Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
1 – RELATÓRIO
ACBJ e outros melhor identificados nos autos vêm interpor recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto datada de 11 de Dezembro de 2013, e do Acórdão de 20 de Junho de 2014, que julgou improcedente a acção administrativa especial interposta contra o Ministério da Justiça, a Caixa Geral de Aposentações IP e o Instituto da Segurança Social IP, e onde era solicitado que devia:
“ ser anulado o acto emitido pela DGAJ, por padecer dos vícios supra descritos, e, cumulativamente declarado que as funções de perito avaliador não constituem funções públicas, não se aplicando aos Autores o disposto nos artigos 78º e 79º do Estatuto da Aposentação”
Em alegações os recorrentes concluíram assim:
A) Vem o presente recurso interposto do acórdão proferido pelo TAF do Porto, em 11.12.2013, o qual se pronunciou quanto à apreciação e decisão dos pedidos formulados pelos Autores, a saber, a) pedido de anulação do acto emitido pela DGAJ corporizado no “Comunicado” de 24.01.2011, por padecer dos vícios de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito e de violação dos princípios da legalidade e da boa-fé; e b) pedido de reconhecimento de situação jurídica subjectiva, no sentido de que as funções exercidas pelos peritos avaliadores não constituem “funções públicas” e, consequentemente, não lhes é aplicável o estatuído nos artigos 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação;
B) Sucede, porém, que o Tribunal de 1.ª instância decidiu no sentido de julgar a acção improcedente, absolvendo os Réus do pedido, decisão com a qual os autores ora recorrentes não se podem conformar;
C) Na verdade, no âmbito dos presentes autos, a questão fundamental que cumpre deslindar consiste em perceber se a actividade exercida pelos peritos avaliadores consubstancia ou não o exercício de “funções públicas” no sentido que a esta expressão é dado pelos artigos 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação;
D) Para o efeito, podemos, desde logo, apontar a dicotomia existente entre “funções públicas”
e “funções privadas”, sendo que estas últimas podem ser “funções privadas de interesse público” ou “funções privadas de interesse privado” (cfr. PEDRO GONÇALVES, Entidades Privadas com Poderes Públicos, O exercício de Poderes Públicos de Autoridade por Entidades Privadas com Funções Administrativas, reimpressão da edição de Outubro/2005, Almedina, 2008, pp. 140-145);
E) Note-se que a prossecução do interesse público já não constitui um monopólio do Estado
e das demais entidades públicas, pelo que também os privados podem concorrer para a sua satisfação (cfr. Idem, Ibidem, pp. 144-145; JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, “Interesse Público” in DJAP, Vol. V, Lisboa, 1193, p. 275);
F) Todavia, «trata-se de entidades privadas que exercem actividades da mais alta relevância pública, com indiscutíveis notas de “publicidade” mas que, apesar disso, não deixam de ser actividades privadas, que pertencem à esfera da Sociedade (dos direitos e das liberdades), e não à esfera do Estado» (cfr. Idem, Ibidem, pp. 145-146);
G) Ora, a actividade desenvolvida pelos peritos avaliadores não consubstancia uma forma de exercício de “funções públicas”, mas antes uma forma de exercício de “funções privadas de interesse público”;
H) Com efeito, ao contrário do que o Tribunal recorrido pretende fazer crer, a “correlação entre as funções periciais e a administração da justiça” não é um indicador de que as funções exercidas pelos peritos avaliadores assumem o cariz de “funções públicas”, mas antes um indicador do interesse público que lhes subjaz;
I) Ou seja, a colaboração prestada pelos peritos avaliadores no âmbito dos processos em que intervêm na qualidade de técnicos, cujos conhecimentos são convocados para melhor esclarecimento do Tribunal ou quando actuam como fiel da balança em face das posições adoptadas pelos peritos nomeados pelas partes, compreende uma importante dimensão de interesse público ao participarem activamente na administração da justiça;
J) Note-se, aliás, que algo de semelhante sucede com a profissão do Advogado – profissional liberal por excelência – o qual se assume como um dos actores principais da cena da justiça, mas cujas funções são privadas, ou melhor, privadas de interesse público (cfr. Idem, Ibidem, p. 148);
K) Salvo o devido respeito por melhor opinião, não faz por isso qualquer sentido a conclusão que o acórdão recorrido pretende retirar da afirmação de que “as funções dos PA são de interesse e relevância pública, pois, se assim não fosse, o Estado não teria avançado com legislação específica para tais profissionais”, quando é precisamente a dimensão de interesse público de tais funções que reclama e impõe “uma específica interferência e uma reforçada regulação do Estado”, sujeitando-as “a específicos sistemas públicos de controlo (tal como acontece com os advogados, médicos, revisores de contas, etc.);
L) Acresce que as funções desenvolvidas pelos peritos avaliadores inscritos na Lista Oficial assumem um carácter meramente técnico, em nada se distinguindo, desde logo, da dos peritos avaliadores indicados pelas partes nos procedimentos expropriativos, por exemplo, verificando-se, assim, que aqueles não exercem, sequer, quaisquer poderes públicos, muito menos poderes públicos de autoridade (constatando-se, a propósito, que os seus laudos e relatórios não vinculam sequer o juiz, que poderá decidir o pleito, se assim o entender, com base nos laudos e relatórios do(s) perito(s) indicado(s) pela entidade expropriante ou pelo particular, gozando aqueles, tão-só de uma maior presunção de imparcialidade perante o Tribunal);
M) Concomitantemente, a exigência perpetrada pelo artigo 5.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 125/2002, de 10 de Maio, nos termos do qual só podem candidatar-se a peritos avaliadores os indivíduos que não estejam inibidos do exercício de funções públicas ou interditos para o respectivo exercício, só pode ser interpretada no sentido de que o legislador pretendeu fixar um critério de (máxima) idoneidade moral, assumindo por referência o critério estabelecido para o exercício de funções públicas, carecendo o Tribunal a quo de razão ao inferir que “se não podem estar inibidos do exercício de funções públicas, é porque as vão exercer enquanto peritos avaliadores”, isto porque, conforme já demostrado à saciedade, os peritos avaliadores não exercem funções públicas, mas antes exercem funções privadas de inegável interesse público;
N) Olhando agora a questão da “função pública” na perspectiva do trabalho em funções públicas ou emprego público, atente-se que os peritos avaliadores, para além de exercerem as suas funções de forma autónoma e sem qualquer dependência hierárquica, não têm horários, nem local definido para exercer essas funções, não havendo qualquer regularidade ou previsibilidade temporal da actividade desenvolvida, verificando-se que o Estado não assegura aos mesmos qualquer remuneração fixa (estando a mesma dependente da existência de nomeações nos processos, que não estão garantidas, bem como da prestação efectiva do serviço);
O) Na verdade, as funções de perito avaliador não são exercidas, nem ao abrigo de uma relação de emprego público (susceptível de ser estabelecida através do contrato de trabalho em funções públicas, da nomeação e da comissão de serviço), nem sequer ao abrigo de um contrato de prestação de serviços, sendo forçoso concluir que os peritos avaliadores não desenvolvem qualquer trabalho em funções públicas;
P) O mesmo já não sucede – diferentemente do reportado no acórdão recorrido – com os Juízes, que exercem efectivamente “funções públicas”, encabeçando órgãos de soberania (os Tribunais), ao abrigo de uma relação de emprego público titulada por um acto de nomeação, visto que, de acordo com um conceito lato de “função pública” (leia-se “emprego público”), o mesmo compreende “não só todos os funcionários e agentes do Estado e demais pessoas colectivas de direito público mas também os titulares de cargos públicos, incluindo os próprios titulares dos órgãos de soberania”;
Q) Pedro Gonçalves, abordando o assunto do ponto de vista do relacionamento dos particulares com a Administração Pública (e não propriamente com a Justiça), aponta quatro modelos de “envolvimento de particulares enquanto tais na execução de tarefas ou funções da Administração”, a saber: (i) participação orgânica; (ii) associação; (iii) cooperação e (iv) colaboração;
R) Ora, o papel desempenhado pelos peritos avaliadores, nomeadamente quando estes actuam na qualidade de árbitros nas Comissões Arbitrais, é enquadrável, mutatis mutandis, no modelo da “participação orgânica” daqueles particulares enquanto tais no domínio da administração da justiça, o que significa que o perito «é um “estranho”, um indivíduo que, em certas circunstâncias, ocupa um órgão público, mas que, apesar disso, não passa a pertencer à Administração»;
S) Enfim, as normas contidas nos artigos 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação não podem ampliar o conceito de funções públicas ou de relação de emprego público ou de modalidades de constituição da relação de emprego público, sob pena de inconstitucionalidade orgânica (violando a alínea t) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP, uma vez que o Decreto-Lei n.º 137/2010, de 28 de Dezembro, foi aprovado ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 198.º da CRP – matérias não reservadas à Assembleia da República);
T) Por outro lado, ainda que, como refere o Tribunal recorrido, se possa admitir que “a alteração legislativa ao Estatuto da Aposentação, [se] enquadr[a] no esforço de redução do défice orçamental”, não se aceita que esse esforço ou intuito passe necessariamente pelo alargamento – inconstitucional – do conceito de funções públicas ou de relação de emprego público ou de modalidades de constituição da relação de emprego público;
U) Na realidade, o papel desempenhado pelos peritos avaliadores enquanto indivíduos participantes na administração da justiça é em tudo idêntico aos advogados quando são «nomeados» para exercer o patrocínio oficioso: também estes estão inscritos numa lista oficial (sob custódia da respectiva ordem profissional), sendo do mesmo modo unilateralmente designados para o desempenho dessa actividade e remunerados pelos cofres públicos, e tal não faz deles (advogados) funcionários públicos ou de qualquer modo exercentes de funções públicas.
