| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
RELATÓRIO
«AA» instaurou acção administrativa contra o Instituto da Segurança Social, I.P - Centro Distrital ..., ambos melhor identificados nos autos, visando a decisão de 15/01/2019 da Diretora do Núcleo de Prestações de Doença e Parentalidade, que lhe determinou a cessação do subsídio de doença, que auferiu até 18 de outubro de 2018, formulando os seguintes pedidos:
“a) Revogar-se a decisão que determinou a cessação do subsídio de doença, proferida pela Sra. Diretora do Núcleo de Prestações de Doença e Parentalidade do ISS-CDB, datada de 15 de janeiro de 2019, sendo o requerido condenado a reconhecer a situação de incapacidade da requerente para efeitos de atribuição do subsídio de doença, desde 18/10/2018;
b) Ser o requerido condenado a pagar à requerente os subsídios de doença vencidos desde 18/10/2018;
c) Ser o requerido condenado a restituir à requerente o valor de € 25,83, que esta despendeu para a realização da segunda comissão de avaliação;
d) Ser o requerido condenado a pagar à requerente, a título de indemnização por danos morais, a quantia de € 30.000,00 (trinta mil euros);
e) Ser o requerido condenado a pagar à A. juros sobre todas as quantias supra”.
Junta aos autos a certidão de óbito da Autora, vieram os seus herdeiros solicitar a sua habilitação. Assim, foi proferida sentença de habilitação de herdeiros, reconhecendo «BB» e «CC» habilitados a intervir na posição que «AA» detinha nos presentes autos.
Por sentença proferida pelo TAF de Braga foi julgada improcedente a acção e absolvida a Entidade Demandada dos pedidos.
Desta vem interposto recurso.
Alegando, os herdeiros da Autora formularam as seguintes conclusões:
1- Vem o presente recurso interposto de saneador-sentença que, sem audição das partes, não efetuou audiência prévia e logo decidiu de mérito, julgando a ação totalmente improcedente, maxime julgando insindicável o acto/ decisão de Junta Médica de que não subsistia incapacidade da A.
2- Ao não convocar Audiência Prévia o douto Tribunal recorrido cometeu uma nulidade.
3- Perante o saneador-sentença proferido, o imediato conhecimento de decisão de mérito, sem conceder à parte o direito de se pronunciar previamente, constitui uma decisão surpresa.
4- Decisão surpresa, legalmente proibida e violadora do princípio do contraditório.
5- - A violação do princípio do contraditório constitui nulidade susceptível de gerar ou influir no exame ou na decisão da causa (art.3, n.° 3 CPC), violando igualmente a obrigatoriedade de convocação da audiência prévia (art.° 87°-A do CPTA), que têm como finalidade última evitar verificar-se decisões surpresa.
6- - O saneador-sentença é ainda nulo por violação do direito à prova; insuficiência de prova para a boa decisão e errada valoração da prova documental, que se invoca para os devidos efeitos legais.
7- O Tribunal recorrido, violou à A. o direito ao contraditório sobre a tramitação processual da causa, não sendo conferida a possibilidade do direito ao contraditório sobre a prolação de decisão de mérito sem produção de prova, mormente testemunhal.
8- O Tribunal “a quo” decidiu dispensar a produção de outros meios probatórios por simplesmente considerar a (des)necessidade de produção de prova adicional, para além, da que consta dos autos.
9- Salvo respeito por mais douta e superior opinião, o despacho assim proferido não se encontra fundamentado de facto ou de direito.
10- Resulta da sentença recorrida ausência de fundamentação, que não permite o exercício esclarecido do direito ao contraditório e nem assegura a transparência e a reflexão decisória.
11- Entendeu o tribunal recorrido:
· Verifica-se, assim, que na situação em análise, a Autora foi submetida a avaliação pela Comissão de Verificação de Incapacidades que, nos termos contantes do parecer médico emitido, concluiu pela não subsistência da incapacidade temporária para a Autora, conclusão que, na sequência do requerimento desta, foi confirmada, após reavaliação, pela Comissão de Reavaliação da Incapacidade Temporária.
Nessa medida o subsídio por doença deixou de ser pago à Autora quando a Comissão de Verificação de Incapacidade Temporária, e a Comissão de Reavaliação concluíram e certificaram que não subsistia a incapacidade temporária para o trabalho. Atento o exposto, considera-se que, nem a deliberação da Comissão de Reavaliação da Incapacidade Temporária, nem o consequente acto de cessação das prestações de doença, padecem de vício de falta de fundamentação.
