Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00335/14.5BECBR |
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Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
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Data do Acordão: | 11/27/2020 |
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Tribunal: | TAF de Coimbra |
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Relator: | Ricardo de Oliveira e Sousa |
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Descritores: | AUDIÊNCIA PRÉVIA DE INTERESSADOS – APROVEITAMENTO DO ACTO ADMINISTRATIVO |
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Sumário: | I - Existe preterição de audiência prévia de interessados sempre que resulte processualmente adquirido que a Administração não ponderou os argumentos nucleares apresentados pelo Recorrente em sede de audiência prévia. II- Não sendo possível asseverar que a decisão final seria, necessariamente, a mesma quer o interessado usasse do direito de audiência prévia ou não, resulta aqui plenamente inviável a figura da fórmula latina “utile per inutile non vitiatur”, que habilita o julgador, mormente, o juiz administrativo a poder negar relevância anulatória ao erro da Administração.* * Sumário elaborado pelo relator |
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Recorrente: | C. |
Recorrido 1: | FUNDAÇÃO PARA A CIENCIA E TECNOLOGIA |
Votação: | Unanimidade |
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Meio Processual: | Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional |
Decisão: | Conceder provimento ao recurso. |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso. |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: * * I – RELATÓRIO C., com os sinais dos autos, vem interpor RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra promanada no âmbito da Ação Administrativa Especial intentada por si intentada contra a FUNDAÇÃO PARA A CIENCIA E TECNOLOGIA, também com os sinais dos autos, que julgou “(…) improcedente o pedido de declaração de nulidade ou anulação da decisão de cancelamento de bolsa de 28.1.2014 (…)”. Alegando, o Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…) (…)”. 1. A sentença recorrida violou o preceituado no art. 100.°, n.º 1 do CPA91; "assim que se conclua a instrução, e salvo o disposto no art. 103.° do mesmo código, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta.” 2. O recorrente apenas foi notificado para se pronunciar em sede de audiência prévia, sobre o ato administrativo de suspensão da sua bolsa de doutoramento, ocorrida em 29.01.2013, nunca o tendo sido sobre o ato administrativo de cancelamento da bolsa, ocorrido cerca de um ano depois (em 28.01.2014). 3. De acordo com aquela notificação efetuada, apenas os alegados motivos de saúde deste estariam a prejudicar o trabalho de investigação que lhe havia sido atribuído, pelo que, o levantamento da referida suspensão ficou apenas sujeito à apresentação junto do orientador científico e da instituição de acolhimento de uma declaração, emitida pelos serviços médicos da Universidade de Coimbra, comprovando a sua aptidão para o trabalho, dando assim a Recorrida, cumprimento ao preceituado na parte final do art. 100.°, n.º 1 do CPA91, ao informar o autor do sentido provável da decisão: o levantamento do pedido de suspensão da bolsa estaria dependente da apresentação daquela declaração médica. 4. A mobilização do art. 89.° do CPA91 (“solicitação de provas aos interessados”) que é feita pelo Juiz a quo não tem aplicação ao caso concreto, uma vez que suspensão da bolsa do recorrente é em si mesmo um ato administrativo e não uma solicitação de provas ao interessado (que se insere ainda nos atos de instrução do procedimento administrativo). Aliás, a notificação para audiência dos interessados, pressupõe que se encontre concluída aquela instrução. 5. Atento o facto provado em 9., o ato de suspensão da bolsa foi colocado não como uma medida provisória do procedimento, mas sim como um ato alternativo e não cumulável com o ato cancelamento da bolsa. 6. A decisão de suspensão da bolsa foi tomada na esteira de recomendação do orientador de doutoramento (cfr. ponto 4 da matéria de facto provada), à qual o LIP, instituição de acolhimento, aderiu (cfr. ponto 7 da matéria de facto provada), e sobre as quais o A. não teve conhecimento. 7. Na pronúncia efetuado pelo autor em sede de audiência prévia, sobre o ato de suspensão da bolsa (facto provado em 13.) este centra-se apenas e só na contestação dos alegados problemas de saúde que estão na origem da suspensão da bolsa, apenas tendo referido, relativamente à afirmação sobre a "normal conveniência com os seus colegas de trabalho", que tal alegação é completamente abstrata sem qualquer substrato fáctico que permita ao pronunciante apreender o que se pretende afirmar com tal afirmação, desconhecendo por completo o que havia sido referido pelo seu orientador e pela instituição de acolhimento sobre alegados factos concernentes à componente disciplinar. 8. Ao A. nunca foi instaurado qualquer procedimento disciplinar que lhe permitisse ser confrontado e defender-se sobre os comportamentos de indisciplina que lhe foram unilateralmente imputados pelo seu orientador e pela instituição de acolhimento. 9. A douta sentença extrapola uma confissão da própria R. (cfr. art. 6.° da Contestação - “a bolsa ficou suspensa pela R., porque (...) as condições de saúde do mesmo não permitirem o desenvolvimento do seu plano de trabalhos num ambiente de normal convivência com os seus colegas, assim como com o demais pessoal da instituição de acolhimento” - e art. 19.° da Contestação - "a FCT decidiu então suspender a bolsa, por este ter sido de parecer que a avaliação do desempenho do bolseiro, no imediato, não permitia a continuidade do seu trabalho, por motivos de saúde”) ao concluir que "a disciplina do A., em concreto, a manutenção de uma sã convivência com os colegas e demais agentes da comunidade científica foi, em termos fácticos, o que esteve na base de ambas as decisões”. 10. Assim, aquela confissão da Recorrida, ao referir que na base da suspensão estiveram unicamente motivos de saúde (e não, portanto, motivos disciplinares do A.), não permitia ao tribunal que concluísse que a disciplina do A., em concreto, a manutenção de uma sã convivência com os colegas e demais agentes da comunidade científica foi, em termos fácticos, o que esteve na base de ambas as decisões (a de suspensão e a da cancelamento). 11. Ademais, não poderia a sentença considerar que o A. teve oportunidade de se pronunciar antes do ato impugnado sobre os concretos problemas de indisciplina, uma vez que o ora Recorrente apenas teve acesso quer aos pareceres, quer aos memorandos que determinaram o cancelamento da sua bolsa já no decurso do presente processo judicial, com a notificação efetuada em 16/06/2014. 12. Ainda que se considerasse por qualquer forma que o A. teve conhecimento da factualidade constante dos pontos 1 a 7 do memorando, quando se pronunciou em sede de audiência prévia aquando da suspensão (o que apenas se admite por mera hipótese académica), verifica-se que após a referida audiência prévia, ocorreram alegadamente novos factos, determinantes para a emissão dos pareceres negativos quer do orientador, quer da instituição de acolhimento (cfr. ponto 20 e 23. dos factos provados) e por conseguinte, para a prática do ato administrativo de cancelamento da bolsa de doutoramento, que não foram nunca comunicados ao A, designadamente os factos constantes do pontos 20., 21. e 22. dos factos provados, não tendo podido o ora recorrente sobre eles pronunciar-se, requerer diligências de prova ou juntar documentos. 13. A sentença recorrida ao decidir nos termos expostos, violou igualmente o disposto no n.º 2, do art. 33.° do Regulamento de Bolsas de Investigação da Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P., que impunha a audiência prévia do interessado antes do cancelamento fundado no n.º 1 da mesma disposição legal 14.Tem-se entendido que a falta de audiência dos interessados, nos processos de contraordenação, nos processos disciplinares e demais procedimentos sancionatórios, implica a nulidade, reconhecendo-se que, fora destes casos, "a tendência é para considerar a sua falta (ou ilegalidade) no procedimento comum como caso gerador de mera anulabilidade” - cfr. Mário Esteves de Oliveira - Pedro Costa Gonçalves - J. Pacheco Amorim, Código do Procedimento Administrativo , Almedina, pág. 520-522. 15. Nos pareceres do orientador e da instituição de acolhimento (cfr. factos provados 20. a 23.) o autor é acusado de comportamentos de indisciplina sem que nunca lhe tenha sido instaurado um processo disciplinar sobre algum dos comportamentos que lhe são imputados. Há, assim, um procedimento disciplinar enxertado neste ato administrativo, já que lhe são imputados a prática de comportamentos de indisciplina (e até de crimes) nunca tendo sido dado ao A. possibilidade deles se defender, de os contraditar, violando-se desta forma a garantia fundamental que, para estes procedimentos, está consagrado no n.º 3 do art. 269.° da CRP, segundo o qual em processo disciplinar são garantidas ao arguido a sua audiência e defesa. 16. Pelo que, a preterição de audiência de interessados no presente caso contendeu com um direito fundamental do ora recorrente - art. 269.°, n.º 3 da CRP -, acarretando por conseguinte a nulidade do ato, nos termos do art. 133.°, n.º 1 e 2, alínea d) do CPA 91. 17. A sentença de que ora se recorre, ao ter considerado que no caso dos autos não se verificou o vício da falta de audiência prévia e ao não considerar que o ato não continha os elementos essenciais, nem ofendia o conteúdo essencial de um direito fundamental, violou o disposto no art. 100.°, 89.° E 133.°, N.° 1 e 2, alínea d) todos do CPA91, 33.° do RBI e 269.°, n.º 3 da CRP. 18. O tribunal a quo dá como provados os comportamentos imputados ao A. pelo seu orientador, instituição de acolhimento e, por conseguinte, pela Recorrida, considerando assim preenchida a alínea b), do art. 12.