Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
| Processo: | 01374/24.3BEBRG |
| Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
| Data do Acordão: | 01/10/2025 |
| Tribunal: | TAF de Braga |
| Relator: | ROGÉRIO PAULO DA COSTA MARTINS |
| Descritores: | PROCESSO DISCIPLINAR; DESPEDIMENTO; PROVIDÊNCIA CAUTELAR; SUSPENSÃO DA EFICÁCIA DO ACTO; FUMUS BONI IURIS; TESTE DE ALCOOLÉMIA; CONTRAPROVA; DILIGÊNCIAS DE DEFESA; PROPORCIONALIDADE; ARTIGO 153º DO CÓDIGO DA ESTRADA; N.º 1 DO ARTIGO 203º DA LEI GERAL DO TRABALHO EM FUNÇÕES PÚBLICAS; SANÇÃO DE SUSPENSÃO; APRESENTAÇÃO AO SERVIÇO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ – ARTIGO 180º, N.º1, ALÍNEA C), E 186º, ALÍNEA B), DA LEI GERAL DO TRABALHO EM FUNÇÕES PÚBLICAS. |
| Sumário: | 1. Nos termos do artigo 9º do Regulamento Interno sobre a prevenção e consumo de bebidas alcoólicas da CBSB o arguido tinha direito a fazer contraprova face aos valores de alcoolemia detectados no seu sangue através de alcoolímetro do serviço, direito de que deveria ser informado logo após o teste efetuado. 2. Para além do artigo 9º do referido Regulamento Interno, pode chamar-se aqui à colação do disposto no artigo 153º do Código da Estrada, sob a epígrafe “Fiscalização da condução sob influência de álcool”. 3. Embora tenha como contexto a condução de veículos sob a influência do álcool, ou seja, um contexto muito distinto da relação de trabalho, em concreto da relação de trabalho em funções públicas, regula os mesmos temas: a detecção de álcool no sangue e as faculdades de defesa que o visado tem perante um resultado que integra uma infracção, regulando de forma minuciosa esses temas. 4. Não se vê razão para não se aplicarem as mesmas regras, em concreto no que diz respeito às garantias de defesa do arguido, sendo certo que no processo disciplinar podem resultar para o visado consequências bem mais gravosas do que no processo de contra-ordenação ou até criminal. 5. Não resultando dos autos, antes resultando indiciariamente o contrário, que o arguido tenha sido advertido de que poderia, de imediato, requerer a realização de contraprova e que o resultado desta prevaleceria sobre o do exame inicial. 6. Diligências estas essenciais para a descoberta da verdade e que, tendo sido omitidas, ferem o processo disciplinar de nulidade – n.º 1 do artigo 203º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas -, de que resulta a anulabilidade do acto punitivo, face à regra geral da invalidade dos actos – n.º1 do artigo 163º do Código de Procedimento Administrativo. 7. A lei prevê a sanção de suspensão, pena imediatamente menos grave do que a aplicada, de despedimento, quando o funcionário compareça ao serviço em estado de embriaguez – artigo 180º, n.º1, alínea c), e 186º, alínea b), da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas. 8. Não se tendo justificado no caso o afastamento desta sanção expressamente prevista na lei para o caso e nem se verificando qualquer circunstância que comprometa em definitivo a relação funcional, mostra-se desproporcionada a sanção de despedimento. 9. Vício este que é determinante, também, da anulabilidade do acto, face à regra geral da invalidade dos actos – n.º1 do artigo 163º do Código de Procedimento Administrativo. 10. Pelo que se verifica no caso, o requisito do fumus boni iuris para o decretamento da sanção disciplinar do despedimento |
| Votação: | Unanimidade |
| Meio Processual: | Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional |
| Decisão: | Conceder provimento ao recurso. |
| Aditamento: |
| Parecer Ministério Publico: |
| 1 |
| Decisão Texto Integral: | EM NOME DO POVO Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: «AA» veio interpor RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de 27.10.2024, que julgou (totalmente) improcedente a providência cautelar que moveu contra o Municipio ... para suspensão do acto administrativo que lhe impôs a sanção disciplinar de despedimento. Invocou para tanto que ao contrário do decidido se verifica o pressuposto da aparência do bom direito dado que houve preterição de diligências essenciais no procedimento disciplinar e a sanção aplicada padece dos vícios de erro nos pressupostos de facto e de direito, para além de ser desproporcionada. O Recorrido contra-alegou defendendo a manutenção da decisão recorrida. O Ministério Público neste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso. * Cumpre