Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01555/17.6BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/23/2018
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:ARTIGO 2.º, N.º 8, DO NOVO REGIME DO FUNDO DE GARANTIA SALARIAL (DECRETO-LEI N.º 59/2015, DE 21.04); INCONSTITUCIONALIDADE.
Sumário:
É inconstitucional a norma contida no artigo 2.º, n.º 8, do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21.04, na interpretação segundo a qual o prazo de um ano para requerer o pagamento dos créditos laborais, certificados com a declaração de insolvência, cominado naquele preceito legal é de caducidade e insuscetível de qualquer interrupção ou suspensão - acórdão do Tribunal Constitucional n.º 328/2018, de 27.06.2018, no processo 555/2017 (retificado pelo Acórdão nº 447/2018). *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:AAMPF
Recorrido 1:Fundo de Garantia Salarial
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Conceder provimento ao recurso
Revogar a decisão recorrida
Julgar a acção procedente
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso
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Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO
Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

AAMPF, MFOLP e RMTJ vieram interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, de 30.04.2018, pela qual foi julgada (totalmente) improcedente a acção que intentaram contra do Fundo de Garantia Salarial para anulação do acto de indeferimento do pedido de pagamento dos créditos requeridos por cessação de contrato de trabalho e para a condenação da Entidade Demandada ao pagamento de todos os créditos requeridos.
Invocaram para tanto, em síntese, que: uma interpretação literal da norma prevista no artigo 2°, n.° 8 do Regime Material do Fundo de Garantia Salarial, sem comportar a possibilidade de interrupção ou suspensão, ofende directamente o conteúdo da Directiva 2008194/CE, em concreto do artigo 11.º; tal interpretação configurará também um desrespeito pelas normas e princípios do Direito da nossa Ordem Interna, ou seja, para além das normas gerais do Direito Civil, referentes aos regimes da prescrição e caducidade de prazos, com tal interpretação, também se coloca em causa o princípio da legalidade (administrativa) previsto no artigo 3.° do novo Código de Procedimento Administrativo, e no artigo 266.°, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, o princípio da prossecução do interesse público e da protecção dos interesses legalmente protegidos dos cidadãos (neste caso do trabalhador, previsto no artigo 4.° do novo Código de Procedimento Administrativo, e nos artigo 266.°, n.° 1, e 59.° da Constituição da República Portuguesa, da justiça e da razoabilidade, previsto no artigo 8.° do novo Código de Processo Administrativo, e no artigo 266.°, n.° 2, da Constituição da República Portuguesa, da boa-fé, previsto no artigo 10.° do novo Código de Procedimento Administrativo, e no artigo 266.°, n.° 2, da Constituição da República Portuguesa, e do direito a uma tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, previsto no artigo 268.°, n.° 4 da Constituição da República Portuguesa; invocam, finalmente, que é inconstitucional uma interpretação restritiva do artigo 100.° do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas, no sentido de não ser tal norma aplicável ao Fundo de Garantia Salarial enquanto devedor subsidiário dos trabalhadores enquanto credores privilegiados na insolvência.
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O Fundo de Garantia Salarial contra-alegou, defendendo a improcedência do recurso.
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O Ministério Público neste Tribunal emitiu parecer também no sentido de ser negado provimento ao recurso.
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Cumpre, pois, decidir já que nada a tal obsta.
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I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:
I - Os Apelantes vêm interpor recurso do Despacho Saneador - Sentença, que determinou a total improcedência dos seus pedidos, e, em consequência da acção.
II - In casu, pretendiam os Apelantes impugnar o acto de indeferimento do pedido de pagamento de créditos laborais, na sequência da cessação do contrato e da declaração de insolvência da entidade patronal.
III – O Réu contestou, alegando que o contrato de trabalho dos Autores cessou em 10.09.2015, e que, quando o pedido foi apresentado, já se encontrava em vigor o Decreto-Lei n.° 59/2015 (vigente a 04.05.2015), o qual refere no artigo 2.°, n.° 8, que os créditos devem ser requeridos dentro de um ano após a cessação do contrato de trabalho, tendo sido o fundamento para o indeferimento o seguinte: "O requerimento não foi apresentado no prazo de 1 ano a partir do dia seguinte àquele em cessou o contrato de trabalho, nos termos do n.° 8 do art.° 2 do Dec. -Lei n.° 59/2015, de 21 de Abril."
IV - A questão essencial a decidir nestes autos é a de saber se os Autores, e agora os aqui Apelantes têm direito aos créditos salariais que reclamam.
V - Considerou o Tribunal recorrido que o que está em causa um prazo de caducidade, pelo que não seria possível aplicar o regime de interrupção e suspensão da prescrição, sendo-lhe antes aplicável o regime previsto no artigo 328.° do Código Civil, o qual determina que o prazo de caducidade não se suspende nem se interrompe, senão nos casos em que a lei o determine, sendo que, resulta do n.° 1 do artigo 331.° do Código Civil, que apenas impede a caducidade a prática do acto.
