Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01131/09.7BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/26/2018
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:GNR; PROCESSO DISCIPLINAR
Sumário:
I- No caso concreto não havia norma legal que permitisse a alternativa do processo oral ao processo escrito, por tal não se enquadrar nos pressupostos dos nº s 2 e 3 do artigo 83º do RDM, especialmente do seu nº 3, pois que a infracção não era de “pouca gravidade” e era inaplicável nos casos de punições a que correspondesse “prisão disciplinar”;
I.1-de todo o modo ficou provado, aliás, pela junção aos autos do processo administrativo, que foi adoptada no processo disciplinar a forma escrita e não a oral, enquadrando-se tal forma no nº 1 do artigo 83º do RDM;
I.2-do processo disciplinar junto ao PA não consta a mínima fundamentação jurídica para o agravamento do acto punitivo e, inexistindo processo disciplinar oral, não pode ter havido, necessariamente, fundamentação oral;
I.3-ao não constar do processo disciplinar o nome e a qualidade da pessoa que assinou o despacho de agravamento da punição, resulta que tal despacho tem que ser considerado (como foi) inexistente;
I.4-ao não ter sido dada ao Autor, aqui Recorrido, a oportunidade de se pronunciar quanto à agravação da pena de repreensão agravada, para mais tratando-se duma pena privativa da liberdade, o acto impugnado violou o seu direito de audiência prévia, admitido, desde sempre, na CRP (de 1976 (artigo 270º), no artigo 269º nas revisões de 1982 e 1989 e no artigo 32º nas revisões que se lhe seguiram), devendo por isso tal acto ser considerado nulo e de nenhum efeito - artigo 133º/1 e al. d) do nº 2 do CPA;
I.5-contrariamente ao alegado, a interpretação vertida no acórdão sob escrutínio é ajustada à normatividade geral e à sensibilidade jurídica mais rudimentar, pelo que será mantido na ordem jurídica.
II- Tratando-se de uma pena privativa da liberdade, ainda que estivesse em causa um só dia/uma só hora, tinham de ser assegurados ao Autor os mais elementares direitos de defesa, o que aqui não sucedeu. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:NAPF
Recorrido 1:Ministério da Administração Interna
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
NAPF intentou acção administrativa especial contra o Ministério da Administração Interna, ambos já melhor identificados nos autos, pedindo que seja declarada a nulidade do despacho do Comandante da Brigada de Trânsito da GNR, datado de 23.07.1991 e do despacho de indeferimento expresso de Recurso Hierárquico, da autoria do Secretário de Estado da Administração Interna, datado de 06.02.2009, constante do Parecer nº 63-HM/2009 da Direcção dos Serviços Jurídicos e de Contencioso do MAI, e que lhe foi notificado em 12.02.2009.

Por acórdão proferido pelo TAF de Braga julgou-se:
a) nulo o despacho do Secretário de Estado da Administração Interna de 18.06.2009 que negou provimento ao recurso hierárquico interposto pelo A. da decisão de 23.07.1991 que lhe aplicou a pena de 5 (cinco) dias de prisão disciplinar, condenando-se o R. à adopção dos actos e operações necessários à reconstituição da situação jurídica que existiria se o acto não tivesse sido praticado.
b) inexistente o acto de 23.07.1991 que aplicou ao A. a pena de 5 dias de prisão disciplinar.

Deste vem interposto recurso.
Alegando, o Réu formulou as seguintes conclusões:
I. A Sentença Recorrida padece do vício de violação de lei por erro de direito por indevida aplicação do artigo 86º do CPTA na medida em que não estamos perante factos supervenientes susceptíveis de se enquadrarem na previsão da norma em apreço.
II. Na verdade, o processo disciplinar esteve disponível por 18 anos e, em sede de AAE, o A. demonstrou ter perfeito conhecimento do conteúdo do acto administrativo impugnado.
III. Mais, os factos alegados como supervenientes, não são obrigatórios à luz do normativo aplicável à data o que inquina a douta decisão.
Com efeito,
IV. Não existe normal legal que à data implicasse a obrigatoriedade da redução a escrito do processo disciplinar.
V. Daí que, admitindo-se a forma oral na promoção do processo disciplinar em apreço, por uma questão de disciplinar e celeridade da decisão esta foi seguida nos termos do artigo 83º, nº. 2 e 3 do RDM.
VI. Não havendo por isso mais elementos nem existindo a obrigatoriedade de encontrar hoje o “…nome e a qualidade da pessoa que assinou o despacho em causa…” o que eiva a douta sentença do vício de violação de lei por desconsiderar o normativo supra referido que legitima o acto administrativo.
Pois,
VII. Tal que significa que formalidades que hoje se encontram reduzidas a escrito e insertas no processo administrativo competente, in casu, de forma legítima não estejam.
No entanto e sem prescindir,
VIII. O mesmo raciocínio assente no ordenamento jurídico administrativo aplicável à data, especialmente à possibilidade da promoção de processo disciplinar por forma oral, justifica a aparente ausência de fundamentação que não colide de forma alguma com o artigo 32º, nº. 8 da Constituição o qual não foi violado porque o acto teve fundamentação oral e a norma constitucional não tem como objecto as relações jurídico administrativas mas contra-ordenacionais.
IX. Pelo que, tal significa a violação do artigo 32º, nº. 8 da Constituição da Republica Portuguesa (na redacção dada pela Lei nº. 1/89 de 08.07).
Desta forma,
X. Ficou exposto à saciedade que a interpretação vertida na sentença é manifestamente desajustada à normatividade geral onde terá de se inserir e não compreendo o normativo aplicável à data da prolação do acto administrativo inquina-a de ilegalidade.
TERMOS EM QUE, NOS MELHORES DE DIREITO E COM O SUPRIMENTO, DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE E EM CONSEQUÊNCIA DEVERÁ SER REVOGADA A DECISÃO ORA RECORRIDA, SENDO SUBSTITUÍDA POR DECISÃO QUE CONSIDERE VÁLIDA A DECISÃO IMPUGNADA NA ACÇÃO QUE DEU ORIGEM AO PRESENTE RECURSO, DEVENDO, EM CONSEQUÊNCIA, O ORA RECORRENTE, SER ABSOLVIDO DO PEDIDO FORMULADO NOS AUTOS.

O Autor juntou contra-alegações, concluindo:
01 – O Tribunal “a quo” ajuizou bem ao aceitar o articulado superveniente, não se verificando nenhum erro de direito por violação de lei por aplicação indevida do artigo 86º do CPTA.
02 – No caso sub judice não havia norma legal que permitisse a alternativa do processo oral ao processo escrito, por tal não se enquadrar nos pressupostos dos nºs 2 e 3 do artigo 83º do RDM, especialmente do seu nº 3, pois que a infracção não era de “pouca gravidade” e era inaplicável nos casos de punições a que correspondesse “prisão disciplinar”.
03 – Ficou provado, aliás, pela junção aos autos do processo administrativo que foi adoptada no processo disciplinar a forma escrita e não a oral, enquadrando-se tal forma no nº 1 do artigo 83º do RDM.
04 – Do processo disciplinar junto ao processo administrativo não consta a mínima fundamentação jurídica para o agravamento do acto punitivo e, inexistindo processo disciplinar oral, não pode ter havido, necessariamente, fundamentação oral.
05 – Ao não constar do processo disciplinar o nome e a qualidade da pessoa que assinou o despacho de agravamento da punição, resulta que tal despacho tem que ser considerado inexistente.