° do EBI, sem que seja produzida qualquer prova sobre os mesmos, e sem que seja dada oportunidade ao A. de se pronunciar sobre os mesmos, esclarecendo-os, refutando-os ou contraditando-os. 19. Chega a tal conclusão, sem que dos factos provados conste a notificação ao recorrido da descrição circunstanciada dos mesmos, a existência de processo disciplinar instaurado ao ora recorrente por conta dos mesmos e as regras de funcionamento interno da instituição de acolhimento. 20. Por outro lado, a sentença recorrida também considera que as referidas condutas do A. infringem também deveres decorrentes da lei, designadamente o dever de não ofender o direito civil ao bom nome e de não cometer os tipos de ilícito criminais de injúria e difamação, o que convoca a violação dos deveres previstos na al. g) do referido art. 12.° do EBI. 21. Chega a tal conclusão, sem que dos factos provados resulte que alguém tenha participado civil ou criminalmente contra o recorrido e, muito menos, que este tenha sido condenado (civil ou criminalmente) por ter ofendido o bom nome de quem quer que seja. 22. O Tribunal a quo pronunciou-se assim sobre questões que não podia tomar conhecimento, já que profere juízo decisivo sobre questão que sabe não estar sobre a alçada dos tribunais administrativos e fiscais. 23. A decisão recorrida é assim nula, ao abrigo do disposto no art. 615.°, n.°1, alínea d) do CPC aplicável ex vi art. 140.° do CPTA. 24. Não obstante ter entendido que o ato de cancelamento impugnado era anulável, por força da falta de fundamentação, a sentença de que ora se recorre entendeu que o mesmo seria sempre praticado com o mesmo conteúdo, por força do princípio do aproveitamento do ato. 25. O ato que ora se impugna foi proferido ao abrigo do CPA91. Nos termos do art. 135.° do CPA91, “são anuláveis os atos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis para cuja violação se não preveja outra sanção.”. Por sua vez, o 136.° do CPA91 refere: “1- O ato administrativo anulável pode ser revogado nos termos previstos no artigo 141.°; 2 - O ato anulável é suscetível de impugnação perante os tribunais nos termos da legislação reguladora do contencioso administrativo.” 26. O n.º 5 do art. 163.° do CPA15, que entrou em vigor já após a prática do ato administrativo que se impugna nos presentes autos, vem introduzir uma norma completamente inovadora, que não tinha disposição semelhante no CPA91. Esta disposição prevê, inovadoramente que em certos casos, não se verifica o efeito anulatório, valendo tal disposição para a anulação judicial e para a administrativa. 27. Apesar de não o expressar na decisão recorrida, o Tribunal a quo aplicou ao caso em apreço o disposto no art. 163.°, n.º 5, alínea a) do CPA15, não obstante a citada norma apenas tem aplicação aos procedimentos administrativos que se iniciaram após a entrada em vigor daquele decreto-lei. (cfr. art. 8.°, n.º 1 do Dec. Lei 4/2015, de 7 de janeiro). 28. De forma a “salvar” o ato anulado, o Tribunal a quo faz uma aplicação retroativa daquela disposição legal, o que é inadmissível e viola as regras gerais de aplicação da lei. 29. Acresce referir o seguinte: só um ato de natureza vinculada poderia ver o seu efeito invalidante recusado pelo Tribunal. 30. No caso previsto no art. 33.°, n.º 3 do RBI, o elemento de ligação entre a hipótese e a estatuição impõe a verificação vinculada da estatuição. 31. No entanto na hipótese da norma o legislador utilizou conceitos indeterminados (“violação grave”, “reiterada”), o que corresponde à outorga de poderes discricionários à Administração no que toca ao preenchimento daquela hipótese. Através da utilização de conceitos indeterminados na hipótese da norma, o legislador conferiu à Administração discricionariedade na apreciação. 32. Face ao exposto, e ao contrário do veiculado na sentença de que ora se recorre, não estamos perante um ato de natureza vinculada, mas sim perante um ato de natureza discricionária e, como tal, não pode o tribunal concluir, com inteira segurança, num juízo de prognose póstuma, que a decisão administrativa impugnada era a única concretamente possível. 33. Por outro lado, ainda que se estivesse face ao exercício de um poder vinculado, o que não sucede, a omissão do dever de audiência prévia, consagrado no artigo 100°, do CPA, e do dever de fundamentação, consagrado no 124.° e 125.°, não permitiria concluir, sem margem para dúvidas, que se o Recorrente tivesse sido ouvido antes da decisão final, a sua intervenção no procedimento não poderia ter provocado uma reponderação da situação e, desse modo, influir na decisão final. 34. Posto isto, o tribunal a quo não podia, como aconteceu, sindicar o mérito daquele ato discricionário, nem considerar que a decisão impugnada era a única concretamente possível. 35. Pelo que, não ter decidido que não se produz o efeito anulatório do ato, devendo, por conseguinte, a sentença de que ora se recorre ser revogada. 36. Sendo o ato impugnado pelo recorrente de natureza discricionária, existe desde logo um dever acrescido de fundamentação: A Administração deve não só dar notícia da presença dos pressupostos de facto da ação que a norma legal enuncia em abstrato na hipótese (justificação), como ainda, estando em causa poderes discricionários, os interesses que no seu entender, foram determinantes para a definição de um especial conteúdo do ato. Esta enunciação dos motivos tomará, como é óbvio, mais fácil ao tribunal detetar o desvio de poder, o erro de facto, o erro manifesto de apreciação e a violação manifesta dos princípios. Só assim poderá ocorrer um controlo extrínseco e intrínseco da decisão discricionária. 37. O que não sucedeu no caso concreto: como refere a decisão recorrida, o ato omite os deveres violados pelas condutas do A. e o fundamento jurídico do cancelamento, padecendo o ato do vício da falta de fundamentação por insuficiência (art. 125.°, n.º 2 do CPA). Ora, tal insuficiência conduz precisamente a que não seja possível esclarecer concretamente a motivação do ato. 38. Não se pode pois, dizer que a decisão final seria, necessariamente, a mesma quer a Recorrida o expurgasse do vício de falta de fundamentação ou não, pelo que o incumprimento do disposto no artigo 124° e 125.° do Código de Procedimento Administrativo tem, no caso em apreço, efeitos invalidantes da decisão final. 39. Não tem pois aplicação o princípio do aproveitamento dos atos administrativos, pois não se toma possível concluir que a anulação do ato não traria qualquer vantagem para o recorrente. 40. Assim, importará concluir pela procedência do presente recurso jurisdicional, face à verificada ausência do dever (acrescido) de fundamentação e de audiência prévia do A. (…)”. * Notificada que foi para o efeito, a Recorrida produziu contra-alegações, que rematou da seguinte forma: ”(…) 1. - O Tribunal a quo julgou bem ao manter válido o ato administrativo ora em crise. 2. - Não podem ser assacados ao ato administrativo os vícios que lhe são imputados, designadamente: a) a falta de audiência prévia, quando o recorrente já tinha sido ouvido sobre os factos que lhe foram imputados. b) vício de violação de lei, quando resulta provado nos autos que foram violados os deveres previstos no art.° 12.° alíneas b) e g) do EBI e artigo 33.° do RBI. 3. - Não obstante a violação do dever de fundamentação e perante a matéria dada como provada resulta claro que uma eventual anulação do ato não traria qualquer vantagem ao recorrente, na medida em que estamos perante um ato de natureza vinculada (…).” * O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso interposto, fixando os seus efeitos e o modo de subida. * O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso do seguinte teor: ”(…) C. vem interpor recurso da sentença que julgo improcedente a ação por si intentada contra a Fundação de Ciência e Tecnologia. Somos de parecer que a sentença não merece reparo. Vejamos: A sentença recorrida julgou procedente o vício de falta de fundamentação invocado pelo ora recorrente, cuja consequência seria a anulabilidade do ato impugnado. No entanto, apesar deste vício, o tribunal a quo decidiu-se pela aplicação do princípio do aproveitamento do ato, pois que, apesar de este ser anulável, face à prova produzida o seu conteúdo teria de ser o mesmo. Como bem refere a sentença: “No caso em apreço, o ato padece do vício de falta de fundamentação. Contudo, a ponderação da violação reiterada dos deveres de funcionamento interno da instituição de acolhimento, bem como a violação dos deveres consagrados na lei em geral, designadamente o dever de não ofender o direito civil ao bom nome e de não cometer os tipos de ilícito criminais de injúria e difamação, conduziria, em sede, de renovação do ato, à manutenção do conteúdo do mesmo, por força dos artigos 12.°, alíneas b) e g), do EBI, do n.º 3 do art. 33.° do Regulamento acima referido. Nesse sentido, constata-se que uma eventual anulação do ato não traria qualquer vantagem A., na medida em que, em sede de execução do julgado anulatório, a Administração renovaria o mesmo, expurgando-o do vício de falta de fundamentação. A isso acresce que resulta da letra da lei do n.º 3 do art. 33.° do Regulamento de Bolsas de Investigação da FCT que a verificação de uma violação grave ou reiterada dos deveres do bolseiro determina ope legis o cancelamento do pagamento da bolsa. Trata-se, com efeito, de um ato de natureza vinculada. Ora, nesse quadro fáctico, e considerando o que resulta do teor dos artigos 12.°, alíneas b) e g), do EBI, e do n.