Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
RELATÓRIO
«AA» instaurou ação administrativa contra o Instituto da Segurança Social, I.P., ambos melhor identificados nos autos, pedindo:
Nestes termos e nos demais de direito, deve a presente acção ser declarada procedente por provada e em consequência:
a) Ser reconhecido pelo tribunal que a A. exerceu concreta e efectivamente, a partir de 7 de outubro de 2012, funções dedicadas à Categoria de Técnico Superior, apesar de se encontrar formalmente inserida na Categoria de Assistente Técnico.
b) Sendo reconhecida a data a partir da qual a A. iniciou essas funções, ser a R. condenada não apenas ao pagamento de retroactivos desde essa data até à data de acesso da A. ao regime de mobilidade intercarreiras, como a todos os direitos, designadamente, subsídios, férias e progressão na carreira.
c) Caso assim não se entenda, deverá ser a R. condenada a reconhecer, sob pena de violação do principio da igualdade de tratamento, o direito de a A. receber os montantes relativos aos retroactivos auferidos pelos restantes colegas, correspondentes ao diferencial entre os € 1201,48 (mil duzentos e um euros e quarenta e oito cêntimos) mensais e os € 995,91 (novecentos e noventa e cinco euros e noventa e um cêntimos) atinentes ao período compreendido entre janeiro de 2018 a dezembro de 2018, em consequência de a A., apenas ter recorrido à via concursal por recomendação e insistência da R.
Por sentença proferida pelo TAF de Braga foi julgada procedente a ação e condenado o Réu:
1. a pagar à Autora, desde 07.10.2012 até à data de acesso ao regime da mobilidade intercarreiras, as diferenças remuneratórias e demais direitos salariais, devidos pelo exercício de funções como Técnico Superior, e
2. a reconstituir a carreira da Autora, em conformidade.
Desta vem interposto recurso.
Alegando, o Réu formulou as seguintes conclusões:
1 - Os presentes autos foram intentados pela Recorrida, em 13 de novembro de 2020, a fim de
“a) Ser reconhecido pelo tribunal que a A. exerceu concreta e efetivamente, a partir de 7 de Outubro de 2012, funções dedicadas à Categoria de Técnico Superior, apesar de se encontrar formalmente inserida na Categoria de Assistente Técnico. b) Sendo reconhecida a data a partir da qual a A. iniciou essas funções, ser a R. condenada não apenas ao pagamento de retroactivos desde essa data até à data de acesso da A. ao regime de mobilidade intercarreiras, como a todos os direitos, designadamente, subsídios, férias e progressão na carreira. c) Caso assim não se entenda, deverá ser a R. condenada a reconhecer, sob pena de violação do princípio da igualdade de tratamento, o direito de a A. receber os montantes relativos aos retroactivos auferidos pelos restantes colegas, correspondentes ao diferencial entre os € 1201,48 (mil duzentos e um euros e quarenta e oito cêntimos) mensais e os € 995,91 (novecentos e noventa e cinco euros e noventa e um cêntimos) atinentes ao período compreendido entre Janeiro de 2018 a Dezembro de 2018, em consequência de a A. apenas ter recorrido à via concursal por recomendação e insistências da R.”.
2 - Por sentença proferida em 26 de março de 2024, foi o Recorrente condenado “1. a pagar à Autora, desde 07.10.2012 até à data de acesso ao regime da mobilidade intercarreiras, as diferenças remuneratórias e demais direitos salariais, devidos pelo exercício de funções como Técnico Superior, e 2. A restituir a carreira da Autora, em conformidade”.
3 - Sucede que, o ora Recorrente não pode conformar-se com a douta sentença, sendo a mesma merecedora de reparo.
4 - Uma vez que, entende o Recorrente que o Tribunal a quo, erradamente assentou a sua convicção de que tendo a carreira de Assistente Técnico e a de Técnico Superior, o conteúdo funcional descrito no anexo da LTFP e a aplicabilidade, no caso em apreço, dos artigos 38.11, 85.11, 86.11, 156.11 a 158.11 da LTFP e Portaria n.11 125-A/2019, de 30 de abril, a Recorrida desde 7 de outubro de 2012, exerce funções como Técnico Superior,
5 - Integrando nessas funções, a representação do Recorrente, pela Recorrida, em Comissões de Proteção de Crianças e Jovens (CPJC), Tribunais e Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS), bem como a elaboração e emissão de pareceres e relatórios.
6 - Considerando, ainda, para sustento da sua convicção, resultar dos objetivos descritos na ficha de avaliação do desempenho junta pela Recorrida e referente ao biénio 2013-2014 que “(...) apresentam uma conexão com um grau de formação de nível superior, que ultrapassam o mero secretariado/assistência administrativa (...)”,
7 - Motivos pelos quais, entendeu o Tribunal a quo dever serem reconhecidos à Recorrida os correspondentes direitos, mormente remuneratórios, como Técnica Superior, desde 7 de outubro de 2012 até à sua integração na carreira que se verificou em 1 de setembro de 2016 e se consolidou de forma definitiva em 2018, por via do procedimento concursal ao qual se candidatou por sua própria iniciativa.