V) Assim, o exercício das funções de perito avaliador encontra-se excluído do âmbito das “funções públicas”, quer do ponto de vista das “funções públicas” enquanto funções estaduais lato sensu, quer do ponto de vista da “função pública” enquanto emprego público;
W) Aqui chegados, importa ter em conta que o artigo 78.º, n.º 1, do Estatuto da Aposentação estabelece que os aposentados não podem exercer funções públicas remuneradas, sendo que, nos termos das alíneas do n.º 3 daquele normativo, se encontram abrangidos pelo conceito de funções públicas: a) todos os tipos de actividades e de serviços (leia-se actividades públicas e serviços públicos), independentemente da sua duração, regularidade e forma de remuneração; e b) todas as modalidades de contratos, independentemente da respectiva natureza, pública ou privada, laboral ou de aquisição de serviços;
X) À luz do exposto, fácil se torna perceber que a concreta situação dos peritos avaliadores não é subsumível ao disposto nos artigos 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 137/2010, de 28 de Dezembro, na medida em que as funções por si desempenhadas não consubstanciam o exercício de “funções públicas” (mas antes de funções privadas de interesse público) – não preenchendo, por isso, o disposto na al. a) do n.º 3 do artigo 78.º -, para além de que não são titulares de qualquer tipo de relação de emprego público, nem mesmo partes num contrato de prestação de serviços, pelo que também não preenchem o previsto na al. b) do mesmo preceito;
Y) E, tanto assim é, que durante largos anos se interpretaram os referidos preceitos no sentido de não se aplicarem aos peritos avaliadores, sendo essa a novidade que, sem qualquer suporte na letra da lei, o acto administrativo impugnado vem trazer ao ordenamento jurídico, verificando-se que o acabado de alegar faz tanto mais sentido se tivermos presente que as sucessivas alterações aos artigos 78.º e 79 do Estatuto da Aposentação não alteram o âmbito subjectivo dos referidos preceitos, não havendo alteração legislativa nenhuma que motive a mudança do entendimento então defendido: de que os artigos 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação não se aplica aos peritos avaliadores;
Z) É certo que o conceito de funções públicas do n.º 1 do art.º 78.º, sobretudo depois da redacção dada ao n.º 3 do mesmo artigo pelo Decreto-Lei n.º 137/2010, de 28 de Dezembro, apresenta um âmbito algo mais alargado do que o material/funcional, como se verá de seguida: mas esse âmbito antecede e circunscreve o vasto leque das formas e tipos fixado no n.º 3 (isto ao invés da inversão lógica em que incorre o tribunal a quo, quando preenche o conceito do n.º 1 a partir do n.º 3);
AA) «Funções públicas» não são “todos os tipos de actividade e de serviços, independentemente da sua duração, regularidade e forma de remuneração”: não estamos perante um conceito totalmente em branco que irá ser (todo ele) preenchido pela norma do n.º 3 como parece pressupor a sentença recorrida: o entendimento do TAF prova demais, pois torna de todo inútil a prévia qualificação da actividade dos aposentados como «funções públicas remuneradas para…» (art.º 78.º, n.º 1);
BB) O conceito de funções públicas do art.º 78.º, n.º 1, sendo algo mais amplo do que o conceito material/funcional, não é ilimitado: na verdade, o que o legislador quis com a referência do n.º 3 a «todos os tipos de actividades e serviços» e a «todas as modalidades de contratos, independentemente da respectiva natureza pública ou privada, laboral ou de prestação de serviços», foi evitar a fraude à lei, ou seja, quis ele obstar por esta via à prática vigente em muitos organismos públicos que, de há uns anos a essa parte, em razão da quase impossibilidade jurídica de recrutamento de novos trabalhadores (decorrente das fortes restrições ao aumento da despesa pública que se têm feito sentir desde os princípios da década de 2000), recorriam à contratação de aposentados, em regime de prestação de serviços, para desenvolver nesse regime tarefas por definição públicas;
CC) Note-se que nos estamos a reportar a um sentido algo mais amplo do termo «funções públicas» do que o sentido material/funcional – a saber, a toda a actividade de serviço público, o mesmo é dizer, a toda e qualquer tarefa desenvolvida no seio dos organismos públicos, incluindo empresas públicas (mesmo as empresas públicas societárias);
DD) Pretendeu assim o legislador do Estatuto da Aposentação abranger na previsão do artigo 78.º todas as tarefas em que se traduz tal actividade de serviço público, tarefas essas por definição imprescindíveis ao funcionamento da máquina administrativa e empresarial pública, e por isso normalmente confiadas a funcionários com vínculo laboral, público ou privado – sendo que, nessa prática nociva, eram elas (tarefas), as mais das vezes, desempenhadas no organismo contratante pelos próprios aposentados desse mesmo organismo (agora «ressurgidos» nas vestes de «prestadores de serviços») antes da respectiva aposentação…
EE) Uma vez que a actividade dos peritos da Lista Oficial é por legal definição uma actividade liberal que nunca foi «internalizada» em nenhum organismo público (sendo por definição essa actividade dos recorrentes exercida antes da sua reforma ou aposentação, distinta e paralela à actividade assalariada que eles exerciam), quanto a ela não se coloca a questão de ter sido visada pelo n.º 3 do art.º 78.º: não estamos – repita-se, por definição – perante aposentados que voltem ou pretendam «voltar ao activo» sob as vestes de prestadores de serviços);
FF) Poderia contudo dizer-se que, não estando a dita actividade dos peritos abrangida por esse mais alargado âmbito de aplicação da norma, é ela (por assim dizer involuntariamente) formalmente reconduzível ao sentido mais estrito (mas também abrangido pelo conceito) de funções públicas em sentido material/funcional: mas como se demonstrou acima de modo – crê-se – exaustivo, não é o caso;
GG) Resumindo e concluindo, a sentença recorrida labora em erro de julgamento, nos termos supra descritos, verificando-se que, ao contrário do que ficou decidido, o acto administrativo impugnado padece de vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito.
HH) Relativamente à questão dos honorários pagos aos peritos avaliadores, o Tribunal a quo entende que os mesmos advêm do erário público, ora porque as entidades expropriantes são públicas (mas podem não ser), ora porque os expropriados beneficiam de apoio judiciário (mas podem não beneficiar), concluindo, por esse motivo, que os peritos avaliadores exercem “funções públicas”;
II) Ora, os honorários e as despesas dos árbitros são pagos pela entidade expropriante, mediante apresentação de factura devidamente justificada e de acordo com o Código das Custas Judiciais;
JJ) No entanto, esses montantes são imputados às partes no âmbito das custas de parte (sejam ou não as partes entidades públicas), por consubstanciarem retribuições devidas a intervenientes acidentais (como acontece com os peritos), pelo que o pagamento dos honorários dos peritos é efectuado pelas partes do processo;
KK) Assim, caso se entendesse que se aplica aos peritos avaliadores o regime previsto nos artigo 78.º e 79 do Estatuto da Aposentação, quando a entidade expropriante fosse uma entidade privada, verificar-se-ia uma situação de enriquecimento sem causa por parte do Estado, na medida em que se o perito – forçado a optar – optasse pelos honorários em detrimento da pensão de reforma ou de aposentação, então o Estado nem pagava os honorários, nem pagava a pensão;
LL) Mas, na hipótese inversa, se a entidade expropriante for pública, também ocorreria uma situação de enriquecimento sem causa por parte do Estado, sempre que o perito optasse pela pensão de reforma em detrimento dos honorários e a entidade expropriante viesse a ser ressarcida em sede de custas de parte, arrecadando, assim, indevidamente uma verba que não dispensou para o fim a que a mesma se destinava: pagar os honorários do perito.
MM) Por outro lado, a invocação do apoio judiciário, nesta sede, com o faz o Tribunal quo, não contém razão de ser, uma vez que o mesmo está previsto para suprir situações de carência económica que nada têm que ver com o objecto dos presentes autos;
NN) Note-se que o entendimento aqui perfilhado é, quanto à matéria dos honorários dos peritos, reforçado pelo Despacho n.º 292/2013, em 31 de Outubro de 2013, da autoria do Exmo. Senhor Secretário de Estado Adjunto e do Orçamento, que concordou com a Nota subordinada ao assunto “acumulação de funções por peritos avaliadores: natureza das funções a acumular” e que conclui pela não subsunção da situação dos peritos avaliadores ao disposto nos artigos 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação, na redacção dada pelo Decreto- Lei n.º 137/2010, de 28 de Dezembro.
OO) O referido Despacho exclui os peritos avaliadores do âmbito de aplicação dos artigos 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação, na medida em que a remuneração auferida pelos peritos “não é uma remuneração devida pelas partes pela prestação de um serviço, é antes uma despesa realizada no âmbito de um processo judicial, que pode ser imputada às partes, total ou parcialmente, de acordo com as regras de pagamento das custas judiciais, que integram os encargos do processo, resultantes das despesas com a condução do processo requeridas pelas partes ou ordenadas pelo juiz da causa”;
PP) E acrescenta, dizendo que “considerar esta remuneração uma remuneração pública nos termos do artigo 78.º EA parece-nos desenquadrado quando o serviço não é prestado a nenhuma das entidades previstas naquele preceito legal, mas à administração judiciária, que não suporta aquele encargo”;
QQ) Por outro lado, como bem assinala o Despacho n.º 292/2013, em 31 de Outubro de 2013, “a autoridade judiciária titular do processo [não tem] legitimidade para designar apenas peritos avaliadores não aposentados constantes da lista oficial de peritos ou a de decidir sobre a imputação ao processo do encargo com a remuneração do perito, em função da parte a quem cumprirá pagar as custas judiciais”;
RR) Aliás, interpretar-se a lei nos termos que resultam do acto impugnado significaria tratar de forma desigual os peritos avaliadores reformados em relação aos peritos avaliadores não reformados, visto que estes podem cumular a actividade remunerada de peito avaliador com outra actividade remunerada qualquer, seja a mesma exercida no sector privado ou no sector público;
SS) Acresce que, prevendo os artigos 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação a possibilidade de cumular funções desde que previamente autorizadas, ficaríamos sempre sem perceber em que termos seria feita a opção entre a remuneração da actividade ou a pensão, visto que os peritos avaliadores recebem pelos serviços efectivamente prestados, cujo pagamento é feito, por regra, passados vários meses de prestado o serviço, o qual, em relação a cada um dos processos, também não é prestado num único momento mas sim de forma faseada;
TT) Assim, não recebendo os peritos avaliadores um montante mensal fixo pela actividade que desenvolvem, não se alcança de que mês ou meses de pensão o perito teria de prescindir para receber a remuneração de um determinado processo, ou vice-versa;
UU) Ou seja, como também facilmente se constata pela questão prática apresentada, é evidente que o regime previsto nos artigos 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação não está, sequer, pensado para ser aplicado aos peritos avaliadores;
VV) Realce-se, ainda, que o referido Despacho 292/2013, de 31 de Outubro, foi já acolhido pela Caixa Geral de Aposentações, conforme resulta da notificação remetida a um dos recorrentes dos presentes autos a 05.12.2013;
WW) Consequentemente, ainda que se entenda que os peritos avaliadores exercem funções públicas, o que não se concede, sempre as referidas funções ficariam a salvo da aplicação dos artigos 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação, em razão da natureza da remuneração que lhes corresponde;
XX) Deste modo, e mais uma vez, o acórdão recorrido labora em erro de julgamento, nos termos supra descritos, pelo que deverá ser substituído por acórdão que considere verificados os pedidos formulados procedentes;
YY) Com efeito, as funções exercidas pelos peritos avaliadores não se identificam com o exercício de funções públicas, correspondendo, antes, ao exercício de funções privadas de interesse público, pelo que a DGAJ, ou qualquer outra entidade que partilhe o entendimento plasmado no acto de 24.01.2011, ao praticar actos que aplicam os artigos 78.º e 79.º a uma situação fáctica distinta da que neles, realmente, se encontra prevista, incorre em vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto;
ZZ) Por outro lado, caso se entenda que os peritos avaliadores exercem funções públicas - o que apenas se admite por mero dever de patrocínio -, o acto administrativo impugnado ainda assim incorreria (e incorre) no mesmo vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto, uma vez que a remuneração que lhes é devida não pode ser considerada uma remuneração sobrevinda dos cofres públicos, não se enquadrando, por conseguinte, nos objectivos de contenção orçamental que presidiram aos artigos 78.º e 79.º do Estatuto da aposentação;
AAA) Acresce que, mesmo que fosse correta a interpretação dos artigos 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação adoptada pelo tribunal a quo, nunca poderiam estes normativos assim interpretados “ampliar” o conceito de funções públicas ou de relação de emprego público ou de modalidades de constituição da relação de emprego público, sob pena de inconstitucionalidade à luz do artigo 165.º, n.º 1, al. t) da CRP, pelo que e, mais uma vez, padece a interpretação da DGAJ, plasmada no acto de 24.01.2011, de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito;
BBB) Mais se diga que a aplicação dos artigos 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação aos peritos avaliadores aposentados contraria o Princípio da Legalidade, consagrado no artigo 266.º da CRP e previsto no artigo 3.º do CPA;
CCC) Por fim, as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 137/2010 em nada alteram o âmbito subjectivo dos artigos 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação, constatando-se que os mesmos sempre foram interpretados pela Administração no sentido de não serem aplicáveis aos peritos avaliadores – nomeando peritos avaliadores aposentados para os processos e pagando aos mesmos por essa actividade –, pelo que o acto administrativo impugnado, ao acolher uma interpretação de todo contraditória com o referido comportamento, viola o princípio da boa-fé consagrado no artigo 6.º-A do CPA;
DDD) Face a todo o exposto, é manifesta a ilegalidade do acto administrativo impugnado, o qual padece de vários vícios de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito, por violação do princípio da legalidade e, ainda, por violação do princípio da boa-fé, razões pelas quais deverá ser revogado o acórdão de que se recorre e substituído por outro que julgue procedentes os pedidos formulados pelos recorrentes;
EEE) Finalmente, o Tribunal a quo não se pronunciou sobre o pedido de reconhecimento de situação jurídica subjectiva formulado pelos autores na petição inicial, facto que determina a nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia, na exacta medida em que não se pronunciou sobre questões que deveria conhecer, violando o sobredito artigo 668.º, n.º 2 do CPC ex vi artigo 1.º do CPTA, a qual se invoca para todos os efeitos legais ao abrigo do disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. d) do CPC ex vi artigo 1.º do CPTA.