VI - E que não prevendo o Regime Material do Fundo de Garantia Salarial qualquer situação de interrupção ou prescrição, não é aplicável o invocado artigo 100.°, do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas ao Fundo de Garantia Salarial, até porque entende o julgador ser tal preceito normativo aplicável apenas ao devedor originário.
VII - Não se conformam os Apelantes com a interpretação que o julgador efectuou em relação à norma prevista no artigo 100.° do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas.
VIII - O julgador, não fundamenta tal afirmação de que o invocado artigo 100.° se aplica apenas ao devedor originário, como também não contempla a possibilidade de tal normativo determinar a suspensão do prazo de caducidade previsto no artigo 8.°, n.º 2, do Regime material do Fundo de Garantia Salarial, caso se verificasse ser o artigo 100.° do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas aplicável ao devedor subsidiário.
IX - Na petição inicial, a este respeito, os Apelantes expuseram o seu argumento.
X - Assegurando o Fundo de Garantia Salarial o pagamento ao trabalhador de créditos emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação, desde que reunidas determinadas condições, tal se trata de uma responsabilização subsidiária do Fundo, podendo depois o mesmo fazer uso da sub-rogação dos direitos e privilégios creditórios do trabalhador perante a entidade patronal insolvente (cfr. artigo 336.° do Código do Trabalho, e artigo 4.° do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial).
XI - Sendo a declaração de insolvência uma condição legal, essencial para que o trabalhador pudesse reclamar ao Fundo de Garantia Salarial o pagamento dos seus créditos salariais.
XII - Um dos efeitos da declaração de insolvência é o constante do artigo 100.° do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas, que nos diz "A Sentença de declaração da Insolvência determina a suspensão de todos os prazos de prescrição e de caducidade, oponíveis pelo devedor, durante o decurso do processo."
XIII - Sendo o Fundo de Garantia Salarial um devedor subsidiário, não poderá opor enquanto decorrer o processo de insolvência a caducidade do prazo a que aludirá o artigo 2.°, n.° 8 do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial ao aqui requerente, pois tal prazo encontrar-se-á suspenso.
XIV - Acresce que, tendo os trabalhadores/Autores reclamado tempestivamente os seus créditos no processo de insolvência, e o Administrador reconhecido os mesmos, enquanto representante legal da insolvente, também, ao efectuar esse reconhecimento impediu os efeitos da caducidade.
XV - Só a partir do momento em que o Administrador reconheceu os créditos dos trabalhadores/Autores (23.09.2016), ou pelo menos a partir do momento em que foi declarada a insolvência da entidade patronal (16.05.2016), momento do qual o Fundo de Garantia Salarial teve conhecimento (sendo obrigatória a comunicação da declaração da insolvência ao Fundo de Garantia Salarial), é que se poderá considerar que os trabalhadores/Autores puderam exercer legalmente o seu direito, iniciando-se, reiniciando-se, ou retomando-se o prazo a que alude o artigo 2.°, n.° 8 do Regime Material do Fundo de Garantia Salarial.
XVI - Ou seja, consideram os Apelantes que ocorreu a suspensão do prazo de caducidade previsto no artigo 2.°, n.° 8, do Regime Material do Fundo Garantia Salarial, por força da aplicação do artigo 100.° do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas, pelo menos, entre a data de declaração de insolvência e o término do prazo para a reclamação de créditos, ou entre a data de declaração de insolvência e o reconhecimento dos créditos pelo Administrador de Insolvência.
XVII - Só com uma das interpretações a que atrás aludimos, da norma constante do artigo 2.°, n.° 8, que não uma interpretação literal, é que se poderá salvaguardar os objectivos de justiça labora subjacentes à criação do Regime Material do Fundo Garantia Salarial.
XVIII - Pois, caso assim não seja, então podemo-nos deparar com gritantes injustiças, bastando pensarmos nas situações em que o processo de insolvência, desde que é requerida, até ao momento em que é decretada demora mais de 1 ano, ou 2, ou 3...e que, nessas situações, o trabalhador ficaria automaticamente excluído do recurso ao Fundo de Garantia Salarial.
XIX - O Julgador ao efectuar a interpretação da não aplicabilidade do artigo 100.° ao Regime Material do Fundo de Garantia Salarial, por considerar que esta norma apenas se dirige ao devedor originário, e já não ao devedor subsidiário, violou as regras da interpretação e aplicação da Lei e das Normas Jurídicas, em concreto não respeitou a unidade do sistema jurídico, fazendo tábua rasa do artigo 100.°, que cremos não se aplicar somente ao devedor originário.