06 – Ao não ter sido dada ao A., oportunidade de se pronunciar quanto à agravação da pena de repreensão agravada, para mais tratando-se duma pena privativa da liberdade, o acto impugnado violou o direito de audiência prévia do A. admitido desde sempre na CRP: de 1976 (artigo 270º), no artigo 269º nas revisões de 1982 e 1989 e no artigo 32 nas revisões que se lhe seguiram, devendo por isso tal acto ser considerado nulo e de nenhum efeito - artigo 133º nº 1 e al. d) do nº 2.
Termos em que deve ser mantida a decisão recorrida, fazendo-se, deste modo, Justiça!.

O MP, notificado nos termos e para os efeitos do artº 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.

Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS DE FACTO
Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
1) Em 25.05.1991 foi elaborada a nota de culpa constante de fls. 9 do p.a..
2) O arguido, ora A., foi notificado da mesma.
3) Em 06.06.1991 foi o arguido notificado da “nota de punição” da autoria do Comandante do Destacamento de Viana do Castelo, constante de fls. 15 do p.a que aqui se considera reproduzida, tendo sido punido com a pena de repreensão agravada.
4) Em 12.07.1991 foi proferido pelo Comandante da GNR o despacho constante de fls. 27 do p.a que aqui se considera reproduzido nos termos do qual concordou com as conclusões do Sr. Oficial averiguante, não agravando, por isso, as referidas punições (…) e se determinou o envio ao Comando Geral da GNR (Chefia do Serviço de Justiça) a fim de ser presente à consideração do Exmo. General Comandante Geral.
5) Em 23.07.1991 foi proferido o seguinte despacho: “Agravo para 5 (cinco) dias de prisão disciplinar. Está mais que recomendado que a arma de fogo só poderá ser usada em caso de absoluta necessidade” (fl. 15 do p.a.).
6) Em 14.05.2008, o A. interpôs recurso hierárquico do acto referido em 5) nos termos constantes de fls. do p.a que aqui se consideram reproduzidas.
7) Pelo Director de Justiça e Disciplina foi proferido o parecer constante de fls. do p.a que aqui se considera integralmente reproduzido.
8) Em 31.03.2009 foi determinado o envio do processo ao MAI.
9) Por despacho de 18.06.2009 do Secretário de Estado da Administração Interna, que aqui se considera reproduzido (bem como o parecer que o fundamenta) foi negado provimento ao recurso hierárquico.
10) O A. foi notificado desse despacho em 15.07.2009.
X
DE DIREITO
Está posto em causa o acórdão que julgou procedente a acção,
Nos dizeres do Recorrente este padece de vício de violação de lei por incorrecta aplicação do artigo 32º/8 da CRP na redacção dada pela Lei 1/89 de 08/07.
Avança-se, já, que não lhe assiste razão.
Antes, atente-se no discurso jurídico fundamentador do acórdão:
“Está em causa, em primeira linha, a apreciação da constitucionalidade do despacho proferido em 18.06.2009 pelo Secretário de Estado da Administração Interna que indeferiu o recurso hierárquico da decisão que lhe aplicou a pena de 5 (cinco) dias de prisão disciplinar.
Entende, o A. que os art.ºs 92º, n.º 1 da LOGNR e 5º, n.º 1 do EMGNR, ao preverem a pena de prisão disciplinar são inconstitucionais por violação do art.º 27º, n.º 3 da CRP.
Não tem razão.
Não obstante termos aderido a posição diversa em acórdão proferido no âmbito do processo n.º 1752/08.5 (no qual estava em causa a detenção disciplinar), tal acórdão foi revogado pelo acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 13.01.2011 (processo 01752/08.5 publicado em www.dgsi.pt) que foi, por sua vez, recentemente confirmado pelo Supremo Tribunal Administrativo em acórdão de 22.09.2011 (processo 0431/11, também publicado em www.dgsi.pt), em termos que nos conduziram à revisão e alteração da posição defendida naquele processo.
Assim porque a questão foi rigorosamente julgada pelos Tribunais Superiores em termos com os quais se concorda na íntegra, vai-se reproduzir, em parte, o teor do referido acórdão do STA, com as devidas adaptações (já que aquele processo se referia à detenção disciplinar e aqui está em causa a prisão disciplinar, não obstante a problemática da constitucionalidade das normas em causa seja idêntica).
A questão basilar a apreciar é a de saber se a pena de prisão de um elemento da GNR se subsume à excepção prevista na al. d) do n.º 3 do n.º 2 do art.° 27.° da CRP, ou seja, se a pena disciplinar de prisão aplicada a militar da GNR, pode ser ordenada pela hierarquia ou apenas em consequência de sentença judicial condenatória.
Ou seja, se são inconstitucionais as normas constantes do artigo 92º n.º 1, da Lei Orgânica da Guarda Nacional Republicana (LOGNR), aprovada pelo Decreto-Lei nº 231/93, de 26 de Junho e do artigo 5º, nº 1, do Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana (EMGNR), aprovado pelo Decreto-Lei nº 265/93, de 31 de Julho, na parte em que tornam aplicáveis aos elementos da GNR as penas privativas da liberdade, previstas no RDM por se entender que na “expressão militares constante do nº 3 do artigo 27º da CRP como excepção ao princípio da liberdade só podem compreender-se os elementos das Forças Armadas, em sentido estrito e já não os membros das “forças militarizadas” (como a GNR ou como a Guarda Fiscal) ou de “forças de segurança” (como a PSP)”.
Observe-se, por outro lado, que a sanção disciplinar imposta ao autor ocorreu em 1991 e este só reagiu, primeiro no plano hierárquico e depois no judicial, cerca de 12 anos depois o que evidencia um patente desinteresse pessoal na resolução imediata do problema, interesse que vem a projectar muito tempo depois.
Sobre este mesmíssimo assunto, com relevo em ambas as inconstitucionalidades, foi proferido o acórdão n.º 521/2003 pelo Tribunal Constitucional (processo n.º 471/97, 2.ª Secção), que teve dois votos de vencido.
Sublinhe-se que os preceitos em causa, em vigor à data dos factos, foram entretanto revogados - imposição da pena disciplinar de 5 dias de prisão, prevista no RDM, art. 26° do DL 142/77, de 9 de Abril (revogado pela Lei n.º 2/2009, de 22.7), constante dos arts. 92°, n.º 1 da Lei Orgânica da Guarda Nacional Republicana, aprovada pelo DL 231/93, de 26 de Junho (revogado pela Lei 63/2007, de 6/11) e 5.° do Estatuto do Militar da Guarda, aprovado pelo DL 265/93, de 31 de Julho (revogado pelo DL 297/2009, de 14.10).
“Pese embora a consistência de ambas as posições aderimos àquela que fez vencimento, de modo que nos limitamos a transcrever o que de essencial ali se decidiu.
Vê-se no art. 27° da Constituição da República Portuguesa (então e ainda em vigor), epigrafado de “Direito à liberdade e à segurança”:
1 Todos têm direito à liberdade e à segurança.
2. Ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança.
3. Exceptua-se deste princípio a privação da liberdade, pelo tempo e nas condições que a lei determinar, nos casos seguintes:
a) Detenção em flagrante delito;
b) Detenção ou prisão preventiva por fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos;
c) Prisão, detenção ou outra medida coactiva sujeita a controlo judicial, de pessoa que tenha penetrado ou permaneça irregularmente no território nacional ou contra a qual esteja em curso processo de extradição ou de expulsão;
d) Prisão disciplinar imposta a militares, com garantia de recurso para o tribunal competente;
e) Sujeição de um menor a medidas de protecção, assistência ou educação em estabelecimento adequado, decretadas pelo tribunal judicial competente;
f) Detenção por decisão judicial em virtude de desobediência a decisão tomada por um tribunal ou para assegurar a comparência perante autoridade judiciária competente;
g) Detenção de suspeitos, para efeitos de identificação, nos casos e pelo tempo estritamente necessários,
h) Internamento de portador de anomalia psíquica em estabelecimento terapêutico adequado, decretado ou confirmado por autoridade judicial competente”.