· Analisemos agora o vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto. Nos presentes autos está em causa um acto, de cessação do subsídio de doença, que assentou na decisão da Comissão de Reavaliação da Incapacidade Temporária, por isso, suportado num parecer médico, produzido no âmbito da discricionariedade técnica e devidamente fundamentado em factos que levaram a concluir que a Autora não padecia, à data da realização da avaliação, de qualquer incapacidade para o trabalho.
Relativamente à discricionariedade técnica da administração, refere-se no Acórdão do TCAN, de 02/03/2012, no Processo n.º 01064/11.7BEBRG, in www.dgsi.pt., que a mesma “(...) está subtraída à sindicabilidade do Tribunal a menos que ostente erro grosseiro, manifesto, crasso (...)” e que “...erro grosseiro ou manifesto é um erro crasso, palmar, ostensivo, que terá necessariamente de refletir um evidente e grave desajustamento da decisão administrativa perante a situação concreta, em termos de merecer do ordenamento jurídico uma censura particular mesmo em áreas de atuação não vinculadas.” e, no Acórdão do TCAN, de 03/06/2016, proferido no Proc' n' 01485/09.5BEPRT, é referido que “Efetivamente as deliberações das comissões são atos médicos, produzidos ao abrigo da discricionariedade técnica, e são relativamente insindicáveis pelo tribunal, que só pode controlar os aspetos externos e formais do ato sob pena de violar as competências próprias dos médicos e assim, o princípio da separação dos poderes. (...) não poderia o tribunal substituir-se à Administração e formular juízos de natureza médica sob verificação da situação de incapacidade do Recorrido, e, consequentemente, condenar o Recorrente a reconhecer este facto.
12- Respeitosamente não se pode concordar com a decisão assim proferida.
13- A aposição de parcos dizeres em zona intitulada para “parecer fundamentado”, não constitui ou supre o dever de fundamentação.
14- O parecer da comissão de avaliação, e o da comissão de reavaliação não se encontram devidamente fundamentados ou sustentados.
15- Desde logo, as imagens reproduzidas pela sentença, no que se refere em 6) de III. Factos Provados, não resultam de qualquer documento fornecido à parte, aquando, no caso, da reavaliação.
16- Com efeito à parte, apenas foi disponibilizada uma folha em que consta: “não subsiste incapacidade...” (doc. n.º de fls.junto com a p.i.)
17- O dito parecer, manuscrito, reduz-se a :
“Refere dor irradia? de membros superiores
mobilidades completas e ??? dos ombros e cotovelos.
Leva as mãos livremente à nuca e região lombar.
Sem critérios.
18- Este “parecer fundamentado” em que o tribunal recorrido apoia a sentença proferida, não pode ser considerado “parecer fundamentado” quando os subscritores de tal relatório não fundamentam de forma técnica porque tal situação não determina a subsistência da incapacidade para o trabalho.
19- Isto porque, atenta a informação clínica prévia, sem remissão e com manifesta degradação do estado de saúde, a comissão de avaliação e de reavaliação que se lhe seguiu foi de parecer que não se mantinha incapacidade.
20- Todavia, extrai-se dos relatórios clínicos constantes do processo, mormente dos médicos especialistas:
Dr. «DD», neurocirurgia –em 13.04.2018
“Ocasionalmente com dor irradiada aos Mls”
(...)
“Alerto para a possibilidade para pioria sintomática (álgicas, radiculopatia e/ou mielopatia) a médio/longo prazo”
Dr.ª «EE», ortopedia- em 02.10.2018
“Dor nos ombros há cerca de 1 ano”
Rx Tendinite calcificante exuberante
- em 27.11.2018
Rmn- tendinite calcificante + (lesão slap)
Inscrevo para cirurgia
21- Ao contrário do vertido na sentença, a Comissão de Avaliação, em que não subsistiu a incapacidade, efetuou-se em 18.10.2018
22- E o mencionado parecer supra, em que igualmente não subsistiu incapacidade, foi proferido em 19.12.2018, pela Comissão de Reavaliação.