XX - Ao não considerar o julgador a possibilidade de ocorrer a suspensão do prazo (por força dos artigo 328. ° do Código Civil, e 100.° do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas) a que alude artigo 8.° n.º 2, do Decreto-Lei n.° 59/2015, de 21.04, bem como, a efectuar uma interpretação restritiva do artigo 100.° do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas, na medida em que refere que apenas se aplica ao devedor originário, aqui excluindo a possibilidade da sua aplicabilidade ao Fundo de Garantia Salarial como devedor subsidiário a partir da declaração de insolvência da entidade patronal dos trabalhadores requerentes, por ofende, as boas regras de interpretação da lei previstas no artigo 9.° n.° 1 do Código Civil, e, nomeadamente o espírito subjacente à criação do Regime Material do Fundo de Garantia Salarial, e a Directiva Comunitária, que se procurou transpor.
XXI - A este respeito limitou-se o julgador a dizer que não vislumbra a violação de qualquer norma europeia, na medida em que resulta dos termos do segundo parágrafo do artigo 3.° da Directiva, que os Estados membros podem fixar uma data na qual sejam assegurados os créditos.
XXII - Tal Directiva, a Directiva 2008/94/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22.10.2008, relativa à protecção dos trabalhadores assalariados em caso de insolvência do empregador, visa proteger equitativamente os trabalhadores assalariados, em caso de insolvência do empregador, assegurando-lhe um mínimo de protecção, em particular para garantir o pagamento dos seus créditos em dívida, tendo em conta a necessidade e um desenvolvimento económico e social equilibrado na Comunidade, sendo necessário garantir a segurança jurídica desses trabalhadores, e garantir a boa aplicação das disposições na matéria (cfr. considerandos (3) e (6) e da Directiva 2008194/CE).
XXIII - Uma interpretação literal da norma prevista no artigo 2.°, n.° 8 do Regime Material do Fundo de Garantia Salarial (sem comportar a possibilidade de interrupção ou suspensão), ofenderá directamente o conteúdo da dita Directiva, em concreto do artigo 11.º, onde se refere "A aplicação da presente directiva não pode, de modo algum, constituir motivo para justificar um retrocesso em relação à situação existente nos Estados-Membros no que se refere ao nível geral da protecção dos trabalhadores assalariados no domínio por ela abrangido.".
XXIV -Tal interpretação significaria um retrocesso à situação anteriormente existente em Portugal, no que se refere ao nível geral da protecção dos trabalhadores assalariados no domínio por ela abrangido, pois deixaria de se considerar causas interruptivas da prescrição (dos créditos salariais), ao contrário do acontecia no domínio da anterior legislação do Fundo de Garantia Salarial, encurtando o prazo real, e limitando sobremaneira o acesso dos Trabalhadores ao Fundo de Garantia Salarial.
XXV — Tal interpretação configurará também um desrespeito pelas normas e princípios do Direito da nossa Ordem Interna, ou seja, para além das já aludidas normas gerais do Direito Civil, referentes aos regimes da prescrição e caducidade de prazos, com tal interpretação, também se coloca em causa o princípio da legalidade (administrativa) previsto no artigo 3.° do novo Código de Procedimento Administrativo, e no artigo 266.°, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, o princípio da prossecução do interesse público e da protecção dos interesses legalmente protegidos dos cidadãos (neste caso do trabalhador, previsto no artigo 4.° do novo Código de Procedimento Administrativo, e nos artigo 266.°, n.° 1, e 59.° da Constituição da República Portuguesa, da justiça e da razoabilidade, previsto no artigo 8.° do novo Código de Processo Administrativo, e no artigo 266.°, n.° 2, da Constituição da República Portuguesa, da boa-fé, previsto no artigo 10.° do novo Código de Procedimento Administrativo, e no artigo 266.°, n.° 2, da Constituição da República Portuguesa, e do direito a uma tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, previsto no artigo 268.°, n.° 4 da Constituição da República Portuguesa.
XXVI - Claramente foi violada a Directiva em causa, nomeadamente, o artigo 11º da mesma.
XXVII - Também se suscita a inconstitucionalidade da norma prevista no artigo 8. °, n. ° 2, do Decreto-Lei n.° 59/2015, de 21.04, quando interpretada no sentido de que o prazo previsto não comporta qualquer possibilidade de suspensão ou interrupção por forca de outra norma legal, e, em concreto por aplicação da norma prevista no artigo 100. ° do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas, considerando-se ser esta aplicável ao Fundo de Garantia Salarial enquanto devedor subsidiário, a partir da declaração de insolvência da entidade empregadora dos trabalhadores requerentes do pagamento de créditos salariais devidos por força da cessação do contrato de trabalho.
XXVIII - Como também a inconstitucionalidade da interpretação restritiva do artigo 100. ° do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas, no sentido de não ser tal norma aplicável ao Fundo de Garantia Salarial enquanto devedor subsidiário dos trabalhadores enquanto credores privilegiados na insolvência.