decidir já que nada a tal obsta. * I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional: I. O presente recurso vem interposto da douta Sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou improcedente a presente providência cautelar de suspensão de eficácia do ato administrativo que determinou o despedimento do aqui Recorrente, II. Não obstante o mérito da Meritíssima Juíza do Tribunal a quo que proferiu a douta Sentença, não pode o Recorrente conformar-se com o seu teor. III. Como é sabido, as providências cautelares são adotadas mediante a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: periculum in mora; fumus boni iuris; e da ponderação de interesses. IV. Relativamente ao preenchimento do periculum in mora, o Tribunal a quo concluiu pelo seu preenchimento, considerando evidente que a ausência de vencimento comporta consequências graves. V. Foi, relativamente ao preenchimento do fumus boni iuris que o douto Tribunal a quo fez, salvo melhor entendimento, uma errónea interpretação ao concluir pelo não preenchimento. VI. O relatório final deu como provado os factos que constam da fls. 264 do processo instrutor, tendo o Tribunal a quo considerado os factos dados como provados. VII. Contudo, e salvo melhor entendimento, os factos dados como provados em 6) e 9) deveriam ter sido dados como não provados. Isto pois, VIII. Relativamente ao facto dado como provado em 6) deveria ter sido dado como não provado, porquanto, inexiste prova que permite corroborá-lo. IX. Veja-se, que o Boletim de Controlo (cfr. fls. 317 processo administrativo – pasta 2/3, junto aos autos), não refere qual o resultado do teste, apenas menciona que o mesmo é “Positivo (0,5G/l)”. X. O referido não pode ser valorado como meio de prova, uma vez que não se encontra devidamente preenchido, pois para além de não mencionar qual o resultado final, não tem indicação sobre a realização ou não da contraprova, não menciona por quem foi realizado, nem consta, do mesmo o n.º de série do alcoolímetro utilizado. XI. Também o aqui Recorrente impugnou o referido resultado, tendo dito que lhe disseram que tinha testado 1,5 g/l, tendo o mesmo estranhado o referido resultado. XII. Não se pode aceitar, que seja dado como provado, com base numa interpretação conveniente das declarações do Recorrente, um facto que apenas poderia ser corroborado por prova científica (ou seja, através de um teste de alcoolímetro)! XIII. Já relativamente ao ponto dado como provado 9) relacionado com a calibração do alcoolímetro, sempre se diga que, ainda que o Dr.º «BB» tenha juntado um certificado de calibração (cfr. fls. 244 e 245 do processo administrativo – pasta 2/3, junto aos autos), não se sabe se o mesmo respeita ao aparelho utilizado para realizar o teste ao aqui Recorrente. XIV. Isto pois, se atendermos ao Boletim de Controlo já mencionado, nada consta relativamente ao equipamento utilizado na sua elaboração. XV. Pelo que, não é possível fazer uma associação entre o certificado de calibração e o aparelho utilizado para a realização do teste ao aqui Recorrente. XVI. Assim sendo, não se deveria ter dado como provado o ponto 9). XVII. Desta feita, e salvo melhor entendimento, os pontos dados como provados 6) e 9) deveriam ter sido dado como não provados. XVIII. Já relativamente à impugnação da matéria de direito, entende o Recorrente, que o procedimento disciplinar padece de vício por falta de fundamentação pela não realização das diligências probatórias essenciais. XIX. O Recorrente apresentou a respetiva defesa dentro do prazo estabelecido, ou seja, em 30.01.2024, pugnando pelo arquivamento do processo, e requerendo uma série de diligências probatórias. XX. Nesse seguimento, seria essencial, oficiar junto do superior hierárquico, ao qual o aqui Recorrente se apresentou no dia 19.07.2023, assim como junto dos seus colegas de turno, para virem esclarecer se o trabalhador aparentava ou não estar alcoolizado no dia em que se reportam os factos. XXI. Isto pois e alegadamente, o aqui Recorrente teria uma TAS de 1,5 g/l, ora um indivíduo com um TAS de 1,5 g/l, apresenta já alguns sinais notórios de embriaguez, nomeadamente, reflexos consideravelmente mais lentos, problemas de equilíbrio e de movimento, alteração de algumas funções visuais e fala arrastada. XXII. Pelo que, se assim fosse, seria expectável que tanto o seu superior hierárquico como os seus colegas de turno, tivessem dado conta de que o aqui Recorrente estaria sob efeito de álcool. XXIII. Teria sido, igualmente, essencial apurar se o alcoolímetro utilizado cumpria com os requisitos definidos pela Recomendação OIML R. 126 e se a verificação periódica anual ao equipamento utilizado estaria em dia. E tal não foi apurado! XXIV. Seguidamente, e relativamente, à realização do teste propriamente dito, sempre se diga que, o mesmo tem de ser realizado por profissionais de saúde, que estejam sujeitos a sigilo e sob responsabilidade do Médico do Trabalho. Aliás, é uma própria prerrogativa Lei n.