Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
| Processo: | 01629/23.4BEPRT |
| Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
| Data do Acordão: | 05/15/2025 |
| Tribunal: | TAF do Porto |
| Relator: | ANA PATROCÍNIO |
| Descritores: | CONVOLAÇÃO; PETIÇÃO EXTEMPORÂNEA; CITAÇÃO, DÉFICE INSTRUTÓRIO; |
| Sumário: | I – É possível o conhecimento da invocação de falta de citação, a título incidental, para saber se é (ou não) tempestiva uma oposição à execução. II - Revelando os autos insuficiência factual para a boa decisão da causa, em virtude de terem sido omitidas diligências probatórias indispensáveis para o efeito, impõe-se a anulação da sentença recorrida e a baixa do processo ao Tribunal recorrido para melhor investigação e nova decisão, em harmonia com o disposto no artigo 662.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Civil ex vi artigo 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.* * Sumário elaborado pela relatora (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
| Votação: | Unanimidade |
| Decisão: | Conceder provimento ao recurso. |
| Aditamento: |
| Parecer Ministério Publico: |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I. Relatório «AA», contribuinte n.º ...23, residente na Rua ..., ..., na ..., interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 20/06/2024, que julgou verificar-se a excepção de erro na forma processual, com impossibilidade de convolação da presente impugnação judicial em oposição judicial, anulando todo o processo e absolvendo a Autoridade Tributária e Aduaneira da instância, no âmbito do processo executivo n.º ...93 e Apensos (n.º ...03 e n.º ...11), originariamente instaurado contra a sociedade “[SCom01...], Lda”, NIPC ...64, e contra si revertido, na qualidade de devedor solidário. O Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: “1. Em 24 de Março de 2024, o Recorrente - na qualidade de gerente, executado por reversão, da sociedade [SCom01...], Lda - veio instaurar processo de revisão oficiosa de ato tributário; 2. Entre múltiplos fundamentos, invocou a falta de citação, porquanto não logrou – na qualidade de declaratário normal – compreender os motivos/fundamentos da execução que lhe foi movida; 3. A Recorrida apresentou a sua contestação, contraditando o Recorrente, e pugnando pela intempestividade do pedido de revisão oficiosa; 4. Em 7 de Maio de 2024, o Juízo Tributário Comum proferiu sentença, declarando-se materialmente incompetente, pois não lhe é legalmente admitido pronunciar-se sobre a convolação, no âmbito de um erro na forma do processo. 5. Por conseguinte, os autos foram devidamente remetidos ao Juízo Especializado (juízo de execução fiscal e de recursos contraordenacionais do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto), que neles proferiu sentença em 20 de Junho de 2024. 6. Esta instância judicial considerou não convolar a impugnação judicial em oposição à execução fiscal, em virtude de um dos requisitos não se encontrar preenchido: que a petição tenha sido apresentada de forma extemporânea. 7. Sucede que, mister é frisar-se que o Recorrente não foi citado de forma a que pudesse apreender qual o fundamento da execução que contra si corria os seus termos, 8. Correspondendo esta situação jurídica a uma falta de citação que, aliás, foi imediatamente invocada junto do Serviço de Finanças competente; 9. Significa isto que estando perante uma falta de citação, aquela não poderia nunca ser considerada extemporânea, conforme concluiu o tribunal a quo. 10. Isto posto, e salvo melhor entendimento, o Tribunal de 1.ª Instância deveria ter procedido à convolação da impugnação judicial para a oposição à execução fiscal, porquanto: a. o pedido formulado na petição é adequado à forma processual idónea para o efeito; b. não é manifesta a improcedência da pretensão do Recorrente; c. é tempestiva a petição. 11. Tendo o Tribunal de 1.ª Instância decidido como o fez, refletiu na sua sentença um erro de julgamento, 12. que deverá ter como única consequência a revogação da decisão recorrida. NESTES TERMOS, E NOS MELHORES DE DIREITO APLICÁVEIS, COM O DOUTO SUPRIMENTO DE V. EXAS, JULGANDO-SE PROCEDENTE O PRESENTE RECURSO, POR PROVADO, A SENTENÇA RECORRIDA DEVERÁ SER REVOGADA POR DOUTO ACÓRDÃO A PROFERIR POR V. EXAS, ORDENANDO A DEVOLUÇÃO DO MESMO À PRIMEIRA INSTÂNCIA, ONDE DEVERÁ SEGUIR OS SEUS ULTERIORES TERMOS, COM O PROVIMENTO, A FINAL, DO PETICIONADO PELO ORA APELANTE. ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA! **** Não houve contra-alegações. **** O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento. **** Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; submete-se o processo à Conferência para julgamento. **** II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa apreciar se a sentença recorrida errou no julgamento encetado, ao não convolar o processo em oposição judicial por ter considerado a petição inicial extemporânea, sem atender à invocação de verificação de falta de citação. III. Fundamentação 1. Matéria de facto Na sentença recorrida foi proferida a decisão da matéria de facto com o seguinte teor: «Com base no processado anterior, verificada que foi, por decisão transitada em julgado, a nulidade por erro na forma do processo, releva para apreciação da questão da possibilidade de convolação para forma processual adequada, o seguinte: A) Na sequência de reversão ordenada nos processos Executivos n.º ...93 e Aps (N.º ...03, e N.º ...11), em que era devedora originária a sociedade “[SCom01...], Lda”, NIPC ...64., foi o Impugnante «AA» citado, na qualidade de responsável solidário, por carta registada com aviso de receção assinado em 09/11/2017 (Admitido no artigo 41º do articulado inicial e documento anexo à contestação de fls. 216); B) O Impugnante apresentou em 06/08/2023 no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto a presente impugnação judicial, solicitando a final que profira o Tribunal “decisão que considerando procedente a impugnação judicial ora deduzida, considere ilegal a reversão em curso contra o impugnante, com a sua conseguinte extinção, e a devolução ao impugnante das quantias entretanto penhoradas - art. 100.° LGT-, acrescidas dos juros legais - art. 43.° LGT-, e das taxas judiciais.” (fls. 1 a 155 dos Autos).» * Para melhor compreensão, transcreve-se, parcialmente, a decisão recorrida: «(…) Em face da matéria de facto provada, a questão que cumpre solucionar consiste em verificar da admissibilidade legal de convolação da presente impugnação em oposição à execução fiscal. (…) A convolação da presente impugnação judicial em oposição à execução fiscal está dependente da verificação de dois pressupostos, a saber: a) Que o pedido formulado seja compaginável com a forma de processo adequado, pressuposto que no caso concreto se verifica, conforme a decisão já transitada em julgado proferida nos presentes autos; b) Que a petição tenha sido tempestivamente apresentada para efeitos da nova forma processual, neste caso, oposição à execução fiscal; Restando apreciar da tempestividade da petição. Nos termos do artigo 203º do CPPT, a oposição à execução fiscal deve ser deduzida no prazo de 30 dias a contar da citação. Ora, no caso dos autos verifica-se que o impugnante foi citado por carta enviada por via postal com aviso de receção assinado em 09/11/2017. Tendo a presente impugnação sido deduzida no dia 06/08/2023, com base no supra exposto, facilmente se conclui da extemporaneidade da apresentação da mesma, uma vez que àquela data já encontrava integralmente decorrido o prazo de 30 dias subsequente à citação. Não podendo os autos ser aproveitados para prosseguirem sob a forma de processo determinada na lei. Assim, impõe-se a anulação de todo o processado, com a consequente absolvição da instância da Autoridade Tributária e Aduaneira, de acordo com os preceitos legais citados. Nos termos do disposto no artigo 278º, nº1 al. b) do C.P.C., o juiz deve abster-se de conhecer do pedido e absolver o demandado da instância quando anule todo o processo. Termos em que, e de acordo com o antes exposto, na procedência da excepção de erro na forma processual e da impossibilidade de convolação, decide-se anular todo o processo e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira da instância. (…)» * 2. O Direito O Recorrente não se conforma com a sentença proferida pelo TAF do Porto, que não convolou a presente impugnação judicial em oposição judicial, por considerar verificar-se o óbice da intempestividade da petição inicial. Sustenta que não foi citado de forma a que pudesse apreender qual o fundamento da execução que contra si corria os seus termos, correspondendo esta situação jurídica a uma falta de citação que, aliás, foi imediatamente invocada junto do Serviço de Finanças competente. Mais acrescentou significar isto que, estando perante uma falta de citação, a petição inicial não poderia nunca ser considerada extemporânea, nos termos em que concluiu o tribunal a quo. Concluiu que o Tribunal de 1.