XXIX - Em consequência, deverá ser proferido Acórdão no qual seja julgada totalmente procedente a acção e as pretensões dos Apelantes.
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II – Matéria de facto.
Na decisão recorrida deram-se como provados os seguintes factos, sem reparos nesta parte:
A) Os Autores foram trabalhadores da empresa «LL&M, Lda.», até ao dia 10.09.2015, data em que fizeram cessar contrato de trabalho com fundamento na falta de pagamento de retribuições há mais de sessenta dias.
B) Em 04.03.2016, o 1.º Autor intentou uma ação comum laboral, contra a empresa «LL&M, Lda.», peticionando o pagamento dos créditos salariais no montante de 29.417,65 €; a qual terminou por transação, homologada por sentença proferida em 11.04.2016.
C) Em 21.12.2015, a 2.ª Autora intentou uma ação comum laboral, contra a empresa «LL&M, Lda.», peticionando o pagamento dos créditos salariais no montante de 26.75706 €; a qual terminou por transação, homologada por Sentença proferida em 10.03.2016.
D) Em 21.12.2015, a 3.ª Autora intentou uma ação comum laboral, contra a empresa «LL&M, Lda.», peticionando o pagamento dos créditos salariais no montante de 4.460,83 €; a qual terminou por transação, homologada por Sentença proferida em 04.02.2016.
E) Em 14.08.2015, foi instaurada ação de insolvência da empresa «LL&M, Lda.» foi declarada insolvente por Sentença proferida em 16/05/2016, no processo n.º 7309/15.7T8VNG; na qual os Autores reclamaram os seus créditos em 15.06.2016, que foram reconhecidos provisoriamente pelo Administrador de Insolvência.
F) Em, 29.09.2016, o 1.º Autor requereu ao Fundo de Garantia Salarial o pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho, mencionando auferir a retribuição (base) mensal ilíquida de 618,72 € e requerendo o pagamento de créditos laborais no montante de 29.417,65 €.
G) Em 30.09.2016, a 2.ª Autora requereu ao Fundo de Garantia Salarial o pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho, mencionando auferir a retribuição (base) mensal ilíquida de 618,72 € e requerendo o pagamento de créditos laborais no montante de 26.757,06 €.
H) Em 03.10.2016, a 2.ª Autora requereu ao Fundo de Garantia Salarial o pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho, mencionando auferir a retribuição (base) mensal ilíquida de 505,00 € e requerendo o pagamento de créditos laborais no montante de 4.460,83 €.
I) O Fundo de Garantia Salarial comunicou aos Autores o motivo de indeferimento do pedido de pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho, da seguinte forma:
O(s) fundamentos(s) para o indeferimento é (são) o(s) seguinte(s):
“- O requerimento não foi apresentado no prazo de 1 ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho, nos termos do n.º 8 do art. 2.º do Dec.-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril.».
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III - Enquadramento jurídico.
1. A inconstitucionalidade da norma constante do no artigo 2.º, n.º 8, do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21.04.
Sobre este tema pronunciou-se o recente acórdão do Tribunal Constitucional n.º 328/2018, de 27.06.2018 (retificado pelo Acórdão nº 447/2018), no processo 555/2017:
“3. Face ao exposto, na improcedência do recurso, decide-se:
A) julgar inconstitucional a norma contida no artigo 2.º, n.º 8, do Novo Regime do Fundo de Garantia Salarial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 59/2015, de 21 de abril1, na interpretação segundo a qual o prazo de um ano para requerer o pagamento dos créditos laborais, certificados com a declaração de insolvência, cominado naquele preceito legal é de caducidade e insuscetível de qualquer interrupção ou suspensão;
(…)”
Discorrendo, para chegar a esta decisão, o seguinte:
“2.4.1. A proteção da retribuição inclui, nos termos do artigo 59.º, n.º 3, da Constituição, a previsão de “garantias especiais”, cuja modelação cabe ao legislador, que, para o efeito, goza de “ampla liberdade” (cfr. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, 2.ª ed., Coimbra, 2010, p. 1166). Não obstante, a instituição do mecanismo do Fundo de Garantia Salarial (para além de – como vimos – consistir numa obrigação para o Estado Português decorrente do Direito da União) não pode deixar de ser vista como concretização de uma das garantias a que se refere aquele n.º 3 (nesse sentido, v. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª ed., Coimbra, 2014, p. 777).