º 102/2009, de 10 de Setembro, que estabelece o Regime Jurídico da Promoção da Segurança e Saúde no Trabalho. XXV. Pelo que, era essencialíssimo apurar quem operou o alcoolímetro! XXVI. Aliás, é a própria instrutura do processo que requer e solicita a inquirição, à SEPRI, da Dr.ª «CC», responsável pela assinatura das Fichas de Aptidão constantes nas fls. 205 e 207 do processo administrativo – pasta 2/3, junto aos autos. Inquirição essa que nunca chegou a realizar-se... XXVII. Atendendo ao exposto, e salvo opinião contrária, as diligências realizadas pela instrutora do processo, demonstram-se insuficientes para a boa análise da causa. XXVIII. Pelo que, a presente decisão encontra-se inquinada por défice instrutório, verificando-se insuficiência de instrução determinante de anulação da decisão. XXIX. Ademais, a referida decisão de despedimento, parte do pressuposto de facto, de que o Recorrente estaria a desempenhar as suas funções com uma TAS de 1,5 g/l. XXX. Facto esse que não foi possível comprovar pelo Boletim de Controlo, e que não só não foi assumido pelo Recorrente como foi por este impugnado em sede de apresentação de defesa. XXXI. O que o próprio relata é que foi testado e lhe disseram que acusou 1,5 g/l... resultado que como já mencionado não consta do Boletim de Controlo. XXXII. Aliás, o Recorrente ainda vai mais longe, e diz que no dia seguinte foi testado pela SEPRI e acusou 0,0 g/l, tendo questionado o médico relativamente ao teste realizado no dia anterior, pois ainda estava incrédulo com o alegado resultado... XXXIII. Ora, tanto o erro na interpretação ou indevida aplicação da regra de direito (erro de direito), como o erro baseado em factos materialmente inexistentes ou apreciados erroneamente (erro de facto), entram no vício de violação da lei, tendo como cominação a anulabilidade do ato administrativo, nos termos do artigo 163.° do CPA. XXXIV. A decisão que despedimento padece, como já demonstrado, de claro défice instrutório que conduziu a um, consequente, erro nos pressupostos de facto. XXXV. Pelo que, igualmente se entende, que existe falta de fundamentação da instrutora nomeada para a não realização das diligências instrutórias requeridas. XXXVI. E não se prende o referido vício somente à audição das testemunhas, ainda que, apesar de a instrutora nomeada ter cumprido com o previsto no artigo 218.° n.° 2 da LTFP, a mesma não fundamentou a escolha das testemunhas a inquirir e o porquê da preterição das restantes... XXXVII. E de igual forma, não se pronunciou relativamente às restantes diligências probatórias que não chegou a levar a cabo, apesar de parte delas terem sido pela mesma consideradas essenciais...falamos aqui, por exemplo, da necessidade de inquirição da médica do trabalho. XXXVIII. Isto posto, vislumbra-se a procedência dos vícios de défice instrutório, de erro nos pressupostos de facto e de falta de fundamentação assacados pelo aqui Recorrente. XXXIX. Assim, mostra-se verificado, também, o requisito do fumus boni iuris, pelo que deveria ter sido proferida decisão no sentido de deferir o decretamento da providência cautelar recorrida. XL. E sobre o referido requisito importa salientar que o requisito do fumus boni iuris ou da aparência do bom direito basta-se com um juízo perfunctório, necessariamente sumário e sempre provisório, quanto à procedência da ação principal, cfr. com douto Acórdão do STJ de 11.09.2022, proc. n.