23- Ora, é manifesto nos autos que, a par das especialidades de neurocirurgia e ortopedia, também (como resulta reproduzido em 7) III. Factos Provados) a médica da Unidade de Saúde ..., Dr.ª «FF», escreveu por sua honra em 18.12.2018, que a A.:
“apresenta quadro clínico que a impede de realizar por completo as atividades laborais de empregada fabril. O desempenho das funções de costureira na maquina de corte e costura durante o período laboral geram uma enorme dor lombar devido à posição completa e invariável que exige o mesmo trabalho e à pressão feita sobre a zona dos discos vertebrais ( que já se encontram comprovados com quadro clinico de protusões discais intensas, comprovadas em relatório neurológico. A protusão (protusão) discal ocorre devido ao processo de envelhecimento e degeneração de alguns discos. A degeneração presente na protusão (protusão) discal pode ocorrer devido a movimentos repetitivos, envelhecimento, uso intensivo da coluna. A protusão do disco, comprime as raízes dos membros mais próximos ou até mesmo a medula. Ocasionando uma compressão nestas estruturas, gerando dor e parestesia.
Apresenta também sintomas de adormecimento progressivo dos braços, perda de força nos braços enquanto segura objectos, a utente realizou exames complementares de diagnostico que demonstram volumosos focos de calcificaçãoadjacente aos troquiteres traduzindo-se isto num quadro clínico de tendinopatia calcificante.
Atualmente a utente realiza com dificuldade o exercicio normal das tarefas domésticas demonstrando cansaço intenso sobre a zona dos ombros, pelo que necessita de parar o mesmo exercício para restabelecer as suas forças.
Após realizar 3 sessões seguidas de hidroterapia a utente só registava melhorias passageiras, pelo que a dor voltava e era necessário o recurso a fármacos para aliviar a dor.
Já observada em consulta externa de neurocirurgia/ ortopedia, aguardando cirurgia devido a incapacidade total para manuseamento normal dos seus membros.
24- Do documento junto aos autos com a petição, emitido em 29.01.2019, onde é atestada a medicação que a A. tomava, resulta que, para além de outros, a A. encontrava-se já com Skudexa.
25- Skudexa contém as substâncias ativas cloridrato de tramadol e dexcetoprofeno.
26- O cloridrato de tramadol é um potente analgésico da classe dos opióides que atuam no sistema nervoso central. Esta substância retira a dor atuando ao nível das células nervosas do cérebro e da medula espinal.
27- Ora, a A. tomava já por esta altura esta medicação, de forma regular e sem alívio dos sintomas dolorosos.
28- Ao não permitir a produção de prova, mormente a produção de prova testemunhal médica, o tribunal recorrido decide mal.
29- E decide igualmente mal o douto tribunal quando entende que a comissão de reavaliação emite parecer fundamentado sobre a insubsistência da incapacidade.
30- Da prova documental resulta a comprovação da incapacidade da A.,
31- E mesmo que assim não se entendesse, sempre resulta da prova junta aos autos uma notória discrepância entre o historial clínico da utente (sustentado por especialidades de neurocirurgia, ortopedia e ainda médica de centro de saude) e a decisão da comissão de avaliação e reavaliação.
32- O “parecer fundamentado” da comissão de reavalição não contém uma verdadeira fundamentação técnica.
33- Nem fundamenta, de forma sustentada a ignorância ou divergência sobre os relatórios clínicos dos médicos que vinham acompanhando a utente.
34- Ao subscrever os Ac. do TCAN, mencionados na sentença o douto tribunal recorrido não aprecia a concreta situação dos autos.
35- Pois que ao contrário do propalado na sentença em crise, o tribunal, enquanto perito dos peritos, pode e deve questionar a decisão de insubsistência da incapacidade da A. tomada pela comissão de avaliação e pela comissão de reavaliação, quando esta conflitua com a demais prova documental constante dos autos.
36- Isto sem prescindir da prova testemunhal peticionada, mormente os testemunhos médicos.
37- Respeitosamente, a situação dos autos não se subsume nos Acórdãos invocados pelo douto tribunal recorrido;
38- Antes se impõe apreciar a falta de concreta fundamentação que justifique a divergente tomada de posição da comissão de avaliação e reavaliação, face aos entendimentos clínicos sustentados das diferentes especialidades que acompanhavam a A., malogradamente falecida.
39- Assim, igualmente o douto tribunal não fundamenta porque dá primazia ao juízo formado por tais comissões em detrimento da demais prova documental das especialidades já constante dos autos.
40- Prova essa, como se disse, a ser firmada, explicada e melhor confirmada pela prova testemunhal peticionada, cujo audição o tribunal erradamente entendeu não se afigurar necessária.