Não é inócua a apontada ligação entre o mecanismo do FGS e a norma do n.º 3 do artigo 59.º da CRP. Tratando-se de uma das garantias ali previstas, ao escolher (apesar de, nessa escolha, se encontrar vinculado pelo Direito da União) instituir o FGS como uma das garantias especiais da retribuição, o legislador está vinculado à construção de um regime que lhe assegure um mínimo de efetividade, sem a qual resultaria esvaziada de sentido a norma constitucional, com respeito pela igualdade (artigos 13.º e 59.º, n.º 1, da CRP). Por outro lado, tratando-se de atribuir, no apontado contexto, um direito a uma prestação pecuniária, e de limitar no tempo a efetividade desse direito pelo não exercício, tal atribuição deve operar, na compaginação destas duas vertentes, segundo regras claras, certas e objetivas – exigência decorrente do princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da Constituição).
2.5. Tendo presentes as linhas essenciais do NRFGS – em particular a norma objeto do presente recurso (cfr. itens 2.1. e 2.2., supra) – verificam-se aporias que o afastam do padrão de efetividade e certeza acabado de traçar.
De acordo com o sentido das normas relevante para a presente decisão (cfr. item 2.2., supra), a declaração de insolvência faz nascer o direito ao acionamento do FGS. Sucede que a declaração judicial constitui um momento num processo judicial contraditório, de cujos termos o trabalhador tem (ou pode ter) unicamente o domínio do impulso processual inicial, sendo que, subsequentemente, o desenvolvimento do processo como que lhe “sai das mãos”, sendo muito limitada a respetiva capacidade de determinar no elemento tempo os ulteriores passos processuais até à efetiva declaração do devedor em estado de insolvência. De facto, basta pensar que, não sendo um dos casos excecionais de dispensa da audiência do devedor (artigo 12.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, doravante CIRE), há lugar à citação deste, que poderá ser mais ou menos demorada, podendo ser apresentada oposição e realizada audiência de julgamento, gerando-se uma dilação assinalável entre o pedido de declaração da insolvência e essa mesma declaração – circunstâncias das quais o caso dos autos constitui, aliás, exemplo vivo, tendo a declaração de insolvência ocorrido cerca de seis meses e meio após ter sido requerida pelo primeiro Recorrente. Ou seja, pegando precisamente no exemplo que os autos ilustram, observamos que se consumiu mais de metade do prazo de acionamento do FGS em vicissitudes processuais que o trabalhador credor da insolvente não esteve em condições de dominar, sendo certo que a declaração de insolvência foi pedida decorridos que foram menos de seis meses do prazo de um ano previsto no artigo 2.º, n.º 8, do NRFGS.
Não estamos – deve sublinhar-se – perante a questão, sucessivamente apreciada pela jurisprudência europeia, de saber se o legislador pode fixar prazos mais ou menos alargados para o exercício do direito ao acionamento do FGS, sob pena de caducidade ou prescrição: ninguém aqui discute a existência de prazos nem o prazo em concreto estabelecido na norma referenciada na decisão.
O que está em causa é saber se, na contagem desse prazo, é possível incluir um período temporal (que, como vimos, pode ser assinalável) especificamente determinado e tendente à criação de um pressuposto essencial do direito ao acionamento do FGS (o período entre o pedido de declaração da insolvência e a sua efetiva declaração pelo tribunal competente), cujos termos escapam por completo ao controlo do trabalhador-credor, de tal forma que o mero decurso do tempo nessa fase processual provoque a extinção do direito. Assim se cria uma evidente antinomia: o trabalhador-credor de um empregador insolvente que queira ver tutelado o direito à prestação pelo FGS vê-se obrigado a pedir a declaração de insolvência e, a partir desse momento, as vicissitudes próprias do processo que fez nascer com essa finalidade, comprometem o exercício desse mesmo direito, sem que um comportamento alternativo lhe seja exigível – rectius, possa por ele ser adotado – no sentido de evitar essa preclusão.
Ao fazer nascer, ainda que potencialmente, na própria condição de realização de um direito a causa da sua extinção, à qual o respetivo titular se vê impossibilitado de obstar, o legislador deixa de conferir à retribuição – e ao “remédio” (talvez mais até ao paliativo) para a sua perda – a tutela que lhe era devida nos termos do artigo 59.º, n.º 3, da Constituição. Sendo certo que o sistema do FGS “pressupõe um nexo entre a insolvência e os créditos salariais em dívida” (acórdão do TJUE de 28 de novembro de 2013, cfr. supra 2.3.2.3.), seria o próprio processo judicial com aptidão para estabelecer o referido nexo que constituiria causa da preclusão do direito.
Geram-se, por outro lado, diferenciações arbitrárias na concessão (na realização) daquele direito a distintos titulares, subordinado que fica este à duração maior ou menor da fase inicial dos processos de insolvência, em função de ter sido deduzida oposição, da duração das audiências de julgamento, das diferentes capacidades de resposta dos tribunais, etc. Tudo fatores alheios à vontade do trabalhador-credor e que, por isso mesmo, não suportam a afirmação de existência de algo semelhante a um “domínio do facto” por este, cujo efeito de condicionamento do respetivo direito não encontra justificação na tutela de qualquer outro valor que possamos considerar relevante no confronto com a necessidade de tutela da retribuição que se verifica no contexto apontado.
