Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01284/23.12BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/17/2024
Tribunal:TAF de Braga
Relator:MARIA FERNANDA ANTUNES APARÍCIO DUARTE BRANDÃO
Descritores:ACÇÃO ADMINISTRATIVA; MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA; AGENTE DA GNR; ESTATUTO DE TRABALHADOR-ESTUDANTE;
ESTATUTO DOS MILITARES DA GNR; AUSÊNCIA DE LACUNA OU CASO OMISSO;
IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO ANALÓGIA QUER DO ESTATUTO DOS MILITARES DAS FORÇAS ARMADAS QUER DO CÓDIGO DO TRABALHO;
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
«AA» propôs ACÇÃO ADMINISTRATIVA contra o MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA, ambos melhor identificados nos autos, com vista a que lhe seja concedido o Estatuto de Trabalhador-Estudante.
Por decisão proferida pelo TAF de Braga foi julgada improcedente a acção.
Desta vem interposto recurso.

Alegando, o Autor formulou as seguintes conclusões:
A) O recorrente entende que a sentença proferida é nula, nos termos do artigo 615°, n° 1, alínea b), uma vez que não especificou convenientemente os fundamentos de direito que justificam a sua decisão e também padece do vício de erro de julgamento, havendo erro na determinação da norma jurídica aplicável, uma vez que, no nosso entender, o tribunal não aplicou devidamente a lei ao caso concreto e não apreciou devidamente a inconstitucionalidade de vários preceitos legais.

B) O tribunal deveria ter concedido o direito ao Autor de beneficiar do estatuto de trabalhador-estudante, previsto no Código de Trabalho, por remissão do artigo 4° da LGTFP e não afastar a sua aplicação, ao abrigo do princípio da especialidade, previsto no artigo 7°, n° 3 do Código Civil;

B) Ao contrário do decidido pelo tribunal, a não aplicação do estatuto de trabalhador-estudante ao Autor, militar da GNR, não se trata de ser injusta a solução adoptada, mas sim inconstitucional.

C) O dever de obediência à lei, previsto no art. 8° n° 2 do Código Civil, inclui em primeiro lugar, o dever de obediência à Constituição da República Portuguesa, que, conforme refere o seu artigo 204°- Apreciação da inconstitucionalidade - Nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados.

D) O artigo 18° da CRP- Força jurídica, refere que, quando estão em causa direitos, liberdades e garantias, são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicada e privadas.

E) Nada dizendo o Estatuto dos Militares da GNR relativamente ao estatuto do trabalhador-estudante, não referindo também a não aplicação do estatuto de trabalhador-estudante aos mesmos, no nosso entender, deve-se aplicar subsidiariamente o Código de Trabalho, por remissão do artigo 4° da LGTFP e não afastar a sua aplicação, ao abrigo do princípio da especialidade, previsto no artigo 7°, n° 3 do Código Civil;

F) Além do mais, por analogia, uma vez que o Estatuto do Militares da GNR é omisso quanto a este assunto, sempre se aplicaria o Estatuto dos militares das Forças Armadas, que prevê o estatuto do trabalhador estudante, de acordo com o Código de Trabalho, salvaguardadas as especificidades decorrentes da condição de militar da GNR, uma vez que, os agentes da GNR, da PSP e os militares das Forças Armadas estão todos sujeitos ao dever de disponibilidade para o serviço, ainda que com o sacrífício dos seus interesses pessoais, porém só os agentes da GNR não teriam possibilidade de acesso ao estatuto de trabalhador-estudante, o que viola gravemente o direito da igualdade, constitucionalmente protegido e de aplicação directa pelos Tribunais;

G) Existem muitos militares da GNR que beneficiam de horário flexível (no qual o horário do militar é adaptado ao quotidiano de vida do seu cônjuge), aplicando-se subsidiariamente o Código de Trabalho.

H) O recorrente pretende neste processo, que o seu horário de trabalho seja flexível, de acordo com o seu horário da faculdade e o Comandante da GNR podia contar na mesma com os serviços do militar, no horário estabelecido e em caso de urgência ou necessidade estaria sempre disponível, como é seu dever.

I) Ao contrário do decidido pelo tribunal, a não aplicação do estatuto de trabalhador-estudante ao Autor, é inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, previsto no artigo 13° da CRP, na medida em que os agentes da PSP podem ter estatuto de Trabalhador- Estudante e são agentes de autoridade com funções idênticas aos militares da GNR e estão também eles adstrictos ao dever de disponibilidade, o que configura um tratamento desigual, que deve ser apreciado pelo tribunal superior.

J) A interpretação no sentido de que a concessão do estatuto de trabalhador-estudante ao militar da GNR colide com o seu dever de disponibilidade é inconstitucional, na medida em viola os artigos 59°, n° 1 e 2 alínea f) e 74° n°.s 1 e 2°, alíneas c) e d) da CRP, inconstitucionalidade que expressamente se invoca e deve ser apreciado por este tribunal;

L) O previsto no artigo 2° n° 2 da Lei Geral de Trabalho em Funções Públicas, que exclui a aplicação desta Lei, nomeadamente o estatuto do trabalhador-estudante previsto no Código do Trabalho é inconstitucional, por violação dos artigos 13°, n°.s 1 e 2, 58°, n° 2, alíneas c) e f) e 74°, n° 2, alínea d);

M) Nenhum dos direitos previstos no Estatuto dos Militares da GNR, para garantir a valorização profissional, nomeadamente, dispensa de trabalho, previsto no artigo 155° e licença para estudos, prevista no artigo 182°, são capazes de garantir o direito ao ensino que o requerente pretende, pois um curso superior, nomeadamente, o curso de Direito, implica frequência das aulas, diariamente, exames em vários dias diferentes e deslocações;

N) Ao contrário do decidido pelo tribunal, com uma licença sem vencimento, o recorrente não consegue sustentar-se e pagar os seus estudos, não estando protegido, assim, o direito constitucionalmente garantido de igualdade de oportunidades, pois só quem tivesse uma boa condição económica é que poderia estudar;

O) As normas estatutárias criam situações de discriminação perante a situação económica do miltar da GNR, pois só aqueles que são economicamente abastados poderão socorrer-se da licença para estudos, com perda de vencimento para poder frequentar um curso superior;

P) Não se deve seguir a orientação do Acordão do STA, datado de 16/11/2004, no âmbito do proc. n° 777/04, onde se considerou não ser aplicável o estatuto do trabalhador-estudante aos militares da GNR, devido ao dever de disponibilidade que sobre eles impende, pelos motivos supra expostos.

Q) Após a referida decisão, já decorreram quase vinte anos, o Estado e a sociedade evoluiram e os estatutos foram sendo alterados, no sentido de aplicar o estatuto de trabalhador estudante aos agentes da PSP e inclusive, aos militares das Forças Armadas;

R) Em sentido contrário ao Acordão, salienta-se o estudo de Isabel Celeste Monteiro da Fonseca e Cláudia Sofia Melo Figueiras, da Universidade do Minho, em “Restrição aos direitos fundamentais do Militares da Guarda Nacional Republicana: Em Especial, o direito de acesso ao Ensino e Direitos Conexos”, que concluem “Sendo o dever de disponibilidade um dever fundamental, pois protege valores fundamentais, e tendo os direitos do trabalhador-estudante natureza jus-fundamental formal, é necessário procurar uma harmonização do dever fundamental com os direitos fundamentais, fazendo-se essa harmonização através de uma tarefa de concordância prática...”

S) Por uma questão do direito de Igualdade entre as várias forças militares e de segurança, deve o recorrente ter direito ao estatuto de trabalhador-estudante, para poder terminar o curso de Direito, sem prejuízo do seu trabalho de militar da GNR e do dever de disponibilidade.

Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a sentença recorrida, deferindo-se o pedido de concessão do estatuto de trabalhador estudante ao recorrente, fazendo, como sempre, a costumada