ª Instância errou no julgamento, porque deveria ter procedido à convolação da impugnação judicial para a oposição à execução fiscal, porquanto: a. o pedido formulado na petição é adequado à forma processual idónea para o efeito; b. não é manifesta a improcedência da pretensão do Recorrente; c. é tempestiva a petição. Vejamos. O tribunal recorrido considerou que o Recorrente foi citado em 09/11/2017 – cfr. ponto A) da decisão da matéria de facto, por ter sido admitido pelo mesmo na petição inicial e por a Autoridade Tributária e Aduaneira ter junto com a contestação um aviso de recepção assinado: Na sequência de reversão ordenada nos processos Executivos n.º ...93 e Aps (N.º ...03, e N.º ...11), em que era devedora originária a sociedade “[SCom01...], Lda”, NIPC ...64., foi o Impugnante «AA» citado, na qualidade de responsável solidário, por carta registada com aviso de receção assinado em 09/11/2017 (Admitido no artigo 41º do articulado inicial e documento anexo à contestação de fls. 216. Porém, a postura processual do Recorrente não se poderá considerar propriamente de admissibilidade da sua citação, em face do afirmado nos artigos posteriores ao artigo 41.º da petição inicial: “(…) 41 – O sujeito passivo foi citado para o chamamento, como responsável solidário, da execução que corria contra a [SCom01...], em 09-11-2017; 42 – Contudo, não foi o sujeito passivo citado de forma a que pudesse apreender qual o fundamento da execução que a partir desse momento contra si também corria. 43 – O que corresponde a falta de citação, que não deixou de invocar imediatamente junto do Serviço de Finanças, sendo certo que não mais foi repetida a citação nos termos legalmente prescritos, ou seja, encontra-se a mesma em falta até ao presente. (…)” Compulsado o teor integral dos autos, não existem elementos que confirmem a arguição de falta de citação junto do órgão de execução fiscal, nem qual a decisão que terá recaído sobre tal invocação. Por outro lado, também inexiste no processo qualquer cópia da carta registada com aviso de recepção, a que se refere o probatório, impossibilitando a confirmação do seu teor e a relação com o aviso de recepção carreado com a contestação. Relativamente à suscitada questão da falta de citação, o tribunal recorrido não tomou qualquer posição, limitando-se a aceitar a realização da citação do Recorrente em 09/11/2017 e a consequente caducidade do direito de acção, cerceadora da convolação. Na verdade, enquanto a oposição, que tem a natureza de uma contestação, visa a extinção da execução fiscal, a nulidade da citação apenas pode acarretar a repetição do acto depois de supridas as irregularidades que a determinaram, conforme previsto no artigo 165.º, n.º 2 do CPPT. No entanto, e como tem vindo a ser entendimento jurisprudencial, há situações em que se admite o conhecimento da nulidade ou da falta de citação em processo de oposição, designadamente, quando seja necessário para analisar qualquer questão que deva ser apreciada na oposição. Isto é, o conhecimento incidental da nulidade pressupõe que esta seja uma questão prévia relativamente a qualquer outra questão incluída no âmbito da oposição. Não obstante a falta de citação só seja qualificada como nulidade insanável quando possa prejudicar a defesa do interessado, o tribunal pode conhecer oficiosamente dessa nulidade ou na sequência de arguição, até ao trânsito em julgado da decisão [cfr. artigo 165.º, n.º 4 do CPPT]. Por outro lado, e embora não constitua fundamento de oposição (artigo 204.º do CPPT), nada obsta a que se possa conhecer da falta ou da nulidade da citação no processo de oposição à execução fiscal se tal conhecimento for necessário para apreciar qualquer questão que deva ser apreciada na oposição, isto é, será possível o conhecimento incidental da nulidade quando a questão da sua existência seja uma questão prévia relativamente a qualquer questão incluída no âmbito da oposição - cfr. acórdãos do STA, de 07/12/2011, Processo n.º 0172/11 e do TCAN, de 22/10/2009, processo n.º 00574/07. Por conseguinte, como se julgou no acórdão deste TCAN, de 29/01/2015, proferido no âmbito do processo n.