º 3 do 33.0 do Regulamento acima referido, resta concluir que o ato em causa, por ter natureza vinculada, seria praticado com o mesmo conteúdo. Crê-se, portanto, que não se produz o efeito anulatório do ato. ” Como é sabido, de acordo com este princípio, o tribunal pode recusar os efeitos invalidantes da falta de fundamentação com base no princípio do aproveitamento dos atos administrativos ou da relevância limitada dos vícios de forma ou da teoria da degradação das formalidades essenciais em não essenciais. A doutrina e a jurisprudência têm vindo a acolher este princípio considerando que não se justifica a anulação de um ato administrativo que foi praticado no exercício de poderes vinculados e está de acordo com os pressupostos fixados na lei, nos termos do qual se admite que a falta de fundamentação possa não conduzir à anulação do ato. A jurisprudência do STA, tem adotado, este princípio do aproveitamento do ato administrativo ou teoria dos vícios inoperantes que significa que, apesar do ato estar inquinado de um ou vários vícios, ainda assim, este, não será anulado, quando seja seguro que, o novo ato a emitir, isento desse vício, não poderá deixar de ter o mesmo conteúdo decisório. Os tribunais nacionais têm entendido, portanto que, este princípio opera, apenas nas situações em que estes concluam, pela irrelevância das formalidades essenciais no conteúdo do ato. Ou seja, ainda que as formalidades essenciais tivessem sido cumpridas, o sentido e o conteúdo do ato não sofreriam qualquer tipo de alteração. Não se trata de operar a sanação do ato ou supressão da sua ilegalidade já que a sua finalidade é, unicamente, a de, mantendo o ato ilegal, tomar todavia inoperante a força invalidante do vício que o inquina mercê duma inutilidade da anulação revelada por juízo de evidência quanto à conformidade substancial (ou material) do ato com a ordem jurídica, já que a anulação do ato não traduz vantagem real ou alcance prático para o impugnante (cfr. Acórdão do TC AN, de 22/06/2011, proferido no processo n.º 00462/2000-Coimbra, in www.dgsi.pt). Assim, tendo o tribunal decidido que o ato impugnado não padece do vício de violação de lei, a irregularidade procedimental de falta de fundamentação, não tem o efeito invalidante pretendido, cedendo perante o princípio do aproveitamento do ato. Deste modo, bem andou o acórdão recorrido, pelo que deverá ser negado provimento ao recurso. (…)”. * Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta. * * II – DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIRO objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA. Neste pressuposto, as questões essenciais a dirimir são as seguintes: (i) Nulidade de sentença, por excesso de pronúncia; e (ii) Erro de julgamento de direito. Assim sendo, estas serão, por razões de precedência lógica, as questões a apreciar e decidir. * * III – FUNDAMENTAÇÃO III.1 – DE FACTO O quadro fáctico apurado [positivo, negativo e respetiva motivação] na decisão judicial recorrida foi o seguinte: “(…) 1. Em data ignota de julho de 2012, a Ré deu provimento a reclamação do A., atribuindo-lhe uma bolsa com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2012; 2. A referida bolsa destinava-se a financiar a conclusão do doutoramento, realizado na instituição de acolhimento LIP - Laboratório de Instrumentação e Física Experimental de Partículas, localizado em Coimbra; 3. Em 9.11.2012 o orientador do A., R., enviou um e-mail ao autor informando que iria recomendar que a bolsa fosse renovada; 4. A 7.1.2013, foi emitida proposta, subscrita pelo orientador de doutoramento, R., «sobre a renovação da bolsa de doutoramento (ref. SFRH/BD/81130/2011) do Mestre N.» com o seguinte teor: «Avaliando na sua globalidade o trabalho científico realizado e a componente disciplinar relativa a 2012 do Mestre N., por mim orientado no LIP (...), recomendo a suspensão da sua bolsa de doutoramento (...) até receber dos serviços médicos da UC uma declaração de aptidão do referido bolseiro para poder desempenhar trabalho de investigação num ambiente laboratorial, académico e internacional. A componente cientifica do trabalho do bolseiro (...) é confortavelmente positiva. (...) No entanto, no que concerne à componente disciplinar, a minha avaliação é extremamente negativa. Os factos relatados nos pontos 1 a 7 do memorando em anexo sobre os principais episódios disciplinares (...) assumem uma gravidade inaceitável para o bom decurso do seu trabalho de investigação na instituição e com as instituições que connosco colaboram. (…) O bolseiro recebeu vários avisos da minha parte e de elementos do LIP de que o teor de emails como os descritos nos pontos 3 e 4 do memorando eram inaceitáveis (...). No final de outubro de 2012, apesar da gravidade destes factos, em conjunto com a direção do LIP decidimos renovar a sua bolsa de doutoramento embora tivéssemos acordado que o bolseiro já não tinha mais margem para falhas relativamente a aspetos disciplinares. Tal como descrito no ponto 5 do memorando, a 19 de novembro de 2012, o bolseiro envia uma carta à direção do LIP acusando a instituição de fazer depender a renovação da sua bolsa para 2013 de atritos com outro grupo de investigação. (...) Na sequência desta reavaliação reli, desta vez por inteiro, o extenso email acusatório descrito no ponto 3 do memorando (Anexos 1 e 2), e descobri que o bolseiro se queixava de ter sido banido do ESTEC (ESA) (...). Decidi contactar o ESTEC (…) A referida carta enviada à ESA pelo bolseiro foi objeto de um inquérito interno, concluindo-se que as acusações eram infundadas (…)”. 5. No referido memorando consta o seguinte: «(...) 3. A 2 de agosto de 2012, o bolseiro N. (SFRH/BD/81130/2011) lançou acusações graves e sem fundamentação à ESA, a funcionários e a estudantes da própria ESA, através de email (Anexo I), em resposta a uma mensagem de correio eletrónico dirigida aos colaboradores do LIP em que o Prof. M. divulgava atividades do ESTEC (ESA) que poderiam interessar os investigadores do laboratório. O bolseiro reencaminhou cópia do email para 6 endereços eletrónicos da ESA e um da Universidade Nova de Lisboa, anexando-lhe uma carta em formato pdf (anexo 2), onde acusava a ESA de o ter roubado, sem adiantar provas. Acusa o ex-funcionário do ESTEC, P. de ser mentiroso e de o ter ameaçado, sem indicar testemunhas nem referir as circunstâncias. Citando uma terceira pessoa que não identifica, acusa ainda P. de gastar quantias tais em hotéis que seriam suficientes para lançar um satélite. Acusa ainda o estudante que o substituiu no ESTEC de ser um psicopata. 4. A 23 de agosto de 2012, o mesmo bolseiro, enviou um email à Dra. C. (Anexo 3),.funcionária da UC (…)[em que] usou de linguagem insultuosa contra a UC e contra a própria funcionária em termos que não admissíveis em qualquer relação laboral. (...) 6. Entretanto veio igualmente ao conhecimento da Direção do LIP o facto de o estudante ter ido levantar a mesma questão do ponto 5 no fórum da ABIC em termos não rigorosos e com insinuações que põem em causa o bom nome da instituição de acolhimento e/ou o comportamento ético dos seus responsáveis (Anexo 4) (…)”; 6. Nos referidos anexos consta: - Um e-mail, de 2.8.2012, remetido pelo A. para o endereço xxx@xxx.pt com o seguinte teor: «(…) Be careful of consequences of letting innocent people be tricked by ESA. Some people I met in ESTEC were nice, but some were extraordinarily evil.»; - Um e-mail, de 3.8.2012, remetido pelo A. para xxx@xxx.pt, com o seguinte teor: «in hindsight I wish to avoid a misinterpretation by explicitly informing you that I was not claiming that A.; A.; and R. are among the ESA employees who abused me», ao qual junta carta manuscrita dirigida a K., da ESTEC, onde consta que «Mr. W. lied to me before, during and after the internship. (...) The European Space Agency was stealing money from me»; - Um e-mail, de 23.8.2012, remetido pelo A. para o endereço xxxxx@xx.ptcom o seguinte teor: «To the University of Coimbra: I am client and an employee and I used to be a slave of this so-called university. I have not been reimbursed for payments for social security and I am unable to pay for social security for January 2012. C. is too lazy to do what we employ her to do. (…)”; - Uma mensagem do autor N., registada a 19.10.2011, no fórum ABIC, com o seguinte teor: «(...) Renewal of this bursary is due soon (and I am reliant on it to stay alive), but an essential step for a renewal is for the host institution to accept to having it renewed, and unfortunately on Monday 22nd October 2012 someone who is affiliated with the host institution warned me (but without threatening) that if I do not immediately cancel a court case (in which I am using a third party which is not any host institution nor the Department nor the University) then allegedly resulting “friction” for the host institution might result in the host institution to reject renewing this bursary. ». - Carta remetida pelo A. para o LIP, onde foi aposto carimbo com data de entrada de 19.11.2012, com o seguinte teor: «Na qualidade de V. Investigador, venho por este meio, e nos termos do art. 61° e 62° do Código do Procedimento Administrativo, requerer a V. Exas. que me seja enviada cópia de toda a documentação e de todos os elementos que tenham sobre a minha pessoa nos vossos arquivos. Vejo-me obrigado a fazer tal pedido porque estou incomodado com os avisos que me foram feitos verbalmente pelo Laboratório de Instrumentação e Física Experimental de Partículas, Delegação de Coimbra, no dia 22 de outubro de 2012, durante uma reunião que aí tive. Durante esta reunião, o Laboratório de Instrumentação e Física Experimental de Partículas Delegação de Coimbra informou-me que seria aconselhável que desistisse da ação judicial proposta por mim contra um técnico informático da sociedade Netstream - Consultadoria e Gestão de Redes Informáticas, Lda. Esta entidade deu-me a entender que em 2013 poderia não existir a renovação da bolsa de investigação que atualmente me está atribuída, caso existisse alguma espécie de “friction” (atrito) entre o Laboratório de Instrumentação e Física Experimental de Partículas, da Delegação de Coimbra e o Sr. Dr. Joaquim Marques Ferreira dos Santos (...) 