JUSTIÇA.
O Réu juntou contra-alegações, concluindo:
A. Com a presente ação veio o Recorrente impugnar o despacho de indeferimento que lhe recusou a atribuição do estatuto de trabalhador-estudante, pedindo que seja concedido o estatuto de trabalhador-estudante de modo que possa trabalhar e frequentar as aulas do curso de Direito, devendo o R. ser obrigado a conciliar o horário de trabalho do Recorrente com o seu horário de curso e exames, sem perda de quaisquer direitos.
B. Entende assim o Recorrente que a sentença é nula, uma vez que não especificou convenientemente os fundamentos de direito que justificam a sua decisão e que também padece do vício de erro de julgamento, havendo erro na determinação da norma jurídica aplicável, uma vez que, o tribunal não aplicou devidamente a lei ao caso concreto e não apreciou devidamente a inconstitucionalidade de vários preceitos legais;
C. Ora, por Douta Sentença proferida nos autos em 31.12.2024, foi a ação considerada totalmente improcedente, sendo aí expressamente analisado e decidido o seguinte:
“Do Estatuto dos Militares da GNR não decorre qualquer remissão generalizada para
o regime da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (e, muito menos, para o Código do Trabalho).
Assim, a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas não é aplicável aos militares da GNR.
Isto, sem prejuízo daquilo que o artigo 8.° da LGTFP determina quando ao vínculo de nomeação e sem prejuízo da aplicação de alguns dos princípios aplicáveis ao vínculo de emprego público, concretamente, dos que se encontram elencados nas várias alíneas do n.° 2 do artigo 2.° da LGTFP, sem que aí se encontre referido o estatuto de trabalhador-estudante.
Por outro lado, importa atender ao conteúdo do próprio Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana.
Este Estatuto contempla duas normas que abordam a frequência de cursos pelos militares (artigos 155.° e 182.°), mas não contém qualquer norma remissiva para a LGTFP ou para o Código de Trabalho quanto ao específico regime do estatuto do trabalhador-estudante.
Há matérias em que isso sucede, como, por exemplo, com a licença para acompanhamento de cônjuge, que o artigo 185.° do Estatuto dos Militares da GNR determina que se rege pelo regime previsto na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas.
Mas tal não acontece com o regime do estatuto do trabalhador-estudante.
Dito isto, contrariamente ao que o Autor propugna, o regime do estatuto do trabalhador-estudante previsto no Código do Trabalho - e que é subsidiariamente aplicável aos trabalhadores que têm vínculo de emprego público, aos quais se aplica a LGTFP (artigo 4.° da LGTFP) - não é subsidiariamente aplicável aos militares da GNR.
(...)
Será que pode ser analogicamente aplicado aos militares da Guarda Nacional Republicana o regime resultante do artigo 106.° do Estatuto dos Militares das Forças Armadas?
A resposta é negativa.
Não deve ser convocado o regime resultante do Estatuto dos Militares das Forças Armadas com vista à sua aplicação analógica porque não estamos perante um caso omisso ou uma lacuna. (...)
Ora, o Estatuto dos Militares da GNR contém um regime específico para a frequência de cursos exteriores à instituição e para a valorização do militar, não havendo, assim, que apelar a qualquer integração analógica.
Só se podia recorrer à analogia, neste caso, se a situação não se encontrasse regulada. Mas a situação encontra-se regulada.
Além disso, o Estatuto dos Militares das Forças Armadas assume-se como um regime especial, aplicável unicamente aos militares das Forças Armadas e não a qualquer outra força militar.
Assim, não se confundindo uma com a outra e havendo um regime jurídico especial legalmente consagrado para cada uma delas, não se avistam motivos que nos permitam encetar uma aplicação analógica do artigo 106.º do Estatuto dos Militares das Forças Armadas aos militares da Guarda Nacional Republicana.
- Do alegado tratamento desigual
O Autor alegou existir um tratamento desigual entre os militares da GNR e os militares das Forças Armadas e os agentes da PSP, uma vez que todos estão sujeitos ao dever de disponibilidade para o serviço e só os da GNR é que não têm possibilidade de acesso ao estatuto de trabalhador-estudante e referiu, a propósito do artigo 182.º do Estatuto, que “o direito constitucionalmente garantido de igualdade de oportunidades” não se encontra protegido, “pois só quem tivesse uma boa condição económica é que poderia estudar”.
O princípio constitucional da igualdade sai ofendido pela configuração do regime, tal como o mesmo consta do Estatuto dos Militares da GNR?
Entendemos que não.
A força de segurança militar que é a Guarda Nacional Republicana distingue-se das Forças Armadas. A Polícia de Segurança Pública não é sequer uma força militar, mas sim uma força policial.
A força de segurança militar que é a Guarda Nacional Republicana distingue-se das Forças Armadas. A Polícia de Segurança Pública não é sequer uma força militar, mas sim uma força policial.
(...)
É público e notório que a estrutura, as funções exercidas e as atribuições dos militares da GNR são de natureza e qualidade diferentes da estrutura, funções exercidas e atribuições dos militares das Forças Armadas e dos agentes policiais da PSP.
No caso das Forças Armadas, o legislador procedeu às necessárias adaptações decorrentes das especificidades próprias da situação de militares, não se tratando, pois, de uma aplicação em bloco do regime do trabalhador-estudante.
Simplesmente, idêntico caminho não foi seguido no caso dos Militares da GNR, não podendo o Tribunal sobrepor-se ao legislador e criar uma norma para o caso concreto (isto porque, como já se deixou explanado, não estamos diante qualquer lacuna). Para que o Tribunal pudesse concluir pela violação do princípio constitucional da igualdade, era necessário não só que as situações e os pressupostos de facto fossem exatamente iguais e ainda que existisse uma regulação concreta arbitrária, violadora do artigo 13.° da Constituição. Mas não é o caso, na medida em que se reconhece que o dever de disponibilidade faz com que os militares não tenham acesso ilimitado ao regime do trabalhador-estudante, tal como ele resulta do Código do Trabalho.
(...)
- Das inconstitucionalidades suscitadas pelo Autor
O Autor sustentou que a “interpretação no sentido de que a concessão do estatuto de trabalhador-estudante ao militar da GNR colide com o seu dever de disponibilidade é inconstitucional por violação dos artigos 59.°, n.°1 e n.°2, alínea f) e 74.°, n.°s 1 e 2, alíneas c) e d) da CRP”, assim como se mostra inconstitucional a interpretação do artigo 182.° do Estatuto dos Militares da GNR, “no sentido de que dá efectivo e integral cumprimento aos direitos fundamentais consagrados nos artigos 59.º/1 e 2/alínea f) e 74.º/1 e 2/alíneas c) e d) da CRP, na medida em que cria um poder discricionário e depende em exclusivo do interesse da instituição”, (artigos 58.° e 67.° da p.i.). (...)
Por outro lado, a desconformidade constitucional a ser invocada pelos interessados deve ser imputada a normas jurídicas ou a interpretações normativas, hipótese em que deve ser invocado, com clareza e precisão, qual o sentido da interpretação reputada inconstitucional (e não imputada a actos administrativos).
No caso concreto, o Autor diz ser inconstitucional a interpretação no sentido de que a concessão do estatuto de trabalhador-estudante ao militar da GNR colide com o seu dever de disponibilidade, por violação dos artigos 59.º, n.º1 e n.º2, alínea f) e 74.º, n.ºs 1 e 2, alíneas c) e d) da CRP, mas não indica qual o objecto normativo interpretado. Seja como for, o acto de indeferimento da pretensão do Autor - que sempre estaria fora da apreciação da inconstitucionalidade - não se alicerçou na colisão entre o estatuto de trabalhador-estudante e o dever de disponibilidade dos militares, mas sim na existência de norma especial aplicável aos militares da GNR. (...)
Estes direitos constitucionais económicos e culturais a que nos vimos referindo não são directamente aplicáveis, antes carecendo de operacionalidade que adquirem por leis de regulamentação. E a lei que, no caso dos militares da GNR, regulamenta o acesso à valorização profissional e ao ensino, é a que se encontra no Estatuto dos Militares da GNR o qual, de forma expressa, nos diz qual a configuração do direito de os militares prosseguirem os seus estudos.
Nestes termos, não procede a pretensão do Autor, concluindo-se que bem andou a Entidade Demandada ao indeferir o requerimento daquele de 10/10/2022.»
D. Resumindo, prevendo o legislador norma especial, no caso o EMGNR, para regular o acesso dos militares da Guarda à frequência de cursos, não é de se lhes aplicar o estatuto de trabalhador-estudante, previsto no Código do Trabalho;
E. Assim, o Tribunal a quo entende que o legislador ao contemplar duas normas que abordam a frequência de cursos pelos militares (artigos 155.º e 182.º do EMGNR), mas que não contêm qualquer norma remissiva para a LGTFP ou para o Código de Trabalho quanto ao específico regime do estatuto do trabalhador-estudante, pelo que estas normas não são subsidiariamente aplicáveis aos militares da GNR, nem violam qualquer norma constitucional.
F. Defende o ora Recorrente que a Douta Sentença é nula, uma vez que não especificou convenientemente os fundamentos de direito que justificam a sua decisão e que também padece do vício de erro de julgamento, havendo erro na determinação da norma jurídica aplicável, uma vez que, o tribunal não aplicou devidamente a lei ao caso concreto e não apreciou devidamente a inconstitucionalidade de vários preceitos legais;
G. Da matéria dada como provada e devidamente sustentada na documentação constante do Processo Administrativo, o ora Recorrente em 10.10.2022, requereu ao Exmo. Comandante do Comando Territorial de Braga a atribuição do estatuto de trabalhador-estudante, tendo sido notificado, em 20.12.2022 da decisão proferida pelo Exmo. Diretor do Departamento de Recurso Humanos que lhe indeferiu a pretensão formulada fundada na inaplicabilidade aos militares da GNR de tal estatuto;
H. Não se conformando, em 26.12.2022, apresentou recurso hierárquico dirigido ao Exmo. Tenente-general, Comandante-geral da GNR, o qual foi igualmente indeferido, por decisão notificada em 04.03.2023, com fundamento de que “existindo regulamentação no Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana sobre a matéria em apreço, não pode ser aplicado o disposto no Código do Trabalho, ao abrigo do princípio da especialidade, nos termos do n.° 3 do artigo 7.° do Código Civil, que atesta que a lei geral não revoga a lei especial, exceto se for outra a intenção inequívoca do legislador.”;
I. Alega o Recorrente que se o estatuto de trabalhador-estudante não lhe for concedido se verá impossibilitado de frequentar e obter aproveitamento na licenciatura em Direito, na qual está inscrito na Universidade Portucalense, o que contraria o seu direito constitucionalmente consagrado a obter formação;
J. Para sustentar esta impossibilidade de frequência de aulas (presenciais e obrigatórias, segundo alega), expressamente refere que tem um horário de trabalho das 09H00 às 17H30 e que o mesmo não lhe permite frequentar as aulas “apenas na segunda-feira de tarde, terça e quinta-feira o dia todo e quarta de manhã.”
K. Alega igualmente que a frequência das aulas é essencial para que possa completar com aproveitamento o curso, pese embora não esclareça se esta absoluta necessidade de comparência advém do facto de haver um número mínimo de aulas de presença obrigatória ou se advém do facto de entender que sem assistir às aulas não conseguirá apreender a matéria de forma a obter aproveitamento nos exames;
L. Efetivamente o Recorrente apresenta um horário diurno, sendo que, se pretendesse efetivamente frequentar as aulas, o poderia fazer, uma vez que, consultada a Universidade Portucalense foi prestada a informação de que a licenciatura em Direito dispõe de dois horários distintos: um diurno e um pós-laboral (negrito e sublinhado nossos);
M. O horário pós-laboral funciona das 18H00 às 22H00/23H00, em apenas alguns dias da semana;
N. Assim, ao Recorrente era perfeitamente possível, de acordo com a informação recolhida, requerer a transferência para o horário pós-laboral e assim obstar ao prejuízo que alega ir ter se não lhe for possível comparecer nas aulas, garantindo desta forma, que concomitantemente desempenharia o seu trabalho no horário comum aos militares em idênticas funções;
O. Aliás, a opção por regime pós-laboral é precisamente a opção seguida por todos os militares que têm obtido licenciaturas, pós-graduações e mestrados;
P. Antes de mais, e contrariamente ao alegado pelo Recorrente, é óbvio e evidente que o horário escolar que apresenta apenas lhe permite trabalhar na segunda de manhã, quarta de manhã e sexta todo o dia, ou seja, em 5 dias semanais apenas lhe permite trabalhar 2 dias!
Q. Ou seja, considerando o seu horário de trabalho, é evidente que não há possibilidade de fazer qualquer ajuste ao mesmo, de forma a garantir que consiga frequentar as aulas e trabalhar;
R. E esta impossibilidade é atestada, como já se referiu, pelo elevado número de militares que obtém licenciaturas frequentando o horário pós-laboral;
S. Ao invés, o Recorrente está inscrito em horário diurno e, embora tenha a possibilidade de garantir a frequência das aulas, bastando para tal que transferisse a sua inscrição para o horário pós-laboral, pretende que o ónus recaia sobre o R. no sentido de lhe ver reconhecido um estatuto que manifestamente não se lhe aplica, alegando que se tal não lhe for reconhecido então se verá de imediato impedido de terminar a sua licenciatura, o que irá igualmente levar a que a bolsa de estudos, que lhe foi concedida, seja cancelada (sendo que, relativamente às alegadas consequências do cancelamento desta bolsa, não demonstra o Recorrente que lhe seja impossível custear o curso sem o montante atribuído mensalmente), tanto mais que alterando para o horário pós-laboral não perderá quaisquer bebnefícios;
T. Assim, à semelhança do que sucede com os restantes militares, os direitos previstos estatutariamente garantem assim as dispensas necessárias para que possa realizar os exames, assim os cursos sejam frequentados em regime pós-laboral, faculdade que o Recorrente dispõe, mas que simplesmente não quererá seguir, sendo-lhe a ele e exclusivamente a ele imputados os prejuízos e consequências que daí podem avir;
U. Conforme refere a douta sentença, o aqui Recorrente quer que a Entidade Demandada seja obrigada a aplicar subsidiariamente o Código do Trabalho e que lhe seja concedido o estatuto de trabalhador-estudante, de modo que possa trabalhar e frequentar as aulas do curso de Direito, devendo aquela ser obrigada a conciliar o horário de trabalho deste com o horário do curso e exames, sem perda de quaisquer direitos. Na prática, o que o Recorrente quer é que se reconheça o direito a beneficiar do estatuto de trabalhador-estudante, tal como o mesmo se encontra consagrado no Código do Trabalho e que a Entidade Demandada seja condenada a deferir o pedido com este pressuposto.
V. Na perspetiva do Recorrente, uma vez que nada consta do EMGNR quanto ao estatuto de trabalhador-estudante, deve aplicar-se subsidiariamente o regime do Código do Trabalho e, ainda que assim não fosse, por analogia, sempre seria de aplicar o que o Estatuto dos Militares das Forças Armadas prevê quanto a esta matéria.
W. A LGTFP não é aplicável aos militares da Guarda, conforme resulta do n.º 2 do artigo 2.º;
X. O EMGNR contempla duas normas que abordam a frequência de cursos pelos militares (artigos 155.º e 182.º), mas não contém qualquer norma remissiva para a LGTFP ou para o Código de Trabalho quanto ao específico regime do estatuto do trabalhador-estudante, ao contrário de outras matérias.
Y. Para além dos regimes jurídicos especificamente aplicáveis aos militares da GNR por força do artigo 10.º do EMGNR, em todas as situações que o legislador entendeu ser de aplicar aos militares da GNR a lei geral ou outra lei especial, tal ficou taxativamente expresso no EMGNR, citando-se os seguintes exemplos:
c. Proteção na parentalidade, relativamente à qual é expressamente referido no artigo 183.º que “Em matéria de parentalidade, o militar da Guarda goza dos direitos previstos na lei geral, sem prejuízo do disposto no presente Estatuto.” (negrito nosso);
d. Licença para acompanhamento de cônjuge, relativamente à qual é expressamente referido no artigo 185.º que “As licenças sem remuneração para acompanhamento do cônjuge colocado no estrangeiro regem-se pelo previsto na Lei Geral de Trabalho em Funções Públicas.” (negrito nosso);
Z. Nos casos em que tal remissão, para a lei geral (ou para outra lei especial), não seja feita, entendeu o legislador que, considerando a especialidade resultante do facto da GNR se constituir como uma força militar, constituída por militares, aliada ao facto de ser igualmente uma Força de Segurança, tais características impunham uma regulamentação distinta e especial que se consubstancia, no que à matéria dos autos importa, no disposto no EMGNR;
AA. Pelo que, conforme refere a sentença recorrida, e contrariamente ao que o Recorrente propugna, “o regime do estatuto do trabalhador-estudante previsto no Código do Trabalho - e que é subsidiariamente aplicável aos trabalhadores que têm vínculo de emprego público, aos quais se aplica a LGTFP (artigo 4.º da LGTFP) - não é subsidiariamente aplicável aos militares da GNR.”
BB. Também a analogia ao regime previstos para as Forças Armadas, decidiu bem a douta sentença ao referir que tal não se pode aplicar, pois o EMGNR assume-se como lei especial ou direito especial que consagra uma disciplina diferente para um círculo mais restrito de pessoas, neste caso, para os militares da GNR e que o legislador entendeu manter quando, no ano de 2017, procedeu à sua reforma.
CC. O artigo 10.º do EMGNR estabelece, no que concerne à matéria de direitos e deveres dos militares, os regimes jurídicos que lhes são aplicáveis, excluindo o Estatuto dos Militares das Forças Armadas.
DD. O EMGNR continua a prever a possibilidade de o militar da Guarda frequentar qualquer curso complementar para a sua cultura geral ou especialização técnica, com vista à sua valorização profissional (cf. artigo 155.º) e a possibilidade de ser requerida e concedida uma licença para estudos (cf. artigo 182.º) e estas são as situações que se encontram especialmente previstas para os militares da GNR.
EE. Assim, conforme refere a douta sentença, “Não deve ser convocado o regime resultante do Estatuto dos Militares das Forças Armadas com vista à sua aplicação analógica porque não estamos perante um caso omisso ou uma lacuna.”, requisitos essenciais para aplicar este regime. O EMGNR contém um regime específico para a frequência de cursos exteriores à instituição e para a valorização do militar, não havendo, assim, que apelar a qualquer integração analógica. “Só se podia recorrer à analogia, neste caso, se a situação não se encontrasse regulada. Mas a situação encontra-se regulada.”
FF. Sobre o direito à formação, o legislador estatutário, decidiu, de forma a conciliar os direitos à formação constitucionalmente consagrados e garantidos a todos os cidadãos, com a especificidade das funções de militar da GNR, consagrar no EMGNR duas formas que garantem aos militares a obtenção dessa mesma formação;
GG. Desde logo no artigo 155.º, sob a epígrafe de “Valorização Profissional”, pelo que não se alcança em que medida é que o disposto no referido artigo pode não garantir a todos os militares a obtenção de licenciaturas, pós-graduações, mestrados ou qualquer formação;
HH. E tanto não se alcança como há que referir que as centenas de militares da GNR, que frequentaram e frequentam licenciaturas, muitas delas precisamente em Direito, o fazem ao abrigo dos direitos concedidos por força do referido artigo, sem qualquer problema e dentro do período temporal previsto;
II. Além da possibilidade prevista e consagrada no artigo supratranscrito, ainda previu o legislador estatutário a possibilidade de concessão de Licença para Estudos, nos termos do artigo 182.º.
JJ. Com estes normativos insertos em legislação especial, pretendeu o legislador assegurar o direito dos militares a obter formação complementar; (Negrito e sublinhado nosso);
KK. Quanto ao princípio da igualdade, também nesta matéria se concorda com a sentença proferida ao referir que “Para que o Tribunal pudesse concluir pela violação do princípio constitucional da igualdade, era necessário não só que as situações e os pressupostos de facto fossem exatamente iguais e ainda que existisse uma regulação concreta arbitrária, violadora do artigo 13.º da Constituição. Mas não é o caso, na medida em que se reconhece que o dever de disponibilidade faz com que os militares não tenham acesso ilimitado ao regime do trabalhador-estudante, tal como ele resulta do Código do Trabalho.
Além disso, no caso dos militares da GNR, mesmo que se entendesse ser de desaplicar os artigos 155.º e 182.º por alegada violação do princípio constitucional da igualdade (artigo 13.º da Constituição), manter-se-ia a norma ínsita no artigo 2.º/2 da LGTFP que determina não ser aplicável aos militares da Guarda Nacional Republicana aquela lei, não podendo o Tribunal decidir pela aplicação de um regime jurídico que se mostra excluído por norma vigente.
Esta inaplicabilidade não configura uma violação do princípio da igualdade, constitucionalmente consagrado, já que a específica condição do militar da GNR justifica, segundo critérios de razoabilidade, um tratamento diferenciado.”
LL. Quanto a uma suposta violação dos direitos constitucionalmente consagrados, positivado no artigo 74.º da Constituição da República Portuguesa importa reter que «A restrição de direitos, liberdades e garantias consiste na afetação desfavorável operada por ato legislativo ao exercício dessa categoria de direitos fundamentais, titulada por pessoas individuais e coletivas.»;
MM. O regime compressor de tais direitos encontra-se previsto no artigo 18.º da CRP;
NN. Tal regime «Decorre do disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 18.º, conjugado com o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP, que restrições inovadoras a direitos, liberdades e garantias só podem ser efetuadas mediante lei da Assembleia da República ou decreto-lei do Governo autorizado pela mesma Assembleia.»;
OO. Aqui chegados importa reter que de acordo com o preambulo do EMGNR, foi cumprida a alínea a) do artigo 198.º da CRP no que tange ao EMGNR;
PP. A matéria em apreço encontra-se regulada no EMGNR, mais concretamente no artigo 155.º - “Valorização profissional”;
QQ. Concomitantemente, deverá ter-se em consideração que, existindo regulamentação no EMGNR sobre a matéria em apreço, não pode ser aplicado o disposto no Código do Trabalho, ao abrigo do princípio da especialidade (lex specialis derogat legi generali), nos termos do n.º 3 do artigo 7.º do Código Civil, que atesta que “A lei geral não revoga a lei especial, exceto se outra for a intenção inequívoca do legislador”.
RR. Por fim, sobre inconstitucionalidades suscitadas pelo Recorrente, conforme refere a douta sentença “a ser invocada pelos interessados deve ser imputada a normas jurídicas ou a interpretações normativas, hipótese em que deve ser invocado, com clareza e precisão, qual o sentido da interpretação reputada inconstitucional (e não imputada a atos administrativos).
No caso concreto, o Autor diz ser inconstitucional a interpretação no sentido de que a concessão do estatuto de trabalhador-estudante ao militar da GNR colide com o seu dever de disponibilidade, por violação dos artigos 59.º, n.º 1 e n.º 2, alínea f) e 74.º, n.ºs 1 e 2, alíneas c) e d) da CRP, mas não indica qual o objecto normativo interpretado.
Seja como for, o ato de indeferimento da pretensão do Autor - que sempre estaria fora da apreciação da inconstitucionalidade - não se alicerçou na colisão entre o estatuto de trabalhador-estudante e o dever de disponibilidade dos militares, mas sim na existência de norma especial aplicável aos militares da GNR.”
SS. Em conclusão, e face ao exposto, entende-se e defende-se, que a Douta Sentença recorrida não padece de quaisquer dos vícios ou erros de julgamento que lhe são imputados pelo Recorrente, inexistindo assim motivos que pudessem levar à sua revogação.

