Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00341/17.8BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/10/2025
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:ROSÁRIO PAIS
Descritores:ACÓRDÃO; NULIDADE; OMISSÃO DE PRONÚNCIA;
Votação:Unanimidade
Decisão:Deferir a arguição de nulidade do acórdão.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes da Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


1. RELATÓRIO
1.1. [SCom01...], LDA., Recorrente nos autos, vem arguir a nulidade do Acórdão proferido em 13/02/2025, formulando as seguintes conclusões:
«I - OMISSÃO DE PRONÚNCIA
I. A decisão em crise limitou-se a conhecer das Conclusões do Recurso de Apelação quanto à violação do dever de fundamentação, erro de julgamento e ilegitimidade, ignorando o ponto 3º das mesmas quanto se refere que o procedimento prescreveu.
Concretizando,
II. Este Insigne Tribunal Central Administrativo Norte não conheceu dessa matéria referente à prescrição, o que pese embora ter sido alegada, sempre seria de conhecimento oficioso.
III. A dívida exequenda refere-se a coimas decorrentes do incumprimento da obrigação de liquidar as taxas de portagem referentes à utilização e passagem do veículo com a matrícula ..-0J-.., em infraestrutura rodoviária (A29 e A17), no período compreendido entre Maio a Setembro do ano 2012, portanto, há mais de 12 anos, encontrando-se, por conseguinte, à data de hoje prescrito o direito à cobrança da quantia exequenda (Artigo 48º da LGT e artigo 175º Código de Procedimento e Processo Tributário).
Por conseguinte,
IV. não tendo este Insigne Tribunal emitido pronúncia sobre a sobredita matéria, enferma o Acórdão de nulidade, devendo por isso ser anulado, por omissão de pronúncia, o que desde já se requer para todos os efeitos legais.
V. Ao decidir como decidiu, o douto Tribunal violou, entre outros, o artigo 615° n.º 1 alínea d) da lei processual civil, e 175. 2 do CPPT o que hic et nun se invoca para todos os efeitos legais.
Nestes termos e nos melhores de Direito, que V.Ex.as doutamente suprirão, requer-se que:
a) Seja declarada a Nulidade do Acórdão proferido, e nessa sequência seja proferida nova decisão que aprecie e julgue verificada a exceptio de prescrição.».

1.2. A Recorrida nada disse.

1.3. A EPGA junto deste TCAN teve vista dos autos e emitiu promoção no sentido de se julgar não verificada a nulidade que vem arguida.
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Dispensados os vistos legais, nos termos do artigo 657º, nº 4, do Código de Processo Civil, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.
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2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre, então, apreciar se o Acórdão proferido em 13/02/2025 enferma de nulidade, por omissão de pronúncia quanto à prescrição do procedimento por contraordenação.

