem, decorrido o período do contrato, mas não é obrigado a fazê-lo.». Por sua vez, o artigo 11.º deste diploma (na redação do Decreto-Lei n.º 265/97, de 2 de outubro) permite a transmissão das posições jurídicas do locatário, desde que não haja oposição do locador. O n.º 4 deste preceito estabelece: «4 – O contrato de locação financeira subsiste para todos os efeitos nas transmissões da posição contratual do locador, ocupando o adquirente a mesma posição jurídica do antecessor.». Assim, o locatário (a parte que goza temporariamente do bem) pode ceder a sua posição contratual, ficando o adquirente ou cessionário com os direitos inerentes ao contrato (como a utilização do bem), e os deveres inerentes ao cumprimento do contrato (como o pagamento das rendas devidas até final do contrato de locação financeira). A transmissão da posição jurídica, designa-se mais comummente por cessão da posição contratual, a qual tem previsão nos artigos 424.º a 427.º do Código Civil, dispondo o n.º 1 do artigo 427.º, o seguinte: «1. No contrato com prestações recíprocas, qualquer das partes tem a faculdade de transmitir a terceiro a sua posição contratual, desde que o outro contraente, antes ou depois da celebração do contrato, consinta na transmissão.». Segundo Pires de Lima e Antunes Varela: «A cessão da posição contratual (a propósito da qual se fala também em cessão do contrato ou assunção do contrato) distingue-se da cessão ou transmissão de créditos ou das dívidas, pois tem por conteúdo a totalidade da posição contratual, no seu conjunto de direitos e obrigações. A cessão da posição contratual implica a existência de dois contratos: o contrato-base e o contrato-instrumento da cessão, que é o realizado para transmissão de uma das posições derivadas do contrato base. E envolve três sujeitos: o contraente que transmite a sua posição (cedente); o terceiro que adquire a posição transmitida (cessionário); e a contraparte do cedente no contrato originário, que passa a ser a contraparte do cessionário (contraente cedido ou, simplesmente, o cedido). A relação contratual que tinha como um dos titulares o cedente é a mesma de que se passa a ser sujeito, após o novo negócio, o cessionário. (…) 5. Os autores discutem bastante a verdadeira natureza da figura, que uns consideram uma novação, outros uma renovação do contrato, outros uma cessão de créditos e de dívidas, outros finalmente uma cessão unitária (…). As duas primeiras não retratam, com fidelidade, a intenção essencial das partes, que é a de celebrarem um novo contrato, mas a de transmitirem a terceiro a posição de uma das partes no contrato, entre as duas últimas concepções, a que melhor parece ajustar-se à disciplina da figura é a cessão unitária, sem embargo de se reconhecer que a cessão da posição contratual se decompõe, quanto ao essencial, numa cessão dos créditos e numa assunção das dívidas, que integram a posição global do cedente.». Vide Código Civil anotado, Coimbra Editora, 4.ª ed., Coimbra Editora, pág. 400, 401 e 402, anotação ao artigo 424.º. Por sua vez, o Prof. Mota Pinto, na sua obra “Cessão da Posição Contratual” (Coleção Teses, 1982, Almedina, pág. 191 e seguintes), adere à posição unitária (ou monista), segundo a qual são transmitidos para o cessionário os créditos, débitos, direitos potestativos, sujeições, deveres laterais de comportamento, independentes do dever principal de prestação, exceções, expetativas, ónus, etc. Ou seja, todas as posições subjetivas em que uma parte contratual estava constituída por força do contrato são transmitidas.» [Fim de citação] Portanto, o contrato de cessão da posição contratual, é uma cessão unitária, que se decompõe nos diversos elementos que preenchem o contrato, tais como os créditos, débitos, direitos potestativos, sujeições, deveres laterais de comportamento independentes do dever principal de prestação, exceções, expectativas, ónus. Daqui resulta, que não é possível ter em conta (ou apenas em conta) o valor do imóvel cedido, pelo que a alegação da Recorrente não é suficiente para que possa ser atendida. Até porque, o IVA incide sobre relações jurídicas (no caso, uma prestação de serviços) e não sobre o valor dos imóveis. Sendo assim, compete, então, saber se o contrato de cessão da posição contratual do contrato de locação financeira imobiliária, deve ter algum valor, mesmo que as partes tenham acordado em não ser pago qualquer montante; e que valor poderá ser esse. A Administração Tributária considerou estar-se diante de uma prestação de serviços, nos termos do n.