NESTES TERMOS, e nos demais de Direito aplicáveis e com o suprimento, deverá o presente recurso ser considerado totalmente improcedente, mantendo-se a Douta Sentença proferida.

A Senhora Procuradora Geral Adjunta notificada, nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO
Na decisão ficou assente a seguinte factualidade:
1) O Autor é guarda de infantaria n.º 2090176 da Guarda Nacional Republicana (por acordo);
2) No ano lectivo 2022/2023, o Autor encontrava-se inscrito no 3.º ano da Licenciatura em Direito da Universidade Portucalense (cfr. declaração de inscrição emitida pela Secretaria da Universidade Portucalense, em 03/10/2022, inserta a fls. 3 do P.A., inserto a fls. 57 a 80 Sitaf);
3) O Autor encontrava-se inscrito no curso referido em 2) no regime diurno (por acordo);
4) A Universidade Portucalense disponibilizava, pelo menos, no ano lectivo 2022/2023, a frequência da Licenciatura em Direito em regime pós laboral (por acordo e documento inserto a fls. 219 Sitaf do Processo Cautelar apenso com o n.º 811/23.9BEBRG);
5) No ano lectivo 2022/2023, ao abrigo do Regulamento de Atribuição de Bolsas de Estudo a Estudantes do Ensino Superior, aprovado pelo Despacho 8442­A/2012, II.ª Série, de 22/06, ao Autor foi atribuída uma bolsa de estudo, no valor anual de €872,00 (fls. 30 Sitaf do Processo Cautelar apenso com o n.º 811/23.9BEBRG);
6) No ano lectivo de 2022/2023, o mapa de avaliação da Universidade Portucalense, para o 1.º semestre, previa, para o 3.º ano uma avaliação de tipo “mista” com testes e mini-testes (fls. 19 e 20 Sitaf do Processo Cautelar apenso com o n.º 811/23.9BEBRG);
7) No ano lectivo de 2022/2023, o mapa de avaliação da Universidade Portucalense, para o 2.º semestre, previa, para o 3.º ano uma avaliação de tipo “mista” com testes e mini-teste (fls. 18 Sitaf do Processo Cautelar apenso com o n.º 811/23.9BEBRG);
8) Em 10/10/2022, o Autor solicitou ao Comandante «BB» da GNR a atribuição do estatuto de trabalhador-estudante (cfr. fls. 1 do P.A., inserto a fls. 57 a 80 Sitaf);
9) Sobre o pedido antecedente, foi elaborada, em 19/10/2022, pelos Serviços da Secção de Recursos Humanos do Comando Territorial de Braga da GNR a INFORMAÇÃO n.º „...10... Ter «BB»‟, com o assunto “Requerimento Guarda (2090176) «AA» para a concessão do estatuto Trabalhador-estudante” com o seguinte teor, a qual se dá por integralmente reproduzida e da qual se extracta o seguinte (cfr. fls. 4 a 6 do P.A., inserto a fls. 57 a 80 Sitaf):
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
10) A informação antecedente foi sancionada por despacho do Comandante Tenente-Coronel de Infantaria «CC», de 21/10/2022, que remeteu o pedido ao “.../CARI” para superior consideração, disso tendo sido dado conhecimento ao Autor (cfr. fls. 4 e 8 do P.A., inserto a fls. 57 a 80 Sitaf):
11) Em 20/12/2022, o Autor assinou a “certidão de notificação” de fls. 10 do PA, com a referência “e)” do P.A., inserto a fls. 57 a 80 Sitaf, daquela constando, além do mais, o seguinte:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
12) Em 26/12/2022, da decisão de indeferimento a que se alude em 11), o Autor apresentou recurso hierárquico dirigido ao Comandante-Geral da GNR e terminou com o seguinte pedido “[p]elos fundamentos supra expostos requer-se a V. Exa. que revogue a decisão recorrida e determina a substituição por outra que atribuía ao signatário o Regime do Estatuto do trabalhador-estudante (...)”, (cfr. fls. com a referência "f)', fls. 11 a 16 do P.A., inserto a fls. 57 a 80 Sitaf);
13) Foi elaborada, em 20/02/2023, pelos Serviços do Departamento de Recursos Humanos do Comando da Administração dos Recursos Internos da GNR, a INFORMAÇÃO n.º ...01..., com o assunto “Recurso hierárquico relativo ao requerimento para atribuição do estatuto de trabalhador estudante apresentado pelo Guarda de Infantaria NM 2090176 «AA», do CT...” e que, em 25/02/2023, mereceu parecer de concordância do Comandante do CARI, com o seguinte teor, a qual se dá por integralmente reproduzida e da qual se extracta o seguinte (cfr. fls. com a referência "g)', fls. 17 a 22 do P.A., inserto a fls. 57 a 80 Sitaf):
“(...)
c. O Cmdt do CTBraga, na informação n.º ...10-CT..., proferiu Despacho, no qual se retira em síntese:
(1) Que "O estatuto trabalhador-estudante vem previsto na Subsecção VIII, da Secção II, do Capítulo I, do Titulo II e do Livro I do Código do Trabalho (CT). mais concretamente nos artigos 89. a 96°-A";
(2) Que "No art. 4.º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (LGTFP), cuja epígrafe é "Remissão para o código do Trabalho", refere no seu n.º 1: "É aplicável ao vínculo de emprego público, sem prejuízo do disposto na presente lei e com as necessárias adaptações, o disposto no Código do Trabalho e respetiva legislação complementar com as exceções legalmente previstas, nomeadamente em matéria de: (...)", prevendo na sua alínea g) o trabalhador-estudante";
(3) Que "No n.º 2 do art.º 2.º da LGTFP, refere: "A presente lei não é aplicável aos militares (...) da Guarda Nacional Republicana (...), cujos regimes constam em lei especial (...)";
(4) Que "No art.º 155. do Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana (EMGNR), cuja epigrafe é [Valorização profissional], refere no seu n.º 1 [Com vista à valorização profissional e prestígio da instituição, o militar da Guarda pode frequentar qualquer curso complementar para a sua cultura geral ou especialização técnica, sem prejuízo do serviço (...)].
d. Quanto a uma hipotética violação do direito de igualdade referido pelo militar, não existem registos de deferimentos de pedidos semelhantes, quer no CT..., quer em quaisquer outras U/S/O, pelo que tal violação não se verifica.
e. A centralização das decisões de certas matérias, como a matéria em causa, tem como elemento finalístico evitar disparidades.
f. Quanto a uma suposta violação dos direitos constitucionalmente consagrados, positivado no artigo 74.º da Constituição da República Portuguesa importa reter que "A restrição de direitos, liberdades e garantias consiste na afetação desfavorável operada por ato legislativo ao exercício dessa categoria de direitos fundamentais, titulada por pessoas individuais e coletivas".
g. O regime compressor de tais direitos encontra-se previsto no artigo 18.º da CRP.
h. Tal regime "Decorre do disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 18.", conjugado com o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP, que restrições inovadoras a direitos, liberdades e garantias só podem ser efetuadas mediante lei da Assembleia da República ou decreto-lei do Governo autorizado pela mesma Assembleia.".
i. Aqui chegados importa reter que de acordo com o preambulo do EMGNR, foi cumprida a alínea a) do art.º 198." da CRP no que tange ao EMGNR.
j. A matéria em apreço encontra-se regulada no EMGNR, mais concretamente no artigo 155.° - "Valorização profissional".
k. O artigo 155. do EMGNR prevê no seu n.º 1 que: "com vista à sua valorização profissional e prestígio da instituição, o militar da Guarda pode frequentar qualquer curso complementar para a sua cultura geral ou especialização técnica, sem prejuízo do serviço.". (1) Para esse fim, o militar da Guarda pode ser dispensado do serviço, sem perda de remuneração ou de quaisquer outros direitos, para prestação de provas de avaliação,
(2) Contudo, o EMGNR regula as condições e os termos em que essa dispensa de serviço pode acontecer para efeitos de prestação de provas de avaliação, daí que, importa esclarecer essas condições, e que são as seguintes:
(a) Até dois dias por cada prova de avaliação, sendo um o da realização da prova e o outro o imediatamente anterior, incluindo sábados, domingos e feriados";
(b) No caso de provas de avaliação em dias consecutivos ou de mais de uma prova no mesmo dia, os dias anteriores serão tantos quantas as provas de avaliação a efetuar, incluindo sábados, domingos e feriados;
(c) Os dias de ausência referidos nas alíneas anteriores não poderão exceder um máximo de quatro por disciplina em cada ano letivo;
(d) Por outro lado, o legislador veio considerar como provas de avaliação todas as provas escritas e orais, incluindo exames, bem como a apresentação de trabalhos, quando estes as substituam.
l. Concomitantemente, deverá ter-se em consideração que, existindo regulamentação no EMGNR sobre a matéria em apreço, não pode ser aplicado o disposto no Código do Trabalho, ao abrigo do princípio da especialidade (lex specialis derogat legi generali), nos termos do n.º 3 do artigo 7.º do Código Civil, que atesta que "A lei geral não revoga a lei especial, exceto se outra for a intenção inequívoca do legislador".
4. CONCLUSÕES
a. O Grd «AA» requereu a atribuição do estatuto de trabalhador-estudante previsto no Código do Trabalho.
b. Relativamente à valorização profissional, o legislador estatutário, positivou no artigo 155.º do EMGNR, os direitos dos militares da Guarda.
c. De acordo com o princípio da especialidade, o estatuto de trabalhador-estudante vertido no código do trabalho é inaplicável aos militares da Guarda.
d. Desta forma o requerimento do militar não pode ser deferido por impossibilidade legal.
5. PROPOSTA
Face ao exposto, este Departamento propõe:
a. Que seja considerado improcedente o Recurso Hierárquico apresentado pelo Guarda de Infantaria NM 2090176 «AA», para que lhe seja concedido o estatuto de trabalhador-estudante previsto no Código do Trabalho;
b. Determinar a notificação do militar do despacho que recair sobre o conteúdo da presente informação, sendo o original remetido a esta Divisão, via .... (...)”
14) Sobre a informação e parecer referidos no ponto 13) antecedente, recaiu despacho de concordância do Comandante-Geral da GNR que indeferiu o recurso hierárquico apresentado pelo Autor (cfr. fls. com a referência “g)”, fls. 17 do P.A., inserto a fls. 57 a 80 Sitaf);
15) Em 04/03/2023, o Autor assinou a “certidão de notificação” de fls. com a referência “h)', fls. 23 do P.A., inserto a fls. 57 a 80 Sitaf, dela constando, além do mais, o seguinte:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
16) O Autor esteve preso preventivamente e foi libertado em 29/05/2020 ( por acordo e fls. 217/218 Sitaf do Processo Cautelar apenso com o n.º 811/23.9BEBRG).
17) O Autor esteve suspenso preventivamente das funções de GNR por 90 dias, prorrogados por mais 90 dias, suspensão que findou no dia 15/04/2023, tendo reiniciado as suas funções no dia 16/04/2023 (por acordo e fls. 224 do Processo Cautelar apenso com o n.º 811/23.9BEBRG).
18) Entre 16/04/2023 e 12/05/2023, o Autor não frequentou as aulas do curso de Direito (por acordo).
19) Em 12/05/2023, o Director do Departamento de Recursos Humanos proferiu o seguinte despacho: "Sobre o assunto em apreço, encarrega-me o Exmo. Diretor do Departamento de Recursos Humanos, de em cumprimento do disposto no n. º 1 do artigo 128.º do CPTA, como mero efeito da citação, informa-se que até decisão da referida providência, o militar está autorizado a frequentar o curso de direito de acordo com o horário apresentado no RI." (fls. 206 Sitaf do Processo Cautelar apenso com o n.º 811/23.9BEBRG).
20) Desde 22/05/2023, o Autor vem exercendo as suas funções no Posto Territorial da GNR de Santo Tirso no serviço operacional, que dispõe dos horários 07h00-15h00, 15h00-23h00 e 23h00-07h00 (por acordo).
DE DIREITO
Conforme jurisprudência firmada, o objeto de recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo o tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º 4 do CPTA, 608.º, n.º 2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º do CPC e 140.º do CPTA.
Sem embargo, por força do artigo 149.º do CPTA, o tribunal, no âmbito do recurso de apelação, não se quedará por conhecer a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decidirá “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
Assim,
O Autor, nos presentes autos, formulou os seguintes pedidos:
seja concedido o estatuto de trabalhador-estudante de modo que possa trabalhar e frequentar as aulas do curso de Direito, devendo o R. ser obrigado a conciliar o horário de trabalho do A. com o seu horário de curso e exames, sem perda de quaisquer direitos, requerendo cumulativamente que seja anulado e consequentemente revogado o despacho de indeferimento, obrigando o R. a aplicar subsidiariamente o Código do Trabalho.
Por sentença proferida pelo TAF de Braga foi considerada improcedente a ação, e em consequência, o Réu absolvido dos pedidos.
Para o efeito analisou e decidiu a referida sentença da seguinte forma:
«Do Estatuto dos Militares da GNR não decorre qualquer remissão generalizada para o regime da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (e, muito menos, para o Código do Trabalho).
Assim, a Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas não é aplicável aos militares da GNR.
Isto, sem prejuízo daquilo que o artigo 8.º da LGTFP determina quando ao vínculo de nomeação e sem prejuízo da aplicação de alguns dos princípios aplicáveis ao vínculo de emprego público, concretamente, dos que se encontram elencados nas várias alíneas do n.º 2 do artigo 2.º da LGTFP, sem que aí se encontre referido o estatuto de trabalhador-estudante.
Por outro lado, importa atender ao conteúdo do próprio Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana.
Este Estatuto contempla duas normas que abordam a frequência de cursos pelos militares (artigos 155.º e 182.º), mas não contém qualquer norma remissiva para a LGTFP ou para o Código de Trabalho quanto ao específico regime do estatuto do trabalhador-estudante.
Há matérias em que isso sucede, como, por exemplo, com a licença para acompanhamento de cônjuge, que o artigo 185.º do Estatuto dos Militares da GNR determina que se rege pelo regime previsto na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas.
Mas tal não acontece com o regime do estatuto do trabalhador-estudante.
Dito isto, contrariamente ao que o Autor propugna, o regime do estatuto do trabalhador-estudante previsto no Código do Trabalho - e que é subsidiariamente aplicável aos trabalhadores que têm vínculo de emprego público, aos quais se aplica a LGTFP (artigo 4.º da LGTFP) - não é subsidiariamente aplicável aos militares da GNR.
Da aplicação analógica
Atentemos agora na possibilidade de o regime resultante do Estatuto dos Militares das Forças Armadas ser analogicamente aplicado aos militares da Guarda Nacional Republicana.
Quando é que se pode recorrer à analogia?
O artigo 10.° do Código Civil estabelece as diretrizes que devem ser seguidas para o preenchimento das lacunas da lei. Sob a epígrafe “[i]ntegração das lacunas da lei”, esta norma estabelece:
“1. Os casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos análogos.
2. Há analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei.
3. Na falta de caso análogo, a situação é resolvida segundo a norma que o próprio intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema.”.