7. A 8.1.2013, foi emitida opinião, subscrita pela Direção do LIP, salientado que «(...) a bolsa de doutoramento em referência deve ser suspensa até se receber dos serviços médicos da UC uma declaração de aptidão do referido bolseiro para desempenhar o trabalho de investigação que lhe está atribuído, num ambiente de normal convivência com os colegas de trabalho e com o pessoal deste Laboratório e da Universidade»; 8. Em 28.1.2013, pelas 17h, R. remeteu e-mail para o A., com o seguinte teor: «(...) Please be tomorrow morning at the lab. I have some important things to talk with you. (...)»; 9. A 29.1.2013, o orientador do A., R., disse-lhe que lhe restaria uma de duas opções: o cancelamento da bolsa ou a sua suspensão, mediante tratamento médico fora de Portugal, recomeçando o pagamento da bolsa em 2014; 10. Nesse dia, pelas 12h06, foi remetido e-mail, através do endereço de correio eletrónico xxxxxxx@xx.pt para o A., com o seguinte teor: «Subject: Bolsa de Investigação com referência SFRH / BD / 81130 / 2011, financiada pelo POPH - QREN - Tipologia 4.1 - Formação Avançada, comparticipado pelo Fundo Social Europeu e por fundos nacionais do MEC (…) Tendo-se procedido à análise do seu processo de candidatura com referência acima indicada, informamos que no dia 29/07/2013 recebemos um e-mail do seu orientador, Professor R. e da sua instituição de acolhimento, LIP, a solicitar a suspensão da bolsa, tendo em conta os motivos, alegadamente, de saúde que não estão a permitir desempenhar (sic) o trabalho de investigação que lhe está atribuído, num ambiente de normal conveniência com os seus colegas de trabalho, assim como com o pessoal do Laboratório e da Universidade. A FCT foi informada que o levantamento do pedido de suspensão da bolsa está dependente da apresentação junto do orientador científico e da instituição de acolhimento de uma declaração, emitida pelos serviços médicos da Universidade de Coimbra, comprovando a sua aptidão para o trabalho. Em cumprimento do disposto nos artigos 100º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo tem 10 dias para dizer o que entender conveniente sobre o assunto.». 11. A 1.2.2013, o A. deslocou-se aos Serviços Médico-Universitários dos Serviços de Ação Social da Universidade de Coimbra, tendo a médica, Dr.ª C., procedido à marcação de uma consulta de especialidade para o dia 27.2.2013; 12. A referida médica informou que os resultados dos exames poderiam levar meses; 13. Em 8.2.2013, pelas 19h22, o A. remeteu e-mail para o destinatário xxxxxxx@xx.pt, com o seguinte teor: «EXMOS SENHORES CONSELHO DIRECTIVO FUNDAÇÃO PARA A CIÊNCIA E TECNOLOGIA, I.P. Assunto: Pronúncia em sede de Audiência Prévia (arts 100º a 105º do CPA) V/Refª: mensagem de correio eletrónico datada de 29/01/2013 com o assunto: "Bolsa de Investigação com a referência SFRH/BD/81130/201 1, financiada pelo POPH- QREN - Tipologia 4.1 - Formação Avançada, comparticipado pelo Fundo Social Europeu e por fundos nacionais do MEC". Fui notificado, através da aludida mensagem de correio eletrónico, que essa Fundação ponderava a suspensão da atribuição da bolsa que me foi concedida. Tal intenção resultava de alegados motivos de saúde que prejudicariam o desempenho do normal trabalho de investigação que me está atribuído, bem como as relações pessoais estabelecidas no Laboratório e na Universidade em geral. Acontece que a dita notificação deveria ter algo mais do que uma afirmação genérica, devendo efetivamente conter, nos termos do artº. 101º., nº. 2 do mesmo Código, “os elementos necessários para (...) conhecer todos os aspetos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito”. Devendo ainda ser indicado o local e horário para consulta do processo. Ora, no caso, faltando em absoluto os elementos referidos, é manifestamente impossível manifestar-me cabalmente sobre a situação, o que representa uma preterição dos meus direitos, sendo efetivamente ilegal. Acresce que a alegada situação não se verifica na realidade. Não existe qualquer perturbação do normal desempenho das minhas funções de investigação, nem qualquer incompatibilidade ou mau ambiente com os colegas e demais pessoal da Universidade. Para comprovar a inexistência de qualquer problema de saúde, requeiro, nos termos do art.° 104.° do C.P.A., que seja considerado relatório médico emitido pelos Serviços Médico-Universitários da Universidade de Coimbra, que me proponho juntar assim que o mesmo esteja concluído. De facto, fui já no dia 30/01/2013 a uma consulta de clínica geral, carecendo agora de consulta de especialidade, já agendada para o dia 27/02/2013, finda a qual deverá ser elaborado pelos Serviços Médico-Universitários um relatório final sobre a minha condição de saúde (cfr. docs. n.º 1 e 2 juntos). Assim sendo, requer-se desde já seja a decisão suspensa no sentido de, desde logo, ser renovada a notificação com as exigências legais, bem como no sentido de poder ser concretizada a diligência supra indicada e assim serem tidas em consideração todas as circunstâncias relevantes. (...) Isto dito, note-se que o pronunciante não aceita a afirmação de que alegados motivos de saúde "não [lhe] estão a permitir desempenhar o trabalho de investigação que lhe está atribuído". Já que ao longo do ano de 2012 o pronunciante desenvolveu todo o trabalho que lhe foi atribuído. Tendo, nomeadamente, cumprido os objetivos estabelecidos no plano de atividades aprovado, como resulta do relatório que enviou para a FCT. A este respeito, note-se que por mensagem de correio eletrónico datada de 16/11/2012 o seu Orientador, o Professor R., lhe comunicou que: «I sent today my letter in favour of your grant renewal to the direction of LIP. Rui» Quanto à alegada "normal conveniência com os seus colegas de trabalho", tal alegação é completamente abstrata sem qualquer substrato fáctico que permita ao pronunciante apreender o que se pretende afirmar com tal afirmação. Sendo certo que não só o pronunciante desempenhou o trabalho de investigação que lhe cabia como sempre se mostrou disponível para prestar a sua colaboração a colegas seus que [o necessitaram]. Tendo atuado ao longo deste ano como sempre atuou. Note-se que o pronunciante vem colaborando com o Professor R. desde 2008 no âmbito do Projeto "Plano Focal de CdTe para Telescópio Espacial de Raios Gama Equipado de Lentes de Laue". Nunca tendo tido qualquer problema na relação de trabalho com tal Professor que é, no âmbito da presente bolsa, o seu orientador. Refira-se, aliás, que quando em 2010, J. apresentou a sua tese de mestrado fez questão de agradecer a ajuda que lhe foi dada pelo pronunciante, podendo ler-se na sua tese (cfr. Optimization of the focal plane for the Gamma Ray Imager mission, September 2010): «Aknowledgements (...) I WOULD ALSO LIKE TO THANK C. FOR HIS HELP IN DEAL-ING WITH SOFTWARE lN FRONT OF WHICH I WOULD DO LITTLEIF I WAS LEFT ALONE. [...]» (sublinhados nossos) Por tudo o exposto é manifesto que não se verificam as razões invocados para a "suspensão da bolsa". (...) Sendo certo que ao longo do ano de 2012 o pronunciante se esforçou para cumprir os objetivos do plano de atividades, [tendo-o cumprido.] O que aliás é reconhecido na própria comunicação que agora lhe é enviada onde não é feita qualquer referência ao não cumprimento de tais objetivos. É meu propósito continuar a cumprir com os objetivos estabelecidos, não percebendo as razões pelas quais a instituição que me acolheu (e para a qual foi convidado pelo Prof. R., pessoa que muito respeito e pela qual tenho muita admiração) coloca agora alegadas questões de saúde para colocarem causa a manutenção e continuação das minhas atividades. Sendo certo que, como referi, ao longo deste ano a minha atuação e empenho no trabalho de investigação foram iguais ao de anos anteriores. Pelo que o pronunciante não compreende a atuação da instituição que se comprometeu a acolhe-lo durante a realização do trabalho de investigação e sobre a qual também recaem deveres (atente-se, nomeadamente, no artigo 9° n°1 al. b) do Estatuto do Bolseiro). Por tudo o exposto, e apesar de o pronunciante não aceitar as alegadas razões de doença, a verdade é que das mesmas nunca poderá resultar o não pagamento da bolsa, por maioria de razão quando a declaração peticionada pela instituição de acolhimento apenas agora foi exigida e os serviços médicos da Universidade de Coimbra não conseguiram marcar uma consulta para antes de 27/02/2013. O pronunciante não pode ser prejudicado nos seus direitos por razões que não lhe são imputáveis. Pelo que não só não pode a bolsa do pronunciante ser suspensa como deveria a FCT diligenciar junto da instituição de acolhimento para que esta permita que o pronunciante continue a desenvolver o seu trabalho de investigação em cumprimento dos objetivos fixados no plano de trabalhos aprovado. (…) E, por outro lado - ainda sem conceder quanto ao facto da exigida apresentação da declaração médica não se poder considerar motivo para a entidade de acolhimento solicitar a "suspensão da bolsa" -, a verdade é que ainda que a FCT considere ser essa uma razão adequada e suficiente para suspensão dos deveres que recaem sobre a instituição de acolhimento e consequentemente das atividades do pronunciante financiadas pela bolsa sempre deveria ter aqui aplicação (ainda que porventura fruto de uma interpretação extensiva ou analógica imposta pela garantia dos direitos do pronunciante), o previsto na al. g) e no n° 1 e no n° 6 do artigo 9° do Estatuto do Bolseiro (...). É o seguinte o teor dos referidos normativos: «Artigo 9° Direitos dos bolseiros 1. Todos os bolseiros têm direito a: (...) g) Suspender as atividades financiadas pela bolsa por motivo de doença do bolseiro, justificada por atestado médico ou declaração de doença passada por estabelecimento hospitalar; (...) 6. Na suspensão das atividades a que se referem as alíneas f) e g) do n. ° 1 pode ser mantido o pagamento da bolsa pelo tempo correspondente, não havendo, nesse caso, lugar a pagamento de outros subsídios aplicáveis nas eventualidades previstas naquelas disposições, nos termos legais gerais, reiniciando-se a contagem no 1.