8 - Firmando a sua convicção na valoração como meio de prova das declarações de parte da Recorrida, “(...) na medida em que veio corroborado pela demais prova produzida, mormente documental (...)”, bem como na prova testemunhal indicada por esta quanto ao exercício de funções na carreira administrativa, não obstante ter considerado que as duas testemunhas “(...) detinham, na sua generalidade (...) um conhecimento indireto (...)”.
9 - E no decidido num acórdão proferido pelo Tribunal ad quem, com pressupostos de facto e de direito diferentes.
10 - Como tal, e com o devido respeito que se nos merece a decisão proferida, o Tribunal a quo incorreu em manifesto erro de julgamento, arraigado em considerar que a Recorrida desde 7 de outubro de 2012 se integra na carreira e categoria de Técnica Superior, apesar de não se encontrar formalmente inserida, recorrendo a uma fundamentação sem o respaldo legal e na factualidade real.
11 - Porquanto, estabelecem os artigos 80.º, n.º 2, 86.º e 88.º e anexo, todos da LTFP, que ambas carreiras (Assistente Técnico e Técnico Superior) são gerais, correspondendo-lhes funções distintas e descritas de forma abrangente, bem como graus de complexidade distintos, exigindo a de Assistente Técnico, a titularidade do 12.º ano de escolaridade ou curso equiparado e a de Técnico Superior, a titularidade de licenciatura ou grau académico superior a esta.
12 - De onde resulta que a integração nessas carreiras, dependerá do grau de escolaridade que o/a candidato/a tenha.
13 - Nos presentes autos, a Recorrida integrou a carreira e categoria de Assistente Técnica em 1 de janeiro de 2009 e a de Técnico Superior apenas em 1 de setembro de 2016, dado o condicionamento legal que impedia o procedimento de mobilidade intercarreiras, mesmo com a conclusão por parte daquela da licenciatura em Ciência Psicológica, em 26 de julho de 2011.
14 - Resultando dos autos que no período compreendido entre 1 de janeiro de 2013 e 31 de dezembro de 2014, a Recorrida foi sujeita a uma avaliação do desempenho, conforme ficha de avaliação por si junta, onde constam não só os objetivos da Unidade Orgânica a que pertencia à data, como também os objetivos fixados que como Assistente Técnica, teria de cumprir e/ou superar nesse biénio avaliativo, com os respetivos indicadores de medida.
15 - Emergindo como objetivo 1: “DSP_1.1.1 -Garantir o cumprimento dos prazos de resposta às solicitações dos tribunais em processos PP”, com indicador de medida “(Nº de respostas remetidas dentro do prazo/Nº total de resposta remetidas) x 100”; objetivo 2: “DSP_1.1.2 - Execução de MMNV através de Planos de Intervenção elaborados de acordo com o Manual ATT”, com indicador de medida “(Nº de medidas aplicadas em 2013 e 2014 com plano de intervenção implementados/Nº total de medidas aplicadas em 2013 e 2014) x 100”; objetivo 3: “DSP_1.1.1 - Implementação do Sistema de Informação de Assessoria Técnica aos Tribunais (SIATT) no âmbito da promoção e protecção (PP)”, com indicador de medida “(Nº de procedimentos de resposta de processos novos introduzidos no SIATT/Nº total de solicitações relativas a processos novos) x 100”; objetivo 4: “DSP_1.1.3 - Assegurar a presença nas reuniões da CPCJ (Póvoa de Lanhoso e Vieira do Minho), com indicador de medida “(Nº de reuniões participadas registo e reporte ao serviço/Nº total de reuniões realizadas) x 100”; e objetivo 5 “DSP_1.1.3 - Acompanhamento de processos na CPCJ (Póvoa de Lanhoso e Vieira do Minho), com indicador de medida “(Nº de processos acompanhados pelo representante da SS//Nº de processos em acompanhamento pela CPCJ) x 100”.
16 - Ou seja, no biénio avaliativo de 2013/2014, a Recorrida entre outras funções teria de acompanhar processos e participar em reuniões como representante do Recorrente, nas CPCJ, bem como apoiar tecnicamente os Tribunais, respeitando, dessa forma, o sistema de avaliação do desempenho estabelecido para esse biénio avaliativo e os subsequentes deveres de zelo e lealdade que enquanto trabalhadora se lhe impõem pelo n.° 1, alíneas e) e g) e n.°s 7 e 8, do artigo 73.° da LTFP.
17 - Não constituindo, pois, a predita ficha de avaliação, prova bastante para os anos considerados na sentença de que ora se recorre, nem para a suposta elaboração e emissão de pareceres e relatórios resultante das representações ou apoio técnico que a Recorrida fez em nome do Recorrente.