° 0391/12, disponível em www.dgsi.pt. XLI. Salvo melhor entendimento, e por tudo quanto exposto, não é manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada, antes pelo contrário! XLII. Existindo ainda, questões a apurar em sede de ação principal!! XLIII. Pelo que, não deveria, sem prejuízo de outra opinião, ter a Meritíssima Juíza do Tribunal a quo ter proferido uma verdadeira decisão de mérito, concluindo pelo não preenchimento do requisito do fumus boni iuris, ignorando que o próprio tal como a designação indica é a mera aparência do direito. XLIV. Por fim, sem prescindir e relativamente à determinação da medida da pena, torna-se premente aludir à medida concreta da pena aplicada ao aqui Recorrente, já que, no entendimento deste último, não se justifica. XLV. Não se pode dar como provado, que trabalhador detinha uma TAS de 1,5 g/l, mas somente que o mesmo teria uma TAS superior a 0,5 g/l. XLVI. De igual forma, não resulta da factualidade dada como provada que o trabalhador tenha infringido a norma de forma culposa. XLVII. Porquanto, o mesmo confessou ter consumido álcool na noite anterior (dia de folga) numa festa de aniversário de familiares. XLVIII. Pelo que, ao ter infringido a norma, sempre se dirá, que terá sido a título de negligência, ao não ter ponderado que os efeitos do álcool poderiam ainda estar presentes no dia seguinte. XLIX. O aqui Recorrente não consumiu álcool no dia 19.07.2023 e tal como consta das suas declarações ao jantar, e já no centro de comandos, bebeu água. L. Ora, na aplicação das sanções disciplinares atende-se aos critérios enunciados nos artigos 184.° a 188.° da LGTFP, conforme estabelece o artigo 189.° da LGTFP. LI. Os antecedentes disciplinares do trabalhador constantes do processo individual, e apresentados pela instrutora do processo que culminou na decisão de despedimento remontam ao ano de 2011 e de 2014. E diga-se, que os mesmos não estão relacionados com o consumo de álcool... LII. Note-se que, os antecedentes não só não podem ser considerados para efeitos de reincidência como não podem servir para caracterizar a personalidade do trabalhador, contrariamente ao referido pela instrutora do processo. LIII. Ora o aproveitamento de informação de histórico disciplinar com mais de 10 anos é ilegal, e viola ainda o princípio constitucional da igualdade, pois permite distinguir o Recorrente de um outro trabalhador que, nas mesmas condições, tenha o registo disciplinar devidamente “limpo”. LIV. Importa esclarecer, que o Recorrente é primário, pois dos testes de controlo de alcoolemia realizados, foi o primeiro e único no qual testou positivo! LV. Para além do exposto, somam-se as circunstâncias atenuantes constantes do artigo 190.°, n.° 2 da LGTFP, a saber: LVI. O trabalhador tem uma Medalha Municipal de dedicação de Grau Cobre/Bronze – 15 anos completos de serviço efetivo a 13.07.2021, enquadrando-se no artigo 190.°, n.° 2, al. a). LVII. Para além do mais, confessou espontaneamente a infração, apesar de impugnar o resultado, admitiu a possibilidade de estar sob o efeito de álcool tendo inclusive explicado as circunstâncias nas quais consumiu bebidas alcoólicas, sendo esta circunstância susceptível de enquadrar do disposto no artigo 190.°, n.° 2, al. b). LVIII. Assim sendo, e com o devido respeito, crê o Recorrente que a pena a si aplicada é elevada, não sendo a mesma adequada e proporcional, LIX. Pelo que deve a mesma ser alvo de redução para, dentro do possível, servir a reintegração do agente na comunidade. Termos nos quais, e nos melhores de direito que V/Exas., doutamente suprirão, deverá ser concebido provimento ao presente recurso, e revogar-se a douta Sentença. * II –Matéria de facto. Os factos que o Recorrente pretende que sejam dados como provados não são os que constam da sentença, mas antes da decisão punitiva. Ou seja, não têm a ver com o julgamento (neste caso conhecimento sumário) da matéria de facto, mas antes com eventual erro nos pressupostos de facto da sanção aqui sob juízo. Nada há, portanto que alterar à matéria de facto da decisão recorrida. Deveremos assim dar como indiciariamente provados os seguintes factos, constantes da decisão recorrida: A) Em 16.12.1996, o Requerente tomou posse como Bombeiro Municipal Estagiário na Entidade Requerida - (cfr. fls. 3 do processo administrativo - pasta 1/3, junto autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido). B) Em 10.12.1998, o Requerente foi nomeado definitivamente, por urgente conveniência de serviço, Bombeiro Municipal de 3.