A este respeito, não releva, propriamente, de forma direta, a qualificação do prazo como de caducidade ou de prescrição – questão que, na ausência de uma opção legal expressa, se prefigura como de âmbito fundamentalmente doutrinário que, em todo o caso, nos aparece aqui ligada a uma opção interpretativa do direito infraconstitucional –, relevando antes a circunstância de, no contexto descrito, a contagem de tal prazo ocorrer sem qualquer suspensão ou interrupção, gerando um sinal – rectius, potenciando um efeito – de valor contrário ao próprio direito.
Note-se, todavia – sublinhando o sentido atuante que a qualificação jurídica do prazo aqui acabou por assumir –, que o Fundo, na fundamentação da respetiva posição de indeferimento da pretensão dos ora Recorridos (cfr. item 1.2.1. supra) – e sublinha-se, pois, que foi nesse quadro que a decisão recorrida, como não podia deixar de ser, se forjou –, qualificou expressamente o prazo em causa no artigo 2.º, n.º 8, do NRFGS como de caducidade, referindo-lhe expressamente a circunstância, que é própria do regime da caducidade nos termos do artigo 328.º do CC, de só comportar suspensão ou interrupção mediante previsão legal, no caso inexistente. E, de facto, é neste contexto que se afirma que, “[e]m matéria de contagem do prazo de caducidade[,] aplicam-se, em princípio, tal como na prescrição, as regras gerais, com uma importante diferença. Na caducidade vale muito mais plenamente o princípio segundo o qual o tempo se conta ininterruptamente”, já que, “[…] como resulta do artigo 328.º do CC, ‘o prazo de caducidade não se suspende nem se interrompe, senão nos casos em que a lei o determine’. Assim, se a lei, em cada caso concreto, não admitir, expressamente, a suspensão e a interrupção do prazo de caducidade (ou algum destes institutos), o prazo corre sempre sem intermitências de qualquer ordem” (Luís A. Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, Vol. II, 4.ª ed., Lisboa, 2007, p. 703). Ora, tendo sido a invocação, por parte do FGS, desta característica do regime da caducidade que conduziu à construção do indeferimento (por inexistir previsão legal a permitir a suspensão ou a interrupção do decurso do prazo), não poderia a decisão recorrida, ao sindicar esse indeferimento, deixar de pressupor essa interpretação e construir em função dela a questão de inconstitucionalidade que constituiu a respetiva ratio decidendi.
Porém, não é irrelevante a pouca clareza do regime legal, espelhada na norma em causa, considerada em si mesma ou sistematicamente inserida no diploma que a contém. O elemento de incerteza deste regime (evidenciado à saciedade, nestes autos, pelas posições assumidas na decisão recorrida, nas alegações e contra-alegações de recurso e no item 2.2., supra) compromete seriamente a efetividade da tutela que corresponde ao mecanismo do FGS, apresentando-se o complexo normativo do NRFGS, ao gerar estas interpretações díspares, com uma consistência pouco definida – para não dizer insuportavelmente ambígua –, cuja interpretação muito dificilmente assumirá um sentido minimamente claro, gerador de segurança nos destinatários beneficiários do seu âmbito de proteção. Isto ao ponto destes não disporem, consistentemente, da possibilidade de, agindo com normal diligência, anteverem com suficiente segurança o comportamento que devem adotar para formular atempadamente a sua pretensão junto do FGS, assim se comprometendo as exigências mínimas de certeza decorrentes do princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da Constituição).
2.5.1. Aliás, em hipóteses como a dos presentes autos, pode mesmo dizer-se, tomando de empréstimo as palavras do acórdão do TJUE de 16 de julho de 2009, no caso Visciano (referido supra no item 2.3.2.1.), que a configuração do prazo pode tornar “[…] impossível na prática ou excessivamente difícil” o exercício do direito do trabalhador credor, além de que – como justamente se assinalou naquela decisão – “[…] uma situação caracterizada por uma considerável incerteza jurídica pode constituir uma violação do princípio da efetividade, uma vez que a reparação dos danos causados a particulares por violações do direito comunitário imputáveis a um EstadoMembro pode, na prática, ser extremamente dificultada se estes não puderem determinar o prazo de prescrição aplicável, com um razoável grau de certeza”.
2.6. As razões que antecedem são, pois, aptas a fundar um juízo de censura constitucional à norma sub judicio, confirmando a esse respeito a decisão recorrida. Complementarmente, justificam-se duas observações adicionais, referidas à incidência na situação do Direito da União e à referenciação da intervenção do Tribunal Constitucional exclusivamente à questão de inconstitucionalidade.