Sobre o assunto extrai-se do referido aresto o seguinte:
“A problemática da constitucionalidade da previsão da medida de prisão disciplinar, constante, igualmente, de outros diplomas legais relativamente aos «agentes militarizados» de outras forças de segurança, já foi objecto de apreciação por este Tribunal Constitucional. Assim, no Acórdão n.º 103/87, publicado no BMJ n.º 365°, pp. 314 e ss. e 402°, pp. 83 e ss. e, mais recentemente, nos versados nos Acórdãos nºs 725/95 e 119/96, publicados, no DR, II, Série, respectivamente, de 22/03/96 e 07/05/96 e no Acórdão nº 500/98 (inédito). Em todos eles, e para além de outras adrede postas, sempre esteve presente a questão de saber se a medida de prisão disciplinar imposta a militares das Forças Armadas (com garantia de recurso para o tribunal competente), que foi introduzida no art° 27°, n.º 3, alínea c), da Constituição da República, na revisão de 1982, e posteriormente sempre mantida em outras alíneas do mesmo artigo, era de aplicar ao pessoal de outros Quadros com funções, mormente de segurança, ditos de forças ou corpos militarizados, como o pessoal do Quadro Militarizado da Marinha (Acórdão 308/90, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 170 volume, págs. 97 e segs., e BMJ 402°, págs. 83), aos agentes militarizados da Polícia de Segurança Pública (Acórdão, referido, n° 103/87) e «aos militares» da Guarda Fiscal, na situação da reserva (Acórdãos, referidos, n.ºs 725/95 e 119/96), corpo esse entretanto extinto pelo DL. 230/93, de 26 de Junho e integrado na GNR, onde passou a constituir uma nova unidade operacional designada de Brigada Fiscal.
8. No acórdão n.º 103/87, o Tribunal, em provimento do pedido efectuado pelo Presidente da Assembleia da República, declarou com força obrigatória geral a inconstitucionalidade de todas as normas do Regulamento Disciplinar do Pessoal da Polícia de Segurança Pública, aprovado pelo Decreto n.º 40118, de 6 de Abril de 1955, ou seja, das normas dos artigos 27°, 33° e do art.° 52°, esta na parte em que prevê a aplicação de penas disciplinares sem dependência de processo, salvo enquanto aplicável à pena de admoestação.
No caso apreciado pelo Acórdão n.º 308/90, este Tribunal Constitucional, conhecendo de pedido efectuado pelo Provedor de Justiça, declarou a inconstitucionalidade com força obrigatória geral da norma do art.° 4°, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 282/76, de 20 de Abril, que dispõe que o pessoal do Quadro de Pessoal Militarizado da Marinha fica sujeito ao foro militar, na parte aplicável a militares, em função das equivalências entre as suas categorias funcionais e os postos militares da Armada, por violação dos artigos 27° e 215° da Constituição. Ou seja, o Tribunal encaminhou-se pela via da inconstitucionalidade material da norma questionada que previa a aplicação daquela pena de prisão disciplinar.
9. Nos demais casos resolvidos nos Acórdãos proferidos por este Tribunal, todos relativos a «militares» da Guarda Fiscal, na situação de reserva, o tribunal decidiu-se pela inconstitucionalidade orgânica, por violação do disposto na alínea c) do artigo 167° da versão originária da Constituição, da norma do artigo 1° do Decreto-Lei n.º 143/80, de 21 de Maio, enquanto determina a aplicabilidade a cabos e soldados da Guarda Fiscal, na situação de reserva, das penas de prisão e prisão disciplinar agravada nos artigos 27° e 28° do regulamento de Disciplina Militar, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 124/77, de 9 de Abril.
10. Ora, cabe antes de mais notar que não será possível sustentar, no caso sub judicio, a inconstitucionalidade orgânica das normas constantes dos art.ºs 92°, n.º 1, da Lei Orgânica da Guarda Nacional Republicana (LOGNR), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 231/93, de 26 de Junho, e 5° do Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana (EMGR), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 265/93, de 31 de Julho, enquanto determinando a aplicação aos militares da Guarda Nacional Republicana do Regulamento de Disciplina Militar ao abrigo do qual o A. foi condenado a pena de prisão disciplinar agravada.
E diz-se que não pode porque, nesta matéria, tais preceitos nada inovaram. Na verdade, a disciplina jurídica que deles emerge pode ser colhida directamente do disposto nos art.ºs 69°, n.º 1, e 32°, da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas (Lei n.º 29/82, de 11 de Dezembro) e do preceituado nos art.ºs 2°, alínea e), 4°, 5° e 16° da Lei n.º 11/89, de 1 de Junho.
Naquele sentido, e com referência aos militares do serviço efectivo da Guarda Fiscal, mas perfeitamente transponível para o presente contexto, pode ler-se no citado acórdão n.º 119/96:
«De facto, só esta disposição [está a referir-se ao art.° 1° do Decreto-Lei n.º 143/80, de 21 de Maio] torna aplicável aos oficiais, sargentos e praças da Guarda Fiscal, no activo, na reserva e na reforma, o Regulamento de Disciplina Militar, ao passo que o art.° 69°, n.º 1, da Lei n.º 29/82 - ao remeter para o n.º 1 do art.° 32° da mesma Lei - só torna aplicável o Regulamento de Disciplina Militar “aos militares e agentes militarizados dos quadros permanentes e dos contratados em serviço efectivo [...] na Guarda Fiscal” (...)».
Poderá objectar-se que a normatividade que deflui da conjugação do disposto no art.° 62° com o estabelecido no art.° 32° da referida Lei de Defesa Nacional não tem a natureza de um comando imediatamente prescritivo, quanto à aplicação aos militares da GNR do Regulamento de Disciplina Militar e do Código de Justiça Militar, que seja regulador das relações jurídicas e como tal aplicável imediatamente, mas antes simplesmente que externa uma opção político-legislativa quanto ao regime a definir no futuro - uma espécie de norma programática - relativamente à sua sujeição ao regime disciplinar e penal a aprovar posteriormente.
Ora, relativamente a esta matéria, há que acentuar, desde logo, que a aplicabilidade, aos “militares e agentes militarizados dos quadros permanentes e dos contratados em serviço efectivo na Guarda Nacional Republicana” [sendo que, no caso sub judicio, apenas importa relevar a situação relativamente aos militares dos quadros permanentes em serviço efectivo], do regime a que alude o art.° 32° se apresenta feita no art.° 69° da referida Lei de Defesa Nacional (Lei n.º 29/82) como uma opção político-legislativa tomada a título definitivo, ao contrário do que acontece, no n.º 2 do mesmo artigo, relativamente à Polícia de Segurança Pública. Sendo assim, e porque a sujeição a esse especial regime disciplinar e penal dos militares da GNR era já o regime que vigorava até então, não se vêm razões para se defender que apenas o regime a definir no futuro, de acordo como os procedimentos normativos estabelecidos nesse art.° 32°, passaria a aplicar-se-lhes.
De qualquer modo - e mesmo para quem assim pense - não pode deixar de concluir-se que, perante o disposto nos art.° 2°, alínea e), 4°, 5° e 16° da referida Lei n.º 11/89, de 1 de Junho, passou a ser aplicável aos militares da GNR no activo o regime disciplinar já então em vigor para os militares, independentemente da intenção legislativa manifestada no art° 17° da mesma Lei de vir a ser aprovado um novo “Regulamento de Disciplina Militar por lei da Assembleia da República ou, mediante autorização legislativa, por decreto-lei do Governo”.