18 - Com a devida vénia, não pode o Tribunal a quo, desconsiderar o sistema jurídico no seu todo, de molde a obviar a que se atinga um maior grau de Justiça, devendo a sentença de que ora se recorre ter contemplado demais artigos da LTFP, nomeadamente, e no que a estes autos importa, o n.° 1 do artigo 81.°, que consagra que a descrição do conteúdo funcional de uma carreira, não prejudica a atribuição à Recorrida de funções que lhe possam ser afins ou funcionalmente ligadas, para as quais detenha a qualificação profissional adequada e que não impliquem desvalorização profissional.
19 - E que sucedeu, constando nestes autos que a Recorrida até ao dia 1 de setembro de 2016, esteve na carreira e categoria de Assistente Técnica, onde entre outras funções, deveria ter acompanhado as CPCJ, IPSS e apoiar tecnicamente os Tribunais.
20 - Não podendo, perante o acima exposto, constarem como factos provados, os pontos 13., 14. e 16. da sentença,
21 - Resultando da prova documental carreada para os autos, por ambas partes (Recorrente e Recorrida), que tais pontos terão sido fundados nas declarações de parte da Recorrida, porque outra prova não foi produzida.
22 - Nem mesmo pela prova testemunhal indicada pela Recorrida que, tal como se dispõe na sentença, detinham conhecimento indireto da sua situação laboral, pelo que se referiram quaisquer factos foi porque a Recorrida os disse.
23 - Sendo de relevar a atitude por aquela demonstrada na primeira sessão de audiência de discussão e julgamento aquando do préstimo das suas declarações, munindo-se nas suas mãos do articulado petitório, no qual, bem se sabe, foram expostas as razões de facto e de direito que a motivaram a intentar a presente ação.
24 - Se verdade houvesse nas declarações prestadas pela Recorrida, não se revelaria a incerteza no discurso oral que, com o devido respeito que se nos merece a sua posição, se mostrou divergente face ao plasmado no petitório, como seja, a iniciativa de candidatura ao procedimento concursal, consignando a sentença nesta parte, e bem, que, em contradição com a petição inicial, a Recorrida candidatou-se por sua iniciativa e não pela do Recorrente.
25 - Não obstante o critério da livre apreciação da prova que é deixado ao Tribunal a quo, nos termos da primeira parte do n.º 5 do artigo 607.º do CPC (aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA), a sua convicção sobre a verdade da factualidade probanda, deveria ter-se mostrado prudente na ponderação de toda a prova, sobretudo, documental.
26 - Pelo que, perante a diversa documentação existente nos autos, junta quer pelo ora Recorrente, quer pela Recorrida, difícil se torna atribuir relevância probatória, apenas e só à ficha de avaliação do desempenho do biénio 2013/2014 e às declarações de parte.
27 - Não tendo a Recorrida, apresentado quaisquer pareceres e relatórios que supostamente teria elaborado e emitido como Técnica Superior, em representação do Recorrente, junto de CPCJ e IPSS.
28 - Caso de facto os tivesse redigido, em momento oportuno, isto é, em sede de petitório os
teria apresentado, não sendo documentação que se mostrasse superveniente à data de apresentação da petição inicial junto do Tribunal a quo.
29 - Nesse conspecto, sendo matéria facilmente provada por documentos, deveria o Tribunal a quo, de acordo com o n.º 5, do artigo 607.º do CPC e n.º 1, do artigo 376.º do CC, condicionar a sua convicção.
30 - Indo ao encontro do referido na doutrina de “(...) que não é material e probatoriamente irrelevante o facto de estarmos a analisar afirmações de um sujeito processual claramente interessado no objeto do litígio e que terá um discurso, muito provavelmente, pouco objetivo sobre a sua versão dos factos, que inclusivamente, já teve oportunidade para expor no articulado.” - vide Carolina Braga da Costa Henriques Martins, in “Declarações de Parte”, Universidade de Coimbra, 2015, página 58
31 - E que, “(...) esta proveniência (da parte) implicará que, como regra, as declarações de parte não sejam aptas, por si só, a fundamentar um juízo de prova, salvo eventualmente nos casos em que a natureza dos factos a provar torne inviável outra prova” - vide Conselheira Maria dos Prazeres Beleza, in “A Prova por Declarações de Parte: Uma Desnecessária Duplicação das Alegações das Partes ou Uma Prova Inútil?”, página 21
32 - Constituindo declarações de parte interessada na ação, não podem deixar de se refletirem como declarações interessadas, não isentas ou parciais, não devendo valer como prova convincente, apenas no que fosse desfavorável à Recorrida.
33 - Devendo o Tribunal a quo ter analisado e valorizado de forma devida e ponderada toda a prova documental, para a descoberta da verdade material,
34 - O que não tendo sido feito, dúvidas subsistem quanto a critérios racionais que conduziram à decisão proferida pelo Tribunal a quo.
35 - Donde que, deverá conduzir-se a uma nova, diversa e rigorosa apreciação da prova, para uma justa decisão da causa, não podendo ser dada como provada a factualidade descrita nos pontos 13., 14. e 16. da douta sentença de ora se recorre.