2.6.1. Assim, como primeira nota, respeitante às incidências do caso relativas ao Direito da União, cumpre-nos salientar, quanto ao âmbito da intervenção deste Tribunal no quadro referencial do artigo 8.º, n.º 4 da CRP (aqui relevante no trecho que estabelece que “[…] as normas emanadas das […] instituições [da União Europeia], no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos no Direito da União […]”), a ausência de justificação para que equacionemos (neste recurso) um reenvio prejudicial de interpretação ao TJUE, nos termos do artigo 267.º do Tratado sobre o funcionamento da União Europeia (TFUE).
Vale esta opção – como adiante explicitaremos – em função da constatação de não se prefigurar aqui, na sequência da jurisprudência do TJUE referida ao longo deste Acórdão, uma dúvida quanto à interpretação do Direito da União que apresenta relevância no caso concreto, designadamente quanto ao sentido prescritivo dos artigos 3.º sucessivamente incluídos nas Diretivas 80/987/CEE e 2008/94/CE, referidas no item 2.3.1 supra. Estas, consubstanciando “atos jurídicos da União” vinculativos do Estado português “[…] quanto ao resultado a alcançar […]”, na aceção do terceiro parágrafo do artigo 288.º do TFUE (“[a] directiva vincula o Estado-Membro destinatário quanto ao resultado a alcançar, deixando, no entanto, às instâncias nacionais a competência quanto à forma e aos meios”), mostram-se já devidamente esclarecidas pela jurisprudência do TJUE, no seu sentido operante relativamente à norma de Direito interno aqui sujeita à apreciação do Tribunal Constitucional (o artigo 2.º, n.º 8 do NRFGS na interpretação em causa na decisão recorrida).
Aliás, conforme indicámos no item 2.5.1. supra, o ora decidido encontra-se, assumidamente, em linha com o sentido evidente dessa jurisprudência relevante na matéria aqui em causa – referimo-nos às decisões, todas proferidas em processos de reenvio, do TJUE referenciadas no item 2.3.3. supra e respetivas subdivisões (2.3.3.1 a 2.3.3.4.) –, concretamente com o ponto 46. acima transcrito, no item 2.3.3.1., constante do acórdão Visciano c. INPS, de 16 de julho de 2009 (processo C-69/08).
Com efeito, estando em causa uma obrigação de reenvio, nos termos do terceiro parágrafo do artigo 267.º do TFUE, “[…] para os órgãos jurisdicionais que julguem sem hipótese de recurso judicial previsto no direito interno” [Inês Quadros, “Acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de Outubro de 1982 – Processo 283/81 Srl Cilfit et Lanificio di Gavardo SpA c. Ministero della sanità”, in Princípios Fundamentais de Direito da União Europeia. Uma Abordagem Jurisprudencial, Sofia Oliveira Pais (coord.), 3.ª ed., Coimbra, 2014, p. 223], verifica-se neste caso uma das circunstâncias nas quais, segundo o TJUE no acórdão Cilfit, está o tribunal nacional dispensado desse reenvio.
Referimo-nos em concreto, seguindo o ponto 14. desse acórdão de 1982 (que é invariavelmente assumido como precedente de forte valor persuasivo), às situações em que exista “[…] uma orientação jurisprudencial do Tribunal que esclareça o ponto de direito em causa, qualquer que seja a natureza do procedimento que deu lugar a esta jurisprudência, mesmo na ausência de uma estrita identidade das questões em litígio”. Nestes casos, o esclarecimento anterior pelo TJUE de uma situação equivalente, em termos aptos a suportar, consistentemente, um juízo de identidade de razão, confere à norma interpretada a natureza de “ato clarificado” (Inês Quadros, “Acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de outubro de 1982…”, cit. p. 229).
2.6.2. A isto acresce – como segunda nota complementar acima indicada no item 2.6. – a seguinte observação. Cabe ao Tribunal Constitucional a última palavra sobre a inconstitucionalidade da norma em questão, não lhe cabe, porém, determinar qual a melhor interpretação do direito infraconstitucional na sequência do afastamento dessa norma (dessa construção normativa). Assim, na falta de uma opção legislativa expressa, caberá aos tribunais comuns a solução das questões que o presente julgamento deixa em aberto (designadamente, se deve tratar-se de interrupção ou suspensão do prazo, se o efeito interruptivo ou suspensivo em relação a todos os credores pode depender do pedido de declaração de insolvência de um só credor ou de um credor de certa categoria ou até quando se deve verificar a suspensão ou interrupção).
Cinge-se, pois, a presente decisão, à questão de inconstitucionalidade, nos termos em que esta emergiu da decisão de recusa do Tribunal a quo.
2.7. Pelas razões que antecedem, improcede o recurso, devendo confirmar-se a decisão recorrida.
É o que nos resta afirmar, conferindo-lhe expressão decisória.