° dia útil de atividade do Bolseiro após a interrupção.» Ora, se o pronunciante se encontra impedido de continuar a sua atividade na instituição de acolhimento por esta exigir uma declaração médica emitida pelos serviços médicos da Universidade de Coimbra (instituição no âmbito da qual existe e está instalado o LIP) e se estes, para emitir tal declaração, marcaram consulta para 27/02/2013 sempre deveria ser mantido o pagamento da bolsa pelo tempo, pelo menos, correspondente à pretendida suspensão de atividades imposta pela instituição de acolhimento até à obtenção da declaração médica agora exigida. Qualquer outra atuação da FCT para além das referidas corresponderia a uma ostensiva violação dos direitos do pronunciante e das legitimas expectativas em si criadas de [desenvolvimento da sua investigação e com base nas quais optou por ficar em Portugal e organizou o desenvolvimento da sua investigação e com base nas quais optou por ficar em Portugal e organizou a sua vida.] Termos em que não se verificam fundamentos que sustentem a suspensão da bolsa e se requer diligencie a FCT junto do LIP para que este de imediato permita que o pronunciante continue a sua atividade. Sem conceder, caso se entenda que se poderá verificar uma situação de suspensão das atividades na instituição de acolhimento sempre deveria ser mantido o pagamento da bolsa ao pronunciante pelo tempo correspondente. (…) Sempre exerceu as suas funções, no âmbito dos trabalhos de investigação, com todo o zelo, dedicação e rigor. Trabalhando inclusivamente às horas de refeição e fins de semana. No entanto, foi agora notificado da proposta de decisão de suspensão da bolsa, tendo em conta motivos de saúde que não lhe permitem desempenhar o trabalho de investigação que lhe foi atribuído num ambiente de normal convivência com os colegas de trabalho e com o pessoal do laboratório e da Universidade. Ora, tal alegação não tem qualquer fundamento, uma vez que o interessado encontra-se num estado de saúde perfeitamente normal, não padecendo de qualquer patologia a nível físico e mental. Não devendo, pelo exposto, ser efetuada a suspensão da bolsa que lhe foi atribuída. Cumpre ainda referir que o interessado se deslocou aos serviços médicos da Universidade de Coimbra, no sentido de obter de se sujeitar aos exames necessários no sentido de obter a declaração pretendida, tendo-lhe sido dito pela médica que o atendeu -Dra. Célia Maria Pires Lavaredas de Sousa - para se apresentar no dia 27/2/2013, mas que o resultado de todos os relatórios poderá demorar meses a ser apresentado. Pelo exposto, porque o interessado não padece de qualquer anomalia física e/ou mental, e porque não há possibilidade de apresentar o relatório dentro do prazo legalmente concedido para a audiência de interessados, requer-se que se mantenha a atribuição da bolsa, bem como contrário, não existe qualquer documento que sequer indicie qualquer problema de saúde ao interessado. (…)”. 14. Em 13/2/2013 deu entrada na FCT um papel manuscrito, ao qual se apôs vinheta com a referência «FCT/5977/13/2/2013» também dirigido ao Conselho Diretivo da FCT, com o mesmo assunto e que reproduz quase na íntegra (exceto os últimos 9 parágrafos do e-mail) o teor do acima referido e-mail, cujo teor aqui se dá como reproduzido. 15. Ao referido manuscrito ia junta declaração, com cabeçalho dos Serviços de Ação Social da Universidade de Coimbra - Serviços Médico-Universitários, com o seguinte teor: «Após consulta de clínica geral nestes serviços no dia 30/01/2013, o aluno (C.) foi referenciado para consulta na especialidade a nível hospitalar, tendo conhecimento de que a 1ª consulta será agendada para o dia 2 7/02/2013. Coimbra, 01/02/2013 C.» 16. Em 16.9.2013, foi produzido um estudo clínico, pelo médico N, do Serviço de Psiquiatria do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, EPE, sobre o A., com a seguinte conclusão: «Na sequência da avaliação clínica realizada até à data, com base no seguimento realizado na nossa instituição e na posterior avaliação (clínica e neuropsicológica) realizada no seu país natal, e que se remete em anexo, conclui-se que padecerá de perturbação do espetro do autismo. Somos da opinião que, com o suporte apropriado, e em linha com os desígnios legislativos que fundamentam o ensino superior e política desemprego em Portugal, nomeadamente o princípio da inclusão, não padece de doença psiquiátrica que comprometa a sua capacidade para estudar e trabalhar em Portugal»; 17. Em 18.9.2013, foi produzida pela médica C., a seguinte declaração: «Com base e de acordo com a informação clínica atual de especialista, o aluno supra citado, com o suporte apropriado, não padece de doença psiquiátrica que comprometa a sua capacidade para estudar e trabalhar em Portugal.»; 18. O estudo clínico e a declaração médica referidos nos dois pontos anteriores foram juntos ao e-mail de 19.9.2013, remetido pelo A. para R., com conhecimento para os endereços desemprego, no, xxxxx@xx.pt, xxxxx@xx.pt, xxxxx@xx.pt, xxxxx@xx.pt; 19. Em 26.9.2013, R. remeteu e-mail, com assunto «Ponto da situação da suspensão da bolsa de doutoramento com referência SFRH/BD/81130/2011», para xxxxx@xx.pt, com o seguinte teor: «Após um período de internamento psiquiátrico em Coimbra, o referido bolseiro foi transferido para a Irlanda. Recentemente o bolseiro enviou um documento irlandês dando conta que estava apto para trabalhar e estudar em Portugal. Os serviços médicos da Universidade de Coimbra validaram este documento sem nos consultar, carecendo este documento de satisfazer o requisito principal do Parecer por nós elaborado e enviado para a FCT aquando da suspensão (...) Ora ao contrário deste requisito para trabalhar “num ambiente laboratorial, académico e internacional”, o documento apresentado pelo referido bolseiro limita-se a referir que está apto a estudar e trabalhar, não preenchendo os requisitos do nosso Parecer de suspensão»; 20. Em 30.10.2013, foi emitido pelo orientador de doutoramento, R., o parecer cujo teor aqui se dá por reproduzido, transcrevendo os seguintes excertos: «Na sequência dos factos que resultaram na suspensão a 29 de janeiro de 2013 da bolsa de doutoramento do Mestre C., por mim orientado no LIP (...) e estudante (UC) na Universidade de Coimbra, recomendo o cancelamento definitivo da sua bolsa de doutoramento (...) A 19 de setembro de 2013, recebi uma carta dos serviços médicos informando que o C. estava finalmente apto a trabalhar e a estudar (genericamente) em Portugal. Nestas condições, o C. passa a estar sujeito às mesmas regras e à mesma avaliação que qualquer outro aluno, tal como nos foi sublinhado pelos especialistas que seguiram o referido bolseiro. A presente decisão decorre da ausência até à data de um pedido de desculpas ou qualquer tentativa de reparação dos comportamentos de in disciplina originados pelo referido bolseiro e relatados nos pontos 1 a 7 do memorando enviado aos vossos serviços no dia 28 de janeiro de 2013. Acresce a agravante de no passado dia 2 de maio de 2013 termos recebido mais uma queixa de uma infração grave incorrida pelo Mestre C.. Até à referida data, o bolseiro alojou nos servidores do LIP conteúdos falsos e caluniosos sobre vários investigadores em todo o mundo (...).»; 21. Por e-mail de 2.5.2013, remetido por xxxxx@xx.pt para xxxxx@xx.pt, foi reportado o seguinte: «(…) a página em baixo, contém conteúdos falsos e caluniosos sobre vários investigadores em todo o mundo, entre as quais uma amiga minha nos EUA. A página foi criada por um Sr. Americano, que tem já processos legais a decorrer nos EUA, e foi retirada do “ar”. No entanto, parece que há uma cópia da página alojada no servidor do LIP, e isto deveria ser retirado. Pedia assim se verificarem onde isto está alojado, e quem é a pessoa responsável, para que possamos retirar a página (…)» 22. Por e-mail do mesmo dia, de J. para xxxxx@xx.pt foi reportado o seguinte: «(…) Os conteúdos em questão estão alojados na página pessoal de um utilizador do LIP Coimbra cujo username é “gloster” (...)». 23. A 11.12.2013, foi emitida opinião da instituição de acolhimento, LIP, da qual conta o seguinte: “(...) Face às informações que foram chegando ao nosso conhecimento sobre o estudante C. e tendo em conta o exposto no parecer do orientador, entende o LIP apoiar o parecer do Doutor R. no sentido de a bolsa de doutoramento em referência ser definitivamente cancelada.»; 24. Em 28.1.2014, foi remetido e-mail, através do endereço de correio eletrónico xxxxx@xx.pt, para o A. do qual consta o seguinte: «Bolsa de Investigação com a referência SFRH / BD / 81130 / 2011, financiada pelo POPH - QREN - Tipologia 4.1 - Formação Avançada, comparticipado pelo Fundo Social Europeu e por fundos nacionais do MEC Tendo-se procedido à análise do seu processo de candidatura com a referência acima indicada, foi considerado cancelar a bolsa, na sequência dos pareceres do Professor R. e da instituição de acolhimento, LIP, recebidos a 19/12/2013, os quais recomendam o cancelamento definitivo da bolsa. Fazemos notar que não poderão ser reembolsadas as contribuições para a Segurança Social com data posterior ao encerramento da bolsa (dezembro de 2012). O processo fica, deste modo encerrado. Com os melhores cumprimentos R. Departamento de Formação dos Recursos Humanos em C&T» * A matéria de facto foi dada como provada face ao teor dos documentos, não impugnados, e às posições das partes, tendo a mesma sido considerada relevante para a decisão da causa segundo as várias soluções de direito. Estão provados: o facto 1 por acordo (artigos 8.° da PI e 1.° da Contestação):o facto 2 por acordo (artigos 12.° da PI e 1.° da Contestação);o facto 3 por acordo (artigos 14.° da PI e 1.° da Contestação);os factos 4 pelo teor do documento intitulado «Parecer» do LIP junto ao PA (fls. 2 a 6);os factos 5 e 6 pelo teor do memorando sobre problemas disciplinares do A. e respetivos anexos juntos ao PA (fls. 8 a 15, e 33 e 35); o facto 7 pelo teor do documento designado «Parecer da Instituição» junto ao PA - fls. 7; o facto 8 pelo teor do e-mail de 28.1.2013 (junto com a PI como doc. 1); o facto 9 por confissão do A. (art. 17.° da PI);o facto 10 pelo teor do e-mail de 29.1.2013 junto ao PA - fls.37; o facto 11 pelo teor da declaração junta ao PA (fls. 43); o facto 12 por acordo (artigos 22.° da PI e 1.° da Contestação); o facto 13 pelo teor do e-mail de 8.2.2013 (junto à PI como doc. 2), conjugado com o teor do manuscrito da mesma data junto ao PA; o facto 14 pelo teor do manuscrito, de 8.2.2013, junto ao PA - fls. 38 a 42; o facto 15 pelo teor da declaração que se juntou ao PA - fls. 43; o facto 16 pelo teor do estudo junto com a PI (doc. 4); o facto 17 pelo teor do documento intitulado declaração médica junto com a PI (doc. 6); o facto 18 por acordo (artigos 31.° da PI e 1.° da Contestação) e pelo teor do doc. 7 junto com a PI; o facto 19 pelo teor do e-mail de 29.9.2013, junto ao PA (fls. 47); o facto 20 pelo teor da opinião junta ao PA (fls. 75 e 76); o facto 21 pelo teor do e-mail de 2.5.213 junto ao PA (fls. 77); o facto 22 pelo teor do e-mail de fls. 77 do PA; o facto 23 pelo teor da opinião junta ao PA (fls. 79); e o facto 24 pelo teor do e-mail, de 28.1.2014, junto ao PA (fls. 84). * Nada mais foi dado como provado ou não provado com interesse para a decisão em apreço, atendendo às diversas soluções plausíveis de direito e ao objeto do processo (…)”. * III.2 - DO DIREITO* Assente a factualidade que antecede, cumpre, agora, apreciar as questões suscitadas no recurso jurisdicional sub juditio.*