Os recorrentes após Acórdão de 20 de Junho de 2014, onde se esclareceu que a decisão em causa também considera improcedente o pedido de reconhecimento do presumido direito, entendendo-se, em suma, que aos Impetrantes são aplicáveis os artigos 78.º e 79.º do EA, na atual versão, apresentaram alegações complementares onde consideram que as alegações apresentadas quando do recurso da decisão também englobam a presente decisão.
O Recorrido Ministério da Justiça contra-alegou tendo apresentado as seguintes conclusões:
A. A DGAJ publicou na sua página eletrónica, no dia 26 de Janeiro de 2011,o “Comunicado aos Peritos Avaliadores” (adiante abreviadamente referido como o Comunicado), subscrito, por delegação de competência, pela Senhora Sub-Diretora-Geral, em 24 de Janeiro de 2011.
B. O Comunicado impugnado enuncia, para maior esclarecimento dos seus destinatários, algumas orientações emanadas das disposições legais do Estatuto da Aposentação (doravante, EA), nomeadamente os artigos 78.º e 79.
C. Face à alteração legislativa referida, incidente nos artigos 78.º e 79.º do EA, bem como a dúvidas suscitadas pela Inspeção-Geral de Finanças (doravante, IGF), sobre a forma de recomendações verbais, atenta a presença (indevida) de aposentados nas listas oficiais de peritos avaliadores, a DGAJ diligenciou pela emissão de um comunicado aos peritos avaliadores em 24.01.2011, por entender que, face à lei em vigor (e não por criar uma situação inovadora ou por desencadear uma obrigação ou dever até então inexistentes), os aposentados só poderiam exercer funções de peritos avaliadores quando cumprissem os requisitos presentes nos artigos 78.º e 79.º do referido Estatuto, de forma a evitar que estes estivessem a incorrer numa ilegalidade.
D. Os peritos interessados deveriam exercer a opção que a lei lhes confere, decidindo sobre se querem manter a pensão ou, ao invés, receber a remuneração que auferiam em função do exercício de funções de perito avaliador (atento o impedimento relativo à cumulação de remunerações), nos termos do n.º 2 do art.º 79.º. do EA.
E. Este Comunicado assume (na esteira do entendimento daquela IGF) que os peritos avaliadores, que constam das listas oficiais, exercem funções de natureza pública, sujeitando-os, por isso, à teleologia daquelas disposições legais do EA.
F. Refere expressamente que, por se tratarem de funções públicas, remuneradas, os peritos avaliadores que estejam aposentados e sejam beneficiários de uma pensão devem pedir uma autorização para o exercício de tais funções aos membros do Governo responsáveis pela área das Finanças e da Administração Pública e que uma vez autorizados a exercer funções públicas não podem cumular o recebimento da pensão com qualquer remuneração correspondente àquelas funções pelo que deverão optar pelo pagamento da pensão ou da remuneração (Cfr. Comunicado DGAJ de 26 de janeiro de 2011, fls…).
G. Este entendimento decorre da interpretação de vários princípios do nosso ordenamento jurídico aplicáveis à situação dos peritos avaliadores e não apenas do EA.
H. Desta forma, a DGAJ revelou um empenho superior àquele que lhe era exigível de forma a evitar que os interessados estivessem a incorrer numa ilegalidade, não tendo procedido à supressão automática dos aposentados das listas oficiais, mas antes promovendo a divulgação da informação sobre a opção que a lei prevê-se querem manter a pensão ou exercer funções públicas procurando que incorressem em ilegalidade.
I. A qualificação da função de perito avaliador como uma “função pública”, para efeitos de aplicação dos artigos 78.º e 79.º do EA, determinou a discordância por parte de alguns peritos avaliadores que constam das listas oficiais e que estão, atualmente, aposentados, motivando, de resto, a propositura da ação administrativa especial aqui em apreciação.
J. A 11.12.2013, o TAF do Porto veio dar razão à Entidade Administrativa Demandada, indeferindo na totalidade a pretensão dos AA., ora Recorrentes, e confirmando plenamente a interpretação legislativa assumida pela DGAJ no citado Comunicado, ou seja entendendo que as funções exercidas pelos peritos avaliadores são funções públicas remuneradas e como tal, aqueles que estariam aposentados estariam abrangidos pelas obrigações decorrentes dos artigos 78.º e 79.º do EA, pelo que o incumprimentos das regras decorrentes destes preceitos determinaria uma ilegalidade da sua parte.
K. Vêm os Recorrentes recorrer do Douto Acórdão proferido pelo TAF do Porto em 11.12.2013, que desde já se subscreve na íntegra, por não se conformar com o entendimento, central a toda a questão, de que aos peritos avaliadores, não se lhes aplica o disposto nos artigos 78.º e 79.º do Estatuto da Aposentação (EA), por não exercerem quaisquer funções públicas.
L. Tais funções são efetivamente “funções públicas” e são remuneradas nessa qualidade, nos termos e para os efeitos dos artigos 78.º e 79.º do EA.
M. O Estatuto da Aposentação regula, entre outras matérias, o regime do exercício de funções públicas por aposentados e mantém, mesmo com as alterações legislativas introduzidas, a sua teleologia de não permitir, como regra geral, os aposentados de exercerem «funções públicas remuneradas para quaisquer serviços da administração central, regional e autárquica, empresas públicas, entidades públicas empresariais, entidades que integram o sector empresarial regional e municipal e demais pessoas coletivas públicas» (n.º 1 do artigo 78.º do EA).
N. O entendimento de que os peritos avaliadores, que constam das listas oficiais, exercem funções públicas, não resulta, diretamente, da alteração legislativa de Dezembro de 2010 (este já era reconduzível, pelo menos, ao Decreto-Lei de 2005), ainda que a DGAJ só recentemente, após recomendação da IGF, tenha alertado os peritos que se encontrassem na situação de aposentação para a possibilidade de poderem estar a incorrer numa ilegalidade.
O. Nem sequer foi a partir desta última alteração ao EA a que tais incompatibilidades aplicáveis aos peritos avaliadores, uma vez que não é o EA que nos oferece os conteúdos para densificar o conceito de função pública. Esse conteúdo resulta de uma interpretação coerente e harmoniosa de várias disposições normativas que, reconduzidas ao EA, nos levam a considerar que os peritos avaliadores desempenham funções públicas de natureza pública, e que devem estar sujeitos às incompatibilidades previstas nos artigos 78.º e 79.º do EA.
P. Como conclui de forma feliz, o Douto Tribunal a quo, na sequência da resenha da evolução dos comandos legais aplicados a esta figura jurídica ao longo do tempo, que faz no seu Douto Acórdão, existem ilações que são transversais às três versões legislativas, e que resultam da intenção sempre presente (e vontade) do legislador de que não seja fomentada o regresso massivo à vida ativa dos aposentados de modo a proporcionar o seu merecido descanso permitindo a renovação dos quadros deixando lugar para os mais recentes.
Q. Entende-se que o legislador fixa um regime de aposentação que, por regra, é definitivo, salvo autorização expressa, com fundamentação em interesse público excecional (mais recentemente, desde 2010) nos termos do artigo 78.º, n.º1, alínea b) e n.º 2, da versão de 2005, e art. 78.º, n.º 1, da versão de 2010).
R. Se antigamente tal acumulação, sendo autorizada, permitia ao aposentado manter a pensão e o abono de 1/3 da remuneração, agora, face ao regime de 2010, não pode acumular qualquer parte, tendo de optar entre um e outro. (Cfr. Acórdão Recorrido, p. 7).