Termos em que, e com o suprimento, deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida por outra, absolvendo-se o ora Recorrente do(s) pedido(s), com todas as legais consequências,
por ser da mais elementar Justiça
A Autora juntou contra-alegações, concluindo:
I. O Tribunal a quo condenou o Recorrente “1. a pagar à Autora, desde 07.10.2012 até à data de acesso ao regime da mobilidade intercarreiras, as diferenças remuneratórias e demais direitos salariais, devidos pelo exercício de funções como Técnico Superior, e 2. a reconstituir a carreira da Autora, em conformidade.”.
II. A sentença do Tribunal a quo, sob recurso, não merece qualquer reparo, devendo por isso manter-se nos seus exactos termos, por corresponder à correcta aplicação do direito.
III. O Recorrente alega que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao considerar que a Recorrida desde 7 de Outubro de 2012 se integra na carreira de categoria de Técnico Superior, apesar de não se encontrar formalmente inserida e que não poderiam ter sido dados como provados os pontos 13, 14 e 16 da sentença, na medida em que o Tribunal a quo formulou a sua convicção apenas nas declarações de parte, sem que outra prova tenha sido produzida para o efeito.
IV. Os factos dados como assentes pelo Tribunal a quo resultam das declarações de parte da A., bem como da prova testemunhal e documental produzida.
V. As declarações de parte da A. foram valoradas, conforme consta de forma clara na sentença a quo, porquanto pugnaram pela procedência da tese vertida em sede de petição inicial e foram corroboradas pela demais prova produzida.
VI. No que respeita à prova testemunhal, diga-se que a testemunha «BB», enquanto antigo colega de trabalho da A. prestou um depoimento relevante no que respeita às funções exercidas pela A., sendo, ao contrário do alegado pelo Recorrente, um depoimento direto nesta matéria.
VII. Também a testemunha «CC», referiu conversas que teve com a A., nomeadamente no que respeita às funções levadas a cabo pela A. permitindo ao Tribunal a quo valorar o seu depoimento e fixar a matéria de facto nomeadamente no que respeita às funções efetivamente desempenhadas pela A.
VIII. Nestes documentos atinentes aos anos de 2013 e 2014 resulta, de forma clara que competia à A. um conjunto de funções, nomeadamente ao nível de respostas aos tribunais, execuções de planos de intervenção, assessoria aos tribunais e acompanhamento de processos na CPCJ que não se coadunavam com a mera assistência administrativa.
IX. Como muito bem entendeu o Tribunal a quo, tratavam-se de objetivos e tarefas conexas à categoria de Técnico Superior e não de funções principais ou mesmo conexas à categoria de Assistente Técnica.
X. Através do princípio da livre apreciação da prova e atendendo ao enquadramento legal para o efeito, o tribunal a quo entendeu que durante anos perdurou uma situação de facto sem correspondência jurídica: não obstante exercer funções enquanto Técnico Superior desde 2012, apenas em 2016 passou a A. a estar em mobilidade intercarreiras, desempenhando formal, mas provisoriamente funções como Técnica Superior; sendo que as funções não foram consolidadas nos 18 meses seguintes viu-se a A. obrigada a seguir a via concursal ingressando de forma legal e definitiva na carreira de Técnico Superior.
XI. Como tal, e atendendo à prova produzida e sobejamente analisada pelo Tribunal a quo, a A. tinha as habilitações para estar enquadrada na categoria de Técnico Superior, a A. exercia de facto as funções de Técnico Superior, a A. apenas não era remunerada de acordo com a categoria de Técnico Superior.
XII. Assim, percebe-se que o presente recurso interposto resulta de uma série de argumentos justificativos sem qualquer fundamento de facto ou de direito, pelo que se deverá manter a decisão proferida pelo Tribunal a quo, nos exactos termos,Assim se fazendo justiça.