3. FUNDAMENTAÇÃO
As nulidades da sentença e, por força do artigo 666º do CPC, também dos acórdãos, encontram-se taxativamente previstas no artigo 615º CPC e respeitam a vícios estruturais ou intrínsecos da sentença/acórdão, também conhecidos por erros de atividade ou de construção da própria sentença, que não se confundem com eventual erro de julgamento de facto e/ou de direito.
Segundo o artigo 615º, nº 1 al. d), do CPC queé nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento(sublinhado nosso).
Decorre de tal norma que o vício que afeta a decisão advém de uma omissão (1º segmento da norma) ou de um excesso de pronúncia (2º segmento da norma).
Acresce que este receito deve ser articulado com o nº 2 no artigo 608º do CPC, onde se dispõe que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo não se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”.
Impõe-se ali um duplo ónus ao julgador, traduzidos nos deveres de resolver todas as questões que sejam submetidas à sua apreciação pelas partes (salvo aquelas cuja decisão vier a ficar prejudicada pela solução dada antes a outras) e de não ir além do conhecimento dessas questões suscitadas pelas partes (a não ser que a lei lhe permita ou imponha o seu conhecimento oficioso).
Por conseguinte, só pode ocorrer omissão de pronúncia quando o juiz não toma posição sobre questão colocada pelas partes, não emite decisão no sentido de não poder dela tomar conhecimento nem indica razões para justificar essa abstenção de conhecimento, e da sentença também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio.
Relidas as conclusões das alegações de recurso (referimo-nos, naturalmente, às conclusões aperfeiçoadas, apresentadas pela Recorrente em 17/01/2025) que, como se sabe, definem o âmbito do recurso e as questões que ao Tribunal se impõe apreciar – ressalvadas, como já referido, as que sejam do seu conhecimento oficioso – é, de facto, ali referido, na conclusão 3ª, que «A dívida exequenda refere-se a coimas decorrentes do incumprimento da obrigação de liquidar as taxas de portagem referentes à utilização e passagem do veículo com a matrícula ..-OJ-.., em infraestrutura rodoviária (A29 e A17), no período compreendido entre Maio a Setembro do ano 2012, portanto, há mais de 12 anos atrás, encontrando-se, por conseguinte, à data de hoje prescrito, o procedimento (Artigo 48º da LGT e artigo 175º Código de Procedimento e Processo Tributário).».
E, pese embora, a Recorrente tenha aproveitado a oportunidade de apresentar as conclusões aperfeiçoadas para introduzir, ex novo, a questão da prescrição do procedimento por contraordenação, não suscitada na p.i., nem nas alegações de recurso, impunha-se que este Tribunal apreciasse a dita questão ou indicasse os motivos pelos quais não podia dela conhecer.
Assim, verifica-se parcial nulidade do acórdão proferido em 13/02/2025, por omissão de pronúncia quanto à mencionada questão, importando dela conhecer agora.
Sucede que, como já referido, trata-se de uma questão nova, apenas introduzida nas conclusões aperfeiçoadas apresentadas em 17/01/2025.
No entanto, como é bem sabido, no nosso ordenamento jurídico é sobre o recorrente que impende o ónus de alegar e concluir (cfr. artigo 635º do CPC), não podendo suscitar questões novas, não enunciadas na petição inicial apresentada em 1ª instância (nem nas alegações de recurso), sendo que o recurso jurisdicional visa a apreciação da legalidade da sentença com fundamento na imputação de nulidades ou de erros de julgamento sobre a matéria de facto e /ou de direito e não a apreciação em 1º grau de jurisdição de questão nova que não tenha sido submetida ao veredicto do Tribunal de 1ª instância.
Os recursos jurisdicionais têm, portanto, por objeto a apreciação de decisões da mesma natureza proferidas por Tribunais de grau hierárquico inferior, visando a respetiva anulação ou revogação, por vícios de forma ou de fundo. Daí que, nos recursos jurisdicionais não é possível fazer a apreciação de quaisquer questões que sejam novas, isto é, que não tenham sido colocadas à apreciação do Tribunal “a quo”, salvo quando o seu conhecimento seja imposto por lei e seja possível delas conhecer.
Ora, apenas se imporia ao Tribunal conhecer oficiosamente da questão da prescrição do procedimento por contraordenação no meio processual próprio para o efeito – o recurso de contraordenação.
Ademais, a prescrição do procedimento apenas pode ser invocada e conhecida enquanto a decisão (de aplicação de coima) proferida no processo de contraordenação não estiver consolidada no ordenamento jurídico; após esse momento, o procedimento ficará extinto, iniciando-se um outro prazo prescricional – o da própria coima que, essa sim, pode ser conhecida em processo de oposição.
Neste sentido, veja-se o Acórdão do TCA-Sul de 02/10/2012, proferido no processo nº 05436/12, disponível em https://www.dgsi.pt/jtca.nsf/-/8CB447CD5AAA0D9580257A910034A105, em cujo sumário se refere que «2. A prescrição de conhecimento oficioso a que se refere o artº.175, do C.P.P.T., é a prescrição da dívida exequenda, podendo, naturalmente, quando a dívida exequenda respeite a coima, abranger a prescrição das coimas (cfr.artº.176, nº.2, al.c), do C.P.P.T.; artº.34, do R.G.I.T.), que não a prescrição do procedimento contra-ordenacional, dado que este fica coberto pelo trânsito em julgado da respectiva decisão de aplicação da coima, sendo que a análise desta última forma de prescrição, do procedimento contra-ordenacional, porque tem a ver com a legalidade da respectiva dívida exequenda, não pode ser apreciada no processo de execução fiscal, conforme se depreende do artº.204, nº.1, al.i), do C.P.P.Tributário.».
O regime legal aplicável à prescrição da dívida respeitante às coimas é o que decorre do artigo 34º, do RGIT, de cinco anos, com termo inicial na data do trânsito em julgado da decisão administrativa/judicial que aplicou a coima, apesar do legislador fazer referência à data da sua aplicação, sendo esta interpretação que se deve ter como a mais acertada e que melhor se coaduna com a unidade do sistema jurídico, atentos os ditames consagrados no artigo 9º, do C.Civil (cfr. ac.S.T.A.-2ª.Secção, 25/6/2003, rec.1076/02, Ap.D.R., 7/4/2004, pág.1312 e seg.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/9/2011, proc.2907/09; Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, Áreas Editora, 4ª. edição, 2010, pág.332 e seg.; Isabel Marques da Silva, Regime Geral das Infracções Tributárias, Cadernos IDEFF, nº.5, 3ª. edição, 2010, Almedina, pág.118 e seg.).
Determina o legislador, no preceito sob exame, a aplicação ao regime de prescrição da coima das causas de suspensão e de interrupção previstas na lei geral, mais exatamente nos artigos 30º e 30º-A, do Regime Geral das Contraordenações (RGCO) aprovado pelo Decreto-Lei nº 433/82, de 27/10. No nº2, do artigo 30º-A, do RGCO, consagra-se um termo absoluto para a prescrição da coima, determinando-se que a mesma ocorre sempre que, ressalvado o período de suspensão, tiver decorrido o prazo normal da prescrição acrescido de metade, à semelhança do que se estabelece no artigo 126º, nº 3, do C. Penal, para a prescrição da pena.
Contudo, os autos não dispõem de todas as informações que permitam a este Tribunal apreciar a questão da prescrição das coimas, designadamente, as relativas a eventuais causas de suspensão do prazo prescricional, sendo certo que tal matéria poderá sempre ser suscitada perante o Órgão da Execução Fiscal que, também oficiosamente, dela deve conhecer e dispõe de todas as informações necessárias para tanto.
Concluímos, assim, que o Acórdão proferido em 13/02/2025 enferma de nulidade por omissão de pronúncia e, apreciando a questão da prescrição do procedimento, concluímos não poder dela conhecer, por não ter sido tempestivamente invocada nem ser de conhecimento oficioso do Tribunal, no âmbito do processo de oposição, sendo que, relativamente à prescrição das coimas, os autos não reúnem os elementos necessários para a apreciar.

4. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em julgar verificada a invocada nulidade e, apreciando a questão em falta, decidir não tomar conhecimento dela, não podendo, ademais, apreciar a prescrição das coimas exequendas.

Sem custas.

Porto, 10 de abril de 2025

Maria do Rosário Pais – Relatora
Ana Cristina Gomes Marques Goinhas Patrocínio – 1ª Adjunta (em substituição)
Vítor Domingos de Oliveira Salazar – 2º Adjunto