S. Há uma clara evolução para uma maior excecionalidade da acumulação da aposentação com funções remuneradas conjugado com um alargamento do tipo e natureza de funções “públicas” abrangidas pelo alcance deste normativo, do qual o Douto Tribunal a quo tomou devida nota: “Eis que surge a versão de 2010, da qual derivou o ato impugnado, resultando do atrás citado quanto à mesma que agora o legislador opta claramente por impedir os aposentados de exercer “funções públicas remuneradas” em quaisquer serviços da Administração Pública, indo ao ponto de densificar/explicitar as situações que considera abrangidas no conceito de exercício de funções dizendo que aquela proibição inclui »a) todos os tipos de atividade e de serviços, independentemente da sua duração, regularidade e forma de remuneração; b) Todas as modalidades de contratos, independentemente da respetiva natureza, pública ou privada, laboral ou de aquisição de serviços.»
Ora como é evidente, o legislador “apertou a malha”, criando com aquelas duas alíneas uma fórmula praticamente intransponível, cabendo naquele impedimento toda e qualquer situação de exercício de funções públicas pelos aposentados.”
(Cfr. p. 8 do Acórdão Recorrido do TAF do Porto).
T. Foi precisamente em cumprimento da vinculação ao princípio da legalidade a que se encontra adstrita a Administração Pública que se entendeu que estas situações careciam de ser identificadas e corrigidas, uma vez que se entende que os peritos avaliadores devem poder optar por continuar a desempenhar a sua função apesar de estarem adstritos aos artigos 78.º e 79.º do EA, prevendo este último a suspensão do pagamento da pensão quando o aposentado optar por receber a remuneração correspondente ao exercício de funções de perito, como, de resto, já foi acautelado por alguns peritos avaliadores que fazem parte das mesmas listas oficiais dos autores.
U. É neste contexto que surge o Comunicado da DGAJ, ora impugnado, e cujo entendimento é confirmado, na totalidade, pelo Acórdão recorrido.
V. Entende a Entidade Administrativa Demandada, ora Recorrida, que não existe qualquer vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto ou de direito, uma vez que a DGAJ não ampliou o conceito de funções públicas quando aplicou o artigo 78.º do EA, ou seja, não inaugurou, por si, e através de uma interpretação alargada desta norma, como sugerem os Recorrentes, um conceito novo de função pública ao qual reconduziu os peritos avaliadores.
W. Atento o disposto nas alíneas a) e b), do n.º 3, do art.º 78.º, do EA, como refere igualmente o Douto Tribunal no Acórdão recorrido, o conceito de exercício de funções [públicas] inclui: “todos os tipos de atividade e de serviços, independentemente da sua duração, regularidade e forma de remuneração” e, por outro, “todas as modalidades de contratos, independentemente da respetiva natureza, pública ou privada, laboral ou de aquisição de serviços”.(realce nosso)
X. Ainda que os Recorrentes defendam no seu recurso que o legislador não quis criar no n.º 3 do artigo 78.º (pelo Decreto-Lei n.º 137/2010, de 28 de dezembro) um conceito em branco para preencher o conceito de “funções públicas” fixado no n.º 1 do art. 78.º do EA, é certo que, como muito bem defende o TAF do Porto no seu Douto Acórdão ora recorrido, o que o legislador procura, reiterando a sua intenção no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 137/2010, de 28/10 é: “eliminar a possibilidade de acumulação de vencimentos públicos com pensões do sistema público de aposentação”. (sublinhados nossos) Ou seja, o legislador considerou, como bem entendeu o Douto Tribunal a quo, que a aplicação do artigo 78.º do EA se estende a qualquer situação em que o Estado se veja na contingência de pagar ao mesmo sujeito um valor por estar aposentado e outro por estar no ativo prestando-lhe algum serviço.
Y. Destarte, estas funções, reforçando a nossa posição relativamente à sua caraterização pública, inserem-se num conceito âmbito alargado da administração judicial, designadamente, através do processo de expropriação litigiosa, conforme resulta do Código das Expropriações (CE), aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro, cabendo, nessa medida, aos peritos a verdadeira tarefa de colaborar com a máquina judicial no exercício das suas funções, de uma forma isenta e imparcial, como agente de prova, ao serviço do Tribunal e do interesse público mas, essencialmente, indispensável à boa administração da justiça.
Z. Não existe qualquer dúvida, nem por parte da DGAJ nem por parte do Douto Tribunal a quo, que as funções exercidas pelos peritos avaliadores ao serviço do tribunal, são juridicamente e efetivamente “funções públicas” nos termos e para os efeitos de estarem abrangidos pelas citadas disposições do EA.
AA. Nem poderá vingar a tese de que a atividade dos peritos avaliadores é uma atividade liberal e por conseguinte não pode consubstanciar o exercício de funções públicas no sentido material funcional. A relação jurídica de emprego estabelecida entre a administração e o agente (perito avaliador) é efetivamente uma relação de sentido orgânico, em que o agente constitui um elemento da “máquina” administrativa, onde nem o Estado é encarado como empregador nem o trabalhador é visto nesta condição, bem pelo contrário, o Estado surge como representante do interesse público e o particular é um mero agente desse mesmo interesse.
BB. Trata-se, antes, claramente, de um serviço de natureza pública, no interesse público, prestado à administração da justiça e que gera um encargo a suportar por uma das partes.(Cfr. Artigo 3.º e 16.º e 17.º do Regulamento das Custas Processuais, e art. 532.º e ss. Do CPC).
CC. As funções de perito avaliador são funções públicas, de prestação de serviços à administração judiciária, ao serviço do interesse público não podendo vingar a tese aqui trazida a lume pelos Recorrentes de que as funções dos peritos avaliadores se tratam, no limite, de funções privadas de interesse público.
DD. Acrescente-se que subscrevemos inteiramente a fundamentação explanada no Douto Acórdão ora Recorrido, indo ao encontro da posição sustentada pela Recorrida perante o TAF do Porto, de que as funções exercidas por peritos avaliadores são efetivamente “funções públicas” pois (i) tais funções não se caracterizam pela subordinação e hierarquização como bem sublinham a função dos magistrados judiciais que exercem “funções públicas” de soberania; (ii) o facto de serem funções altamente técnicas não lhes retira a natureza de funções públicas, como no caso de inúmeros investigadores científicos que laboram no sector público universitário; (iii) o facto de terem um diploma que regula as condições de exercício das funções de perito (Cfr. Decreto-Lei n.º 125/2002, de 10/05, alterado pelo Decreto-Lei n.º 12/2007, de 19/01 e pelo Decreto-Lei n.º 94/2009, de 27/04) não só não permite defender que as funções dos peritos não são funções públicas como, inversamente, sustentam como diz o Douto Acórdão recorrido, “que logo aqui se encontra um primeiro indício de que as funções dos PA são de interesse e relevância pública, pois se assim não fosse, o Estado não teria avançado com legislação específica para tais profissionais.”
EE. Os peritos avaliadores exercem funções de natureza pública e têm de prosseguir o interesse público, observando os princípios da legalidade, justiça, igualdade, proporcionalidade, imparcialidade e boa-fé (artigo 2.º do CE), em virtude da especificidade das tarefas que são chamados a desempenhar, não podendo aqueles ignorar que, no decurso da sua atividade, também poderá estar em causa o exercício de poderes de autoridade Estadual, nomeadamente, os poderes de superintendência e de certificação.
FF. Estes princípios basilares que regulam a atividade dos peritos avaliadores que constam da lista oficial (e que não envolvem a atuação dos peritos indicados pelas partes dos quais os peritos avaliadores da lista oficial se distinguem claramente em muitos aspetos) são uma concretização dos princípios constitucionais previstos no artigo 269.º, n.º 1 da Lei Fundamental.
GG. A inserção na Constituição da República Portuguesa (CRP) de um artigo cuja epígrafe é “regime da função pública” revela, desde logo, que o legislador constituinte optou por um modelo específico de organização dos recursos humanos da Administração Pública, cuja justificação reside na prossecução do interesse público, enquanto objetivo constitucionalmente imposto à Administração Pública, e na vinculação aos princípios constitucionais materiais (a igualdade, a proporcionalidade, a boa-fé, a justiça e a imparcialidade).
HH. Aliado a estes argumentos, encontramos algumas considerações feitas pelo Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados (Cfr. Pareceres do Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados. Consultas n.º 27/2008 e 35/2008, in Triénio, Volume I, 2008-2010, 117-127.) mas, essencialmente, pelo Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (Parecer do Conselho Consultivo da PGR n.º P000671991, de 05 de Março, 1992, Parecer n.º 98/87, de 19 de Fevereiro, Parecer n.º 103/87, de 9 de Fevereiro de 1989, Parecer n.º P000521989, de 19 de Maio de 1989, e Parecer n.º P000021997, com data de votação a 10 de Abril de 1997.máxime, o Parecer n.º P005982000, de 15.06.2001, (Publicado no Jornal Oficial de 07/02/2002), que, detalhadamente, se pronunciou sobre o conteúdo deste conceito, afirmando, designadamente, que «em geral, entende-se que a definição constitucional da função pública corresponde ao sentido amplo que é atribuído à expressão em direito administrativo, designando qualquer atividade exercida ao serviço de uma pessoa coletiva pública, qualquer que seja o regime jurídico da relação de emprego (…) e independentemente do seu carácter provisório ou definitivo, permanente ou transitório» (sublinhado nosso).
II. Este exercício ao serviço de uma pessoa coletiva de direito público constitui, no entendimento daquele Conselho Consultivo, o elemento essencial da definição do agente administrativo, não relevando o carácter público ou privado do título pelo qual o indivíduo exerça a sua atividade.
JJ. Também é invocado pelos Recorrentes, que artigo 9.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, determina de forma taxativa as modalidades de constituição de uma relação jurídica de emprego público (a saber, nomeação, comissão de serviço e contrato de trabalho) e que os peritos avaliadores não exercem funções ao abrigo de nenhuma destas modalidades de vinculação. (cfr. ponto O) das conclusões) mas tal disposição tem de ser lida em harmonia com todo o diploma legal, o que não nos permite afastar o conteúdo do artigo 2.º que estabelece que:
“1 - A presente lei é aplicável a todos os trabalhadores que exercem funções públicas, independentemente da modalidade de vinculação e de constituição da relação jurídica de emprego público ao abrigo da qual exercem as respetivas funções.
2 - A presente lei é também aplicável, com as necessárias adaptações, aos atuais trabalhadores com a qualidade de funcionário ou agente de pessoas coletivas que se encontrem excluídas do seu âmbito de aplicação objetivo” (sublinhado nosso).
KK. Esta norma, aliada ao artigo 3.º do mesmo diploma, permite-nos adotar o raciocínio elaborado pela Procuradoria-Geral da República, no Parecer n.º 73/2007, (Cfr.DR, n.º 12, IIª Série, de 18 de Janeiro de 2011, p. 3689) sobre a dissemelhança entre o pessoal dos gabinetes dos Grupos Parlamentares e as relações jurídicas de emprego público, tradicionalmente estabelecidas por contrato de trabalho ou nomeação, mas que não afastam a natureza pública das funções desempenhadas pelos primeiros.