ª classe da Entidade Requerida - (cfr. fls. 41 do processo administrativo - pasta 1/3, junto autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido). C) Em 20.07.2023, a Entidade Requerida instaurou processo disciplinar ao Requerente - (cfr. fls. 4 do processo administrativo - pasta 2/3, junto aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido). D) Em 24.07.2023, a instrutora nomeada para o processo disciplinar instaurado contra o Requerente, deu início à instrução - (cfr. fls. 13 do processo administrativo - pasta 2/3, junto aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido). E) Em 25.07.2023, a instrutora nomeada remeteu ao Requerente o ofício n.º ...67, sob o assunto “Comunicação de Instauração de Processo Disciplinar” - (cfr. fls. 16 do processo administrativo - pasta 2/3, junto aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido). F) Em 18.01.2024, a instrutora nomeada deduziu acusação contra o Requerente - (cfr. fls. 182 a 200 do processo administrativo - pasta 2/3, junto aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido). G) Em 18.01.2024, a instrutora nomeada remeteu ao Requerente o ofício n.º ...03, sob o assunto “Notificação de Acusação - DAAJ-PD-6” - (cfr. fls. 201 a 206 do processo administrativo - pasta 2/3, junto aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido). H) Em 30.01.2024, o Requerente apresentou defesa escrita, na qual requereu a produção de diligências probatórias, designadamente - (cfr. fls. do processo administrativo - pasta 2/3, junto aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido): [Imagem que aqui se dá por reproduzida] I) Em 03.04.2024, por correio eletrónico, a instrutora nomeada remeteu comunicação ao mandatário do participado, ora Requerente, da qual resulta, entre o mais, o seguinte - (cfr. fls. 233 do processo administrativo - pasta 2/3, junto aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido): [Imagem que aqui se dá por reproduzida] J) Em 12.04.2024, por correio eletrónico, a instrutora nomeada remeteu comunicação ao mandatário do participado, ora Requerente, da qual resulta, entre o mais, o seguinte - (cfr. fls. 236 do processo administrativo - pasta 2/3, junto aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido): [Imagem que aqui se dá por reproduzida] K) Em 19.04.2024, por correio eletrónico, a instrutora nomeada solicitou junto do Dr. «BB» a indicação da etiqueta do instrumento de medição utilizado aquando a realização do teste de alcoolémia do trabalhador «AA», de consultar a verificação periódica anual do equipamento - (cfr. fls. 239 do processo administrativo - pasta 2/3, junto aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido). L) Em 26.04.2024, por correio eletrónico, e no seguimento da comunicação identificada na alínea que antecede, o Dr. «BB» juntou certificado de calibração, do qual resulta o seguinte - (cfr. fls. 244 e 245 do processo administrativo - pasta 2/3, junto aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido): [Imagem que aqui se dá por reproduzida] M) Em 20.05.2024, a instrutora nomeada remeteu ofícios, intitulados Convocatória para prestar declarações na qualidade de testemunha, aos Srs. «DD», «BB» e «EE» - (cfr. fls. 253 a 261 do processo administrativo - pasta 2/3, junto aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido). N) Em 20.05.2024, a instrutora nomeada, por correio eletrónico, deu a conhecer ao mandatário do ora Requerente de que foi designado o dia 24.05.2024 para a inquirição das testemunhas pelo seu constituinte indicadas - (cfr. fls. 262 do processo administrativo - pasta 2/3, junto aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido). O) Em 20.05.2024, a instrutora nomeada, por correio eletrónico, deu a conhecer ao aqui Requerente de que foi designado o dia 24.05.2024 para a inquirição das testemunhas por si indicadas - (cfr. fls. 265 do processo administrativo - pasta 2/3, junto aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido). P) Em data não concretamente apurada, a instrutora nomeada elaborou Relatório Final, do qual consta, entre o mais, o seguinte - (cfr. fls. do processo administrativo - pasta 2/3, junto aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido): (Imagem que aqui se dá por reproduzida) Q) Em 22.07.2024, a Câmara Municipal ... deliberou aplicar à Requerente a sanção disciplinar de despedimento - (cfr. fls. 297 do processo administrativo - pasta 2/3, junto aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido). R) Em 29.07.2024, a Entidade Requerida procedeu à Notificação Pessoal do Requerente, dando a conhecer ao mesmo a pena de despedimento disciplinar, bem como o Relatório Final - (cfr. fls. 298 do processo administrativo - pasta 2/3, junto aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido). S) Em 29.07.2024, por correio eletrónico, a Entidade Requerida remeteu comunicação ao mandatário do Requerente da qual resulta, entre o mais, que “foi hoje notificado o trabalhador do relatório final do processo disciplinar, com a decisão de despedimento disciplinar. Mais informamos que o relatório final, composto por 23 páginas, acompanhou a certidão de notificação pessoal, conforme documentos em anexo” - (cfr. fls. 302 do processo administrativo - pasta 2/3, junto aos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido). T) O Requerente, na declaração de Modelo 3, apresentada em 25.04.2024, relativa ao ano de 2023, declarou como único rendimento de trabalho dependente o valor de €, ao serviço da Entidade Requerida - (cfr. documento junto com o requerimento inicial a fls. 81 do Sitaf, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido). * III - Enquadramento jurídico. 1. O requisito do periculum in mora (facto consumado ou prejuízo de difícil reparação). Determina a primeira parte do n.º 1 do artigo 120.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos: “Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as providências cautelares são adotadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal…” . Quanto ao requisito do periculum in mora, a decisão recorrida deu-o como verificado, no que não mereceu qualquer reparo, encontrando-se, por isso, esta questão ultrapassada. 2. O requisito do fumus boni iuris (a aparência do bom direito). A segunda parte do n.º 1 do artigo 120.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, dispõe: “ … e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente.” Face ao teor deste preceito - que não distingue entre providências conservatórias, como o pedido de suspensão da eficácia de um acto, e providências antecipatórias - é necessário, além do mais, que seja “provável que a pretensão formulada ou a formular no processos principal venha a ser julgada procedente para que uma providência antecipatória possa ser concedida. Como, neste domínio, o requerente pretende, ainda que a título provisório, que as coisas mudem a seu favor, sobre ele impende o encargo de fazer prova que as coisas mudem a seu favor, sobre ele impende o encargo de fazer prova sumária do bem fundado da sua pretensão deduzida no processo principal” – Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 2005, página 609. Não se trouxe com a reforma de 2015 uma exigência de análise da causa mais profunda e intensa para as providências cautelares em geral. Exige-se agora para as providências conservatórias e para as providências antecipatórias a mesma prova sumária e o mesmo juízo perfunctório que antes se exigia apenas para as providências antecipatórias no contencioso administrativo. O mesmo juízo perfunctório que se exigem, de resto, para as providências cautelares do processo civil, pois o requerente também aí deve demonstrar, sumariamente, a “probabilidade séria da existência do direito” – artigo 368º, n.º1, do Código de Processo Civil. Sob pena de se aproximar, se não de se confundir, o processo cautelar ao processo principal. O juízo sobre o êxito da acção principal, ainda sumário, não é mais intenso ou aprofundado agora para as providências cautelares conservatórias, apenas distinto: exige-se, como antes para as providências antecipatórias, não apenas que não seja manifesta a falta de fundamento da pretensão formulada ou a formular no processo principal ou a existência de circunstâncias que obstem ao seu conhecimento de mérito, passando agora a exigir-se, em todo o tipo de providências, que seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente. A diferença não está na profundidade ou intensidade do juízo sobre o êxito da acção principal, sempre sumário, mas antes no tipo de juízo sobre a probabilidade de êxito: o êxito da acção deve agora ser provável, numa formulação positiva, e não apenas não ser improvável, numa formulação negativa, para todo o tipo de providências, como antes se exigia apenas para as providências antecipatórias. Ou seja: o êxito da acção principal deve ser mais provável para que a providência conservatória seja julgada procedente, como antes se exigia apenas para as providências antecipatórias. Não se exige que o juízo sobre o êxito seja mais intenso ou