A Senhora Procuradora Geral Adjunta notificada, nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO
Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
1. De 16.11.1998 até 15.11.1999 e de 15.12.1999 a 17.12.2000, a Autora celebrou contrato a termo, na categoria de Assistente Administrativo, ao abrigo de Programa Ocupacional, nos termos da Portaria n.° 192/96 publicada no Diário da República n.° 126/1996 Série I-B, de 30.05.1996, portaria que regulava a atividade ocupacional de trabalhadores a receber prestações de desemprego, não conferindo relação jurídica de emprego público - cfr. nota biográfica junta pelo Réu em 09.02.2024;
2. Em 02.05.2002, a Autora celebrou contrato individual de trabalho na categoria de Assistente Administrativo, nos termos do art. 37.° dos Estatutos do Instituto de Solidariedade e Segurança Social, anexos ao Decreto-Lei n.° 316-A/2000, de 7 de dezembro - cfr. nota biográfica junta pelo Réu em 09.02.2024;
3. Por aplicação do Regulamento de Pessoal do ISS, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.° 235, de 7 de dezembro - Aviso n° 13132-A/2006, a Autora transitou, com efeitos a 02.01.2007, para a categoria de Técnico Administrativo, da carreira de Apoio Geral, do Grupo Profissional de Pessoal de Apoio e Administração Geral, abrangido pelo Regime Jurídico do Contrato de Trabalho - cfr. nota biográfica junta pelo Réu em 09.02.2024;
4. Por aplicação da Lei n.° 12-A/2008 de 27 de fevereiro, a Autora transitou, com efeitos a 01.01.2009, para a categoria e carreira de Assistente Técnico, ficando abrangida pelo Regime Jurídico do Contrato de Trabalho em Funções Públicas - cfr. nota biográfica junta pelo Réu em 09.02.2024;
5. Em 01.09.2016, a Autora foi integrada na categoria e carreira de Técnico Superior, no seguimento de procedimento interno de mobilidade intercarreiras promovido pelo Instituto da Segurança Social - cfr. nota biográfica junta pelo Réu em 09.02.2024;
6. Em 17.12.2018, foi autorizada a celebração com a Autora de Contrato de Trabalho de Funções Públicas por tempo indeterminado, na carreira/categoria de Técnico Superior, no seguimento da aceitação do posto de trabalho no âmbito do procedimento concursal aberto pelo aviso n° 9669/2018 - Referência DRH/TS/19/2018, publicado na 2ª série do Diário da República n.° 138, de 19 de julho de 2018 - cfr. nota biográfica junta pelo Réu em 09.02.2024;
7. A Autora exerceu funções em regime de horário parcial (50%), com a prática de 17,5 horas/semanais, no período de 02.01.2019 a 09.01.2022 - cfr. nota biográfica junta pelo Réu em 09.02.2024;
8. Foi autorizada a Licença sem Remuneração, pelo período de um ano, com início em 10.01.2022, devidamente autorizada por despacho de 20.09.2021, da Vice-Presidente do Conselho Diretivo - cfr. nota biográfica junta pelo Réu em 09.02.2024;
9. Foi autorizada a prorrogação da Licença sem Remuneração, pelo período de dois anos, com início em 10.01.2023, situação que se mantém até à presente data, conforme despacho de 13.12.2022, da Vice-Presidente do Conselho Diretivo - cfr. nota biográfica junta pelo Réu em 09.02.2024;
10. A Autora encontra-se enquadrada no Regime Geral da Segurança Social, efetuando os correspondentes descontos legais, com o NISS ...45 - cfr. nota biográfica junta pelo Réu em 09.02.2024;
11. À data da concessão da Licença sem Remuneração (10.01.2022), a Autora encontrava-se posicionada na 2.ª posição remuneratória da carreira/categoria de Técnico Superior, a que correspondia o nível 15, da tabela remuneratória única, nos termos da Portaria n.° 1553-C/2008, de 31 de dezembro, a que correspondia o vencimento mensal ilíquido de 1.215,93€ (mil duzentos e quinze euros e noventa e três cêntimos) - cfr. nota biográfica junta pelo Réu em 09.02.2024;
12. A Autora concluiu em 26.07.2011, o 1° ciclo de estudos do Mestrado Integrado em Psicologia, o qual lhe conferiu o grau de licenciada em Ciência Psicológica - cfr. doc. 1 junto com a contestação;
13. A Autora passou a estar integrada, desde 07.10.2012, no acompanhamento de Crianças e Jovens em Risco, no âmbito de funções desempenhadas junto das Comissões de Proteção de Crianças e Jovens, e no acompanhamento às amas da Segurança Social, exercendo atividades na qualidade de psicóloga;
14. A Autora, inclusivamente, representou a Segurança Social junto dos tribunais, acompanhando menores vítimas de abuso, processos de adoção, retirada de menores, em declarações para memória futura, elaborando relatórios e emitindo pareceres;
15. As funções da Autora foram objeto de avaliação de desempenho, no período de 01.01.2013 a 31.12.2014, constando da sua ficha de avaliação, o seguinte - cfr. doc. 4 junto com a petição inicial:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[...]
16. Em 2015, a Autora mudou para as “respostas sociais”, passando a acompanhar IPSS, visitando-as, verificando irregularidades, fazendo relatórios de acompanhamento, mantendo contacto direto com as instituições, em causa;
17. Foi emitido pelo Departamento de Recursos Humanos do Instituto da Segurança Social, I.P., documento referente às questões relacionadas com a mobilidade intercarreiras - cfr. doc. 7 junto com a petição inicial;
18. Passado pouco tempo da contratação via concursal da Autora, vários Técnicos Superiores, que se encontravam em regime de mobilidade intercarreiras e que não concorreram ao concurso a que a Autora concorreu, foram sujeitos à consolidação da sua mobilidade;
19. Os referidos trabalhadores tiveram direito a receção de retroativos, pelo exercício das funções de Técnico Superior desde 01.01.2018;
20. A Autora expôs a situação, em diversas circunstâncias - cfr. docs. 9, 10, 11 e 12 juntos com a petição inicial e PA no SITAF;
21. A petição inicial, que motiva os presentes autos, deu entrada neste Tribunal em 13.11.2020 - cfr. fls. registo SITAF.