LL. Do entendimento que sobressai daquele Parecer, nos argumentos que possam aqui ser adequados, reforça a alegação de que também os peritos avaliadores exercem funções de relevância pública no seio dos órgãos judiciais e que o artigo 78.º do Estatuto da Aposentação “(…) não permite o exercício por aposentados mesmo em regime de contrato de tarefa ou de avença (…) nem em regime de prestação de serviços”, num claro alargamento das situações abrangidas por este impedimento, comparativamente com as disposições legais anteriores sobre esta matéria.
MM. Novamente, se reitera que neste caso não releva para a boa decisão da causa a qualificação da modalidade da relação jurídica em que assenta o exercício das funções de perito avaliador, uma vez que uma função de natureza pública pode ser exercida mesmo em regime de contrato de tarefa ou de avença. O que, de facto, releva é que essas funções se revistam de relevância pública.
NN. O próprio regime decorrente do Código das expropriações, aprovado pela Lei 168/99, de 18 de setembro, caracteriza esta atividade como pública. Analisando o regime para o exercício de funções de perito avaliador (Decreto-lei n.º 125/2002, de 10 de Maio, com as alterações introduzidas pelo Decreto-lei n.º 12/2007, de 10 de Julho, que estabelece as condições de exercício das funções de perito avaliador (EPA), verifica-se que o perito avaliador é admitido através de concurso aberto por despacho do Diretor-Geral da Administração da Justiça.
OO. Os conceitos como “concurso”, “aviso de abertura”, “listas de candidatos” e “métodos de seleção”, “classificação final” e “homologação”, usados para recrutar e compor a listagem dos peritos avaliadores, pela DGAJ, bem como a exigência de que os candidatos não estejam inibidos do exercício de funções públicas, sejam ajuramentados perante o presidente do tribunal da relação do respetivo distrito judicial sublinham e reforçam a natureza pública de tais funções. Não a sua natureza privada.
PP. Também se repudia o paralelismo que o Recorrente procura estabelecer com a profissão de advogado de forma a sustentar que as funções desempenhadas pelos peritos avaliadores são “funções privadas de natureza pública” (cfr ponto U) das Conclusões das Alegações de Recurso).
QQ. Entende a Recorrida que não existe, evidentemente, qualquer semelhança ou paralelo com a situação dos advogados nem mesmo com os advogados designados ao abrigo do patrocínio oficioso, pois estes, ainda que pagos pelo erário público, em nome do principio constitucional de acesso à justiça, não deixam de representar as partes estando, por isso, na relação jurídica subjacente, abrangidos pelos mesmos deveres deontológicos que qualquer advogado agindo em representação de interesses dos seus constituintes, não os do Estado.
RR. Os peritos designados pelo Estado no âmbito do Código das Expropriações têm como função agir como “fiel de balança” em defesa da legalidade e da justiça - interesses de natureza pública inegável, ao serviço da administração judiciária, - são designados pelo tribunal para assistir de forma material, no exercício da função judicial. Não existe entre a parte e o perito avaliador qualquer relação direta, de direitos e deveres entre partes, para prestação de serviços. O que seria contraditório até com o fim da sua designação.
SS. Não assiste qualquer razão aos Recorrentes quando defendem que os peritos avaliadores desempenham funções públicas de interesse privado, pois tais funções são funções púbicas de interesse público como bem concluiu o Douto Tribunal “a quo”.
TT. Pretendem os Recorrentes ver no pagamento dos honorários dos peritos avaliadores uma confirmação da natureza “privada” de tais funções e excluir os peritos avaliadores do âmbito de aplicação dos artigos 78.º e 79.º do EA, mas não lhes assiste razão pois, desde já, há que colocar esta análise na perspetiva correta pela caracterização, como afirma bem o Recorrente, de que tais honorários são um encargo do processo (não se tratam de custas de parte- Cfr. artigo 3.º, 16.º e 17.ºdo RCJ) da responsabilidade das partes, que constitui um “custo processual” (taxas de justiça, encargos e custas de parte, ibidem).
UU. São serviços solicitados pela administração judiciária, pelo juiz, que geram um encargo, que pode ser imputado às partes, sendo que, muitas vezes, como salientou, e bem, o Douto Acórdão Recorrido, a Parte é o próprio Estado. (cfr. Acórdão recorrido p.14)
VV. Diz o Douto Tribunal a quo, o seguinte: “É que, tratando-se de processos de expropriação, a regra é a de que os honorários aos peritos, pelo menos parcialmente, serão pagos pelo erário público (…)”. Não se tratam de honorários pagos na sequência de um contrato de prestação de serviços mas um encargo decorrente de um ato solicitado pelo tribunal e suportado in fine partes (Cfr. 532.º, n.º2 d Código de Processo Civil). Acresce que, o facto de o Artigo 19.º do RCJ estabelecer que o Instituto de Gestão Financeira suporta de forma adiantada os encargos decorrentes de um processo serve também para reforçar a ideia de que os serviços prestados são serviços prestados ao tribunal, de interesse público e de natureza pública.
WW. Salvo melhor opinião, a interpretação e análise da aplicabilidade do artigo 78.º e 79.º EA deve ser feita do ponto de vista do titular dos rendimentos, pois não se deve perder de vista o objetivo desta norma e o destinatário da norma. Ainda que seja uma despesa do tribunal, ou um encargo, como referimos atrás, do ponto de vista do aposentado é um rendimento do seu trabalho, da prestação dos seus serviços públicos de natureza pública. Ou seja, os artigos 78.º e 79.º do EA devem ser interpretados do ponto de vista da natureza da retribuição para quem recebe e não para quem paga.
XX. Mais não colhem os argumentos de que não assiste aos peritos efetuar a escolha entre a pensão e a remuneração paga, de forma descontínua, pelas suas funções enquanto perito avaliador por esta remuneração não corresponder a um montante mensal fixo pois trata-se de uma prestação de serviços e não um contrato de trabalho, o que não deixa de ser rendimento do trabalho (independente) dos peritos e tributado como tal. Ou seja, o que é pago é o serviço e nos termos fixados e aceites pelos peritos de antemão. (Cfr. Tabela I anexa ao RCP).
YY. 1Também não pode proceder a alegação de nulidade da decisão recorrida, designadamente por omissão de pronúncia ou erro da decisão, invocada pelo ora Recorrente, pois o Douto Acórdão proferido nos presentes autos é plenamente válido e eficaz, não padecendo de qualquer vício.
ZZ. O Douto Tribunal “a quo” pronunciou-se de forma clara sobre a pretensão do Exequente, indeferindo-a. No seu Acórdão ao que indefere totalmente a pretensão dos AA. mantendo o ato administrativo impugnado, isto é a interpretação da DGAJ, na sequência das instâncias do Ministério das Finanças, das normas dos artigos 78.º e 79.º do EA, quanto aos Peritos Avaliadores. Quanto a estes o Douto Tribunal “a quo” estabeleceu, de forma clara e inequívoca, que as funções dos peritos avaliadores são “funções públicas”.
AAA. Aliás, na definição do seu “Objeto do Recurso”, os Recorrentes pediram ao Venerando Tribunal que este reconheça a situação jurídica subjetiva declarando que as funções exercidas pelos peritos avaliadores não constituem “funções públicas” (cfr. Alegações de Recurso II, al. B). Ora não existe qualquer dúvida que o Douto Tribunal se pronunciou efetivamente sobre tal pedido, considerando que as funções dos peritos são funções públicas tendo, neste pressuposto, indeferido o pedido dos AA, ora Recorrentes.
O recorrido Caixa Geral de Aposentações contra-alegou tendo apresentado as seguintes conclusões:
1. O douto Acórdão recorrido fez correta interpretação e aplicação da lei, pelo que não merece a censura que lhe é dirigida pelos ora Recorrentes.
2. As funções de peritos avaliadores oficiais consubstanciam “funções públicas remuneradas” para os efeitos dos artigos 78º e 79º do Estatuto da Aposentação, na redação introduzida pelo Decreto-Lei nº 137/2010, de 28 de dezembro, conforme bem decidiu o Acórdão recorrido.
3. Tais funções inserem-se no âmbito da atividade pública necessária à administração da justiça em sede do procedimento e do processo expropriativos, em concreto, em sede dos procedimentos relativos à declaração de utilidade pública e à efetivação da posse administrativa, bem como do processo de expropriação litigiosa, conforme resulta do Código das Expropriações, aprovado pela Lei nº 168/99, de 18 de Setembro, com as alterações introduzidas pela Lei nº 56/2008, de 4 de setembro.
4. Daquele regime, resulta que os peritos avaliadores têm um regime específico de recrutamento e acesso, não havendo quaisquer dúvidas de que se trata de um procedimento concursal público, a que sempre serão aplicáveis, ainda que subsidiariamente, as regras gerais constantes da Lei nº 12-A/2008, de 27 de fevereiro.
5. A atividade dos peritos é um instrumento fundamental e indispensável (daí a sua obrigatoriedade) à administração da justiça, para que o Tribunal possa decidir sobre a justa indemnização a atribuir aos expropriados, pelo que não há qualquer dúvida quanto ao serviço público que prestam.
6. Por essa razão, os peritos avaliadores nas expropriações estão igualmente sujeitos ao regime de impedimentos previsto para os Juízes nos termos do n.º 1 do artigo 571º do Código de Processo Civil, ex vi artigo 16º do Decreto-Lei 125/2002, bem como aos fundamentos de suspeição previstos no n.º 1 do artigo 17º do mesmo diploma.
7. Por outro lado, importa notar que o conceito de funções públicas utilizado no artigo 78º do Estatuto da Aposentação, na redação introduzida pelo citado Decreto-Lei nº 137/2010, abrange todos os tipos de atividade e de serviços, independentemente da sua duração, regularidade e forma de remuneração – artigo 78º, nº3, alínea a).
8. Inclui igualmente todas as modalidades de contratos, independentemente da respectiva natureza, pública ou privada, laboral ou de aquisição de serviços – artigo 78º, nº3, alínea b).
9. Não têm razão, pois, os Autores, ora Recorrentes, ao afirmar que o artigo 78º do Estatuto da Aposentação aplica-se tão somente às relações jurídicas de emprego público, subordinado e hierarquizado. Na verdade, como bem decidiu o douto Acórdão recorrido, o exercício de “funções públicas remuneradas” não tem que ser sempre prestado, única e exclusivamente, pelos servidores tipicamente incorporados no grupo de pessoal da função pública.
10. Na verdade, a ocasionalidade ou aleatoriedade que caracterizam a prestação do serviço de perito e de árbitro não afasta a a caracterização dessas funções como públicas nem tão pouco a aplicação daquele regime de incompatibilidades.