profundo. A maior exigência, agora, para as providências cautelares conservatórias, está na arguição de fundamentos para a procedência da acção principal e não na análise desses fundamentos. A maior exigência é de prova dos pressupostos das providências conservatórias e dirige-se ao Requerente; não é de análise dos pressupostos, dirigida ao Tribunal. O procedimento cautelar continua a caracterizar-se pela sua instrumentalidade, (dependência da acção principal), provisoriedade (não está em causa a resolução definitiva de um litígio) e sumariedade (summaria cognitio do caso através de um procedimento simplificado e rápido - Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo processo civil, Lex, 1997, paginas 228 a 231. Feitas estas considerações genéricas, debrucemo-nos sobre o caso concreto. Começa o recorrente por referir a falta de produção de prova no processo disciplinar, em concreto a inquirição de testemunhas. Mas a inquirição de testemunhas não era, nem é, prova apta a afastar, ainda que indiciariamente, o facto essencial que serviu de pressuposto à decisão punitiva: a presença de 1,5 g/litro de álcool no sangue do arguido detectada em controle de alcoolemia no sangue, feito através de alcoolímetro existente no serviço. Nenhuma testemunha tem razão de ciência que permita inferir que essa era a percentagem de álcool no sangue do arguido na altura em que lhe foi feito o teste. Só através de aparelho idêntico ou exame ao sangue (prova pericial), poderia afastar-se esse pressuposto da decisão recorrida. O que nos remete para uma outra deficiência instrutória, essa sim verificada e mais grave. Já na defesa que apresentou perante a acusação deduzida, o ora Recorrente tinha invocado que nos termos do artigo 9º do Regulamento Interno sobre a prevenção e consumo de bebidas alcoólicas da CBSB tinha direito a fazer contraprova, o que na altura não lhe foi explicado (veja-se o ponto 7 do capítulo IV do relatório final). O que voltou a reiterar na petição inicial da presente providência cautelar (vejam-se os artigos 33º e 57º). E manteve nas alegações do presente recurso (conclusão X). Para além do artigo 9º do referido Regulamento Interno, pode chamar-se aqui à colação do disposto no artigo 153º do Código da Estrada, sob a epígrafe “Fiscalização da condução sob influência de álcool”: “(…) 1 - O exame de pesquisa de álcool no ar expirado é realizado por autoridade ou agente de autoridade mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito. 2 - Se o resultado do exame previsto no número anterior for positivo, a autoridade ou o agente de autoridade deve notificar o examinando, por escrito ou, se tal não for possível, verbalmente: a) Do resultado do exame; b) Das sanções legais decorrentes do resultado do exame; c) De que pode, de imediato, requerer a realização de contraprova e que o resultado desta prevalece sobre o do exame inicial; e d) De que deve suportar todas as despesas originadas pela contraprova, no caso de resultado positivo. 3 - A contraprova referida no número anterior deve ser realizada por um dos seguintes meios, de acordo com a vontade do examinando: a) Novo exame, a efectuar através de aparelho aprovado; b) Análise de sangue. 4 - No caso de opção pelo novo exame previsto na alínea a) do número anterior, o examinando deve ser, de imediato, a ele sujeito e, se necessário, conduzido a local onde o referido exame possa ser efectuado. 5 - Se o examinando preferir a realização de uma análise de sangue, deve ser conduzido, o mais rapidamente possível, a estabelecimento oficial de saúde, a fim de ser colhida a quantidade de sangue necessária para o efeito. 6 - O resultado da contraprova prevalece sobre o resultado do exame. (…) 8 - Se não for possível a realização de prova por pesquisa de álcool no ar expirado, o examinando deve ser submetido a colheita de sangue para análise ou, se esta não for possível por razões médicas, deve ser realizado exame médico, em estabelecimento oficial de saúde, para diagnosticar o estado de influenciado pelo álcool. (...)” Embora tenha como contexto a condução de veículos sob a influência do álcool, ou seja, um contexto muito distinto da relação de trabalho, em concreto da relação de trabalho em funções públicas, regula os mesmos temas: a detecção de álcool no sangue e as faculdades de defesa que o visado tem perante um resultado que integra uma infracção. Regulando de forma minuciosa