Assim sendo, havendo tanto a Lei n.º 29/82, como a Lei n.º 11/89, sido emitidas pela Assembleia da República e delas resultar ser aplicável aos “militares [...] dos quadros permanentes [...] em serviço efectivo na Guarda Nacional Republicana” o Regulamento de Disciplina Militar, não poderá dizer-se que o Governo, que emitiu aqueles diplomas da LOGNR e do EMGNR ao abrigo da competência estabelecida na alínea a) do n.º 1 do artigo 201° da CRP (domínio de competência legislativa concorrente com a Assembleia da República), tenha regulado matéria abrangida na competência exclusiva da Assembleia da República prevista na alínea b) do n.º 1 do art.º 168° da CRP (matéria de “direitos, liberdades e garantias”), na redacção então vigente, pois essa normatividade já tinha sido criada pelo órgão constitucionalmente competente - a Assembleia da República.
11. Deste modo, a única questão que se imporá resolver é a de saber se a aplicabilidade aos militares da Guarda Nacional Republicana da pena de prisão disciplinar, constante do Regulamento de Disciplina Militar, atentará contra a garantia fundamental da liberdade de “ninguém poder ser total ou parcialmente privado” dela “a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança”, a todos reconhecida nos nºs 1 e 2 do art.° 27° da CRP, ou, se ela se encontra coberta pela excepção contemplada na al. d) do n.º 3 do mesmo artigo.
E a ser assim, a questão redunda em saber se as normas constantes do artigo 92°, n.º 1 da Lei Orgânica da Guarda Nacional Republicana, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 231/93, de 26 de Junho e do artigo 5.° do Estatuto do Militar da Guarda, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 265/93, de 31 de Julho, na parte em que tomam aplicáveis aos militares da Guarda, não pertencentes aos quadros das Forças Armadas, as penas de prisão disciplinar e de prisão disciplinar agravada, previstas no RDM e enquanto incorporando a normatividade constante do n.º 1 do art.° 69° da Lei n.º 29/82, no qual se remete para o art.° 32° da mesma lei [e aqui se dispõe que em matéria de justiça e de disciplina “as exigências específicas das Forças Armadas serão reguladas, respectivamente, no Código de Justiça Militar e no Regulamento de Disciplina Militar”], são materialmente inconstitucionais por ofensa ao disposto no n.º 2 do art.° 27° da CRP.
Ora, tal só não sucederá se essa norma couber na hipótese a que se refere a excepção prevista na al. c) do n.º 3 do art.° 27° da CRP, ou seja, “a privação da liberdade, pelo tempo e nas condições que a lei determinar”, entre outros, “no caso de prisão disciplinar imposta a militares, com garantia de recurso para o tribunal competente”.
Ora “a Constituição em ponto algum procede a uma definição do conceito de “militar”. Por outro lado, é de notar que sempre que utiliza o termo “militar”, a Lei Fundamental fá-lo, essencialmente, na perspectiva de salientar a sujeição a um certo estatuto pessoal próprio ou específico por parte de quem se integra nesse “tipo” de pessoas e de relevar, prevalentemente, a sua inserção organizatória. Ou seja, a Constituição refere o conceito sem o adstringir directamente a qualquer função ou atribuições constitucionais. E isso é assim mesmo em relação às associações de que fala o n.º 4 do art.° 46° da CRP, dado que o substrato directo destas é constituído por pessoas e o que verdadeiramente aí sobressai vinculado funcionalmente ao fim que se pretende evitar é o modo como as mesmas se organizam. Como o é quando fala do “serviço militar”, pois, aqui, o que se acentua é, essencialmente, a obrigatoriedade dos cidadãos portugueses prestarem um serviço e este serviço tem, como é sabido, um certo enquadramento organizatório.
Para além do referido art.° 27°. n.º 3, al. c), o termo “militar” é utilizado, na CRP, como acaba de acentuar-se, no n.º 4 do art.° 46°, ao dizer que “não são consentidas associações armadas nem de tipo militar-militarizadas ou paramilitares, nem organizações que perfilhem a ideologia fascista”, no art.° 270°, introduzido na revisão constitucional de 1982, e em que se dispõe que “a lei pode estabelecer restrições ao exercício dos direitos de expressão, reunião, manifestação, associação e petição colectiva e à capacidade eleitoral passiva dos militares e agentes militarizados dos quadros permanentes em serviço efectivo, na estrita medida das exigências das suas funções próprias” e, finalmente, no n.º 2 do art.° 276° ao dispor-se que “o serviço militar é obrigatório”.
Mas destes dois últimos preceitos resulta, também, que a Constituição autonomiza o estatuto “militar” ou essa singular forma de organização de pessoas em relação a outras que terão com eles alguns índices de semelhança, como são o dos “agentes militarizados” ou associações “militarizadas ou paramilitares”.
Acentue-se, ainda, que, tendo procedido à definição da função constitucional da Defesa Nacional e das Forças Armadas e, não obstante ter previsto alguns seus aspectos organizatórios, como sejam a previsão da existência do Conselho Superior de Defesa Nacional, a intervenção de todos os Portugueses na defesa da Pátria e a obrigatoriedade do “serviço militar”, a lei básica, como já se referiu, não ligou o conceito “militar” a qualquer específica função ou atribuição constitucional, maxime, às Forças Armadas, mas antes o conexionou com uma certa forma singular de prestar serviço, ou seja, com acentuação da prestação de “serviço militar” ou seja, dentro de certa situação organizatória.
Como se demonstra no referido Acórdão n.º 103/87, a cuja fundamentação aqui se adere, tanto os elementos literais, como os histórico-sistemáticos do art.° 270º da CRP, introduzido, como se disse, na revisão de 1982, apontam no sentido do legislador constituinte ter assumido um conceito “tipológico”, que não “definitório”, de “militares” e “agentes militarizados”, tomando por referente a situação institucional e legal que, em matéria de forças armadas e de força de segurança, então se lhe deparava e onde relevava não tanto um critério do seu “estatuto profissional”, mas sobretudo o critério da sua “situação organizatória”.
Ora, como aí se diz, no domínio das forças de segurança, “tal situação caracterizava-se pela existência de uma pluralidade de forças de segurança - com objectivos, âmbitos territoriais de actuação e estruturas diferenciadas mas onde o legislador distinguiu claramente entre as que, constituindo «corpos especiais de tropas», eram, ainda (quanto à forma que não à função), «forças militares», e outras que simplesmente qualificava como forças ou organismos «militarizados»: no primeiro caso estavam - e, de resto, ainda estão - a Guarda Nacional Republicana e a Guarda Fiscal (v., quanto à primeira, Lei de 3 de Maio de 1911, artigo 1°, e Decreto-Lei n.º 33 905, de 2 de Setembro de 1944, artigos 5° e 9°, e, agora, o Decreto-Lei n.º 333/83, de 14 de Julho, em cujo artigo 1° ela é expressamente qualificada com um «corpo especial de tropas que faz parte das forças militares»; e quanto à segunda, designadamente os Decretos-Leis 143/80, de 21 de Maio, em particular o preâmbulo, e n.º 544/80, de 11 de Novembro, artigo 8°, e o Decreto n.º 80/82, de 22 de Junho, e, agora, o Decreto-Lei n.º 373/85, de 20 de Setembro, em cujo artigo 1° se qualifica a Guarda Fiscal igualmente como um «corpo especial de tropas»; no segundo caso estava, precisamente, a Polícia de Segurança Pública (v. Decreto-Lei n.º 39 497, de 31 de Dezembro de 1953, artigo 1º) ”.