11. Não é igualmente decisivo para afastar a disciplina daqueles comandos legais, afirmar-se que as funções dos peritos judiciais esgotam-se na prestação de serviços às partes, cujo encargo com o pagamento lhes compete. É que as peritagens, no âmbito dos processos judiciais constituem um importante meio de prova, podendo, pois, ser realizadas oficiosamente por determinação do juiz e não por requerimento das partes.
12. Tal circunstância permite-nos afirmar que estamos perante o exercício de uma atividade pública necessária à administração da justiça, razão pela qual se encontra sujeita a um rigoroso controlo legal e deontológico.
13. Não há, pois, dúvidas de que as funções de peritos avaliadores oficiais consubstanciam “funções públicas remuneradas” nos termos e para os efeitos dos artigos 78º e 79º do Estatuto da Aposentação, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 137/2010, de 28 de dezembro.
O Ministério Público, notificado ao abrigo do disposto no artº 146º, nº 1, do CPTA, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
As questões suscitadas e a decidir resumem-se em determinar:
- se o exercício de funções a prestar pelos peritos avaliadores consubstancia uma forma de exercício de funções privadas de interesse público ou de funções públicas, para os efeitos dos artigos 78º e 79º do Estatuto da Aposentação, com a redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 137/2010, de 28 de Dezembro.
2– FUNDAMENTAÇÃO
2.1 – DE FACTO
Na decisão sob recurso ficou assente o seguinte quadro factual:
1.º - Os AA. encontram-se aposentados (facto admitido pelo 1.º R e pela R. CGA no artigo 1.º da sua contestação - cf. ainda os documentos de fls. 104 a 175 dos autos do processo cautelar apenso);
2.º - Os AA. são peritos avaliadores integrados na lista oficial publicada no DR, II série, n.º 238, de 10/12/2010 (facto admitido pelo 1.º R e pela R. CGA no artigo 1.º da sua contestação - cf. ainda os documentos de fls. 106 e 107 dos autos do processo cautelar apenso);
3.º - Em 24/01/2011, a Subdiretora-Geral da Administração da Justiça emitiu o seguinte “Comunicado” (cf. fl. 176 dos autos do processo cautelar apenso):

2.2 – DE DIREITO
Cumpre apreciar as questões suscitadas pela ora Recorrente, o que deverá ser efectuado dentro das balizas estabelecidas, para tal efeito, pela lei processual aplicável - ver artigos 5.º, 608.º, n.º2, 635.º, n.ºs 4 e 5, e 639.º do C.P.C., na redacção conferida pela Lei n.º 41/2013, ex vi art.º 1.º do C.P.T.A, e ainda conforme o disposto no artigo 149º do CPTA.
A questão em causa nos autos prende-se com a necessidade de saber se o exercício de funções a prestar pelos peritos avaliadores consubstancia uma forma de exercício de funções privadas de interesse público ou de funções públicas, para os efeitos dos artigos 78º e 79º do Estatuto da Aposentação, com a redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 137/2010, de 28 de Dezembro.
I- Os recorrentes vêm na sua última conclusão (EEE) sustentar que ocorre nulidade do Acórdão recorrido, por omissão de pronúncia, uma vez que tinham solicitado que fosse declarado que as funções de perito avaliador não constituem funções públicas, não se aplicando aos Autores o disposto nos artigos 78º e 79º do Estatuto da Aposentação. O Tribunal não se teria pronunciado sobre o reconhecimento de situação jurídica subjectiva formulado pelos AA..
Nesta sequência o colectivo do Tribunal a quo emitiu novo Acórdão datado de 20 de Junho de 2014, onde se esclareceu que a decisão em causa também considera improcedente o pedido de reconhecimento do presumido direito, entendendo-se, em suma, que aos Impetrantes são aplicáveis os artigos 78.º e 79.º do EA, na atual versão.
Ficou assim sanada a nulidade invocada.
II- No que se refere ao mérito do recurso, comecemos por transcrever o essencial da decisão recorrida:
Em primeiro lugar, a “função pública” e “funções públicas” não são a mesma coisa, já que, se a função pública, é aqui entendida como o grupo de funcionários, agentes ou trabalhadores nomeados ou contratados para o exercício profissional, regular e contínuo numa determinada carreira ou corpo especial da Administração Pública e sujeitos às aludidas características da subordinação e hierarquização que exerce, por norma, funções públicas, o exercício destas mesmas funções já não tem que ser sempre exercido única e exclusivamente pelos servidores tipicamente incorporados no dito grupo de pessoal da função pública. Exemplo desta última situação, como bem referiu o 1.º R., é o caso dos juízes, que não estão sujeitos a ordens ou instruções de chefias, diretores ou outros superiores hierárquicos, mas apenas submetidos à lei, segundo o artigo 203.º da CRP, não se podendo negar, todavia, que os magistrados judiciais exercem “funções públicas” de soberania, mesmo que não estejam adstritos às referidas particularidades da subordinação e hierarquia.
Em segundo lugar, não é a tecnicidade das funções dos peritos avaliadores que os afasta do conceito de “funções públicas”, pois cremos que as funções de alta exigência técnica não estão unicamente reservadas para o sector privado ou para prestadores privados, encontrando-se em Portugal muitas áreas de investigação científica de alto rendimento asseguradas pelo sector público universitário ou pelos institutos públicos que se dedicam à pesquisa em várias ciências e cujos investigadores não deixam de exercer funções públicas pelo facto de serem técnicos altamente qualificados, independentemente do tipo de vínculo que os liga às indicadas entidades.
Em terceiro lugar, os AA. chamaram em abono da sua posição o diploma que regula as condições de exercício das funções de perito e árbitro no âmbito dos procedimentos para a declaração de utilidade pública e para a posse administrativa dos processos de expropriação, aprovado pelo DL n.º 125/2002, de 10/05, alterado pelo DL n.º 12/2007, de 19/01, e pelo DL n.º 94/2009, de 27/04.
Quanto a nós, a invocação de tal regime jurídico funciona contra a perspetiva dos próprios AA., pois o que dali se extrai é precisamente o contrário daquilo que defendem neste processo, isto é, o cenário que as normas inclusas naquele regime nos transmite é que as funções de perito avaliador assumem tal importância para o sistema de administração da justiça, sobretudo, na área das expropriações, que o poder legislativo entendeu que o melhor seria regular alguns dos aspetos relacionados com o exercício das funções de perito avaliador. E aqui logo se encontra um primeiro indício de que as funções dos PA são de interesse e relevância pública, pois, se assim não fosse, o Estado não teria avançado com legislação específica para tais profissionais.
Atente-se em alguns dos preceitos vertidos naquele regime legal que justificam plenamente que cunhemos de “funções públicas” as tarefas desempenhas pelos PA. Os artigos 3.º e 6.º a 9.º indicam o concurso como forma de recrutamento, falando ainda de aviso de abertura, prazo de candidaturas, lista de candidatos e métodos de seleção. Depois, o artigo 9.º-A refere o curso de formação e o artigo 9.º-B a classificação final e homologação. Só por aqui detetamos várias semelhanças com o normal recrutamento de qualquer carreira da função pública. Mas não só, no que toca aos requisitos habilitacionais é exigido pelo artigo 5.º, n.º 1, que os candidatos a PA “não estejam inibidos do exercício de funções públicas ou interditos para o exercício das respetivas funções”. Ora, se não podem estar inibidos do exercício de funções públicas, é porque as vão exercer enquanto peritos avaliadores.
Ao atrás dito, acresce ainda que os PA são “ajuramentados” perante o presidente do tribunal da relação do respetivo distrito judicial (artigo 11.º, n.º 1), os quais estão ainda sujeitos aos impedimentos gerais do CPC e aos estipulados no artigo 16.º e ainda às situações de suspeição previstas no artigo 17.º. Por último, regista-se ainda que aos PA deve o tribunal dar conhecimento das sentenças proferidas nos processos em que intervenham.
Mas não é só o diploma atrás mencionado que nos indica o cariz das “funções públicas” exercidas pelos peritos avaliadores, é também a estreita correlação entre as funções periciais e a administração da justiça, porquanto, estes mesmos peritos acabam por ter um papel fulcral na modalidade de expropriação litigiosa, em que são chamados a intervir no papel de árbitros, nomeados a partir da lista oficial de peritos e obedecendo a regras de funcionamento e atuação rigorosas e previamente definidas, com vista a estabelecerem por acórdão ou/e laudos o valor de indemnização atribuível ao bem expropriado, conforme se pode ver pelo disposto nos artigos 38.º e 45.º do Código das Expropriações (CE).
E não queiram os AA. justificar a fuga ao conceito de “funções públicas” dizendo que os seus honorários são suportados pelas entidades expropriantes, conforme prescrito no artigo 50.º do CE, aduzindo o exemplo de pessoas coletivas privadas como a “Brisa - Autoestradas de Portugal, S.A.”. Acontece que, com tal argumento, os AA. estão a esquecer os inúmeros casos de expropriações litigiosas em que as entidades expropriantes ou requerentes da expropriação são empresas de capitais públicos, como a “Estradas de Portugal” ou a “Refer”, assim como, de situações em que as interessadas sejam as autarquias locais ou as regiões autónomas. Ora, em todas as situações que acabámos de referir os honorários dos árbitros/peritos intervenientes acabam por ser suportados pelo dinheiro dos contribuintes.
Para além dos processos expropriativos, mesmo que os peritos da lista oficial venham a ser indicados pelas partes ou pelo tribunal noutros processos cíveis ou de contencioso administrativo e sabendo-se que à parte requerente da diligência probatória cabe o pagamento do respetivo encargo, há sempre a hipótese de ser o Estado a ter que suportar as despesas com os honorários devidos ao perito da parte que beneficie de apoio judiciário e que na ação saia vencida, atento o disposto nos artigos 20.º e 25.º do RCP.
E não digam os AA. que a alteração aos artigos 78.º e 79.º do EA consubstancia uma ampliação das formas de constituição da relação jurídica de emprego público previstas na lei de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas (Lei n.º 12-A/2008, de 27/02), porquanto, a predita alteração legislativa ao EA, enquadrada no esforço de redução do défice orçamental, apenas teve em vista legislar concretamente sobre a situação dos aposentados (sobre o seu estatuto), resultando do preâmbulo do DL n.º 137/2010, de 28/12, que o objetivo é o de eliminar a possibilidade de acumulação de vencimentos públicos com pensões do sistema público de aposentação, vendo-se, assim, que o fito de tal mudança legal não é o de estabelecer mais uma forma de vinculação de servidores à função pública, mas sim a de regular a cumulação de pensões públicas com remunerações pagas pelos cofres do Estado.
Por conseguinte, conclui-se que os AA., enquanto peritos avaliadores ou árbitros da lista oficial de peritos, exercem “funções públicas”, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 78.º e 79.º da atual versão do Estatuto da Aposentação.