Em sede de factualidade não provada o Tribunal consignou:
Não resultou provado que:
1. Desde 2010, a Autora solicitou a sua integração na mobilidade intercarreiras, por diversas vezes, tendo os pedidos sido continuamente recusados;
2. Mantendo-se a situação mesmo após a conclusão de Mestrado Integrado em Psicologia Clínica e da Saúde em 2013;
3. A Autora sempre cumpriu as suas funções com profissionalismo e zelo de forma contínua;
4. A Autora, em 31 de março de 2017, requereu a consolidação da sua mobilidade intercarreiras, de acordo com o disposto no artigo 99.º-A da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas;
5. Decorrente do pedido de consolidação apresentado pela Autora, foi facultado à própria e a demais colegas, pelo Departamento de Recursos Humanos do Instituto da Segurança Social, I.P., documento referente às questões relacionadas com a mobilidade intercarreiras;
6. Sustentada com base nas informações disponibilizadas pelas entidades oficiais e competentes, a Autora criou assim uma legítima convicção de que a única forma de regularizar a sua situação profissional, o que aguardava há vários anos em situação precária, seria através do acesso a procedimento concursal que visasse o recrutamento de trabalhadores para o posto de trabalho que ocupava;
7. Sendo que foi o próprio Réu que criou essa mesma convicção na Autora, uma vez que pautou a sua atuação pela insistência de que a via concursal seria a única forma de consolidar a situação da Autora, conferindo à mesma um carácter definitivo;
8. A Autora concorreu ao concurso referido em 6. da matéria de facto provada, por estímulo do Réu.
DE DIREITO
Conforme jurisprudência firmada, o objeto de recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo o Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.
Sem embargo, por força do artigo 149.º do CPTA, o Tribunal, no âmbito do recurso de apelação, não se quedará por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decidirá “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
Assim, está posta em causa a decisão que julgou procedente a acção.
Cremos que decidiu acertadamente.
Na óptica do Recorrente a sentença enferma de erro de julgamento de facto.
Porém, o Recorrente não logrou provar qualquer facto que determinasse uma decisão do Tribunal a quo em sentido diferente da proferida.
Vejamos,
Em sede de motivação da matéria de facto o Tribunal exarou:
Os factos dados como assentes supra tiveram por base os documentos constantes dos autos e do processo administrativo incorporado no SITAF, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, e/ou não resultaram controvertidos.
Foi realizada audiência final, tendo sido ouvida a Autora, em declarações de parte, e duas testemunhas, arroladas por si e pelo Réu:
. «BB»;
. «CC».
No que diz respeito às declarações de parte e considerando o artigo 466°, n.° 3 do C.P.C., a Autora pugnou pela procedência da tese vertida em sede de petição inicial, o que se valorou na medida em que veio corroborado pela demais prova produzida, mormente a documental. As suas declarações foram tidas como credíveis e não foram, efetivamente, postas em causa por qualquer prova produzida pelo Réu, dando-se por verdadeiro o exercício de funções tal como alegou, ao longo do tempo e passíveis de serem enquadradas como de técnico superior. Quanto à postura do Réu, ao nível de um eventual condicionamento da sua vontade, levando-a a concorrer para Técnico Superior, em vez de aguardar pela consolidação da mobilidade, sempre se diga que a própria Autora assumiu que concorreu livremente ao procedimento.
Quanto à prova testemunhal, importa referir, previamente, que ambas as testemunhas detinham, na sua generalidade (com exceção do que se vai referir infra), um conhecimento indireto da precisa situação laboral da Autora, referindo-se a aspetos relatados, pela mesma, no convívio que manteve com elas.
A testemunha «BB», antigo colega de trabalho da Autora, prestou depoimento relevante quanto às funções que a Autora exercia e quanto à categoria de administrativa em que estava colocada, revelando conhecimento direto, neste ponto exato. Quanto ao procedimento seguido pela Autora e reivindicações efetuadas por ela, nada sabia. A testemunha revelou coerência e isenção no seu depoimento, e, atenta a relação de colega de trabalho da Autora, o Tribunal ficou convencido da veracidade do seu depoimento.
A testemunha «CC», antigo companheiro da Autora, não obstante tal relação, prestou depoimento desinteressado e situado, referindo-se a conversas tidas com a Autora, quanto à sua situação profissional, à data. Na medida em que o relatado correspondeu ao alegado, ainda que sem a precisão de datas e pormenores invocados pela Autora, foi possível valorar o seu depoimento, contribuindo para a fixação da matéria de facto assente supra, com especial enfoque na relativa às funções desempenhadas pela Autora, enquanto integrada na carreira administrativa e não de técnica superior.
A matéria de facto não provada resultou da ausência de prova que a demonstrasse, mormente documental, quantos aos alegados pedidos de mobilidade por parte da Autora ao longo dos anos (inexistindo qualquer comprovativo de entrega e respetiva resposta por parte do Réu), e testemunhal, quanto aos incentivos/estímulos do Réu, que teriam condicionado e mesmo determinado a Autora a participar no concurso para Técnico Superior (em vez de aguardar pela consolidação da mobilidade).