Abordando o elemento literal de interpretação, o mesmo acórdão faz notar que “o qualificativo «militarizado» aponta necessariamente para uma realidade que, por definição, ou na essência, não é militar, mas recebe certas características típicas da instituição militar, vindo a assumir uma feição similar à desta; qual seja a área e grau em que tal similitude deve ocorrer para se poder falar de «militarização» não o diz directamente o qualificativo em causa; mas é seguro que ele não convém só às situações (admitindo que a elas ainda possa convir) em que acaba por verificar-se uma mais ou menos completa «identificação» (estatutária) entre a realidade em causa e a realidade militar, de tal modo que a primeira vem assumir a mesma natureza desta ou a incorporá-la: antes convém desde logo - e convém de modo mais directo - àquelas situações em que a realidade em questão se conserva extrínseca à realidade militar, mantendo a sua natureza substancial originária, e apenas é objecto de um enquadramento legal - mormente um enquadramento «organizatório - que parcialmente a reveste de uma configuração similar à daquela”.
E no que respeita ao elemento sistemático, o mesmo acórdão acaba por ver o desenho dos traços de distinção que deixou referidos rio art.° 46°, n.º 4, que tem como “lugar paralelo”. “Na verdade - diz ele - quando aí se proíbe a criação de associações de «tipo militar, militarizadas ou paramilitares», a distinção tripartida feita pelo legislador constitucional não pode senão inculcar que uma instituição «militarizada» é algo que apenas se aproxima, através de determinadas características, da instituição «militar», mas com esta se não identifica, nem sequer é um seu desenvolvimento”.
Saber quais sejam essas características é questão que o art.° 270° da Constituição não o diz directamente, sublinha igualmente tal aresto.
E não o dizendo - escreve-se igualmente aí - “são os operadores jurídicos remetidos para a consideração directa da realidade institucional que as Forças Armadas constituem (como instituição militar típica), aí lhes cumprindo recolher as notas significativas susceptíveis de preencherem o conceito constitucional”.
E seguidamente o mesmo Acórdão identifica como notas características que, decerto, avultam na instituição militar:
«- O estrito enquadramento hierárquico dos seus membros, segundo uma ordem rigorosa de patentes e postos;
- Correspondentemente, a subordinação da actividade da instituição (e, portanto. da actuação individualizada dos seus membros), não ao princípio geral da direcção e chefia comum à generalidade dos serviços públicos, mas a um peculiar princípio de comando cru cadeia, implicando um especial dever de obediência;
- O uso de armamento (e armamento com características próprias, de utilização vedada aos cidadãos e aos agentes públicos em geral) no exercício da função e como modo próprio desse exercício;
- O princípio do aquartelamento, ou seja, o agrupamento dos seus agentes em unidades de intervenção ou operacionais dotadas de sede física própria e de um particular esquema de vida interna, unidade a que os respectivos membros ficam em permanência adstritos, com prejuízo, para a generalidade deles, da possibilidade (e do direito) de utilização da residência própria;
- A obrigatoriedade, para os seus membros, do uso de farda ou de uniforme;
- A sujeição dos mesmos a particulares regras disciplinares e, eventualmente, jurídico-penais».
Anote-se, de resto, que esta é, também, a exacta compreensão que o legislador infra constitucional tem dos índices característicos da condição militar.
Na verdade, ao legislar sobre as bases gerais do estatuto da condição militar, diz a referida Lei n.º 11/89, de 1 de Junho:
Art.° 2.°
A condição militar caracteriza-se:
a) Pela subordinação ao interesse nacional;
b) Pela permanente disponibilidade para lutar em defesa da Pátria, se necessário com o sacrifício da própria vida;
c) Pela sujeição aos riscos inerentes ao cumprimento das missões militares, bem como à formação, instrução e treino que as mesmas exigem, querem tempo de paz, quer em tempo de guerra;
d) Pela subordinação à hierarquia militar, nos termos da lei;
e) Pela aplicação de um regime disciplinar próprio;
f) Pela permanente disponibilidade para o serviço, ainda que com sacrifício dos interesses pessoais;
g) Pela restrição, constitucionalmente prevista, do exercício de alguns direitos e liberdades;
h) Pela adopção, em todas as situações, de urna conduta conforme com a ética militar, por forma a contribuir para o prestígio e valorização moral das forças armadas;
i) Pela consagração de especiais direitos, compensações e regalias, designadamente nos campos da Segurança Social, assistência, remunerações, cobertura de riscos, carreiras e formação».
É de observar que o art.° 16° da mesma lei determina que ela se “aplica aos militares da Guarda Nacional Republicana”.
Ora, tomando inteiramente por bons estes parâmetros, há que convir que todos eles se verificam relativamente à Guarda Nacional Republicana, quer na legislação do tempo (atrás identificada, tal como os seus preceitos mais relevantes) em que foram aditados a al. c) do n.º 3 do art.° 27° e o art.° 270° da CRP, quer na legislação actual [Decreto-Lei n° 231/93, de 26 de Junho, maxime, artigos 1°, 9°, n.º 1, alínea b) e nº 2, 12°, 13°, 18°, 21°, 22°, 23º, 31°, 32°, 63° a 72°, e Decreto-Lei n.º 265/93, de 31 de Julho, maxime, artigos 1°, 2°, 5°, 6°, 7°, 9°, 14°, 16°, 23° e 24°], quer na realidade física existente em cada um desses diferentes momentos. A este propósito basta lembrar as tarefas de índole militar que constantemente são atribuídas à GNR.
Na verdade, à face de tal legislação a Guarda Nacional Republicana sempre foi definida como sendo uma força de segurança constituída por militares organizada num corpo especial de tropas (art.° 1° da LOGNR e 1° a 4° do EMGNR).
Uma tal definição adquire, desde logo, a característica verdadeiramente determinante dos militares das Forças Armadas que é a de serem um corpo de tropas, cuja função primordial é a “defesa militar da República”.
E se é certo que as atribuições daquele corpo especial de tropas são, predominantemente, funções de autoridade de segurança, de policia criminal, de polícia fiscal e de controlo da entrada e saída de cidadãos nacionais e estrangeiros do território nacional, não o deixa, também, de ser que, entre elas, se conta, igualmente, a de colaborar na execução da política de defesa nacional (art.° 2° da LOGNR).
Por outro lado, constata-se que essas suas atribuições são levadas a cabo mediante um esquema organizatório que é decalcado totalmente do que se verifica em relação aos militares das Forças Armadas. Assim, os seus membros estão organizados, segundo uma ordem rigorosa de patentes e postos (art.ºs 24° e 26° do EMGNR e 51° e 90° do EMGNR).
O pessoal está distribuído por “Armas” e “Serviços” e organizado por unidades de comando, de instrução, de brigadas (unidades territoriais), brigada especial de trânsito, brigada especial fiscal, unidades de reserva, estas constituídas por um regimento de cavalaria e um regimento de infantaria (art.ºs 31º e 63° da LOGNR). A regra de subordinação das suas tropas no desempenho da sua actividade institucional assenta num princípio de comando em cadeia, segundo as diferentes patentes e postos (art.° 24° e 26° do EMGNR e 35° do EMGNR). Os militares da Guarda Nacional Republicana usam, para além de armamento ligeiro, armamento pesado de características militares, como sejam, entre outros, carros de combate, ligeiros e pesados, granadas e metralhadoras ligeiras e pesadas (art.° 21° da LOGNR). Nota-se, ainda, que os militares da GNR, no activo, estão agrupados em unidades de intervenção e unidades operacionais, pela forma acima apontada e toda a sua acção é desenvolvida, essencialmente, a partir dessas sedes de comando (art.ºs 35° a 62° da LOGNR). Por outro lado, essas unidades estão aquarteladas em locais - quartéis, e os militares da GNR estão adstritos, em permanência, a eles, cumprindo regras específicas de vida interna, próprias de um corpo de tropas. Finalmente, os seus membros usam farda ou uniforme, cumprindo algumas das suas espécies a mesma funcionalidade dos uniformes das Forças Armadas, como os trajes de combate e assalto (artºs 21° da LOGNR).