“A lacuna verifica-se quando o julgador, perante o conflito concreto, constate a impossibilidade de o enquadrar na hipótese de uma norma de direito positivo ou de direito consuetudinário - em face de um conflito de interesses o sistema não fornece ao julgador as “instruções” sobre como deve o mesmo ser solucionado, ou, por outras palavras, temos a ausência de resposta do sistema normativo a uma questão juridicamente relevante. Justamente, esta noção pressupõe que o caso que levou à deteção da lacuna é um caso que merece ou postula uma resposta do ordenamento, de acordo com a lógica intrínseca do mesmo; caso contrário, tratar-se-á de matéria que não é relevante para o Direito e, por isso, não poderá falar-se em lacuna verdadeira e própria.”, nas palavras do Professor Agostinho Cardoso Guedes, in Revista RIDB, Ano 2 (2013), n.° 11, pág. 12556, publicada pelo Centro de Investigação de Direito Privado.
Podemos, assim, recorrer à analogia quando se mostra necessário aplicar um preceito jurídico estabelecido para certo facto a outro facto juridicamente relevante, mas sem direta ou implícita regulação (caso omisso) e semelhante ao primeiro.
Portanto, só deverá/poderá haver integração analógica se o ordenamento jurídico não contemplar determinada hipótese.
Em síntese,
A interpretação analógica é um método de interpretação jurídica. Ela é utilizada quando existe uma lei para um determinado caso, e não há lacunas ou omissão legislativa. A interpretação analógica é um processo de descoberta do conteúdo da lei, não de criação da norma. Ela é necessária quando a norma contém “uma fórmula casuística seguida de uma fórmula genérica. A interpretação analógica tem como principal característica a aplicação de uma norma a uma situação que não foi prevista expressamente na lei, mas que se assemelha a outra situação já contemplada pela norma.
Posto isto, vejamos se existe lacuna.
A Guarda Nacional Republicana é uma força de segurança de natureza militar, constituída por militares organizados num corpo especial de tropas e dotada de autonomia administrativa (artigo 1.°/1 da Lei n.° 63/2007, de 06/11, que aprovou a orgânica da GNR).
Aos militares da Guarda Nacional Republicana aplica-se o Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 30/2017, de 22/03.
Este Estatuto não contém qualquer remissão genérica para a LGTFP, nem para o Código do Trabalho; contém, no entanto, as seguintes normas que importa ter presente: o artigo 155.° relativo à valorização profissional do militar da Guarda e o artigo 182.° referente à licença para estudos.
O artigo 155.º (“valorização profissional”) tem a seguinte redação: “ 1 - Com vista à sua valorização profissional e prestígio da instituição, o militar da Guarda pode frequentar qualquer curso complementar para a sua cultura geral ou especialização técnica, sem prejuízo do serviço, devendo a frequência e eventual conclusão do mesmo ser averbada no seu processo individual. 2 - Para os fins previstos no número anterior, o militar da Guarda pode ser dispensado do serviço, sem perda de remuneração ou de quaisquer outros direitos, para prestação de provas de avaliação, nos termos seguintes: a) Até dois dias por cada prova de avaliação, sendo um o da realização da prova e o outro o imediatamente anterior, incluindo sábados, domingos e feriados; b) No caso de provas de avaliação em dias consecutivos ou de mais de uma prova no mesmo dia, os dias anteriores serão tantos quantas as provas de avaliação a efetuar, incluindo sábados, domingos e feriados; c) Os dias de ausência referidos nas alíneas anteriores não poderão exceder um máximo de quatro por disciplina em cada ano letivo. 3 - Nos casos previstos no número anterior, pode ser exigida comprovação da necessidade das referidas deslocações e do horário das provas de avaliação a realizar. 4 - As disposições constantes do n.º 2 não se aplicam aos militares que se encontrem a frequentar cursos de formação, promoção ou qualificação, ou em operações ou missões internacionais. 5 - Os direitos conferidos no presente artigo cessam quando o militar não conclua com aproveitamento o ano escolar ao abrigo de cuja frequência beneficiou dos mesmos. 6 - No ano letivo subsequente àquele em que cessaram os direitos, pode ser novamente concedido ao militar o exercício dos mesmos, não podendo esta situação ocorrer mais de duas vezes. 7 - Para efeitos de aplicação do presente artigo, consideram-se provas de avaliação todas as provas escritas e orais, incluindo exames, bem como a apresentação de trabalhos, quando estes as substituam.
No artigo 182.º (“licença para estudos”) pode ler-se: 1 - Por despacho do comandante-geral pode ser concedida a licença para estudos, para efeitos de frequência de cursos, disciplinas ou estágios, em estabelecimentos de ensino nacionais ou estrangeiros: a) Excecionalmente, mediante requerimento de militar; b) Em caso de conveniência e necessidade do serviço e manifestada a concordância do militar. 2 - O militar a quem tenha sido concedida licença para estudos deve apresentar, nas datas que lhe sejam determinadas, os documentos comprovativos do aproveitamento escolar.
3 - A licença para estudos pode ser cancelada, por despacho do comandante-geral, quando se considere insuficiente o aproveitamento escolar do militar a quem a mesma tenha sido concedida. 4 - Para os efeitos da alínea a) do n.º 1, considera-se que a licença para estudos é concedida sem direito a remuneração e suspende a contagem do tempo de serviço efetivo. 5 - Para os efeitos da alínea b) do n.º 1, considera-se que a licença para estudos é concedida com remuneração e não suspende a contagem do tempo de serviço efetivo. 6 - O despacho de concessão da licença para estudos, concedida nos termos da alínea b) do n.° 1, incluirá a nomeação do local e das funções do militar na Guarda, bem como o período de tempo em que o requerente tem de permanecer nessas funções após a conclusão da formação.
Por seu turno, as Forças Armadas Portuguesas são um pilar essencial da defesa nacional e constituem a estrutura do Estado que tem como missão fundamental garantir a defesa militar da República, como determina o artigo 1.° do Anexo à Lei Orgânica n.° 2/2021, de 09/08, que aprovou a Lei Orgânica de Bases da Organização das Forças Armadas. As Forças Armadas são constituídas pelo Estado-Maior-General das Forças Armadas pelos três ramos das Forças Armadas - Marinha, Exército e Força Aérea - e ainda pelos órgãos militares de comando das Forças Armadas, os quais são o Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas e os chefes do Estado-Maior dos três ramos.
O Estatuto dos Militares das Forças Armadas foi aprovado pelo Decreto-Lei n.° 90/2015, de 29/05 e é aplicável aos militares das Forças Armadas em qualquer situação e forma de prestação de serviço (artigo 2.°).
Este Estatuto - aprovado antes do Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana - prevê no artigo 106.° que:
Aos militares aplica-se o estatuto do trabalhador-estudante, salvaguardadas as especificidades decorrentes da condição militar, nomeadamente:
a) A frequência de ações de formação de natureza técnico-militar;
b) O cumprimento de missões em forças nacionais destacadas no estrangeiro;
c) O cumprimento de missões individuais no estrangeiro;
d) O cumprimento de missões que, por natureza ou modo de desenvolvimento, não permitam, em regra, um regime normal de frequência de aulas;
e) Participação em exercícios, manobras e missões de natureza operacional ou de apoio direto a operações em curso;
f) Serviços de escala.”
Apreciando,
O Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana assume-se como lei especial ou direito especial que consagra uma disciplina diferente para um círculo mais restrito de pessoas, neste caso, para os militares da GNR e que o legislador entendeu manter quando, no ano de 2017, procedeu à sua reforma.
Com efeito, quando o Estatuto dos Militares da GNR foi aprovado, em 2017, já o Estatuto dos Militares das Forças Armadas, aprovado anteriormente, em 2015, se encontrava em vigor, prevendo a aplicação do estatuto do trabalhador-estudante aos militares das Forças Armadas. Mas não foi essa a opção seguida pelo legislador para os Militares da Guarda Nacional Republicana.
Em todo o caso, o Estatuto dos Militares da GNR continua a prever a possibilidade de o militar da Guarda frequentar qualquer curso complementar para a sua cultura geral ou especialização técnica, com vista à sua valorização profissional (cfr. artigo 155.° e a possibilidade de ser requerida e concedida uma licença para estudos (cfr. artigo 182.°) e estas são as situações que se encontram especialmente previstas para os militares da GNR.
Será que pode ser analogicamente aplicado aos militares da Guarda Nacional Republicana o regime resultante do artigo 106.° do Estatuto dos Militares das Forças Armadas?
Cremos que a resposta é negativa.
Não deve ser convocado o regime resultante do Estatuto dos Militares das Forças Armadas com vista à sua aplicação analógica porque não estamos perante um caso omisso ou uma lacuna.
O Estatuto dos Militares da GNR contém um regime específico para a frequência de cursos exteriores à instituição e para a valorização do militar, não havendo, assim, que apelar a qualquer integração analógica.
Só se podia recorrer à analogia, neste caso, se a situação não se encontrasse regulada. Mas a situação encontra-se regulada.
Além disso, o Estatuto dos Militares das Forças Armadas assume-se como um regime especial, aplicável unicamente aos militares das Forças Armadas e não a qualquer outra força militar.
Assim, não se confundindo uma com a outra e havendo um regime jurídico especial legalmente consagrado para cada uma delas, não se descortinam motivos que nos permitam encetar uma aplicação analógica do artigo 106.º do Estatuto dos Militares das Forças Armadas aos militares da Guarda Nacional Republicana.
Do alegado tratamento desigual -
O Autor alegou existir um tratamento desigual entre os militares da GNR e os militares das Forças Armadas e os agentes da PSP, uma vez que todos estão sujeitos ao dever de disponibilidade para o serviço e só os da GNR é que não têm possibilidade de acesso ao estatuto de trabalhador-estudante e referiu, a propósito do artigo 182.º do Estatuto, que “o direito constitucionalmente garantido de igualdade de oportunidades” não se encontra protegido, “pois só quem tivesse uma boa condição económica é que poderia estudar”.
O princípio constitucional da igualdade sai ofendido pela configuração do regime, tal como o mesmo consta do Estatuto dos Militares da GNR?
Entendemos que não.
(Como é sabido, na definição aristotélica de igualdade, discernir casos similares e diferentes é crucial: só os casos iguais devem ser tratados de forma igual, devendo os casos diferentes ser tratados de forma desigual na proporção da sua diferença.
Como sublinham Gomes Canotilho e Vital Moreira, em Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., o princípio da igualdade "exige positivamente um tratamento igual de situações de facto iguais e um tratamento diverso de situações de facto diferentes", o que se traduz, afinal, numa proibição do arbítrio. No mesmo sentido se afirma no Acórdão do STA de 26/09/2007, rec. 1187/06, “o princípio da igualdade traduz-se numa proibição do arbítrio, impondo, na consideração das suas dimensões igualizante e diferenciante, um tratamento igual de situações de facto iguais e um tratamento diverso de situações de facto diferentes".
Este sentido vinculante do princípio da igualdade tem sido exaustivamente enunciado pelo Tribunal Constitucional, em inúmeros arestos, de que se destaca o Acórdão 186/90 - proc. n.°533/88, de 06/06/90, do qual se destaca o seguinte trecho:
"O princípio constitucional da igualdade do cidadão perante a lei é um princípio estruturante do Estado de direito democrático e do sistema constitucional global..., que vincula directamente os poderes públicos, tenham eles competência legislativa, administrativa ou jurisdicional (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição Anotada, 1.° vol., cit., p. 151, e Jorge Miranda, «Princípio da Igualdade»,
in Polis/Enciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado, vol. III, Lisboa, São Paulo, Verbo, 1985, págs. 404/405.
Este facto resulta da consagração pela nossa Constituição do princípio da igualdade perante a lei como um direito fundamental do cidadão e da atribuição aos preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias de uma força jurídica própria, traduzida na sua aplicabilidade directa, sem necessidade de qualquer lei regulamentadora, e da sua vinculatividade imediata para todas as entidades públicas, tenham elas competência legislativa, administrativa ou jurisdicional-artigo 18.°, n.°1, da Constituição.
Princípio de conteúdo pluridimensional, postula várias exigências, entre as quais a de obrigar a um tratamento igual das situações de facto iguais e a um tratamento desigual das situações de facto desiguais, proibindo, inversamente, o tratamento desigual das situações iguais e o tratamento igual das situações desiguais. Numa fórmula curta, a obrigação da igualdade de tratamento exige que «aquilo que é igual seja tratado igualmente, de acordo com o critério da sua igualdade, e aquilo que é desigual seja tratado desigualmente, segundo o critério da sua desigualdade».
(...)
O princípio da igualdade, entendido como limite objectivo da discricionariedade legislativa, não veda à lei a realização de distinções. Proíbe-lhe, antes, a adopção de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias, ou seja, desigualdades de tratamento materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável ou sem qualquer justificação objectiva e racional. Numa expressão sintética, o princípio da igualdade, enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se na ideia geral de proibição do arbítrio.
(...)
E, no mesmo sentido, cfr. o Acórdão nº 39/88 (Diário da República, l Série, de 3 de março de 1988): «O princípio da igualdade não proíbe, pois, que a lei estabeleça distinções. Proíbe, isso sim, o arbítrio, ou seja: proíbe as diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante, que o mesmo é dizer sem qualquer justificação razoável, segundo critérios de valor objectivo, constitucionalmente relevantes.
Proíbe também que se tratem por igual situações essencialmente desiguais. E proíbe ainda a discriminação; ou seja: as diferenciações de tratamento fundadas em categorias meramente subjectivas, como são as indicadas, exemplificativamente, no n° 2 do artigo 13°.
Esclareça-se que a «teoria da proibição do arbítrio» não é um critério definidor do conteúdo do princípio da igualdade, antes expressa e limita a competência de controlo judicial. Trata-se de um critério de controlabilidade judicial do princípio da igualdade que não põe em causa a liberdade de conformação do legislador ou da discricionariedade legislativa. A proibição do arbítrio constitui um critério essencialmente negativo, com base no qual são censurados apenas os casos de flagrante e intolerável desigualdade.”- na mesma linha, o Acórdão do STA nº 073/08 de 13/11/2008. Ou seja, este sentido vinculativo do princípio da igualdade, exaustivamente enunciado pelo Tribunal Constitucional, proíbe as diferenciações de tratamento sem fundamento material bastante).