Assim tendo decidido o 1.º R., nenhum erro sobre os pressupostos de facto e de direito se pode assacar ao ato administrativo impugnado, que, deste modo, se deve manter na ordem jurídica, mais se dizendo, em consequência, que não se mostra ofendido o invocado princípio da legalidade.
Para terminar, também não se vê sinal de ter sido violado o princípio da boa-fé, porquanto, não é pelo facto do 1.º R. não ter anteriormente solicitado aos AA. a autorização para o exercício de funções periciais ou arbitrais que agora está impedido de o fazer, posto que, o 1.º Impetrado está sempre a tempo de fazer cumprir a lei, reparando a ilegalidade anterior, devendo fazê-lo, na verdade, sob pena de ser ele próprio a incumprir o aventado princípio da legalidade.
Aliás, a predita autorização não é nenhuma novidade que haja sido trazida somente pelo DL n.º 137/2010, de 28/12, dado que, já na versão original do EA (DL n.º 498/72, de 09/12) era exigida a autorização do “Conselho de Ministros”. A diferença, é que desde a versão de 2005 a autorização passou a depender de “interesse público excecional”.
Vejamos então.
Os artigos 78º e 79º do Estatuo da Aposentação foram alterados pelo Decreto-Lei n.º 237/2010, de 28 de Dezembro, tendo sido dada a seguinte redacção:
Artigo 78º
1 — Os aposentados não podem exercer funções públicas remuneradas para quaisquer serviços da administração central, regional e autárquica, empresas públicas, entidades públicas empresariais, entidades que integram o sector empresarial regional e municipal e demais pessoas colectivas públicas, excepto quando haja lei especial que o permita ou quando, por razões de interesse público excepcional, sejam autorizados pelos membros do governo responsáveis pelas áreas das finanças e da Administração Pública.
2 — Não podem exercer funções públicas nos termos do número anterior:
a) Os aposentados que se tenham aposentado com fundamento em incapacidade;
b) Os aposentados por força de aplicação da pena disciplinar de aposentação compulsiva.
3 — Consideram -se abrangidos pelo conceito de exercício de funções:
a) Todos os tipos de actividade e de serviços, independentemente da sua duração, regularidade e forma de remuneração;
b) Todas as modalidades de contratos, independentemente da respectiva natureza, pública ou privada, laboral ou de aquisição de serviços.
…
Artigo 79.º
Cumulação de pensão e remuneração
1 — Os aposentados, bem como os referidos no n.º 6 do artigo anterior, autorizados a exercer funções públicas não podem cumular o recebimento da pensão com qualquer remuneração correspondente àquelas funções.
2 — Durante o exercício daquelas funções é suspenso o pagamento da pensão ou da remuneração, consoante a opção do aposentado.
3 — Caso seja escolhida a suspensão da pensão, o pagamento da mesma é retomado, sendo esta actualizada nos termos gerais, findo o período da suspensão.
4 — O início e o termo do exercício de funções públicas são obrigatoriamente comunicados à Caixa Geral de Aposentações, I. P. (CGA, I. P.), pelos serviços, entidades ou empresas a que se refere o n.º 1 do artigo 78.º no prazo máximo de 10 dias a contar dos mesmos, para que a CGA, I. P., possa suspender a pensão ou reiniciar o seu pagamento.
5 — O incumprimento pontual do dever de comunicação estabelecido no número anterior constitui o dirigente máximo do serviço, entidade ou empresa, pessoal e solidariamente responsável, juntamente com o aposentado, pelo reembolso à CGA, I. P., das importâncias que esta venha a abonar indevidamente em consequência daquela omissão.»
2 — O disposto nos artigos 78.º e 79.º do Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de Dezembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 179/2005, de 2 de Novembro, tem natureza imperativa, prevalecendo sobre quaisquer outras normas, gerais ou excepcionais, em contrário, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
3 — É ressalvado do disposto no número anterior o regime constante do Decreto -Lei n.º 89/2010, de 21 de Julho, durante o período da sua vigência, que permite aos sujeitos por ele abrangidos cumular a pensão com uma terça parte da remuneração base que competir às funções exercidas ou, quando lhes seja mais favorável, cumular a remuneração base que competir a tais funções acrescida de uma terça parte da pensão que lhes seja devida.
Através deste diploma, o Decreto-Lei n.º 137/2010, de 28 de Dezembro, veio o Governo implementar medidas de controlo da despesa pública de forma a assegurar o equilíbrio das contas públicas. Uma das medidas foi proibir a possibilidade de acumulação de vencimentos públicos com pensões do sistema público de aposentação.
Aliás o preâmbulo do diploma é bem expresso nessa sentido referindo-se no mesmo: Para o efeito, o Governo decidiu adoptar um conjunto de medidas de consolidação orçamental adicionais às previstas no Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC) para 2010 -2013 e às que venham a constar da lei do Orçamento do Estado para 2011 cujos efeitos se pretende que se iniciem ainda no decurso de 2010.
Estas medidas representam um esforço adicional no sentido de assegurar o equilíbrio das contas públicas de modo a garantir o regular financiamento da economia e a sustentabilidade das políticas sociais.
Neste contexto, as medidas adoptadas concentram-se principalmente na redução da despesa de modo a reforçar e a acelerar a estratégia de consolidação orçamental prevista no PEC 2010 -2013…. Em quarto lugar, elimina -se a possibilidade de acumulação de vencimentos públicos com pensões do sistema público de aposentação.
Assim sendo, foi decidido que os aposentados não podem exercer quaisquer funções públicas remuneradas, entre outras, para quaisquer serviços da Administração Central, com duas excepções:
a) Quando haja lei especial que o permita, ou quando,
b) Ocorrerem razões públicas excepcionais, mas neste caso terá de ocorrer autorização dos membros do Governo responsáveis pelas áreas da Finanças e da Administração Pública.
O disposto nestes dois artigos tem natureza imperativa prevalecendo sobre quaisquer outras normas, gerais ou excepcionais, em contrário, salvo os casos excepcionais aí referidos, mas que nada têm a ver com o agora em causa.
Ou seja, verifica-se que a acumulação de funções públicas por aposentados foi fortemente condicionada, passando os casos permitidos a serem pontuais e muito restritos. E é neste contexto que teremos de analisar a questão ora em apreço.
Sequencialmente a esta restrição veio a entidade recorrida emitir o comunicado constante do n.º 3 da matéria de facto dada como provada e nos termos do qual os peritos avaliadores, que estivessem nas condições referidas nos artigos 78º e 79º do EA deveriam pedir escusa nos processos para os quais tenham sido ou venham a ser nomeados, até terem a sua situação regularizada.
Ou seja, entendem a entidades recorridas que as funções exercidas pelos peritos avaliadores são consideradas funções públicas remuneradas, pelo que não podem ser cumuladas com o seu estatuto de aposentação, a não ser nos casos aí permitidos. Teriam, neste caso, de optar entre a pensão de aposentação ou a remuneração ocorrida com o exercício de perito avaliador.
Refere o n.º 1 do artigo 78º já transcrito que os aposentados não podem exercer funções públicas remuneradas. E é aqui que se encontra a questão a decidir. O de saber o que são funções públicas e se as funções exercidas pelos peritos avaliadores de inserem neste conceito.
O conceito de exercício de funções públicas é um conceito abrangente e que vai para além do conceito de função pública, considerado este como um conjunto de indivíduos que de forma subordinada e hierarquizada prestam o seu trabalho, como profissionais especializados, no desempenho de funções próprias e permanentes dos serviços e pessoas colectivas que integram a Administração Pública (Paulo Veiga e Moura, in, Função Pública, 1º vol. 2ª edição, pág.17).
Função Pública tem a ver com emprego público e a forma desse exercício. É um conceito mais restrito em contraposição com o exercício de funções públicas, abrangendo este um maior número de situações.
O exercício de funções públicas, por contraposição com funções privadas, encontra-se ligado aos fins prosseguidos com o que se denomina por administração pública em contraponto com a administração privada. Exercício de funções públicas diferencia-se, assim, pelos fins que prossegue e pelos meios que utiliza. O exercício de funções públicas tem como objectivo essencialmente promover a satisfação das necessidades colectivas e terá como finalidade a prossecução de um interesse público. O exercício de funções privadas incidirá maioritariamente sobre necessidades individuais, ou de um grupo, mas que não atingem a generalidade de uma colectividade. Estarão neste caso em causa interesses individuais.
Conforme refere Diogo Freitas do Amaral, in Curso de Direito Administrativo, vol. I, pág. 42, e que temos vindo a analisar, quando se refere à distinção entre administração pública e privada refere que:“ por vezes o objecto de uma administração privada parece coincidir com o da administração pública: assim por exemplo, a padaria que se dedica á produção de pão, é uma actividade essencial. A verdade, porém, é que a produção de pão é uma actividade económica deixada pela lei ao sector privado e não assumida, portanto, como tarefa e responsabilidade própria da colectividade. Não se trata, pois, se uma necessidade colectiva cuja satisfação a colectividade chame a si, e exerça pelos seus próprios serviços.”
Esta é uma questão importante e que nos ajuda a dilucidar esta questão.
De notar que a lei no caso presente também nos ajuda a definir ou a encontrar o que se deve considerar abrangido pelo conceito de exercício de funções, dada a abrangência dos conceitos em causa.
Refere o n.º 3 do artigo 78º do EA, com a redacção ora em causa, que se consideram abrangidos pelo conceito de exercício de funções, todos os tipos de actividades e de serviços independentemente da sua duração, regularidade e forma de remuneração, e todas as modalidades de contratos independentemente da respectiva natureza, pública ou privada, laboral ou de aquisição de serviços.
Ou seja, os aposentados que exerçam todos os tipos de actividades, e que estejam integrados em todas as modalidades de contratos, consideram-se que se encontram abrangidos pelo conceito de exercício de funções em causa, ou seja, no exercício de funções públicas.
Estamos perante um conceito muito abrangente e que parece abarcar todas as situações em que possam estar integrados os aposentados.
De notar que o exercício de funções dos peritos avaliadores integra-se neste conceito abrangente, não podendo ser considerada uma actividade privada, enquanto apta à satisfação de interesses privados. Está em causa um interesse público que se pretende acautelar e que foi regulado de forma clara e com esse objectivo.
De acordo com o Decreto-Lei n.º 125/2002, de 10 de Maio, republicado pelo Decreto-Lei n.º 12/2007, de 19 de Janeiro (ocorreu ainda alteração mas apenas ao artigo 9º-A pelo Decreto-Lei n.º 94/2009, de 27 de Abril), os peritos avaliadores têm uma forma de recrutamento própria gerida pela DGAJ e devem submeter-se a um curso de formação ministrado pelo CEJ, estando ainda obrigados a frequentar acções de formação anuais. Tem de possuir curso superior adequado às funções e não podem estar inibidos do exercício de funções públicas ou interditos para o exercício dessas funções.