Por último, os militares da GNR sempre estiveram sujeitos às regras disciplinares do Regulamento de Disciplina Militar, e, no domínio penal, ao Código de Justiça Militar (Lei de 3 de Maio de 1911, Decreto-Lei n.º 33 905, de 2 de Setembro de 1944, Decreto-Lei n.º 333/83, de 14 de Julho e art.° 92° e 93° da LOGNR e 5° do EMGNR).
Assim sendo, é de incluir os militares da GNR, no activo, no conceito de militares a que alude a al. c) do n.º 3 do art.° 27° da CRP, ou seja, sob o ponto de vista constitucional, poder-lhes-á ser imposta a pena de prisão disciplinar nos termos do Regulamento de Disciplina Militar, com garantia de recurso para o tribunal competente, estando assim abrangidos pela excepção constitucional ao princípio de que “ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança”.
E contra tal conclusão não vale, sequer, esgrimir o elemento histórico da inserção deste preceito, a que se agarra o acórdão recorrido, e que é tratado no referido Acórdão n.º 308/90.
Como aí se diz, tal preceito “não constava de nenhum dos projectos de revisão constitucional submetidos à apreciação do Parlamento”.
E continua tal aresto:
“A esta temática referia-se apenas Jorge Miranda no seu projecto pessoal de revisão constitucional (Um projecto de revisão constitucional, Coimbra Editora, Coimbra, 1980, p. 32) ao propor o aditamento de uma alínea com o seguinte teor: «prisão disciplinar imposta a militares, sem prejuízo do recurso para o tribunal competente». Justificando a proposta escrevia que «a prisão disciplinar imposta a militares (artigos 27° e 28° do RDM de 1977) não parece encontrar hoje fundamento no art.° 27° da Constituição, embora tenha sido objecto de uma das estranhas reservas à Convenção Europeia dos Direitos do Homem [artigo 2°, alínea a), da Lei n.º 65/78, de 13 de Outubro]. É esse fundamento que se pretende formular, com a indispensável garantia de recurso jurisdicional.
Em sentido diverso opinavam Barbosa de Melo, J. M. Cardoso da Costa e J. C. Vieira de Andrade (Estudo e projecto de revisão da Constituição, Coimbra Editora, Coimbra, 1981, p. 49) quando referiam que «não se excepciona, no n.º 3, a prisão disciplinar prevista no Regulamento de Disciplina Militar por se entender que esta sanção atenta contra os princípios constitucionais, devendo, por essa razão, ser abolida e não garantida como excepção.
Contudo, o legislador da primeira revisão acabou por acolher a proposta de Jorge Miranda ao mesmo tempo que aditou o art.° 270º referente a restrições de direitos de militares e agentes militarizados [outros direitos que não o aqui em causa]”.
Como resulta do que acaba de dizer-se, a intenção do autor do projecto, como dos constituintes (cfr. Diário da Assembleia da República, 2ª Série, n.º 80, 2.° Suplemento, de 21 de Abril de 1982 e 1ª Série, de 11 de Junho de 1982 e de 18 de Junho de 1982) foi a de constitucionalizar uma situação que embora desviante do princípio geral do art.° 27° n.º 2 da CRP - a aplicação de sanções privativas de liberdade por instâncias não judiciais e fundadas em lei não penal, de cuja constitucionalidade se duvidava - foi considerada uma realidade da prática e do regime disciplinar dos militares.
Ora, nada autoriza a considerar que o autor do projecto e o legislador constituinte, que acolheu a sua proposta, tenham pretendido restringir a aplicação dessa medida a um “tipo” apenas de militares (o “geral”), como os militares que prestam serviço nas Forças Armadas, e tenham deixado de fora da sua previsão outros “tipos de militares” (“especiais”), como sempre foram tidos pela lei e pela prática os corpos pessoais, no activo, da GNR.
Nesta perspectiva, não se impõe uma tal compressão do conteúdo do conceito de “militares”, usado no preceito, que o restrinja aos militares das Forças Armadas, dele excluindo os militares da GNR. Militares tanto o são os que prestam serviço activo nas Forças Armadas, como os que o prestam na GNR.
Temos, portanto, de concluir que o preceito cuja constitucionalidade material se questiona não afronta o disposto no 27°, n.ºs 1 e 2 da CRP, por caber na excepção prevista na al. c) do n.º 3 do mesmo artigo”.
Porque este Acórdão do Tribunal Constitucional justifica suficiente e claramente à opção tomada - sendo que se inexista a alegada inconstitucionalidade no caso de aplicação de uma pena de prisão disciplinar agravada (…) apenas acrescentaremos (…) que é indiferente que o réu já tenha anteriormente defendido outra posição, diferente daquela que adopta nestes autos.
Contrariamente ao referido pelo autor, os militares da GNR estão adstritos a determinada unidade, sempre sedeada em determinado aquartelamento, em termos em tudo similares aos quartéis das Forças Armadas, em especial do Exército que mais semelhanças tem com a GNR, centro de toda a sua actividade, onde iniciam e cessam as suas funções específicas”.
Nos termos supra expostos julgam-se improcedentes as arguidas inconstitucionalidades do regime legal aplicado pela decisão em crise.
*
Quanto aos vícios do acto alegados no articulado superveniente:
Relativamente à alegada falta de notificação da decisão disciplinar
A notificação de um acto administrativo - destinada a levar o acto ao conhecimento do seu destinatário - é uma formalidade que constitui um requisito de eficácia do acto (art.º 268º, n.º 3, 1.ª parte da CRP e 132º e 66º a 70º do Código do Procedimento Administrativo.
O A. teve conhecimento do acto pelo menos no momento em que cumpriu a pena ou em data anterior à apresentação do recurso hierárquico do acto, como resulta claramente do seu teor, não assumindo a falta de notificação do acto, eficácia invalidante.
Não obstante o acto não conter uma indicação clara da autoridade que agravou a pena e do seu destinatário, o A. não teve qualquer dúvida de que era ele o destinatário do acto, o que não podia deixar de ser, já que participou no processo disciplinar tendo, aliás, sido notificado da nota de punição constante de fls. 15 do p.a.
Não obstante o A, demonstrar não desconhecer quem será o autor do acto primário, nomeadamente no recurso hierárquico interposto: o Comandante Geral da Guarda Nacional Republicana, o certo é que se ignora em absoluto o nome e a qualidade da pessoa que assinou o despacho em causa.
Pelo que tem razão o A. ao defender que o acto é inexistente.
Para que estejamos perante um acto administrativo é necessário que o mesmo seja praticado por um órgão da Administração Pública, alguém que tenha essa qualidade de poder exprimir a vontade da Administração, o que, em face do teor do acto em causa, se ignora.
Sendo que o facto de o autor ter sido identificado posteriormente, no recurso hierárquico, não afecta tal inexistência pois a mesma não é sanável.
O acto que agravou a pena não contém a mínima fundamentação jurídica. Percebe-se que o autor do acto considerou de extrema gravidade o uso da arma de fogo uma vez que foi “mais que recomendado que a arma de fogo só poderá ser usada em caso de absoluta necessidade”.
Mas não contém qualquer fundamentação jurídica, não se compreendendo a razão pela qual depois de aplicada a pena de repreensão agravada e tendo-se criado a legítima expectativa de que o processo disciplinar terminara, foi agravada, sem mais, a pena.