Ora, entende a doutrina e a jurisprudência, no que respeita à modificação da matéria de facto dada como provada pela 1ª instância, que o Tribunal de recurso só deve intervir quando a convicção desse julgador não seja razoável, isto é, quando seja manifesta a desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando-se, assim, a devida relevância aos princípios da oralidade, da imediação e da livre apreciação da prova, bem como à garantia do duplo grau de jurisdição sobre o julgamento da matéria de facto - cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 19/10/2005 proferido no âmbito do proc. 0394/05. Aí se refere, no que aqui releva, que “o art. 690º-A do CPC impõe ao recorrente o ónus de concretizar quais os pontos de facto que considera incorretamente julgados e de indicar os meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa da recorrida. Este artigo deve ser conjugado com o 655° do CPCivil que atribui ao tribunal o poder de apreciar livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto. Daí que, dos meios de prova concretamente indicados como fundamento da crítica ao julgamento da matéria de facto deva resultar claramente uma decisão diversa. É por essa razão que a lei utiliza o verbo “impor”, com um sentido diverso de, por exemplo, “permitir”. Esta exigência decorre da circunstância de o tribunal de recurso não ter acesso a todos os elementos que influenciaram a convicção do julgador, só captáveis através da oralidade e imediação e, muitas vezes, decisivos para a credibilidade dos testemunhos.
É pacífico o entendimento dos Tribunais da Relação, neste ponto.
Só deve ser alterada a matéria de facto nos casos de manifesta e clamorosa desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando assim prevalência ao princípio da oralidade, da prova livre e da imediação - cfr. Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, II volume, 4ª edição, 2004, págs. 266 e 267, o Acórdão da Relação do Porto de 2003/01/09 e o Acórdão da Relação de Lisboa de 2001/03/27, em Coletânea de Jurisprudência, Ano XXVI-2001, Tomo II, págs. 86 a 88).
A este propósito e tal como sustentado pelo Professor Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha “(…) é entendimento pacífico que o tribunal de apelação, conhecendo de facto, pode extrair dos factos materiais provados as ilações que deles sejam decorrência lógica (…). Por analogia de situação, o tribunal de recurso pode igualmente sindicar as presunções judiciais tiradas pela primeira instância pelo que respeita a saber se tais ilações alteram ou não os factos provados e se são ou não consequência lógica dos factos apurados. (…) ” ( In Comentário do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2017, 4.ª ed.).” (…) “Retomando o que supra fomos referindo sobre a amplitude dos poderes de cognição do tribunal de recurso sobre a matéria de facto temos que os mesmos não implicam um novo julgamento de facto, porquanto, por um lado, tal possibilidade de conhecimento está confinada aos pontos de facto que o recorrente considere incorretamente julgados e desde que cumpra os pressupostos fixados no artº 690º-A n.ºs 1 e 2 do CPC, e, por outro lado, o controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialeticamente na base da imediação e da oralidade.”- No mesmo sentido, os Acórdãos deste TCAN de 06/05/2010, proc. 00205/07.3BEPNF e de 22/05/2015, proc. 1625/07BEBRG: “Os poderes de modificabilidade da decisão de facto que o artigo 712º do CPC atribui ao tribunal superior envolvem apenas a deteção e correção de pontuais, concretos e excecionais erros de julgamento e não uma reapreciação sistemática e global de toda a matéria de facto. Para que seja alterada a matéria de facto dada como assente é necessário que, de acordo com critérios de razoabilidade, apreciando a prova produzida, “salte à vista” do Tribunal de recurso um erro grosseiro da decisão recorrida, aparecendo a convicção formada em 1ª instância como manifestamente infundada”.
Voltando ao caso dos autos temos que a decisão do Tribunal a quo não padece, como se alega, de erro de julgamento, antes tendo feito uma apreciação da prova de forma objetiva, motivada e não passível de crítica.
Como ta, o Tribunal a quo entendeu, e bem, condenar o Recorrente “1.a pagar à Autora, desde 07.10.2012 até à data de acesso ao regime da mobilidade intercarreiras, as diferenças remuneratórias e demais direitos salariais, devidos pelo exercício de funções como Técnico Superior, e 2. A reconstituir a carreira da Autora, em conformidade.”.
O Recorrente alega que o Tribunal incorreu em erro de julgamento ao considerar que a Recorrida desde 7 de outubro de 2012 se integra na carreira de categoria de Técnico Superior, apesar de não se encontrar formalmente inserida.
Alega também que o Tribunal a quo não poderia ter dado como provados os pontos 13, 14 e 16 da sentença, na medida em que o Tribunal formou a sua convicção apenas nas declarações de parte, sem que outra prova tenha sido produzida para o efeito.
Ora, como assinalado, os factos tidos como assentes pelo Tribunal a quo resultam das declarações de parte da A., bem como da prova testemunhal e documental produzida.
As declarações de parte da A. foram valoradas, conforme consta de forma clara na sentença, porquanto pugnaram pela procedência da tese vertida em sede de petição inicial e foram corroboradas pela demais prova junta.