Voltando ao caso posto temos que a força de segurança militar que é a Guarda Nacional Republicana distingue-se das Forças Armadas. A Polícia de Segurança Pública não é sequer uma força militar, mas sim uma força policial.
O artigo 106.º do Estatuto dos Militares das Forças Armadas prevê a aplicação do estatuto do trabalhador-estudante aos militares das Forças Armadas com adaptações, já o Estatuto Profissional do Pessoal com Funções Policiais da Polícia de Segurança Pública, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 243/2015, de 19/10, não contempla expressamente a aplicação do estatuto do trabalhador-estudante aos agentes de polícia, antes remete, no artigo 5.º/2, para o regime previsto para os demais trabalhadores em funções públicas com vínculo de nomeação.
Situação diversa é, como já se disse, a que resulta do Estatuto dos Militares da GNR, que prevê a possibilidade de o militar da Guarda frequentar qualquer curso complementar para a sua cultura geral ou especialização técnica, com vista à sua valorização profissional (cfr. artigo 155.º) e a possibilidade de ser requerida e concedida uma licença para estudos (cfr. artigo 182.º).
Não é pela razão de o actual Estatuto dos Militares das Forças Armadas, aprovado em 2015, prever que a esses militares se aplica o estatuto do trabalhador-estudante, salvaguardadas determinadas especificidades decorrentes da condição militar, tal como elencadas no artigo 106.º desse diploma e o Estatuto dos Militares da GNR apenas contemplar duas normas especiais sobre a matéria, sem recurso a uma aplicação em bloco do regime do trabalhador-estudante, que se pode concluir pela violação do princípio constitucional da igualdade.
É público e notório que a estrutura, as funções exercidas e as atribuições dos militares da GNR são de natureza e qualidade diferentes da estrutura, funções exercidas e atribuições dos militares das Forças Armadas e dos agentes policiais da PSP. Além do mais, o regime do trabalhador-estudante tal como resulta do Código do Trabalho mostra-se concebido e consagrado para ser aplicável ao trabalho subordinado no mundo empresarial e ainda que o mesmo seja hoje aplicável ao vínculo de emprego público, só o é pela existência de norma especial nesse sentido (artigo 4.º/1/b) da LGTFP).
No caso das Forças Armadas, o legislador procedeu às necessárias adaptações decorrentes das especificidades próprias da situação de militares, não se tratando, pois, de uma aplicação em bloco do regime do trabalhador-estudante.
Simplesmente, idêntico caminho não foi seguido no caso dos Militares da GNR, não podendo o Tribunal sobrepor-se ao legislador e criar uma norma para o caso concreto (isto porque, como já se deixou explanado, não estamos diante de qualquer lacuna).
Para que o Tribunal pudesse concluir pela violação do princípio constitucional da igualdade, era necessário não só que as situações e os pressupostos de facto fossem exatamente iguais e ainda que existisse uma regulação concreta arbitrária, violadora do artigo 13.° da Constituição. Mas não é o caso, na medida em que se reconhece que o dever de disponibilidade faz com que os militares não tenham acesso ilimitado ao regime do trabalhador-estudante, tal como ele resulta do Código do Trabalho.
Além disso, no caso dos militares da GNR, mesmo que se entendesse ser de desaplicar os artigos 155.° e 182.° por alegada violação do princípio constitucional da igualdade (artigo 13.° da Constituição), manter-se-ia a norma ínsita no artigo 2.°/2da LGTFP que determina não ser aplicável aos militares da Guarda Nacional Republicana aquela lei, não podendo o Tribunal decidir pela aplicação de um regime jurídico que se mostra excluído por norma vigente. (...)
Quanto ao artigo 182.° do Estatuto alegadamente não proteger o direito constitucionalmente garantido de igualdade de oportunidade “pois só quem tivesse uma boa condição económica é que poderia estudar”, não é com essa dimensão normativa que o artigo 74.° da Constituição pode ser interpretado.
O direito ao ensino a que se refere o artigo 74.° da CRP significa constitucionalmente, em primeiro lugar, um direito de acesso à escola que comporta i) a liberdade de entrar nas escolas, não podendo ser criadas restrições no acesso a escola pública e ii) um direito à criação de escolas públicas em numero suficiente para permitir o acesso de todos [1.ª parte do n.° 1 do artigo 74.° da CRP] e, em segundo lugar, significa um direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar (...). Trata-se de dar corpo ao princípio da democratização da educação. Neste sentido, vide anotação ao artigo 74.° de J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, artigos 1.° a 107.°, Volume I, Coimbra Editora, 2007, págs. 896/897.
Já quanto ao acesso ao ensino superior, uma concretização do direito ao ensino aplicado ao mais alto nível escolar, o que do artigo 76.º da Constituição decorre é que não pode ser precludido por falta de meios económicos e que o Estado está obrigado a estabelecer um sistema de isenção de propinas e/ou de apoios financeiros que assegurem a quem não tem meios o acesso e a frequência do ensino superior, a qual em princípio vale só para os estabelecimentos públicos (neste sentido, vide J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, op. cit., pág. 911 e 912).
Sem que daqui se possa extrair que qualquer cidadão poderá beneficiar do estatuto de trabalhador-estudante com vista a que o seu horário de trabalho seja adaptado e autorizado um determinado número de faltas, na eventualidade de uma licença para estudos poder implicar perda de remuneração.
Das inconstitucionalidades suscitadas pelo Autor -
O Autor sustentou que a interpretação no sentido de que a concessão do estatuto de trabalhador-estudante ao militar da GNR colide com o seu dever de disponibilidade é inconstitucional por violação dos artigos 59.º, n.º 1 e n.º 2, alínea f) e 74.º, n.ºs 1 e 2, alíneas c) e d) da CRP”, assim como se mostra inconstitucional a interpretação do artigo 182.º do Estatuto dos Militares da GNR, “no sentido de que dá efectivo e integral cumprimento aos direitos fundamentais consagrados nos artigos 59.º/1 e 2/alínea f) e 74.º/1 e 2/alíneas c) e d) da CRP, na medida em que cria um poder discricionário e depende em exclusivo do interesse da instituição”, (artigos 58.° e 67.° da p.i.). (...)
Por outro lado, a desconformidade constitucional a ser invocada pelos interessados deve ser imputada a normas jurídicas ou a interpretações normativas, hipótese em que deve ser invocado, com clareza e precisão, qual o sentido da interpretação reputada inconstitucional (e não imputada a actos administrativos).
No caso concreto, o Autor diz ser inconstitucional a interpretação no sentido de que a concessão do estatuto de trabalhador-estudante ao militar da GNR colide com o seu dever de disponibilidade, por violação dos artigos 59.º, n.º 1 e n.º 2, alínea f) e 74.º, n.ºs 1 e 2, alíneas c) e d) da CRP, mas não indica qual o objecto normativo interpretado. Seja como for, o acto de indeferimento da pretensão do Autor - que sempre estaria fora da apreciação da inconstitucionalidade - não se alicerçou na colisão entre o estatuto de trabalhador-estudante e o dever de disponibilidade dos militares, mas sim na existência de norma especial aplicável aos militares da GNR. (...)
Estes direitos constitucionais económicos e culturais a que nos vimos referindo não são diretamente aplicáveis, antes carecendo de operacionalidade que adquirem por leis de regulamentação. E a lei que, no caso dos militares da GNR, regulamenta o acesso à valorização profissional e ao ensino, é a que se encontra no Estatuto dos Militares da GNR o qual, de forma expressa, nos diz qual a configuração do direito de os militares prosseguirem os seus estudos.
Nestes termos, não procede a pretensão do Autor, concluindo-se que bem andou a Entidade Demandada ao indeferir o requerimento daquele de 10/10/2022.
Revemo-nos nesta leitura do Tribunal a quo.
Com efeito, prevendo o legislador norma especial, no caso o Estatuto dos Militares da GNR (EMGNR), para regular o acesso dos militares da Guarda à frequência de cursos, não é de se lhes aplicar o estatuto de trabalhador-estudante, previsto no Código do Trabalho.
Assim, o Tribunal recorrido entendeu que o legislador ao contemplar duas normas que abordam a frequência de cursos pelos militares (artigos 155.º e 182.º do EMGNR), mas que não contêm qualquer norma remissiva para a LGTFP ou para o Código de Trabalho quanto ao específico regime do estatuto do trabalhador-estudante, pelo que estas normas não são subsidiariamente aplicáveis aos militares da GNR, nem violam qualquer norma constitucional.
Defende o ora recorrente que a sentença é nula, uma vez que não especificou convenientemente os fundamentos de direito que justificam a sua decisão e que também padece do vício de erro de julgamento, havendo erro na determinação da norma jurídica aplicável, uma vez que, o tribunal não aplicou devidamente a lei ao caso concreto e não apreciou devidamente a inconstitucionalidade de vários preceitos legais.
Carece de razão.
Vejamos,
Segundo o artigo 615º do NCPC (artigo 668º CPC 1961), ex vi artigo 1º do CPTA, sob a epígrafe “Causas de nulidade da sentença”,
1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
2 -…. .
3 -….. .
4 - As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.
Nos termos das alíneas b) e c) só ocorre nulidade quando falte a fundamentação (de facto/de direito devidamente especificada) ou quando a fundamentação da decisão aponta num sentido e a decisão em si siga caminho oposto, ou seja, as situações em que os fundamentos indicados pelo juiz deveriam conduzir logicamente a um resultado oposto ao que se contém na sentença ou agora, também quando a decisão seja ininteligível por alguma ambiguidade.