* I- Da invocada nulidade de sentença, por excesso de pronúncia * Invoca o Recorrente, nos termos que expôs nas suas alegações de recurso e reconduz às respetivas conclusões, que o Tribunal a quo, ao determinar que os comportamentos imputados ao A. revestem a natureza de ilícitos criminais e civis, pronunciou-se em matéria sobre questões de que não podia tomar conhecimento, já que profere juízo decisivo sobre questão que sabe não estar na alçada dos tribunais administrativos e fiscais, pelo que, ao fazê-lo, incorreu em excesso de pronúncia. Quid iuris? Nos termos do n.º 1 do artigo 615º do C.P.C., é nula a sentença quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento – alínea d), e quando condene em quantidade superior ao em objeto diverso do pedido – alínea e). A nulidade da sentença por excesso de pronúncia constitui o reverso da emergente da omissão de pronúncia. Verifica-se esta, quando o juiz deixe de conhecer, sem prejudicialidade, de todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação. Ao que sejam “questões”, para estes efeitos, respondem Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto no Código de Processo Civil Anotado, 2.º, 2.ª edição, pág. 704: são “todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer”, não significando “considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito [artigo 511-1] as partes tenham deduzido…”[página 680]. No mesmo sentido se podendo ver, A. Varela, RLJ, 122,112 e Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, III, 195. E tem sido particularmente reiterada a jurisprudência que o juiz deve conhecer de todas as questões, não carecendo de conhecer de todas as razões ou de todos os argumentos [cfr-se., por todos, os Ac. de 25.2.1997, no BMJ, 464 – 464 e de 16.1.1996, na CJ STJ, 1996, 1.º, 44 e, em www.dgsi.pt, os de 13.9.2007, processo n.º 07B2113 e de 28.10.2008, processo n.º 08A3005]. Ou seja, no domínio da lei processual civil, só há excesso de pronúncia para estes efeitos, se o tribunal conheceu de (i) pedidos, (ii) causas de pedir ou (iii) exceções de que não podia tomar conhecimento. Munidos destes considerandos de enquadramento doutrinal e jurisprudencial, e regressando ao caso concreto, adiante-se, desde já, que, atendendo aos fundamentos concretamente invocados, não assiste razão ao Recorrente na arguida nulidade de sentença. De facto, o T.A.F. de Coimbra não condenou o Recorrente pela prática de nenhum crime, tendo apenas assumido que os comportamentos que lhe vinham imputados eram suscetíveis, em abstrato, de configurar ilícitos civis e criminais, na esteira do que considerou mostrar-se violado o dever [dos bolseiros] plasmado na alínea g) do disposto no artigo 12º do EBI. O que se mostra perfeitamente admissível, pois que a fiscalização da legalidade do ato impugnado é da plena competência dos Tribunais dos Administrativos e Fiscais, nada obstando ao conhecimento incidental da eventual desconformidade constitucional e/ou criminal da materialidade convocada nos processos com vista ao apuramento do “objeto confesso dos autos”. Assim, e com reporte ao caso recursivo em análise, contendendo a validade do ato impugnado com a assacada violação do disposto no artigo 12º do EBI, impunha-se ao T.A.F. de Coimbra apurar da violação [ou não] dos deveres dos bolseiros ali plasmados. Reclamando tal tarefa o conhecimento incidental da integração [ou não] do comportamento do Autor no domínio criminal, para o qual os TAFs dispõem de plena competência e poderes inquisitórios bastantes, é de manifesta evidência que, contrariamente ao sustentado pelo Recorrente, o Tribunal a quo não proferiu qualquer juízo decisivo sobre questão fora da alçada dos tribunais administrativos e fiscais. Não se reconhece, portanto, a existência de qualquer nulidade de sentença, por excesso de pronúncia. * II- Do imputado erro de julgamento de direito O Autor intentou a presente ação peticionando o provimento do presente meio processual por forma a ser “(…) declarada a nulidade/anulabilidade [do] ato administrativo que procedeu ao cancelamento da bolsa de doutoramento do autor e sendo revogado tal ato, se recomece a pagar a bolsa de doutoramento ao Autor, inclusive durante o período que decorreu desde esse cancelamento até à presente data, bem como as bolsas devidas durante o período de suspensão da bolsa, uma vez que nenhum pagamento foi feito ao Autor.». Alegou, para tanto, brevitatis causae, de que o ato impugnado (i) enfermava de preterição de audiência prévia de interessados; que (ii) não continha os elementos essenciais e por ofender o conteúdo essencial de um direito fundamental; (iii) que padecia de falta de fundamentação; e que (iv) violava do dispostos nos artigos 12º e 17º do Estatuto do Bolseiro de Investigação [doravante EBI]. O Tribunal a quo, como sabemos, julgou improcedente o pedido de declaração de nulidade ou anulação da decisão de cancelamento de bolsa de 28.01.2014. A ponderação de direito na qual se estribou o juízo de improcedência da presente ação foi, fundamentalmente, a seguinte: “(…) Da não realização da audiência prévia Por força do art. 100.°, n.º 1, do CPA91, assim que se conclua a instrução, e salvo o disposto no art. 103.° do mesmo código, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta. É através da audiência dos interessados que se dá cumprimento ao princípio da «participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhes disserem respeito» (art. 267.°, n.º 5, da CRP), e, dessa forma, se permite ao destinatário do ato participar e influenciar a formação da vontade da Administração. O seu cumprimento constitui uma importante garantia de defesa o que tem como consequência que a mesma seja considerada uma formalidade essencial - cfr. Ac. do STA de 29.1.2009, p. 651/08 (COSTA REIS). Daí que a violação do direito de audiência determine a ilegalidade do ato final, geradora de anulabilidade, sanção regra prevista no CPA para os «atos administrativos praticados com ofensa de princípios ou normas jurídicas aplicáveis para cuja violação se não preveja outra sanção» (art. 135° do CPA91), e não nulidade - neste sentido, vide aresto supra referido. Esta formalidade não deixa, contudo, de ser instrumental. Daí que possa degradar-se em formalidade não essencial sem que da sua não realização resulte vício invalidante do ato. Tal acontece nos casos previstos no art. 103.° do CPA91, por, inter alia, o interessado já se ter pronunciado no procedimento sobre as questões que importem à decisão e sobre as provas produzidas - cfr. n.º 2, al. a). In casu, constata-se que o interessado foi notificado para se pronunciar sobre a suspensão do pagamento da bolsa. Esta suspensão é um exemplo típico de uma medida provisória (cfr. art. 84.° do CPA91). A Administração decide suspender um ato constitutivo de direitos (o ato de concessão da bolsa), a fim de averiguar, no seio de procedimento, se se mantêm os pressupostos para manter o pagamento da bolsa (cfr. ponto 9 da matéria de facto provada). A decisão de suspensão da bolsa foi tomada na esteira de recomendação do orientador de doutoramento (cfr. ponto 4 da matéria de facto provada), à qual o LIP, instituição de acolhimento, aderiu (cfr. ponto 7 da matéria de facto provada). Na base daquela recomendação estaria uma avaliação «extremamente negativa » do cumprimento dos deveres disciplinares, que comprometia o bom decurso do trabalho de investigação na instituição e com as instituições que colaboravam com o LIP. Em concreto, segundo a remissão feita para o memorando sobre problemas disciplinares envolvendo o A., estavam em causa comportamentos como, p. ex., lançar «acusações graves e sem fundamentação à ESA, a funcionários e estudantes da própria ESA» através de e-mail, o envio de um e-mail à Drª C. onde se refere à mesma como «is too lazy to do what we employ her to do», e a publicação, num fórum, de uma mensagem onde se alega que a Direção do LIP terá ameaçado o Autor não renovar a bolsa se ele não desistisse da ação judicial intentada contra o Eng. P. (cfr. pontos 5 e 6 da matéria de facto provada). Analisando a notificação para efeitos de pronúncia, antes da decisão de suspensão (ponto 10 da matéria de facto provada), constata-se que a mesma faz expressa menção aos «motivos, alegadamente, de saúde que não estão a permitir desempenhar (sic) o trabalho de investigação que lhe está atribuído, num ambiente de normal conveniência com os seus colegas de trabalho, assim como com o pessoal do Laboratório e da Universidade ». Informa-se, na parte final, que os efeitos da suspensão podem cessar, desde que se junte aos autos declaração emitida pelos serviços médicos da Universidade de Coimbra, comprovando a sua aptidão para o trabalho. Ao referir as condições de saúde e os problemas na convivência com os colegas e o pessoal do laboratório, ao fazer a associação entre ambos, bem como ao fazer expressa referência à opinião do orientador, Professor R. e da instituição de acolhimento, LIP, a referida notificação pôs o A. em condições fácticas de exercer o seu direito de audiência prévia antes da decisão final. Podia, contestar a existência de uma situação patológica, a existência de problemas de convivência com os colegas e demais pessoal, e podia contestar a associação feita entre ambos. Nesse âmbito, o A. vem contestar a existência de incompatibilidade com os colegas e demais pessoal da Universidade, bem como juntar documentação que atesta a sua aptidão para o estudo e o trabalho. Posteriormente o orientador emite parecer no sentido de que «(...) a decisão decorre da ausência até à data de um período de desculpas ou de qualquer tentativa de reparação dos comportamentos de indisciplina originados pelo referido bolseiro nos pontos 1 e 7 do memorando» - cfr. ponto 20 da matéria de facto provada. Opinião sufragada em parecer da instituição de acolhimento, o LIP - cfr. ponto 23 da matéria de facto provada. A decisão final foi tomada por expressa concordância com os referidos pareceres - cfr. ponto 24 da matéria de facto provada. Constata-se que a disciplina do A., em concreto, a manutenção de uma sã convivência com os colegas e demais agentes da comunidade científica foi, em termos fácticos, o que esteve na base de ambas as decisões, pelo que, sendo o A. notificado para se pronunciar sobre essa factualidade em sede de aplicação de medida provisória, a formalidade de audiência do interessado, em sede de decisão final, degrada-se em formalidade não essencial, por força do art. 103.