Assim, o Tribunal a quo criou a sua convicção atendendo às declarações de parte da A. em consonância com a prova testemunhal e documental oferecidas.
Conforme explicado na sentença recorrida “as suas declarações foram tidas como credíveis e não foram, efectivamente, postas em causa por qualquer prova produzida pelo Réu, dando-se por verdadeiro o exercício de funções tal como alegou, ao longo do tempo e passíveis de serem enquadradas como de técnico superior”.
No que respeita à prova testemunhal, diga-se que a testemunha «BB», enquanto antigo colega de trabalho da A. prestou um depoimento relevante no que respeita às funções exercidas pela A., sendo, ao contrário do alegado pelo Recorrente, um depoimento direto nesta matéria. Também a testemunha «CC», referiu conversas que teve com a A., nomeadamente no que respeita às funções levadas a cabo pela A. permitindo, assim, ao Tribunal valorar o seu depoimento e fixar a matéria de facto mormente no que tange às funções efetivamente desempenhadas por aquela.
Para além disso, conforme decorre do facto provado nº 15, as funções da A. foram objecto de avaliação de desempenho e constam das fichas de avaliação, documentos juntos nos autos e valorados pelo Tribunal a quo, para formar a sua convicção.
Nestes documentos atinentes aos anos de 2013 e 2014 resulta, de forma clara que competia à A. um conjunto de funções, nomeadamente ao nível de respostas aos tribunais, execuções de planos de intervenção, assessoria aos tribunais e acompanhamento de processos na CPCJ que não se coadunavam com a mera assistência administrativa.
Logo, como bem entendeu o Tribunal, tratava-se de objetivos e tarefas conexas à categoria de Técnico Superior e não de funções principais ou mesmo conexas à categoria de Assistente Técnica.
Assim, não obstante a A. ter sido contratada para exercer funções conexas à carreira de assistente administrativa/técnica administrativa/assistente técnica, desde 2012 que exercia funções enquadráveis na categoria e carreira de Técnico Superior.
Temos, pois, que, através do princípio da livre apreciação da prova e atendendo ao enquadramento legal para o efeito, o Tribunal a quo entendeu que durante anos perdurou uma situação de facto sem correspondência jurídica: não obstante exercer funções enquanto Técnico Superior desde 2012, apenas em 2016 passou a A. a estar em mobilidade intercarreiras, desempenhando formal, mas provisoriamente funções como Técnica Superior.
Como as funções não foram consolidadas nos 18 meses seguintes viu-se a A. obrigada a seguir a via concursal ingressando de forma legal e definitiva na carreira de Técnico Superior.
Dado que a A., aqui Recorrida, exercia funções enquanto Técnica Superior sempre teria de ser remunerada como tal, de acordo com o princípio de que, para trabalho igual deve ser atribuída remuneração igual - artigos 59.°, n.° 1 alínea a) e 13.°, ambos da CRP.
Ademais, o Tribunal a quo efectuou uma análise comparativa e alicerçou a sua convicção no acórdão deste TCA Norte de 08.10.2021, não deixando de especificar que, ao contrário da situação em análise no acórdão referido, a A. detinha as habilitações académicas para ser enquadrada na categoria/carreira de Técnico Superior, detendo licenciatura, em Psicologia, desde o ano de 2011.
Como tal, e atendendo à prova produzida e suficientemente analisada pelo Tribunal, a A. tinha as habilitações para estar enquadrada na categoria de Técnico Superior; exercia de facto as funções de Técnico Superior, apenas não era remunerada de acordo com a categoria de Técnico Superior.
Assim, e ao contrário do alegado pelo Recorrente não há erro de julgamento de facto.
E, claudicando este fundamento, impõe-se a manutenção parcial da sentença recorrida.
Com efeito, a sentença, para além de ter condenado a Entidade Demandada a pagar as diferenças salariais (condenação com a qual concordamos, atento o princípio do trabalho igual, salário igual), condenou-a reconstituir a carreira.
Ora este segmento condenatório é excessivo, mesmo tendo a Autora a habilitação necessária. Isto porque quer a Lei 12-A/2008 (cfr. artigos 59º e segts.), quer a Lei 35/2014 (artigos 92º e segts.), estabelecem requisitos e limites temporais (18 meses) para a mobilidade intercarreiras.
Ora, este último foi claramente ultrapassado.
Afigura-se-nos, pois, que ao abrir-se a porta a esta situação estar-se-ia a preterir a regra de que o concurso é a via normal de acesso, o que não pode sufragar-se.
Procedem, em parte, as Conclusões das alegações.
DECISÃO
Termos em que se concede parcial provimento ao recurso, revoga-se a sentença na parte apontada, isto é, quanto ao ponto 2. do segmento decisório (a reconstituir a carreira da Autora, em conformidade).
Custas pelo Recorrente e pela Recorrida na proporção de metade e sem prejuízo do apoio judiciário de que esta possa beneficiar.
Notifique e DN.
Porto, 13/9/2024
Fernanda Brandão
Isabel Jovita
Rogério Martins |