Dos incontáveis arestos dos tribunais superiores que reiteram a mesma doutrina jurisprudencial nesta matéria, retemos o Acórdão do Pleno da Secção do CA do Supremo Tribunal Administrativo, de 15/11/2012, proc. 0450/09, que sumariou: “(…) II - A estrutura da sentença está concebida no artº 659º do CPC, devendo a mesma começar por identificar as partes, o objecto do litígio (fixando as questões que que ao tribunal cumpre solucionar), os fundamentos (de facto e de direito) e concluindo com a decisão. Delineada a estrutura deste acto jurisdicional (por excelência), o desvio ao figurino gizado pelo legislador ocasiona uma patologia na formação e estruturação da decisão susceptível de a inquinar de nulidade (artº 668º nº 1 do CPC).

III - Um dos elementos estruturantes da sentença é a fundamentação. Esta tem duas funções: uma função endoprocessual e uma função extraprocessual. A função endoprocessual é aquela que desenvolve a motivação da sentença, entendido como requisito técnico da pronúncia jurisdicional, no interior do processo; a função extraprocessual da motivação está ligada com a natureza garantista da absoluta generalidade e na consequente impossibilidade de a entender como derrogável ad libitum pelo legislador ordinário (e muito menos como derrogável ad libitum pelo juiz ou pelas partes.

IV - A nulidade da sentença por falta de fundamentação só ocorre quando haja ausência absoluta de motivação, ou seja, total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que a decisão assenta. (…)”.

Já a nulidade da alínea c) pressupõe um vício real no raciocínio expresso na decisão, consubstanciado na circunstância de a fundamentação explicitada na mesma apontar num determinado sentido, e, por seu turno, a decisão que foi proferida seguir caminho oposto, ou, pelo menos, diferente, ou ainda não ser perceptível face à fundamentação invocada. Isto é, a fundamentação adoptada conduz logicamente a determinada conclusão e, a final, o juiz extrai outra, oposta ou divergente (de sentido contrário).
Não se confunde com o erro de julgamento, seja quanto à apreciação dos factos feita pelas instâncias, seja quanto às consequências jurídicas deles extraídas, por inadequada ter sido a sua subsunção à regra ou regras de direito pertinentes à situação concreta a julgar.
Trata-se, pois, de uma irregularidade lógico-formal e não lógico-jurídica.
Só releva, para este efeito, a contradição entre a decisão e os respectivos fundamentos e não eventuais contradições entre fundamentos de uma mesma decisão, por um lado, ou contradição entre decisões, fundamentadas ou não, por outro.
Ao não existir qualquer contradição lógica, não se verifica esta nulidade, porquanto ela reporta-se ao plano interno da sentença, a um vício lógico na construção da decisão, que só existirá se entre esta e os seus motivos houver falta de congruência, em termos tais, que os fundamentos invocados pelo tribunal devessem, naturalmente, conduzir a resultado oposto ao que chegou.
E a omissão de pronúncia está relacionada com o dever que o nº 1 do artº 95º do CPTA impõe ao juiz de decidir todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas, salvo quando a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Nestes termos, a nulidade da decisão por omissão de pronúncia verificar-se-á quando exista (apenas quando exista) uma omissão dos deveres de cognição do tribunal, o que sucederá quando o juiz não tenha resolvido todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e cuja decisão não esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Este vício relaciona-se com o comando ínsito na 1ª parte do n.º 2 do artigo 608.º do CPC, segundo o qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, e não todos e cada um dos argumentos/fundamentos apresentados pelas partes, e excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras - cfr. Alberto Reis, Código de Processo Civil anotado, vol. V, Coimbra 1984 (reimpressão) e os Acórdãos do STA de 03/07/2007, proc. 043/07, de 11/9/2007, proc. 059/07, de 10/09/2008, proc. 0812/07, de 28/10/2009, proc. 098/09 e de 17/03/2010, proc. 0964/09, entre tantos outros.

Questões, para este efeito, são, pois, as pretensões processuais formuladas pelas partes no processo que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os específicos de qualquer ato (processual), quando realmente debatidos entre as partes - v. Antunes Varela in RLJ, Ano 122.º, pág. 112 e Teixeira de Sousa in “Estudos sobre o novo Processo Civil”, Lex, Lx 1997, págs. 220/221.

Por seu turno, a nulidade por excesso de pronúncia verifica-se quando na decisão se conhece de questão que não foi suscitada por qualquer uma das partes, nem pelo Ministério Público, e não é do conhecimento oficioso.

É a violação do dever de não conhecer questões não suscitadas pelas partes, em razão do princípio do dispositivo alicerçado na liberdade e autonomia das partes, que torna nula a sentença, por excesso de pronúncia.

Na jurisprudência, sobre esta temática, vide, entre outros, os Acórdãos deste TCAN, de 30/03/2006, proc. 00676/00 - Porto, de 23/04/2009, proc. 01892/06.5BEPRT-A e de 13/01/2011, proc. 01885/10.8BEPRT, dos quais retiramos as seguintes coordenadas:

Ocorre excesso de pronúncia quando o Tribunal conhece de questões de que não pode tomar conhecimento por utilizar um fundamento que excede a causa de pedir vazada na petição, ou por extravasar o elenco legal do conhecimento ex officio ou, ainda, por conhecer de pedido quantitativa ou qualitativamente distinto do formulado pela parte, isto é, conhece em quantidade superior ou objecto diverso do pedido.

A delimitação do âmbito sancionatório da alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC exige que se distinga entre questões e fundamentos, dado que, se a lei sanciona com a nulidade o conhecimento de nova questão (porque não suscitada nem de conhecimento oficioso), ou a omissão de conhecimento de questão suscitada (ou de conhecimento oficioso), já não proíbe que o julgador decida o mérito da causa, ou questões parcelares nela suscitadas, baseando-se em fundamentos jurídicos novos;

Questões, para esse efeito sancionatório, repete-se, serão todas as pretensões formuladas pelas partes no processo, que requeiram a decisão do tribunal, bem como os pressupostos processuais de ordem geral, e os específicos de qualquer acto especial, quando debatidos entre elas.