°, n.º 2, al. a), do CPA91, porque o A. já tinha tido oportunidade de se pronunciar sobre todas as questões que interessaram para a decisão. Pelo supra exposto, improcede a alegação do vício de falta de audiência prévia . Do dever de fundamentação O dever de fundamentação dos atos administrativos, constitucional e legalmente imposto à Administração (artigos 268.°, n.º 3, da CRP e 124.° do CPA91), visa, essencialmente, (i) habilitar os seus destinatários a reagir eficazmente contra a lesividade dos atos e (ii) obrigar a que as decisões administrativas sejam devidamente refletidas e ponderadas pelos seus autores. A fundamentação deve ser expressa, clara, coerente e completa, explicitando as razões de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituem, neste caso, parte integrante do respetivo ato - art. 125.°, n.º 1, do CPA91. O conteúdo da fundamentação é, em larga medida, tributário do tipo de ato ou efeitos que estiverem em causa e das circunstâncias do caso concreto, nomeadamente e das observações dos interessados na audiência dada, i. e., na fundamentação do ato, é necessário considerar as razões que o interessado tenha invocado nessa intervenção procedimental - cfr. OLIVEIRA, Mário Esteves/GONÇALVES, Pedro Costa/AMORIM, J. Pacheco, Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2.a ed., Coimbra, Almedina, 2007, p. 592. Considera-se devidamente fundamentado, o ato administrativo, quando um destinatário normal puder aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor para proferir a decisão. No caso em apreço a fundamentação do ato é feita por adesão aos pareceres do orientador e da instituição de acolhimento. Ora, compulsado o teor dos pareceres, constata-se que no primeiro (artigo 19° da matéria de facto) não foram tidas em consideração as informações clínicas que o A. juntou ao processo administrativo. Omissão cujas consequências, na concreta compreensão do ato, têm particular relevância, porquanto, no caso em apreço, pediu-se ao A. que entregasse uma informação clínica dos Serviços Médicos da Universidade e o mesmo veio juntá-la em sede de procedimento administrativo. Porém, no segundo parecer, no qual que se recomenda o cancelamento “definitivo”, já se aceita as conclusões médicas, embora para, desta feita, responsabilizar subjetivamente o Autor pelas condutas inaceitáveis ali descritas. Assim sendo não fica por revelar o iter cognoscitivo do autor do ato, os fundamentos do ato em matéria de facto. Já do iter valorativo não se pode dizer o mesmo, ao menos na totalidade, pois não são minimamente explicitados os deveres violados por essas condutas e o fundamento jurídico do cancelamento. Com efeito, não são explicitadas, na “recomendação” do orientador, quaisquer razões de direito que fundamentem a decisão. Assim sendo, o ato padece do vício de falta de fundamentação, por insuficiência - cfr. n.º 2 do art. 125.° do CPA91 - sendo o mesmo anulável por vício de forma (cfr., neste sentido, Acórdãos do STA de 25.5.2011, p. 091/11, DULCE NETO, TCAN de 9.6.2010, p. 00007/09.2BEMDL, JOSÉ VELOSO, do TCAS de 15.10.2015, p. 12489/15, PAULO PEREIRA GOUVEIA, com extensas referências jurisprudenciais e doutrinais, que se acompanham de perto nessa decisão). O A. alega que a falta da devida fundamentação do ato acarreta a sua nulidade. Não se pode, porém, sufragar essa posição. A falta de fundamentação ou a sua insuficiência apenas é suscetível de gerar a anulabilidade do ato. No nosso ordenamento jurídico, o regime regra é o da anulabilidade, tendo a nulidade caráter excecional, a ponto de, fora dos casos de falta de um dos elementos essenciais, carecer de previsão expressa - cfr. artigos 133.° e 134.° do CPA91. A fundamentação está prevista, no art. 268.°, n.º 3, da CRP, como um dever objetivo, que integra o quadro de legalidade ao qual a Administração está sujeita quando pratica atos administrativos. Em princípio, a falta de fundamentação gerará a mera anulabilidade do ato. Apenas nos casos de especial gravidade ou intensidade da lesão da ordem jurídica pela falta de fundamentação se deve sustentar a consequência da nulidade. VIEIRA DE ANDRADE (apud Ac. TCAS de 15.10.2015, p. 12489/15, PAULO PEREIRA GOUVEIA) explica que a «violação da ordem jurídica pode ser de tal gravidade que, para se manter o essencial da força jurídica da “garantia institucional” constitucional do dever de fundamentação, tenha a sanção para a sua falta de constituir na nulidade. Serão situações especiais em que a falta de fundamentação assume, ou uma natureza própria de elemento essencial do ato, acabando por cair debaixo do critério legislativo constante do n.º 1 do art. ° 133.° do CPA, ou uma natureza paralela à de ofensa ao conteúdo essencial de um direito fundamental [art.° 133.°, n° 2, alínea d), do CPA]». No nosso caso, como decorre do que deixamos acima exposto, para além de não estarmos perante uma falta de elementos essenciais do ato (autoria, objeto, conteúdo e destinatário), não estamos - nem o A. o alegou ou demonstrou - perante um caso em que a fundamentação assuma uma natureza própria de elemento essencial. E certo é que também não estamos, nem o A. o alegou ou demonstrou, perante uma situação em que haja ofensa grave e intensa da ordem jurídica. Face ao que antecede, procede o vício de forma de falta de fundamentação invocado pelo A, sendo o ato meramente anulável. Da violação de lei, por inexistir infração dos deveres de bolseiro (previstos no art. 12.° do EBI) e por não se verificar nenhuma das causas de cessação do contrato (previstas no art. 17.° do referido estatuto) A bolsa, segundo o art. 33.° do Regulamento de Bolsas de Investigação da FCT, pode ser cancelada: em resultado de inspeção promovida pela FCT após análise das informações prestadas pelo bolseiro, pelos orientadores ou pelas entidades de acolhimento (n.º 1); em regra, em resultado de uma avaliação negativa do desempenho do bolseiro por qualquer das entidades referidas, após audição do bolseiro pela entidade financiadora (n.º 2); por violação grave ou reiterada dos deveres do bolseiro constantes do referido regulamento e do EBI, podendo ser exigida consoante o caso concreto a restituição da totalidade ou parte das importâncias atribuídas ao bolseiro (n.º 3). O artigo 12.°, al. b), do EBI determina, com interesse para o caso em apreço, que todos os bolseiros devem cumprir as regras de funcionamento interno da entidade de acolhimento e as diretrizes do orientador científico. No caso em apreço, acreditando que a urbanidade e o respeito mútuo entre o bolseiro e os demais membros da instituição de acolhimento, da Universidade e, em geral, das demais instituições que integram a comunidade científica e se relacionam com o LIP, assim como a manutenção de uma relação leal com a instituição de acolhimento, sem prejudicar o bom nome e imagem da mesma junto daquela comunidade, fazem parte das regras de funcionamento interno de qualquer instituição pública ou privada, regras que cumpre aos bolseiros obedecer, entende- se que, face aos comportamentos em causa - fazer «acusações graves e sem fundamentação à ESA, a funcionários e estudantes da própria ESA» através de e-mail, o envio de um e-mail à Dr.a C. onde se refere à mesma como «is too lazy to do what we employ her to do», e a publicação num fórum de uma mensagem onde se alega que a Direção do LIP o terá ameaçado não renovar a bolsa se não desistisse da ação judicial intentada contra o Eng. P. (cfr. ponto 6 da matéria de facto provada) - é manifesto que o bolseiro violou, de forma reiterada, o dever de cumprimento das regras de funcionamento interno da instituição de acolhimento (cfr. art. 12.°, al. b), do EBI), o que determina, ope legis, por força do art. 33.° do Regulamento, o cancelamento da bolsa. Aliás, as referidas condutas do A. infringem também deveres decorrentes da lei, designadamente o dever de não ofender o direito civil ao bom nome e de não cometer os tipos de ilícito criminais de injúria e difamação, o que convoca a violação dos deveres previstos na al. g) do referido art. 12.° do EBI e implica, igualmente, a aplicação da cominação prevista no referido art. 33.° do Regulamento. Face ao supra exposto, improcede o vício de violação de lei. Do princípio do aproveitamento do ato Vem a R., em defesa, alegar que, por força do preceituado no art. 33.°, n.º 3, do RBI, o ato em causa, mesmo sendo anulável, não poderia deixar de ter o mesmo conteúdo. O princípio do aproveitamento do ato administrativo tem sido aplicado, sobretudo, a propósito de vícios formais e procedimentais, como a preterição da forma legal prescrita e a preterição de formalidades anteriores ou concomitantes à prática do ato, colocando-se, com maior incidência, na preterição de audiência prévia e na falta de fundamentação. O tribunal pode recusar efeito invalidante à omissão da formalidade prevista no art. 124.° do CPA91, se o ato tiver sido praticado no exercício de poderes vinculados e se puder concluir, com inteira segurança, num juízo de prognose póstuma, que a decisão administrativa impugnada era a única concretamente possível. No caso em apreço, o ato padece do vício de falta de fundamentação. Contudo, a ponderação da violação reiterada dos deveres de funcionamento interno da instituição de acolhimento, bem como a violação dos deveres consagrados na lei em geral, designadamente o dever de não ofender o direito civil ao bom nome e de não cometer os tipos de ilícito criminais de injúria e difamação, conduziria, em sede, de renovação do ato, à manutenção do conteúdo do mesmo, por força dos artigos 12.