Apenas podem exercer as funções de peritos avaliadores os peritos integrados nas respectivas listas.
As funções destes peritos avaliadores exercem-se no âmbito do Código das Expropriações, quer no procedimento relativo à declaração de utilidade pública, quer no procedimento relativo à efectivação da posse administrativa, quer ainda no processo de expropriação litigiosa, na fase da arbitragem e em recurso. As avaliações e exame, a que os referidos peritos procedem, exigem elevados conhecimentos técnicos, sendo as suas funções de grande responsabilidade, uma vez que, do seu exercício, resulta a fixação do montante destinado a garantir o pagamento da justa indemnização aos expropriados, a fixação de elementos de facto indispensáveis ao cálculo daquela, a sua determinação e a realização de diligências instrutórias indispensáveis à decisão em recursos interpostos do acórdão arbitral (do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 125/2002, de 10 de Maio).
O exercício desta tarefa, como vemos, não tem como finalidade qualquer interesse privado mas sim interesse público decorrente do bom andamento dos processos de expropriações. Está em causa a satisfação de necessidades colectivas e não individuais. Não podemos concluir que o exercício de funções de um perito avaliador é um exercício de funções privadas, ainda que de interesse público como referem os recorrentes. É que na génese da criação das listas de peritos avaliadores está em causa o interesse público e não o interesse privado de quem quer que seja. O perito tem que exercer as suas funções tendo em atenção o interesse público subjacente ao trabalho a realizar não podendo exercer a sua actividade motivado pelo interesse privado das partes. Este interesse cabe às partes defender. Aos peritos nomeados pelo Tribunal compete defender o interesse público. É por isso que foram recrutados da forma como o foram e que têm de receber formação dada pelo CEJ. Por seu lado, só podem exercer estas funções quem esteja integrado nas listas oficias e terão de dar credibilidade de isenção. Não está em causa no exercício da sua actividade os interesses privados que cada um possa eventualmente defender.
Por seu lado não é uma actividade que a colectividade tenha deixado nas mãos dos privados, como no exemplo dado por Freitas do Amaral referido anteriormente. Estamos no âmbito de uma actividade que o Estado optou por regular de forma clara e exaustiva, criando mecanismos de selecção rigorosos e impondo formação contínua, bem como regulando os impedimentos e suspeições no exercício da referida actividade. Não estamos perante uma matéria que foi deixada à livre iniciativa privada. E poderia tê-lo sido. O Estado poderia ter optado por referir, por exemplo, que o Presidente da Relação podia nomear um economista ou um engenheiro indicado pelas respectivas Ordens. Não, o Estado optou por regular esta matéria criando um corpo de peritos, apenas podendo exercer essa profissão os que conseguirem a sua inscrição na lista oficial. Não há dúvidas que estes peritos exercem funções públicas, enquanto ao serviço do interesse público e não funções privadas. Não é por exercerem funções técnicas que estas deixam de ser públicas e passam a privadas. Aliás é notório que existe toda uma panóplia de funções técnicas que integram o conceito de funções públicas que se torna desnecessário provar tal facto.
Por seu lado, exercem funções públicas mas não se encontram integrados na função pública, conceito este, como referimos, mais restrito. É por esta razão que não ocorre a inconstitucionalidade referida pelos recorrentes, uma vez que não estamos perante a constituição de uma relação de emprego público.
E isto, como já referimos, agravado com o facto de a própria lei, no artigo 78º nº 3, considerar no exercício de funções todos os tipos de actividades e de serviços e todos os tipos de modalidades de contratos, o que engloba obviamente os peritos avaliadores.
De notar que estamos no âmbito da possibilidade de um aposentado, ou seja, de alguém que já foi trabalhador do Estado poder vir a acumular funções remuneradas com a sua pensão de aposentação.
Houve nítida intenção de restringir essas acumulações ao mínimo, como já referimos.
Por outro lado, não está em causa, como referem os recorrentes, situação semelhante aos advogados. Os advogados não são aposentados da função pública pelo que não se lhes aplica o regime das incompatibilidades ora em causa. É que a definição do que se entende por exercício de funções públicas para estes efeitos, nos termos do n.º 3 do artigo 78º do Estatuto da Aposentação é muito mais abrangente, cabendo neste âmbito todas as situações aí reguladas.
De notar que não há qualquer violação do princípio da igualdade com tal solução decorrente de a interpretação dada nos autos levar a que os peritos avaliadores aposentados possam ficar em situação diferente da dos peritos avaliadores não aposentados. O princípio da igualdade só exige que se trate igual o que é igual não impedindo a diferenciação de tratamento que tenha justificação e fundamento bastante.
No caso em apreço e referido pelos recorrentes está em causa a situação dos peritos aposentados e não aposentados. Estamos perante situações diferentes nada obstando a que as soluções dadas a ambos os casos possam ser diferentes. Não ocorre violação do princípio da igualdade quando não estão em causa situações iguais.
Também não ocorre, como referem os recorrentes, violação do princípio da legalidade.
Refere o princípio da legalidade, artigo 3º do CPA, que os órgãos da Administração Pública devem actuar em obediência à lei e ao direito. Se a Administração obedeceu, como concluímos, ao referido nos artigos 78º e 79º do CPA não violou, obviamente, o princípio da legalidade.
De notar que a remuneração pelo exercício destas funções não depende apenas das partes do processo podendo também incidir sobre o erário público o que se pretende acautelar com a restrição das acumulações em causa. Ou seja, estão em causa remunerações dos Srs. Peritos por entidades públicas o que leva a que esta acumulação também tenha que ser restringida.
Sobre a questão em apreço já se pronunciou este Tribunal, ainda que no âmbito de uma providência cautelar, no Processo 01702/11.1BEPRT, de 09-12-2011, quando refere:
2. Tratando-se de processos de expropriação, a regra é a de que uma das partes seja uma entidade pública, o que significa dizer que os honorários aos peritos, pelo menos parcialmente, serão pagos pelo erário público; a que acrescem as situações em que a parte privada beneficia do apoio judiciário, cabendo também aí ao erário público suportar a despesa em análise.
3. Não é por isso provável que se venha a concluir que não se aplica ao caso o disposto na Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, cujo objectivo foi poupar dinheiro ao erário público.
4. Tanto basta para indeferir o pedido de providência cautelar, dado que os requisitos constantes das alíneas b) e c) do n.º1, artigo 120º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, são de aplicação cumulativa.
Refere-se na fundamentação do Acórdão o seguinte:
É que, tratando-se de processos de expropriação, a regra é a de que uma das partes seja uma entidade pública, o que significa dizer que os honorários aos peritos, pelo menos parcialmente, serão pagos pelo erário público; a que acrescem as situações em que a parte privada beneficia do apoio judiciário, cabendo também aí ao erário público suportar a despesa em análise. Em todo o caso, ainda que este argumento, apresentado pela Requerida, ora Recorrente (ver conclusões 15ª e 16ª das alegações do presente recurso), não venha a obter vencimento no processo principal, pelo menos não se pode dizer que seja provável o contrário, ou seja, que o ora Recorrido venha a obter êxito na acção principal. O segundo argumento, com o devido respeito por quem o subscreveu, constitui um verdadeiro sofisma; na sua aparente intocabilidade, contraria aquilo que é evidente. A aceitar-se tal argumento o diploma agora em apreço deixaria de ter qualquer sentido útil, qualquer aplicação: as actividades remuneradas desenvolvidas por qualquer aposentado, a expensas do erário público, sempre teriam ser desenvolvidas por outra pessoa, não aposentada, se não houvesse aposentados para as desenvolverem; não haveria, em qualquer caso, um acréscimo de despesa para o erário público por ser um aposentado a exercer a actividade. Mas aquilo que a evidência impõe é o contrário do que sustentou na sentença recorrida: se o Estado, em sentido amplo, tem de pagar a um aposentado, para além da pensão, a remuneração devida pelo exercício da actividade de perito, seja porque a entidade pública decaiu no processo de expropriação, seja porque a parte privada beneficia do apoio judiciário, há um acréscimo de despesa pública face à obrigação de pagar, apenas, uma ou outra. Não é, portanto, sequer manifesto, que esteja afastada a aplicação ao caso concreto do disposto nos artigos 172.º e 174.º n.º 1, da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro.
Referem ainda os recorrentes que a interpretação ora dada ao caos artigos 78º e 79º do EA viola o princípio da boa-fé, dado que o comportamento da Administração até ao momento em que emitiu o comunicado em causa nos autos foi sempre o de considerar que os peritos avaliadores aposentados poderiam acumular funções.
Refere o princípio da boa-fé (artigo 10º do CPA) que no exercício da actividade administrativa e em todas as suas formas e fases, a Administração Pública e os particulares devem agir e relacionar-se segundo as regras da boa-fé.
Podemos referir sinteticamente que a Administração viola o princípio da boa – fé quando falta à confiança que despertou num particular ao actuar em desconformidade com aquilo que fazia antever o seu comportamento anterior, sendo que, enquanto princípio geral de direito, a boa-fé significa “… que qualquer pessoa deve ter um comportamento correcto, leal e sem reservas, quando entra em relação com outros pessoas …” (M. Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves e Pacheco Amorim in “Código do Procedimento Administrativo”, 2.ª edição, pág. 108).
No caso dos autos estamos perante um comunicado da entidade recorrida que surgiu após a alteração do Estatuto da Aposentação, pela entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 137/2010, de 28 de Dezembro. O comunicado em causa foi emitido em 24 de Janeiro de 2011. Ou seja, não podem vir argumentar os recorrentes que se tinha sedimentado uma prática que lhe causou legitimas expectativas. Se o Estatuto da Aposentação foi alterado, e as regras quanto aos artigos 78º e 79º foram alteradas, é normal que sejam emitidas instruções sobre a nova regulamentação da matéria em causa o que aconteceu. Não corre assim violação do princípio da boa-fé.
Pelo exposto conclui-se que são aplicáveis aos recorrentes os artigos 78º e 79º do Estatuto de Aposentação, na versão do Decreto-Lei n.º 137/2010, de 28 de Dezembro, não procedendo assim as conclusões dos recorrentes, não merecendo as decisões recorridas, incluindo a que decidiu improceder o pedido de reconhecimento do presumido direito de não aplicação aos recorrentes dos artigos em questão, a censura que lhe vem assacada.
3. Decisão
Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal em negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida
Custas pelos recorrentes
Notifique
Porto 17 de Junho de 2016
Ass.: Joaquim Cruzeiro
Ass.: Fernanda Brandão
Ass.: Frederico de Frias Macedo Branco |