º 307/13.7BECBR, é de concluir, por exemplo, não existir qualquer obstáculo ao conhecimento da falta da citação para saber se é (ou não) tempestiva a oposição à execução. Relembramos que a citação é o acto pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama ao processo para se defender; emprega-se ainda para chamar, pela primeira vez, ao processo alguma pessoa interessada na causa – cfr. artigo 219.º do CPC e artigo 35.º do CPPT. Apesar da matéria que consta da decisão da matéria de facto, entendemos que, por ora, não é possível manter a factualidade vertida no ponto A), atenta a invocação de falta de citação na petição inicial. A verdade é que nada se mostra apurado relativamente à falta de citação do Recorrente. Compulsados os elementos ínsitos nos autos, verificamos a impossibilidade de sindicância nesta sede, uma vez que, como está em causa a dedução de uma impugnação judicial, foi unicamente remetido ao tribunal o processo administrativo instrutor, bem como o procedimento de revisão oficiosa (artigo 78.º da LGT) e a decisão de manutenção do acto impugnado, nos termos do artigo 111.º, n.º 2, alínea b) e 112.º, n.º 1, ambos do CPPT. Não integrando os autos quaisquer elementos relativos ao processo de execução fiscal. Salientamos que, na contestação apresentada pela AT, no seu artigo 23.º, se assume a divergência quanto à arguida falta de citação. E na resposta às excepções aí suscitadas, o impugnante já alertava para a invocação de falta de citação, que se mantém até ao presente. Na verdade, o apuramento dos factos acerca do modo ou da forma como foi realizada a citação é essencial, dado ser determinante para averiguar a tempestividade da apresentação da petição inicial e, consequentemente, apreciar se será ou não um acto inútil operar a convolação da impugnação em oposição. Não foram solicitados elementos relevantes concernentes à citação do Recorrente, nem sobre a decisão que terá recaído sobre a eventual arguição de falta de citação junto do órgão de execução fiscal ou tão-pouco se essa decisão foi impugnada judicialmente ou até se já existe caso decidido sobre o assunto. Por outro lado, reiteramos não se saber a que carta se refere o aviso de recepção junto com a contestação, porque não consta dos autos nenhuma cópia de carta a que corresponda a vinheta de registo nos CTT, Correios aposta no aviso de recepção. Assim, mostrando-se imperioso descobrir a data da citação do Recorrente para o processo executivo ou se se poderá equacionar alguma nulidade, designadamente, por se verificar falta de citação; deparamo-nos, agora, com défice de natureza instrutória, que se repercute na decisão da matéria de facto disponibilizada à nossa apreciação. Deste modo, não podendo sufragar-se, sem mais, o julgamento produzido em 1.ª instância, impõe-se anular, oficiosamente, segundo o disposto no artigo 662.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Civil, a sentença, na parte recorrida, de molde a permitir que, no tribunal recorrido, sejam efectivadas as diligências probatórias que se mostrem adequadas e necessárias ao esclarecimento, mais completo possível, do aspecto apontado como deficitariamente instruído. Conclusões/Sumário I – É possível o conhecimento da invocação de falta de citação, a título incidental, para saber se é (ou não) tempestiva uma oposição à execução. II - Revelando os autos insuficiência factual para a boa decisão da causa, em virtude de terem sido omitidas diligências probatórias indispensáveis para o efeito, impõe-se a anulação da sentença recorrida e a baixa do processo ao Tribunal recorrido para melhor investigação e nova decisão, em harmonia com o disposto no artigo 662.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Civil ex vi artigo 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário. IV. Decisão Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, anular a sentença recorrida e ordenar a remessa do processo ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, a fim de aí ser proferida nova decisão onde se supram os apontados vícios, com preliminar ampliação da matéria de facto, após a aquisição de prova conforme acima se indica. Custas a cargo da Recorrida, que não inclui a taxa de justiça uma vez que não contra-alegou. Porto, 15 de Maio de 2025 Ana Patrocínio Maria do Rosário Pais Cláudia Almeida |