º 1 do artigo 4.º do Código do IVA, que considerou gratuita, mas sujeita a IVA, nos termos da alínea b), do n.º 2 do artigo 4.º do Código do IVA, tendo entendido que a quantificação da base tributável, seria efetuada com base no disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 16.º do Código do IVA, que remete para o “valor normal do serviço”, definido no n.º 4 deste preceito. Entende a Recorrente que este enquadramento é ilegal, na medida em que não está satisfeito o requisito estabelecido na alínea b) do n.º 2 do artigo 4.º do Código do IVA, ou seja, que tivesse havido prestação de serviços com vista às necessidades particulares do seu titular, do pessoal ou, em geral, a fins alheios à mesma. Diz, ainda, a Recorrente, que a AT não invocou tais factos para tal enquadramento, concluindo pela ilegalidade da correção preconizada. Em primeiro lugar, compete referir que a cessão da posição contratual, é uma operação sujeita a IVA, conforme é entendimento da jurisprudência, na medida em que o cedente entrega o contrato-base, que correspondem à contraprestação da contrapartida recebida. Neste sentido, veja-se ao acima citado Acórdão deste TCA Norte, bem como o Acórdão proferido, também por este TCA Norte, no processo n.º 645/11.3BEPRT, em 16/02/2023 (ainda não publicado), sendo que este último tratava de questão idêntica à dos presentes autos, onde foi decidido dever liquidado IVA, nos mesmos termos dos que aqui levaram, igualmente, à liquidação de IVA. Veja-se, ainda, no mesmo sentido a doutrina, como por exemplo, a Revista Fiscalidade (TOC, n.º 101, de agosto de 2002), em artigo da autoria de Abílio Marques, o qual refere na página 32, o seguinte: IVA – Tratando-se da transmissão dum direito de natureza obrigacional, nos termos do n.º 1 do artigo 4.º do CIVA, esta transmissão é havida como uma prestação de serviços, a qual será tributada em IVA se for efectuada por um sujeito passivo no âmbito da sua actividade económica (n.º 1 do artigo 1.º do CIVA). A Administração Tributária, entendeu que, não obstante a operação ter sido gratuita, devia considerar-se onerosa, como tal uma prestação de serviços sujeita a IVA nos termos da alínea b), do n.º 2, do artigo 4.º, do Código do IVA, devendo, na quantificação da base tributável, atender ao preceituado no artigo 16.º, n.º 2, alínea c), que remete para o “valor normal do serviço” definido no n.º 4 daquele artigo. O preceito invocado pela AT, contém a seguinte redação: Artigo 4.º (Conceito de prestação de serviços) 1 - São consideradas como prestações de serviços as operações efectuadas a título oneroso que não constituem transmissões, aquisições intracomunitárias ou importações de bens. 2 - Consideram-se ainda prestações de serviços a título oneroso: (…) b) As prestações de serviços a título gratuito efectuadas pela própria empresa com vista às necessidades particulares do seu titular, do pessoal ou, em geral, a fins alheios à mesma; (…). Portanto, são prestações de serviços todas as operações efetuados a título oneroso e as gratuitas efetuadas pela própria empresa com vista às necessidades particulares do seu titular, do pessoal ou, em geral, a fins alheios à mesma. Segundo Clotilde Celorico Palma, na sua obra Introdução ao imposto sobre o Valor Acrescentado (Almedina, 6.ª ed., 2022), a tributação em apreço, tem em vista tributar o autoconsumo externo de prestações de serviços evitando situações de evasão (vide pág. 86). Ora, a Administração Tributária limitou-se a remeter para a alínea b) do transcrito preceito, não esclarecendo qual o tipo de operação que estava em causa. Ou seja, se eram operações efetuadas pela própria empresa com vista às necessidades particulares do seu titular; ou se eram operações efetuadas pela própria empresa com vista às necessidades particulares do seu pessoal; ou se eram operações efetuadas pela própria empresa com vista a fins alheios à mesma. Será que esta falta de especificação, é suficiente para que não se possa considerar onerosa, a operação gratuita? Cremos que não. Considerando que a empresa cedeu a totalidade do contrato de locação