O que conduz à nulidade do acto primário.
É também patente que o acto impugnado violou o princípio da audiência prévia plasmado no art.º 32º, n.º 8 da CRP.
É certo que tal norma constitucional, ao tempo da prática do acto (3.ª versão da CRP introduzida pela Lei n.º 1/89 de 08.07) previa apenas que “nos processos por contra-ordenação são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa”.
Sucede que, logo na revisão introduzida pela Lei n.º 1/97 de 20.09, passou a dispor o art.º 32º, n.º 10 que, “nos processos de contra-ordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa”.
Esta revisão constitucional veio apenas esclarecer, como resultava já de uma interpretação ampla, daquele art.º 32º, n.º 8 que o direito de audiência prévia deveria ser assegurado em todos e quaisquer processos sancionatórios, devendo entender-se que, já antes da mesma, era exigida a audiência prévia do arguido em qualquer processo sancionatório.
Provou-se que a pena do A. foi agravada (de repreensão agravada para prisão) sem que o mesmo tenha tido oportunidade de se pronunciar sobre tal agravação, o que é legalmente inaceitável mormente face à gravidade subjacente a uma pena privativa da liberdade.
Pelo que o acto impugnado efectivamente violou o direito de audiência prévia do A. e portanto é nulo.
Sendo admissível a cumulação de pedidos, nos termos do art.º 4º, n.º 2, alínea a) do CPTA, deverá ainda o R. ser condenado a restabelecimento da situação que existiria se o acto não tivesse sido praticado.”
X
Vejamos:
O acórdão proferido declarou nulo o despacho do Secretário de Estado da Administração Interna de 18/06/2009 que negou provimento ao recurso hierárquico interposto pelo Autor/Recorrido da decisão de 23/07/1991 que lhe aplicou a pena de 5 (cinco) dias de prisão disciplinar e a inexistência do acto de 23/07/1991 que lhe aplicou a pena de 5 dias de prisão disciplinar.
Entendeu, e quanto a nós, bem, o Tribunal a quo:
-que se ignora em absoluto o nome e a qualidade da pessoa que assinou o despacho punitivo;
-que tal acto é inexistente;
-que a inexistência não é sanável;
-que o acto que agravou a pena não contém a mínima fundamentação jurídica, não se compreendendo a razão pela qual depois de aplicada a pena de repreensão agravada e tendo-se criado a legítima expectativa de que o processo disciplinar terminara, foi agravada, sem mais, a pena;
-que o acto impugnado violou o direito de audiência prévia do Autor e portanto é nulo.
A Entidade Recorrente invoca:
-o incumprimento do disposto no artigo 86º do CPTA, não devendo ser valorizados os factos supervenientes;
-a desvalorização do formalismo exigido pelo RDM-aprovado pelo DL 142/27, de 09 de abril, constante dos artigos 8º, 83º/2 e 3, 85º/1 e 94º/2 do referido diploma;
-a errada aplicação do artigo 32º/8 da CRP.
Todavia, sem suporte.
Na verdade, os elementos juntos ao processo através de articulado superveniente eram desconhecidos pelo Autor até à consulta do processo administrativo, pelo que de acordo com o nº 3 do artigo 86º do CPTA deviam ser admitidos.
A este propósito, referem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha em Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2005, comentário ao artigo 50º/nota 8, fls. 253: “A circunstância de o objecto do processo ser agora identificado pela pretensão anulatória não dispensa o demandante do ónus de arguir os vícios de que tenha conhecimento e que sirvam de fundamento ao pedido de declaração e nulidade ou anulação (artº 78º, nº 1, alínea g)). Acresce que, em momento ulterior à apresentação da petição, o autor apenas poderá alegar factos supervenientes, devendo efectuar concomitantemente, a prova dessa superveniência (artº 86º).
Esta regra, que, como bem advoga o Recorrido, tem sido afirmada reiteradamente pela jurisprudência no domínio da LPTA, surge contudo, muito atenuada por efeito do princípio do inquisitório que veio a ser acolhido no artº 95º/2, pelo qual o tribunal tem agora o dever de identificar a existência de causas de invalidade diversas das que tenham sido alegadas. O tribunal não tem de atender à alegação da parte quando esta invoque intempestivamente um dado vício, pelo que não ocorre, nesse caso, a nulidade da sentença por omissão de pronúncia; no entanto, o tribunal deve conhecer, oficiosamente, do mesmo vício quando, em seu critério, este possa conduzir à procedência da acção.
O conhecimento de factos supervenientes pode ser obtido pela consulta do processo administrativo; a este propósito dizem os autores referidos na obra citada, em comentário ao artigo 71º do CPTA, nota 4, fls. 471:
“Nas alegações, pode o autor invocar novos fundamentos do pedido, de conhecimento superveniente (n.º 5). Consideram-se supervenientes, para os efeitos previstos neste preceito, tanto os factos ocorridos posteriormente à apresentação da petição inicial, como os factos anteriores de que a parte só tenha tido conhecimento depois da apresentação desta peça, e, designadamente, por via da junção do processo administrativo ou de quaisquer documentos juntos com a contestação (cfr. artigo 86º).
Quanto à desvalorização do formalismo do RDM anteriormente referido, também não assiste razão à Entidade Recorrente.
Efectivamente, não se compreende a referência ao artigo 8º do RDM, que sob o título “Faculdade de alterar recompensas ou punições”, preceitua que “os comandantes de unidades independentes, os directores ou os chefes de estabelecimento e as autoridades de hierarquia superior a estas têm a faculdade de atenuar, agravar ou substituir as penas impostas pelos subordinados quando seguidamente à sua aplicação e mediante o formalismo adequado que no caso couber, reconheçam a conveniência disciplinar de usar dessa faculdade”.
Com efeito, se é certo que aos chefes assiste a faculdade de alterar punições, já não é tão aceitável que o formalismo, no que respeita ao agravamento da pena disciplinar, tenha sido observado.
Defende a Entidade Recorrente que “não existe norma legal que à data implicasse a obrigatoriedade da redução a escrito do processo disciplinar” e que se admitiu a forma oral “por uma questão de disciplina e celeridade da decisão esta seguida nos termos do artigo 83º, nº 2 e 3 do RDM”.
Sucede que a análise do PA denota o contrário, isto é, que houve processo disciplinar escrito; que o mesmo faz parte do processo administrativo, correspondendo às folhas numeradas de 1 a 26 a que se seguem 2 folhas não numeradas.
Do processo administrativo constam nomeadamente: participação, início do processo de averiguações, 4 autos de declarações (correspondendo 2 dos autos às declarações do arguido), a passagem do processo de averiguações a disciplinar (fls. 8), nota de culpa (fls. 9), relatório, nota de punição, rol de testemunhas, nota de comportamento e despacho de 2 folhas, não numeradas e que constituem as 2 últimas folhas do processo, pelo que é manifesto que o acto não teve fundamentação oral.
Do mesmo modo carece de suporte a invocação pela Entidade Recorrente de que “... admitindo-se a forma oral na promoção do processo disciplinar em apreço, por uma questão de disciplina e celeridade da decisão esta foi seguida nos termos do artigo 83º, nº 2 e 3 do RDM”.
Ora, nem a infracção a que se refere o nº 3 do artigo 83º do RDM é de pouca gravidade (objectivamente considerada), se considerarmos que a mesma corresponde a um disparo com arma de fogo que atingiu um condutor de um velocípede com motor; nem a pena aplicada foi inferior à de prisão disciplinar, requisito para a dispensa do processo escrito, pelo que o tipo de pena com que foi punido o Autor só poderia ser aplicada em processo disciplinar escrito e não oral.