°, alíneas b) e g), do EBI, do n.º 3 do art. 33.° do Regulamento acima referido. Nesse sentido, constata-se que uma eventual anulação do ato não traria qualquer vantagem ao A., na medida em que, em sede de execução do julgado anulatório, a Administração renovaria o mesmo, expurgando-o do vício de falta de fundamentação. A isso acresce que resulta da letra da lei do n.º 3 do art. 33.° do Regulamento de Bolsas de Investigação da FCT que a verificação de uma violação grave ou reiterada dos deveres do bolseiro determina ope legis o cancelamento do pagamento da bolsa. Trata-se, com efeito, de um ato de natureza vinculada. Ora, nesse quadro fáctico, e considerando o que resulta do teor dos artigos 12.°, alíneas b) e g), do EBI, e do n.º 3 do 33.° do Regulamento acima referido, resta concluir que o ato em causa, por ter natureza vinculada, seria praticado com o mesmo conteúdo. Crê-se, portanto, que não se produz o efeito anulatório do ato. (…)”. Sintetizando a fundamentação de direito que se vem de transcrever, temos que o T.A.F. de Coimbra desatendeu a constelação argumentativa aduzida pelo Autor em torno da invalidade associada ao ato impugnado com exceção do invocado vício de falta de fundamentação. Porém, recusando a atribuição de eficácia invalidante ao detetado vício de falta de fundamentação, julgou improcedente a presente ação. O Recorrente insurge-se contra o assim decidido, imputando-lhe erro de julgamento de direito no domínio do julgamento operado quanto às questões decidendas de (i) preterição da audiência prévia de interessados e da (ii) possibilidade de aproveitamento do ato. Adiante-se, desde já, que assiste manifesta razão ao Recorrente no recurso jurisdicional em análise, não sendo, portanto, de manter a decisão recorrida. Na verdade, e quanto à invocada preterição da audiência prévia, importa que se comece por sublinhar que o Tribunal a quo fundou o juízo de improcedência da mesma no entendimento de que o Autor foi ouvido em sede de audiência prévia quanto aos fundamentos da (i) medida provisória de suspensão da bolsa de doutoramento, que abrangem a motivação da (ii) decisão posterior de cancelamento da bolsa de doutoramento, pelo que “(…) a formalidade de audiência do interessado, em sede de decisão final, degrada-se em formalidade não essencial, por força do art. 103.°, n.º 2, al. a), do CPA91, porque o A. já tinha tido oportunidade de se pronunciar sobre todas as questões de interessados que interessaram para a decisão (…)”. Porém, não acompanhamos tal entendimento. Na verdade, deteta-se no tecido fáctico apurado nos autos a evidência da existência de dois atos administrativos praticados pela Administração, traduzidos no (i) ato de suspensão da bolsa de doutoramento e o (ii) ato de cancelamento da mesma bolsa. Ora, da análise que se faz, e se tem que fazer do probatório coligido nos autos, não se pode deixar de concluir que o primeiro ato de suspensão da bolsa de doutoramento foi motivado por razões de alegada falta de saúde do Recorrente e teve lugar a 29.01.2013 [cfr., ademais e especialmente, pontos 8), 9), 10) e 19) e 20)]. Já o segundo ato de cancelamento da bolsa de doutoramento foi motivado pela alegada prática por parte do Recorrente de comportamentos violadores dos deveres dos bolseiros previstos no EBI, e teve lugar em 11.12.2013 [cfr. pontos 20) a 24)]. De igual modo, escrutinado o probatório coligido nos autos, não se pode duvidar que, quanto ao ato de suspensão da bolsa de doutoramento, foi plenamente operado o princípio da participação dos particulares na tomada de decisão de Administração, na vertente da audiência prévia de interessados [cfr. pontos supra referenciados]. O mesmo, todavia, não se pode afirmar no que tange ao segundo ato de cancelamento da bolsa de doutoramento, cujos fundamentos, reitere-se, não são nada confundíveis com a motivação constante do ato de suspensão da bolsa de doutoramento, pois que o Réu omitiu, por completo, o direito de audiência dos interessados sem proferir qualquer ato ou decisão que justificasse tal omissão [cfr. pontos supra referenciados]. Na verdade, ainda que se pudesse equacionar a existência de justificação para inexistência ou dispensa de audiência dos interessados, certo é que o Réu, em momento algum, o invocou ou fundamentou no âmbito do referido procedimento. “E, portanto, a decisão final de um procedimento administrativo em que os interessados não foram ouvidos, por se ter considerado, sem a necessária fundamentação, não haver legalmente lugar a audiência, é uma decisão invalidável, por vício de procedimento.” [– Cfr. Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, Código de Procedimento Administrativo Comentado, 2ª Edição, Almedina, pág. 463]. Pelo exposto, de acordo com o art.º 267.º, n.º 5 da CRP e com o art.º 100.º do CPA, o A. tinha o direito a ser ouvido no procedimento de designação em causa – o que não foi. Nesta medida, foi preterida formalidade essencial no procedimento em causa, a qual é sancionada com a anulabilidade do ato impugnado, por violação do direito de audiência prévia do A. no âmbito do referido procedimento. Todavia, e tal como constitui entendimento jurisprudencial uniforme, o Tribunal só pode recusar efeito invalidante à omissão da formalidade prevista no art.º 100.º do CPA se se puder, num juízo de prognose póstuma, concluir, com total segurança, que a decisão administrativa impugnada era a única concretamente possível [cfr., entre outros, Acs. STA de 02.06.2004 (Pleno) - Proc. n.º 01591/03, de 23.05.2006 (Pleno) - Proc. n.º 01618/02, de 11.10.2007 - Proc. n.º 0274/07, de 10.09.2008 - Proc. n.º 065/08, 10.09.2009 - Proc. n.º 0940/08 in: «www.dgsi.pt/jsta»; Ac. TCA Norte de 05.03.2009 - Proc. n.º 00115/06.1BEVIS in: «www.dgsi.pt/jtcn»]. Afirmou-se, a tal propósito, no Acórdão [do Pleno] do Supremo Tribunal Administrativo, de 23.05.2006, no processo n.º 1618/02: «Por isso, só se admite que o tribunal administrativo deixe de decretar a anulação do ato que não deu prévio cumprimento ao dever de audiência, aproveitando-o, quando ele, de tão impregnado de vinculação legal, não consente nenhuma outra solução (de facto e de direito) a não ser a que foi consagrada, isto é, quando esta se imponha com caráter de absoluta inevitabilidade: um tipo legal que deixe margem de discricionariedade, dificuldades na interpretação da lei ou na fixação dos pressupostos de facto, tudo são circunstâncias que comprometem o aproveitamento do ato pelo tribunal» …”. E no acórdão do mesmo Colendo Tribunal de 11.02.2003, no processo n.º 044433 sustentou-se igualmente que “(…) há que não esquecer que os vícios de forma e de procedimento, como é o caso da violação do art. 100.º, dado a natureza instrumental das formalidades legais preteridas, ainda que essenciais, só relevarão como invalidantes do ato, se o objetivo que com tais formalidades se visava atingir não foi alcançado. Se, não obstante o foi, então a formalidade omitida degrada-se em não essencial, já que absolutamente irrelevante para a definição da situação jurídica que o ato consubstancia. Sendo a audiência prévia uma formalidade legal, meramente instrumental, a sua omissão não conduz à anulação do ato se, à luz dos preceitos materiais, em nada podia interferir no seu conteúdo substancial, ou seja, se outra não pudesse ter sido a decisão concretamente tomada (…).” Assim, para se entendesse ser aplicável em situações como a dos autos o princípio do aproveitamento dos atos administrativos, teria o Tribunal de concluir com toda a segurança que o cumprimento da formalidade que se preteriu em nada alteraria o sentido da decisão censurada nos presentes autos. Em tais circunstâncias, o mais que pode aceitar-se é que o Tribunal deixe de proferir a anulação contenciosa se lhe for exibida prova [cujo ónus compete ao Réu] de que a violação cometida não teve qualquer espécie de influência no resultado decisório, que seria sempre o mesmo se o vício procedimental detetado não tivesse ocorrido. Só que, no caso dos autos, essa demonstração essa não foi feita. Em todo o caso, e para que não subsistam quaisquer dúvidas, refira-se que, dos elementos postos à disposição deste Tribunal Superior, não é possível concluir, sem margem para dúvidas, que se o Recorrente tivesse sido ouvido antes da decisão final, a sua intervenção no procedimento não poderia ter provocado uma reponderação da situação e, desse modo, influir na decisão final. Desta feita, não sendo possível asseverar que a decisão final seria, necessariamente, a mesma quer o interessado usasse do direito de audiência prévia ou não, resulta aqui plenamente inviável a figura da fórmula latina “utile per inutile non vitiatur”, que habilita o julgador, mormente, o juiz administrativo a poder negar relevância anulatória ao erro da Administração. Atinge-se, deste modo, a conclusão de que o ato impugnado não pode ser salvo com base no princípio do aproveitamento dos atos administrativos, impondo-se, por isso, a anulação do mesmo [cfr. os Acórdãos do TCAS, de 08.10.2009, no âmbito do Processo n.º 05464/09, e do TCAN, de 19.03.2009, proferido no Processo n.º 00643/05, e de 18.12.2015, tirado no Processo n.º 00277/13]. Pelo que não andou bem o Tribunal a quo ao decidir de forma diversa. Concludentemente, procedem as conclusões 1) a 17) do recurso supra transcritas, o que determina a prejudicialidade do conhecimento dos demais argumentos aduzidos no domínio do presente recurso jurisdicional [cfr. artigo 95, nº.1 in fine do CPTA e 608º nº.2 do CPC]. Consequentemente, impõe-se conceder provimento ao presente recurso jurisdicional, devendo revogar-se a sentença recorrida, e anular o ato impugnado, mais se determinando a reconstituição do procedimento, ao que se provirá no dispositivo. * * IV – DISPOSITIVONestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em CONCEDER PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional, revogar a sentença recorrida e anular o ato impugnado, mais se determinando a reconstituição do procedimento administrativo. * Custas a cargo do Recorrente.* * Porto, 27 de novembro de 2020Ricardo de Oliveira e Sousa João Beato Helena Ribeiro |