Efectivamente, como corolário do princípio da disponibilidade objectiva (arts. 264.º, n.º 1 e 664.º 2.ª parte), a decisão é nula quando o tribunal conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (art. 668.º, n.º 1, al. d) 2.ª parte), ou seja, quando a decisão esteja viciada por excesso de pronúncia. Verifica-se este excesso sempre que o tribunal utiliza, como fundamento da decisão, matéria não alegada ou condena ou absolve num pedido não formulado, bem como quando conhece de matéria alegada ou pedido formulado em condições em que está impedido de o fazer.

Assim, somente haverá nulidade da decisão, por excesso de pronúncia, quando o juiz tiver conhecido de questões que as partes não submeteram à sua apreciação, de que não pudesse conhecer, exceto se forem de conhecimento oficioso.

Retomando o caso posto não se vislumbra qualquer nulidade.
Da matéria dada como provada e devidamente sustentada na documentação constante do Processo Administrativo, (e aliás não questionada) decorre que o ora Recorrente em 10.10.2022, requereu ao Exmo. Comandante do Comando Territorial de Braga a atribuição do estatuto de trabalhador-estudante, tendo sido notificado, em 20.12.2022 da decisão proferida pelo Exmo. Diretor do Departamento de Recurso Humanos que lhe indeferiu a pretensão formulada fundada na inaplicabilidade aos militares da GNR de tal estatuto;
Não se conformando, em 26.12.2022, apresentou recurso hierárquico dirigido ao Exmo. Tenente-general, Comandante-geral da GNR, o qual foi igualmente indeferido, por decisão notificada em 04.03.2023, com fundamento de que “existindo regulamentação no Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana sobre a matéria em apreço, não pode ser aplicado o disposto no Código do Trabalho, ao abrigo do princípio da especialidade, nos termos do n.° 3 do artigo 7.° do Código Civil, que atesta que a lei geral não revoga a lei especial, exceto se for outra a intenção inequívoca do legislador.
O Tribunal a quo enunciou da seguinte forma as questões a decidir:
Incumbe ao Tribunal o conhecimento de todas as questões suscitadas pelas partes e apenas destas, sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras (cfr. artigo 95.º do CPTA e artigo 608.º/2 do CPC aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA).
Atendendo a que o Autor pretende obter a anulação do despacho de indeferimento proferido pelo Comandante-Geral da GNR, que a Entidade Demandada seja obrigada a aplicar subsidiariamente o Código do Trabalho e ainda que lhe seja concedido o “estatuto de trabalhador-estudante, de modo que possa trabalhar e frequentar as aulas do curso de Direito, devendo a requerida ser obrigada a conciliar o horário de trabalho do requerente com o seu horário do curso e exames, sem perda de quaisquer direitos”, está em causa a cumulação de uma pretensão anulatória com uma pretensão condenatória, devendo dar-se primazia ao pedido condenatório, ou seja, à pretensão material do Autor, tal como o determina o artigo 66.º/2 do CPTA [neste sentido, vide o Acórdão do TCAN de 24/03/2023, proferido no processo n.º 02063/19.6BEPRT, disponível em www.dgsi.pt].
Quando pede que a Entidade Demandada seja obrigada a aplicar subsidiariamente o Código do Trabalho e que lhe seja concedido o estatuto de trabalhador-estudante, de modo que possa trabalhar e frequentar as aulas do curso de Direito, devendo aquela ser obrigada a conciliar o horário de trabalho do Autor com o horário do curso e exames, sem perda de quaisquer direitos, na prática, o que o Autor quer é que se reconheça o direito a beneficiar do estatuto de trabalhador-estudante, tal como o mesmo se encontra consagrado no Código do Trabalho e que a Entidade Demandada seja condenada a deferir o pedido com este pressuposto.
Estamos, pois, perante uma acção de condenação à prática de acto devido, devendo o Tribunal apreciar o bem fundado da pretensão material do Autor. Desta forma, o objecto do processo é a pretensão do interessado e não o acto de indeferimento, cuja eliminação da ordem jurídica resultará directamente da pronúncia condenatória.
Tendo presente a causa de pedir e o pedido formulado pelo Autor, as questões a decidir nos presentes autos consistem em:
i) Saber se o Autor tem direito ao Estatuto de Trabalhador-Estudante, tal como o mesmo se encontra previsto no Código do Trabalho;
ii) Determinar se a Entidade Demandada deve ser condenada a indemnizar os prejuízos sofridos pelos Autor, em consequência do acto de indeferimento do pedido formulado em 10/10/2022;
iii) Apurar se a Entidade Demandada actuou como litigante de má-fé e, como tal, se deve ser condenada em multa e no pagamento de indemnização à parte contrária.
Uma leitura atenta da sentença recorrida atesta que esta escalpelizou as diversas questões, especificando devidamente os fundamentos de facto e de direito.
Antes de mais importa enquadrar a situação do aqui Recorrente:
Alega o Recorrente que se o estatuto de trabalhador-estudante não lhe for concedido se verá impossibilitado de frequentar e obter aproveitamento na licenciatura em Direito, na qual está inscrito na Universidade Portucalense, o que contraria o seu direito constitucionalmente consagrado a obter formação.
Para sustentar esta impossibilidade de frequência de aulas (presenciais e obrigatórias, segundo alega), expressamente refere que tem um horário de trabalho das 09H00 às 17H30 e que o mesmo lhe permite frequentar as aulas “apenas na segunda-feira de tarde, terça e quinta-feira o dia todo e quarta de manhã.
Alega igualmente que a frequência das aulas é essencial para que possa completar com aproveitamento o curso, pese embora não esclareça se esta absoluta necessidade de comparência advém do facto de haver um número mínimo de aulas de presença obrigatória ou se advém do facto de entender que sem assistir às aulas não conseguirá apreender a matéria de forma a obter aproveitamento nos exames.
Efetivamente o Recorrente apresenta um horário diurno, sendo que, se pretendesse efetivamente frequentar as aulas, o poderia fazer, uma vez que, consultada a Universidade Portucalense, foi prestada a informação de que a licenciatura em Direito dispõe de dois horários distintos: um diurno e um pós-laboral.
O horário pós-laboral funciona das 18H00 às 22H00/23H00, em apenas alguns dias da semana;
Assim, ao Recorrente era perfeitamente possível, de acordo com a informação recolhida, requerer a transferência para o horário pós-laboral e assim obstar ao prejuízo que alega ir ter se não lhe for possível comparecer nas aulas, garantindo desta forma, que concomitantemente desempenharia o seu trabalho no horário comum aos militares em idênticas funções.
Aliás, a opção por regime pós-laboral é precisamente a opção seguida por todos os militares que têm obtido licenciaturas, pós-graduações e mestrados - lê-se nas contra-alegações e aqui corrobora-se.
Antes de mais, e contrariamente ao alegado pelo Recorrente, é óbvio e evidente que o horário escolar que apresenta apenas lhe permite trabalhar na segunda de manhã, quarta de manhã e sexta todo o dia, ou seja, em 5 dias semanais apenas lhe permite trabalhar 2 dias. Ou seja, considerando o seu horário de trabalho, é evidente que não há possibilidade de fazer qualquer ajuste ao mesmo, de forma a garantir que consiga frequentar as aulas e trabalhar. E esta impossibilidade é atestada, como já se referiu, pelo elevado número de militares que obtém licenciaturas frequentando o horário pós-laboral.
Ao invés, o Recorrente está inscrito em horário diurno e, embora tenha a possibilidade de garantir a frequência das aulas, bastando para tal que transferisse a sua inscrição para o horário pós-laboral, pretende que o ónus recaia sobre o Réu no sentido de lhe ver reconhecido um estatuto que manifestamente não se lhe aplica, alegando que se tal não lhe for reconhecido então se verá de imediato impedido de terminar a sua licenciatura, o que irá igualmente levar a que a bolsa de estudos, que lhe foi concedida, seja cancelada (sendo que, relativamente às alegadas consequências do cancelamento desta bolsa, não demonstra o Recorrente que lhe seja impossível custear o curso sem o montante atribuído mensalmente), tanto mais que a mudança para o horário pós-laboral, não levará à perda de quaisquer benefícios.
Assim, à semelhança do que sucede com os restantes militares, os direitos previstos estatutariamente garantem as dispensas necessárias para que possa realizar os exames, assim os cursos sejam frequentados em regime pós-laboral, faculdade que o Recorrente dispõe, mas que simplesmente não quererá seguir, sendo-lhe a ele e exclusivamente a ele imputados os prejuízos e consequências que daí podem avir.
Conforme refere, e bem, a sentença, o aqui Recorrente quer que a Entidade Demandada seja obrigada a aplicar subsidiariamente o Código do Trabalho e que lhe seja concedido o estatuto de trabalhador-estudante, de modo que possa trabalhar e frequentar as aulas do curso de Direito, devendo aquela ser obrigada a conciliar o horário de trabalho deste com o horário do curso e exames, sem perda de quaisquer direitos. Na prática, o que o Recorrente quer é que se reconheça o direito a beneficiar do estatuto de trabalhador-estudante, tal como o mesmo se encontra consagrado no Código do Trabalho e que a Entidade Demandada seja condenada a deferir o pedido com este pressuposto.
Na perspetiva do Recorrente, uma vez que nada consta do (EMGNR) quanto ao estatuto de trabalhador-estudante, deve aplicar-se subsidiariamente o regime do Código do Trabalho e, ainda que assim não fosse, por analogia, sempre seria de aplicar o que o Estatuto dos Militares das Forças Armadas prevê quanto a esta matéria.
Ora, a LGTFP não é aplicável aos militares da Guarda, conforme resulta do n.º 2 do artigo 2.º.
O EMGNR contempla duas normas que abordam a frequência de cursos pelos militares (artigos 155.º e 182.º), mas não contém qualquer norma remissiva para a LGTFP ou para o Código do Trabalho quanto ao específico regime do estatuto do trabalhador-estudante, ao contrário de outras matérias. Para além dos regimes jurídicos especificamente aplicáveis aos militares da GNR por força do artigo 10.º do EMGNR, em todas as situações que o legislador entendeu ser de aplicar aos militares da GNR a lei geral ou outra lei especial, tal ficou taxativamente expresso no EMGNR, citando-se os seguintes exemplos:
a. Proteção na parentalidade, relativamente à qual é expressamente referido no artigo 183.º que “Em matéria de parentalidade, o militar da Guarda goza dos direitos previstos na lei geral, sem prejuízo do disposto no presente Estatuto.”;
b. Licença para acompanhamento de cônjuge, relativamente à qual é expressamente referido no artigo 185.º que “As licenças sem remuneração para acompanhamento do cônjuge colocado no estrangeiro regem-se pelo previsto na Lei Geral de Trabalho em Funções Públicas.”.
Nos casos em que tal remissão, para a lei geral (ou para outra lei especial), não seja feita, entendeu o legislador que, considerando a especialidade resultante do facto da GNR se constituir como uma força militar, constituída por militares, aliada ao facto de ser igualmente uma Força de Segurança, tais características impunham uma regulamentação distinta e especial que se consubstancia, no que à matéria dos autos importa, no disposto no EMGNR. Pelo que, conforme refere a sentença, e contrariamente ao que o Recorrente propugna, “o regime do estatuto do trabalhador-estudante previsto no Código do Trabalho - e que é subsidiariamente aplicável aos trabalhadores que têm vínculo de emprego público, aos quais se aplica a LGTFP (artigo 4.º da LGTFP) - não é subsidiariamente aplicável aos militares da GNR.”
Também em matéria de analogia ao regime previsto para as Forças Armadas, decidiu bem a sentença ao referir que tal não se pode aplicar, “pois o EMGNR assume-se como lei especial ou direito especial que consagra uma disciplina diferente para um círculo mais restrito de pessoas, neste caso, para os militares da GNR e que o legislador entendeu manter quando, no ano de 2017, procedeu à sua reforma.”
O artigo 10.º do EMGNR estabelece, no que concerne à matéria de direitos e deveres dos militares, os regimes jurídicos que lhes são aplicáveis, determinando, nos n.ºs 1 e 2 que:
“1 - Ao militar da Guarda são aplicáveis a Lei de Bases Gerais do Estatuto da Condição Militar, a Lei de Defesa Nacional (LDN), a Lei de Segurança Interna, o Código de Justiça Militar (CJM), o Regulamento de Disciplina da Guarda Nacional Republicana (RDGNR), o Regulamento de Disciplina Militar, o Regulamento de Continências e Honras Militares, o Regulamento da Medalha Militar e das Medalhas Comemorativas das Forças Armadas (RMMMCFA), o Regulamento das Medalhas de Segurança Pública e o Código Deontológico do Serviço Policial, com os ajustamentos adequados às características estruturais deste corpo especial de tropas e constantes dos respetivos diplomas legais ou em outros regulamentos.
2 - As referências feitas no CJM às Forças Armadas ou a outras forças militares consideram-se, para efeitos do mesmo Código, aplicáveis à Guarda.”