financeira imobiliária, parece resultar não ser uma operação com vista às necessidades particulares do seu pessoal, pois nada indica que o pessoal tenha beneficiado com esta cedência. Da mesma forma, havendo cessão total do contrato, também não se deteta que haja uma operação com vista às necessidades particulares do seu titular, pois não se verifica qualquer autoconsumo pelos titulares. Resta a operação com vista a fins alheios à empresa. A sentença, teve o seguinte entendimento: «A jurisprudência do TJUE sobre o que se deve entender por “fins alheios” é escassa mas, ainda assim, decorre dos poucos acórdãos que versaram o tema que este conceito incluirá tudo aquilo que esteja para além do necessário para que o sujeito passivo possa continuar a praticar as suas operações tributadas, pelo que só ficarão fora de tal conceito as prestações de serviços gratuitas em relação às quais se possa afirmar serem indispensáveis para o exercício da actividade, não bastando por isso a existência de um qualquer nexo indirecto entre a prestação de serviços em causa e a actividade da empresa (cfr. acórdãos do TJUE de 16 de Outubro de 1997, Julius Fillibeck Söhne GmbH & Co. KG, processo C-258/95 e de 11 de Dezembro de 2008, Danfoss A/S e AstraZeneca A/S, processo C‑371/07). Se assim é, e dado que a impugnante se dedica às actividades de “panificação” e de “cafés” (cfr. facto provado A)), afigura-se-nos que a prática de uma prestação de serviços que consiste na cessão da sua posição num contrato de locação financeira imobiliária constitui uma prestação de serviços para fins alheios à empresa, dado que não tem qualquer relação directa com a prática das suas actividades tributadas, donde resulta que a cessão de posição contratual em causa nestes autos constitui uma prestação de serviços a título gratuito que, nos termos do art.º 4º, nº 2, al. b), do CIVA, se considera como tendo sido praticada a título oneroso, estando, por isso, sujeita a tributação em sede de IVA.». Temos de concordar com o assim decidido, na medida em que, efetivamente, a operação nada tem a ver com o objeto social da empresa. Assente que a operação em apreço deve ser sujeita a IVA, cumpre saber qual a sua base tributável, mesmo que as partes a tenham “qualificado”, como gratuita. A Recorrente alega que transmitiu a sua posição contratual, abdicando dos seus direitos no contrato, tendo apenas como contrapartida o facto de ter ficado desonerada das suas obrigações no mesmo, que se consubstanciavam na obrigação de pagar as prestações vincendas, tendo o valor da cedência sido nulo, até porque o valor do imóvel seria, na melhor das hipóteses, igual ao valor das referidas prestações vincendas. A Administração Tributária, atribuiu um valor à cessão da posição contratual, com os seguintes fundamentos: «Aplicação dos métodos previstos na lei Considera-se que o método do preço comparável de mercado, previsto no artigo 6.º, da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de dezembro, é o que proporciona o mais elevado grau de comparabilidade. Não obstante, não possuímos evidências sobre condições contratuais análogas à exposta, nos termos, na tempestividade e em locais próximos, suscetíveis de referenciar a obtenção de um “preço comparável”. Na ausência das evidências que suportam o preço definido pelo sujeito passivo, tomaremos como referência, no apuramento da mais (menos) valia contabilística do imóvel em causa, o valor contabilístico do mesmo à data da cedência, definido como o valor de aquisição do bem (para efeitos contabilísticos, em função da aplicação do princípio contabilístico da substância sobre a forma), corrigido pelo desgaste evidenciado por via das correspondentes depreciações. (…) Tendo presente o valor inicial do contrato, no montante de € 806.250,00 e o valor das reintegrações praticadas, no montante de € 104.831,76, obtemos o valor do imóvel reportado à data da celebração do contrato de cedência da posição contratual, que deduzido do montante do capital em dívida, em 2008-02-02, de € 353.449,23, nos permite obter o preço do custo reportado ao momento para a operação de cedência de posição contratual em análise, ou seja, um valor tributável, tendo por referência a alínea c), do n.º 4, do artigo 16.