(…)”
Decisão com a qual se concorda quer na parte dispositiva quer nos fundamentos.
A configuração do prazo para reclamar créditos ao Fundo de Garantia Salarial contante da norma em apreço, como prazo de caducidade insusceptível, como tal, de suspensão ou interrupção, pode tornar impossível na prática ou excessivamente difícil o exercício do direito do trabalhador credor, além de que, face à divergência de interpretações doutrinárias e jurisprudenciais, conduz a uma situação caracterizada por uma considerável incerteza jurídica o que pode constituir uma violação do princípio da efetividade.
Apenas não vemos razão para nos embrenharmos nas questões que aqui se deixam em aberto, designadamente, se deve tratar-se de interrupção ou suspensão do prazo, se o efeito interruptivo ou suspensivo em relação a todos os credores pode depender do pedido de declaração de insolvência de um só credor ou de um credor de certa categoria ou até quando se deve verificar a suspensão ou interrupção.
Questões cuja resolução poderá manter ou até acentuar a insegurança e incerteza na interpretação e aplicação da norma.
Dispõe o artigo 282º da Constituição da República Portuguesa sob a epígrafe “Efeitos da declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade”
“1. A declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional ou ilegal e determina a repristinação das normas que ela, eventualmente, haja revogado”.
Não vemos razão para não aplicar esta norma, dirigida há hipótese de “declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade com força obrigatória geral” ao caso, como o presente, em que temos uma declaração de declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade ainda sem força obrigatória geral.
Na verdade é a solução que mais segurança e certeza traz para a solução de casos similares, dada a sedimentação que o antigo regime jurídico já tinha alcançado.
E porque, por outro lado, tendo em conta a multiplicidade de situações idênticas que correm nos tribunais administrativos, mantendo-se a declaração de inconstitucionalidade, com o recurso obrigatório pelo Ministério Público para o Tribunal Constitucional, é previsível que venha a surgir essa declaração com força obrigatória geral, pelo que, com esta posição, já estará preparado o caminho pela jurisprudência dos tribunais administrativos para tal declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, reforçando a certeza e segurança jurídicas.
Como se refere no acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte, de 12.07.2018, no processo 330/17.2 PNF, com o mesmo Colectivo em unanimidade:
“Já a anterior legislação regulamentadora do Fundo de Garantia Salarial estabelecia requisitos temporais para a apresentação do requerimento junto do Fundo de Garantia Salarial, dispondo o artigo 319º nº 3 da Lei nº 35/2004, de 29.07, que o Fundo de Garantia Salarial só assegurava o pagamento dos créditos que lhe fossem reclamados até 3 meses da respectiva prescrição.
Dispunha o artigo 319º, nº 3, da Lei nº 35/2004, de 29.07, que o Fundo de Garantia Salarial só assegurava o pagamento dos créditos que lhe fossem reclamados até 3 meses da respectiva prescrição.
No caso concreto os créditos, embora emergentes da cessação dos contratos de trabalho, ocorrida em 10.9.2015, foram reconhecidos por sentença de 2016.
Pelo que ao caso se aplica o prazo geral de vinte anos, previsto no artigo 309º do Código Civil.
Assim sendo estava longe de caducar o direito dos autores porque também estava longe de prescrever.
Pelo que se deve concluir que é totalmente procedente a pretensão dos autores, ao contrário do decidido.
2. Restantes questões suscitadas.
Decidida a questão anterior, fulcral, em sentido favorável aos Recorrentes, ao ponto de determinar a procedência total da acção, fica prejudicado o conhecimento de todas as demais questões suscitadas.
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IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em CONCEDER PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que:
A) Revogam a decisão recorrida.
B) Julgam a acção totalmente procedente e condenam o Réu nos termos peticionados.
Custas pelo Réu, ora Recorrido, em ambas as Instâncias.
Porto, 23.11.2018
Ass. Rogério Martins
Ass. Luís Garcia, com declaração de voto
Ass. Alexandra Alendouro, com declaração de voto
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Declaração de voto
Não dissentindo do fundamento de inconstitucionalidade presente no citado Ac. do Tribunal Constitucional, tenho que a sua transposição para o caso não passa por aplicar a norma do art.º 282º n° 1, da CRP; antes, sem essa intermediação, cabe mesma solução de direito.
Porto. 23 de Novembro de 2018.
Ass. Luís Migueis Garcia
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Declaração de voto
Voto a decisão, mas discordo do segmento que aplica o disposto no artigo 282.° da CRP para transposição para o caso dos autos da fundamentação do Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 328/2018, de 27.06.2018, proferido em sede de fiscalização concreta, que se acompanha.
Porto, 23 de Novembro de 2018.
Ass. Alexandra Alendouro