Invoca ainda a Entidade Recorrente que a forma oral do processo justifica a ausência de fundamentação e que não colide com o artigo 32º/8 da Constituição pois que esta norma não tem como objecto as relações jurídico administrativas mas contra-ordenacionais.
Não nos revemos nesta argumentação.
Como já se disse, o processo foi escrito e não oral e o princípio de que “em processo disciplinar são garantidos ao arguido a sua audiência e defesa” consta da CRP desde o texto original de 1976 (nº 3 do artigo 270º) continuando a manter-se na 1ª e 2ª revisões, de 1982 e 1989, respectivamente, integrando o artigo 269º como seu nº 3.
E posteriormente no artigo 32º, primeiro sob o número 8 (na 3ª versão da CRP introduzida pela Lei 1/89 de 08 de julho) e depois sob o número 10 (pela Lei 1/97 de 20 de setembro).
Nesta última revisão foi introduzido expressamente o direito de audiência e defesa dos arguidos em processos sancionatórios, que, como se salienta no acórdão sob censura, “...veio apenas esclarecer, como resultava de uma interpretação ampla, daquele art.º 32º, n.º 8 que o direito de audiência prévia deveria ser assegurado em todos e quaisquer processos sancionatórios, devendo entender-se que, já antes da mesma, era exigida a audiência prévia do arguido em qualquer processo sancionatório”.
Assim, estando demonstrado que ao Autor não foi dada oportunidade de se pronunciar quanto à agravação da pena de repreensão agravada para prisão disciplinar, o acto impugnado não pode manter-se, como concluiu o Tribunal a quo; não se trata apenas de uma agravação da medida mas da aplicação de uma pena privativa da liberdade, o que requer, não só em termos legais como da leitura dos princípios que devem nortear a actuação da Administração nestas situações, todas as cautelas. Pelo que o acto impugnado violou o direito de audiência prévia do Autor/Recorrente, como bem se sentenciou; portanto é nulo por ofender o conteúdo de um direito fundamental - nº 1 e al. d) do nº 2 do artigo 133º do CPA.
Relevando directamente do princípio constitucional da participação dos administrados na formação das decisões que lhes disserem respeito (cfr. artº 267º/5, da lei fundamental), o direito de audiência prévia visa, consabidamente, assegurar o contraditório aos particulares interessados na decisão administrativa, permitindo-lhes que exponham os seus argumentos acerca da respectiva legalidade e justeza previamente à sua emissão, contribuindo, desse modo, para a prática de actos legais e justos < Artigo 100.º do CPA
(Audiência dos interessados)
1-Concluída a instrução, e salvo o disposto no art.º 103.º, os interessados têm o direito de ser ouvidos no procedimento antes de ser tomada a decisão final, devendo ser informados, nomeadamente, sobre o sentido provável desta.
2…
3… .>
.
A este respeito, Gomes Canotilho e Vital Moreira, em Constituição da República anotada, 4ª ed., 2007, Tomo I, comentário ao artigo 32º, fls. 526, ensinam: “…o direito de audiência e defesa deve considerar-se inerente a todos os procedimentos sancionatórios, incluindo os de natureza privada (…) como regra de direito inerente à ordem jurídica de um Estado de direito”; e em comentário ao nº 3 do artigo 269º da CRP, fls. 947, acrescentam que a falta de audiência ou de omissão de formalidades essenciais à defesa ofende o conteúdo essencial de um direito fundamental de defesa, daí resultando a nulidade do procedimento disciplinar (notificação da acusação, individualização e discriminação dos factos disciplinarmente puníveis, etc…).
Já na nota VIII em comentário ao mesmo artigo pode ler-se: “Os direitos reconhecidos nos números 2 e 3 deste artigo devem considerar-se direitos fundamentais fora do catálogo que nos termos do artigo 17º, são de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias constantes do Título II da Parte I, sendo-lhes por isso aplicável o mesmo regime designadamente o artº 18º”- fls. 948.
Sobre este assunto e em termos coincidentes com os expostos pode ler-se o Prof. Jorge Miranda em Constituição da República Portuguesa, de 2005, Tomo I, fls. 363; Tomo III, fls. 593 e nota ao artigo 269º, nº 3, fls. 593/605 e 623.
Em suma:
-no caso em concreto não havia norma legal que permitisse a alternativa do processo oral ao processo escrito, por tal não se enquadrar nos pressupostos dos nº s 2 e 3 do artigo 83º do RDM, especialmente do seu nº 3, pois que a infracção não era de “pouca gravidade” e era inaplicável nos casos de punições a que correspondesse “prisão disciplinar”;
-de todo o modo ficou provado, aliás, pela junção aos autos do processo administrativo que foi adoptada no processo disciplinar a forma escrita e não a oral, enquadrando-se tal forma no nº 1 do artigo 83º do RDM;
-do processo disciplinar junto ao PA não consta a mínima fundamentação <A fundamentação visa responder às necessidades de esclarecimento do Administrado destinando-se a informá-lo do itinerário cognoscitivo e valorativo do acto e a permitir-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática e porque motivo se decidiu num sentido e não noutro. E, sendo assim, pode dizer-se que não só a insuficiência, a obscuridade e a contradição da fundamentação equivalem a falta de fundamentação, uma vez que as mesmas impedem o devido esclarecimento, como também que um acto está (só está) devidamente fundamentado quando o administrado, colocado na sua posição de destinatário normal - o bonus pater familias do no artº 487º, n.º 2 do CC - fica a saber das razões que o motivaram cfr. n.º 3 do art. 268.º da CRP, e art. 124º do CPA - entre muitos outros, os seguintes Acórdãos do STA de 19.3.81, (rec. 13.031), de 27.10.82 in AD 256/528, de 25.7.84 in AD 288/1386, de 4.3.87 in AD 319/849, de 15.12.87 in AD 318/813 e M. Caetano em “Manual”, pág. 477 e Esteves de Oliveira em “Direito Administrativo”, pág. 470.”.
A fundamentação (só é) é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, de forma a poder desencadear os mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação - entre outros, o ac. do Pleno do STA 1126/02, de 06.12.2005, o ac. do STA 941/05, de 18.09.2008 e, na doutrina, o Prof. Vieira de Andrade, em “O Dever de Fundamentação Expressa de Actos Administrativos”, pág. 138.> jurídica para o agravamento do acto punitivo e, inexistindo processo disciplinar oral, não pode ter havido, necessariamente, fundamentação oral;
-ao não constar do processo disciplinar o nome e a qualidade da pessoa que assinou o despacho de agravamento da punição, resulta que tal despacho tem que ser considerado (como foi) inexistente;
-ao não ter sido dada ao Autor, aqui Recorrido, oportunidade de se pronunciar quanto à agravação da pena de repreensão agravada, para mais tratando-se duma pena privativa da liberdade, o acto impugnado violou o seu direito de audiência prévia, admitido desde sempre na CRP (de 1976 (artigo 270º), no artigo 269º nas revisões de 1982 e 1989 e no artigo 32º nas revisões que se lhe seguiram), devendo por isso tal acto ser considerado nulo e de nenhum efeito - artigo 133º/1 e al. d) do nº 2 do CPA;
-contrariamente ao alegado, a interpretação vertida no acórdão sob escrutínio é ajustada à normatividade geral e à sensibilidade jurídica mais rudimentar, pelo que será mantido na ordem jurídica.
Falecem, assim, as conclusões da alegação.
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DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Custas pelo Recorrente.
Notifique e DN.
Porto, 26/01/2018
Ass. Fernanda Brandão
Ass. Frederico Branco
Ass. Raul Passos