O EMGNR continua a prever a possibilidade de o militar da Guarda frequentar qualquer curso complementar para a sua cultura geral ou especialização técnica, com vista à sua valorização profissional (cf. artigo 155.º) e a possibilidade de ser requerida e concedida uma licença para estudos (cf. artigo 182.º) e estas são as situações que se encontram especialmente previstas para os militares da GNR.
Assim, conforme dita a sentença, “Não deve ser convocado o regime resultante do Estatuto dos Militares das Forças Armadas com vista à sua aplicação analógica porque não estamos perante um caso omisso ou uma lacuna”, requisitos essenciais para aplicar este regime e pelo facto de este não ser aplicável aos militares da GNR, que têm um Estatuto próprio.
O EMGNR contém um regime específico para a frequência de cursos exteriores à instituição e para a valorização do militar, não havendo, assim, que apelar a qualquer integração analógica. “Só se podia recorrer à analogia, neste caso, se a situação não se encontrasse regulada. Mas a situação encontra-se regulada.”
Sobre o direito à formação, o legislador estatutário, decidiu, de forma a conciliar os direitos à formação constitucionalmente consagrados e garantidos a todos os cidadãos, com a especificidade das funções de militar da GNR, consagrar no EMGNR duas formas que garantem aos militares a obtenção dessa mesma formação.
Desde logo no artigo 155.º, sob a epígrafe de “Valorização Profissional”, dispõe o seguinte:
“1 - Com vista à sua valorização profissional e prestígio da instituição, o militar da Guarda pode frequentar qualquer curso complementar para a sua cultura geral ou especialização técnica, sem prejuízo do serviço, devendo a frequência e eventual conclusão do mesmo ser averbada no seu processo individual.
2 - Para os fins previstos no número anterior, o militar da Guarda pode ser dispensado do serviço, sem perda de remuneração ou de quaisquer outros
direitos, para prestação de provas de avaliação, nos termos seguintes:
a) Até dois dias por cada prova de avaliação, sendo um o da realização da prova e o outro o imediatamente anterior, incluindo sábados, domingos e feriados;
b) No caso de provas de avaliação em dias consecutivos ou de mais de uma prova no mesmo dia, os dias anteriores serão tantos quantas as provas de avaliação a efetuar, incluindo sábados, domingos e feriados;
c) Os dias de ausência referidos nas alíneas anteriores não poderão exceder um máximo de quatro por disciplina em cada ano letivo.
3 - Nos casos previstos no número anterior, pode ser exigida comprovação da necessidade das referidas deslocações e do horário das provas de avaliação a realizar.
4 - As disposições constantes do n.º 2 não se aplicam aos militares que se encontrem a frequentar cursos de formação, promoção ou qualificação, ou em operações ou missões internacionais.
5 - Os direitos conferidos no presente artigo cessam quando o militar não conclua com aproveitamento o ano escolar ao abrigo de cuja frequência beneficiou dos mesmos.
6 - No ano letivo subsequente àquele em que cessaram os direitos, pode ser novamente concedido ao militar o exercício dos mesmos, não podendo esta situação ocorrer mais de duas vezes.
7 - Para efeitos de aplicação do presente artigo, consideram-se provas de avaliação todas as provas escritas e orais, incluindo exames, bem como a apresentação de trabalhos, quando estes as substituam.”
Ora não se alcança em que medida é que o disposto no referido e transcrito artigo pode não garantir a todos os militares a obtenção de licenciaturas, pós-graduações, mestrados ou qualquer formação.
E tanto não se alcança como há que referir que as centenas de militares da GNR, que frequentaram e frequentam licenciaturas, muitas delas precisamente em Direito, o fazem ao abrigo dos direitos concedidos por força do referido artigo, sem qualquer problema e dentro do período temporal previsto.
Além da possibilidade prevista e consagrada no artigo supratranscrito, ainda previu o legislador estatutário a possibilidade de concessão de Licença para Estudo, determinando o artigo 182.º o seguinte:
“1 - Por despacho do Comandante-geral pode ser concedida a licença para estudos, para efeitos de frequência de cursos, disciplinas ou estágios, em estabelecimentos de ensino nacionais ou estrangeiros:
a) Excecionalmente, mediante requerimento de militar;
b) Em caso de conveniência e necessidade do serviço e manifestada a concordância do militar.
2 - O militar a quem tenha sido concedida licença para estudos deve apresentar, nas datas que lhe sejam determinadas, os documentos comprovativos do aproveitamento escolar.
3 - A licença para estudos pode ser cancelada, por despacho do Comandante-geral, quando se considere insuficiente o aproveitamento escolar do militar a quem a mesma tenha sido concedida.
4 - Para os efeitos da alínea a) do n.° 1, considera -se que a licença para estudos é concedida sem direito a remuneração e suspende a contagem do tempo de serviço efetivo.
5 - Para os efeitos da alínea b) do n.° 1, considera -se que a licença para estudos é concedida com remuneração e não suspende a contagem do tempo de serviço efetivo.
6 - O despacho de concessão da licença para estudos, concedida nos termos da alínea b) do n.° 1, incluirá a nomeação do local e das funções do militar na Guarda, bem como o período de tempo em que o requerente tem de permanecer nessas funções após a conclusão da formação.”
Com estes normativos insertos em legislação especial, pretendeu o legislador assegurar o direito dos militares a obter formação complementar.
Quanto ao princípio da igualdade, também se concorda com a sentença proferida ao referir que “Para que o Tribunal pudesse concluir pela violação do princípio constitucional da igualdade, era necessário não só que as situações e os pressupostos de facto fossem exatamente iguais e ainda que existisse uma regulação concreta arbitrária, violadora do artigo 13.º da Constituição. Mas não é o caso, na medida em que se reconhece que o dever de disponibilidade faz com que os militares não tenham acesso ilimitado ao regime do trabalhador-estudante, tal como ele resulta do Código do Trabalho.
Além disso, no caso dos militares da GNR, mesmo que se entendesse ser de desaplicar os artigos 155.º e 182.º por alegada violação do princípio constitucional da igualdade (artigo 13.º da Constituição), manter-se-ia a norma ínsita no artigo 2.º/2 da LGTFP que determina não ser aplicável aos militares da Guarda Nacional Republicana aquela lei, não podendo o Tribunal decidir pela aplicação de um regime jurídico que se mostra excluído por norma vigente.
Esta inaplicabilidade não configura uma violação do princípio da igualdade, constitucionalmente consagrado, já que a específica condição do militar da GNR justifica, segundo critérios de razoabilidade, um tratamento diferenciado.
Quanto a uma suposta violação dos direitos constitucionalmente consagrados, positivado no artigo 74.º da CRP importa reter que “A restrição de direitos, liberdades e garantias consiste na afetação desfavorável operada por ato legislativo ao exercício dessa categoria de direitos fundamentais, titulada por pessoas individuais e coletivas.”.
O regime compressor de tais direitos encontra-se previsto no artigo 18.º da CRP.
Tal regime “Decorre do disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 18.º, conjugado com o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP, que restrições inovadoras a direitos, liberdades e garantias só podem ser efetuadas mediante lei da Assembleia da República ou decreto-lei do Governo autorizado pela mesma Assembleia.”.
Logo, importa reter que de acordo com o preâmbulo do EMGNR, foi cumprida a alínea a) do artigo 198.º da CRP no que tange ao EMGNR.
A matéria em apreço encontra-se regulada no EMGNR, mais concretamente no artigo 155.º - “Valorização profissional”; concomitantemente, deverá ter-se em consideração que, existindo regulamentação no EMGNR sobre a matéria em apreço, não pode ser aplicado o disposto no Código do Trabalho, ao abrigo do princípio da especialidade (lex specialis derogat legi generali), nos termos do n.º 3 do artigo 7.º do Código Civil, que atesta que “A lei geral não revoga a lei especial, exceto se outra for a intenção inequívoca do legislador”.
Por fim, sobre inconstitucionalidades suscitadas pelo Recorrente, conforme sentenciado “a ser invocada pelos interessados deve ser imputada a normas jurídicas ou a interpretações normativas, hipótese em que deve ser invocado, com clareza e precisão, qual o sentido da interpretação reputada inconstitucional (e não imputada a atos administrativos).
No caso concreto, o Autor diz ser inconstitucional a interpretação no sentido de que a concessão do estatuto de trabalhador-estudante ao militar da GNR colide com o seu dever de disponibilidade, por violação dos artigos 59.º, n.º 1 e n.º 2, alínea f) e 74.º, n.ºs 1 e 2, alíneas c) e d) da CRP, mas não indica qual o objecto normativo interpretado.
Seja como for, o ato de indeferimento da pretensão do Autor - que sempre estaria fora da apreciação da inconstitucionalidade - não se alicerçou na colisão entre o estatuto de trabalhador-estudante e o dever de disponibilidade dos militares, mas sim na existência de norma especial aplicável aos militares da GNR.
Do que se acaba de expor só pode inferir-se o acerto da decisão recorrida.
Tal equivale a dizer que ela não padece de quaisquer nulidades ou sequer de erro de julgamento.
Manter-se-á assim no ordenamento jurídico.
Em suma,
Não está em crise o “direito à formação cultural e técnica e à valorização profissional” (consagrado na alínea c) do n.º 2 do artigo 58º da Constituição) do agente em questão, sendo ainda que o aludido enquadramento legal em cujo âmbito lhe é proporcionada a frequência de cursos ou outras unidades de ensino exteriores à GNR também se não apresenta em oposição com a “protecção das condições de trabalho”, garantidas pela alínea f) do n.º 2 do artigo 59º da Constituição.
Muito menos se ofende o artigo 74º nºs 1 e 2, als. c) e d) da CRP - Todos têm direito ao ensino com garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar. 2. Na realização da política de ensino incumbe ao Estado: a) …; b) …c) Garantir a educação permanente e eliminar o analfabetismo; d) Garantir a todos os cidadãos, segundo as suas capacidades, o acesso aos graus mais elevados do ensino, da investigação científica e da criação artística; (…).
Como concluído pelo Tribunal a quo:
Das citadas normas da CRP não resulta que qualquer trabalhador tem direito - independentemente das circunstâncias concretas e da legislação especial que lhe seja aplicável - à atribuição do estatuto do trabalhador-estudante, tal como o mesmo advém do Código do Trabalho e em toda a sua plenitude.
No caso, o Estatuto a que nos vimos referindo confere protecção aos militares que pretendam frequentar cursos, disciplinas ou estágios e ainda que com contornos diferentes dos do Código do Trabalho, assume-se como uma forma de protecção e é a que se encontra consagrada legalmente dando guarida à protecção das condições de trabalho dos militares estudantes da GNR.
Quanto à inconstitucionalidade resultante da interpretação do artigo 182.º do Estatuto dos Militares da GNR, no sentido de que este artigo confere efectivo e integral cumprimento aos direitos fundamentais consagrados nos artigos 59.º/1 e 2/alínea f) e 74.º/1 e 2/alíneas c) e d) da CRP, sempre se dirá que a compatibilização do estatuto de militar da GNR com o direito económico de serem protegidas as condições de trabalho dos trabalhadores estudantes e de ser garantida a educação permanente e o acesso aos graus mais elevados de ensino não decorre apenas do artigo 182.º do Estatuto, mas também do artigo 155.º supra referido.
Estes direitos constitucionais económicos e culturais a que nos vimos referindo não são directamente aplicáveis, antes carecendo de operacionalidade que adquirem por leis de regulamentação. E a lei que, no caso dos militares da GNR, regulamenta o acesso à valorização profissional e ao ensino, é a que se encontra no Estatuto dos Militares da GNR o qual, de forma expressa, nos diz qual a configuração do direito de os militares prosseguirem os seus estudos.
O artigo 182.º do Estatuto dos Militares da GNR deve, pois, ser conjugado com o que do artigo 155.º do mesmo diploma também resulta, não se mostrando inconstitucional a interpretação de que a conjugação do regime de ambos os preceitos confere efectivo e integral cumprimento aos direitos fundamentais consagrados nos artigos 59.º/1 e 2/alínea f) e 74.º/1 e 2/alíneas c) e d) da CRP.
Percebe-se que o Autor entende ser injusta a solução que se encontra legalmente consagrada, mas o dever de obediência à lei não pode ser afastado sob o pretexto de ser injusto o conteúdo do preceito legislativo (cfr. artigo 8.º/2 do Código Civil).
Nestes termos, não procede a pretensão do Autor, concluindo-se que bem andou a Entidade Demandada ao indeferir o requerimento daquele de 10/10/2022. (negrito nosso).
Improcedem as Conclusões das alegações.

DECISÃO
Termos em se nega provimento ao recurso.
Custas pelo Recorrente, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário.
Notifique e DN.

Porto, 17/5/2024

Fernanda Brandão
Isabel Jovita
Rogério Martins