esses temas. Não se vê razão para não se aplicarem as mesmas regras, em concreto no que diz respeito às garantias de defesa do arguido, sendo certo que no processo disciplinar podem resultar para o visado consequências bem mais gravosas do que no processo de contra-ordenação ou até criminal. E não resulta dos autos, antes resulta indiciariamente o contrário, que o arguido tenha sido advertido de que poderia, de imediato, requerer a realização de contraprova e que o resultado desta prevaleceria sobre o do exame inicial. Contraprova a realizar por outro aparelho aprovado (designadamente no posto da G.N.R. mais próximo) ou por meio de análise ao sangue, à escolha do arguido. Diligências estas essenciais para a descoberta da verdade e que, tendo sido omitidas, ferem o processo disciplinar de nulidade – n.º 1 do artigo 203º da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas -, de que resulta a anulabilidade do acto punitivo, face à regra geral da invalidade dos actos – n.º1 do artigo 163º do Código de Procedimento Administrativo. Para além de ser inválido por esta via, tudo aponta no sentido de ser inválido por violação do princípio da proporcionalidade. Na verdade prevê-se na lei, precisamente, a sanção de suspensão, pena imediatamente menos grave do que a aplicada, de despedimento, quando o funcionário compareça ao serviço em estado de embriaguez – artigo 180º, n.º1, alínea c), e 186º, alínea b), da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas. No caso não se justificou o afastamento desta sanção expressamente prevista na lei para o caso e nem se verifica qualquer circunstância que comprometa em definitivo a relação funcional. Trata-se, tanto quanto resulta dos autos, de um episódio isolado, sem repercussões públicas e sem reflexo no serviço prestado. Pelo que o acto sancionatório do despedimento é manifestamente desproporcionado. Esta invalidade também foi invocada no requerimento inicial da presente providência (artigo 58º) e nas conclusões das alegações do presente recurso (conclusão LVIII). Vício este que é determinante, também, da anulabilidade do acto, face à regra geral da invalidade dos actos – n.º1 do artigo 163º do Código de Procedimento Administrativo. Do que resulta que, ao contrário do decidido, se verifica cumulativamente, para além do perigo de verificação de um facto consumado e de prejuízos de difícil reparação para o Requerente, o requisito da aparência do bom direito. 3. A ponderação de interesses. Verificados que estão, ao contrário do decidido, os dois apontados requisitos para o decretamento da providência requerida, impõe-se agora proceder à ponderação de interesses . Estipula o n.º 2 do artigo 120.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos: “Nas situações previstas no número anterior, a adoção da providência ou das providências é recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências.” Como nos diz Cármen Chinchilla Marín em “La tutela cautelar en la nueva justicia administrativa”, Civitas, Madrid, 1991, pág. 163: “… o interesse público há-de ser específico e concreto, ou seja, diferenciado do interesse genérico da legalidade e eficácia dos actos administrativos …” Deste modo, só quando as circunstâncias do caso concreto revelarem de todo em todo a existência de lesão do interesse público que justifique a qualificação de grave e se considere que essa qualificação deve prevalecer sobre os outros prováveis prejuízos que se contrapõem é que se impõe a execução imediata do acto, indeferindo-se, por esse facto, o pedido de suspensão – acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 13.01.2005, Proc. n.º 959/04.9BEVIS. Neste caso os prejuízos para o interesse público, invocados pelo Requerido, ora Recorrido, o Municipio ..., são vagos e genéricos. Da manutenção do vínculo funcional do Requerente, ora Recorrente, ao Município, não resulta qualquer prejuízo, menos ainda grave, para o interesse público. Donde se concluir ser de decretar a providência de suspensão do acto administrativo que determinou o despedimento do Requerente. * IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO, pelo que: 1. Revogam a decisão recorrida. 2. Decretar a providência de suspensão do acto administrativo que determinou o despedimento do Requerente. Custas em ambas as instâncias pelo Município demandado. * Porto, 10.01.2025 Rogério Martins Paulo Ferreira de Magalhães Fernanda Brandão |