º do CIVA, de € 347.969,01, que corresponde ao valor atribuído ao bem no contrato, deduzido das reintegrações praticadas (que correspondem ao preço pela utilização do bem) e do capital em dívida à data da cedência da posição contratual (2008-02-02).». Portanto, a AT, aplicou o regime previsto no artigo 16.º do CIVA, que diz: Artigo 16.º (…) 2 - Nos casos das transmissões de bens e das prestações de serviços a seguir enumeradas, o valor tributável será: (…) c) Para as operações referidas nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 4.º, o valor normal do serviço, definido no n.º 4 do presente artigo; (…) 4 - Para efeitos do imposto sobre o valor acrescentado, entende-se por valor normal de um bem ou serviço: a) O preço, aumentado dos elementos referidos no n.º 5, na medida em que nele não estejam incluídos, que um adquirente ou destinatário, no estádio de comercialização em que é efectuada a operação e em condições normais de concorrência, teria de pagar a um fornecedor ou prestador independente, no tempo e lugar em que é efectuada a operação ou no tempo e lugar mais próximos, para obter o bem ou o serviço ou um bem ou serviço similar; (…) c) Na falta de serviço similar, o valor normal não pode ser inferior ao custo suportado pelo sujeito passivo na execução da prestação de serviços. Conforme entendimento doutrinal, o valor do contrato de cessão da posição contratual é dado pela incorporação de diversos elementos. Veja-se sobre o assunto, o que escreveu Conceição Soares Fatela, nos “Cadernos IVA 2015”, ed. Almedina, no artigo intitulado «O IVA na Cessão da Posição Contratual da Locatária Financeira» (págs. 159 a 173), a págs. 170 e 171: «Como já dissemos, a cessão da posição contratual de locatária num contrato de locação financeira entre dois sujeitos passivos, cedente e cessionário, é obrigatoriamente, e em cumprimento de uma disposição legal imperativa, um contrato oneroso em, como tal, a cessão da posição contratual tem de ter um preço. A estipulação do montante correspondente ao preço é algo que se encontra ao abrigo da liberdade contratual das partes e depende de múltiplos factores que têm de ser analisados e acordados entre as partes envolvidas. Tais factores serão, por exemplo, se o contrato de locação financeira cuja posição contratual se cede tem por objeto um bem móvel ou imóvel, qual o valor do capital inicial do contrato e qual o valor do capital em dívida à data da cessão, qual o valor de mercado do bem e qual o valor pela qual a locatária tem registado no seu imobilizado e, ainda, qual o valor já amortizado, todos estes factores concorrem para a estipulação de um preço que se pretende que seja justo.». Segundo esta autora, o valor do contrato de cessão da posição contratual, é algo que depende de múltiplos fatores, tais como o valor do capital inicial, assim como o valor do capital em dívida à data da cessão, o valor de mercado do bem, valor registado na contabilidade e o valor já amortizado. Ora, na situação em apreço, seguiram-se os critérios legais e aceites para a avaliação do contrato de cessão de posição contratual, tendo em conta os elementos disponíveis, conforme se pode ver pela comparação entre o que se acaba de transcrever e aquilo que foi decidido pela Administração Tributária. Tendo em conta a sujeição a IVA da operação em apreço, ao invés do alegado pela Recorrente, não tinha a Administração Tributária de elidir as suas declarações, pois mesmo, sendo a operação gratuita entre as partes, haverá sempre que fixar um valor para sujeitar a operação a IVA. * Face ao exposto, o recurso não merece provimento. * No concerne a custas, atenta a improcedência total do recurso, é a Recorrente a responsável pelas custas do recurso – vide artigo 527.º, nos. 1 e 2 do e 529.º, n.º 2 do Código de Processo Civil. ** Nos termos do n.º 7 do art.º 663.º do Código de Processo Civil, elabora-se o seguinte sumário: A cessão de posição contratual, num contrato de locação financeira imobiliária, realizada a título gratuito, deve ser tributada em sede de IVA, na medida em que se trata de uma prestação de serviços não isenta deste imposto. * * Decisão Termos em que, acordam em conferência, os juízes da Subsecção Tributária Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida. * * Custas a cargo da Recorrente. * * Porto, 05 de junho de 2025. Paulo Moura Isabel Ramalho dos Santos Cristina da Nova |