41- Acrescente-se ainda que, como bem espelha a jurisprudência as juntas médicas não detêm o monopólio do exercício da verdade médica, podendo tal verdade ser apurada em sede judicial:
Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte - Processo: 01652/19.3BEPRT Secção Data do Acórdão: 05-11-2021
“Com efeito, examinando o relatório de perito médico na Comissão de Reavaliação, à luz do disposto no artigo 54° do Decreto- Lei n.°360/97, afigura-se, ao Tribunal, que neste relatório se impunha uma fundamentação que expressasse o “estudo exaustivo da situação clínica do beneficiário em face dos seus antecedentes clínicos, designadamente a informação do médico assistente, a documentação subsidiária e os pareceres médicos especialistas, e concluir, de forma inequívoca, quanto à origem e natureza da situação verificada, referindo, com o maior desenvolvimento possível, a sintomatologia e a observação do aparelho ou órgãos afectados que deram origem à incapacidade ou dependência. ”
42- O que não ocorreu.
43- É que, sendo esta uma situação clínica em que o perito médico conclui de modo diverso relativamente à informação de três médicos apresentada pela A., a necessidade e exigência de fundamentação é acrescida.
44- E, efetivamente, da parca fundamentação ali expressa o Tribunal não consegue aferir porque motivo é (des)considerado todo o historial clínico associado, que inclui episódio de internamento, bem assim a diagnóstico depressivo major, dor, e foi afastada a conclusão de “incapaz temporariamente para a sua atividade” ou sequer de que modo foram valorados - positiva ou negativamente - os demais relatórios clínicos apresentados.
45- Ora, analisando em concreto, máxime a factualidade assente, verifica-se que quer na deliberação da Comissão de Verificação de Incapacidades, quer na deliberação da Comissão de Reavaliação, não se encontram patentes os motivos pelos quais foi desconsiderada a informação resultante dos relatórios clínicos juntos aos autos e de que modo, a concreta situação clínica da Autora não consubstanciaria fundamento para manter a sua incapacidade, que os certificados de incapacidade e relatórios clínicos mantêm.
46- Por conseguinte, impunha-se às Comissão de Verificação e de Reavaliação, fundamentar a sua posição de tal modo que ao cidadão médio fosse possível entender a concreta razão pela qual, num quadro de manutenção do estado de saúde da Autora desde a decisão inicial que considerou a Autora incapaz temporariamente para o trabalho, passou a Autora a ser considerada capaz para o trabalho.
47- Circunstância essa que deveria conduzir o Tribunal à conclusão de que o ato impugnado não se encontra factualmente fundamentado, com vista a expressar o “estudo exaustivo da situação clínica do beneficiário”.
48- E, assim sendo, impõe-se a anulação do ato proferido por falta de fundamentação.
49- Ainda que a certificação de (in)capacidade para o trabalho emitido pelo SNS e a deliberação de capacidade para o trabalho emitida pelas Comissões de Avaliação/Reavaliação tratem de analisar a questão da incapacidade em planos distintos e em cada um desses planos com autonomia decisória, resulta do teor das deliberações em apreço nos autos, que a comissão de avaliação e a da reavaliação não encerram em si qualquer fundamentação que ponha em causa o estado de doença que é certificado pelos médicos do SNS.
50- Como as deliberações de ambas Comissões reportam-se à não subsistência da incapacidade para o trabalho por parte da Autora, e que a Autora foi notificada de que a cessação do subsídio de doença ocorre por esse motivo e à luz do disposto no artigo 24.°,n.° 2, alínea c) do Decreto-Lei n.° 28/2004, de 04 de fevereiro, torna-se relevante saber quais os termos e pressupostos pelos quais foram tomadas essas deliberações.
51- - E em face do que foi resultou provado e foi apreciado e decidido pelo Tribunal a quo, sejam as deliberações das Comissões em causa, seja o acto administrativo prolatado pelo qual foi cessado o pagamento do subsídio de doença padecem de ostensiva falta de fundamentação.
Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte Processo: 01303/16.8BEBRG data do acórdão: 30-10-2020
Não está vedado ao Tribunal a consideração da informação médica vertida no relatório pericial elaborado pelo INMLCF, que conclui de forma diferente da avaliação efetuada pela Comissão de Recursos, conquanto se trata de substituir um juízo médico por outro, e não do Tribunal se substituir aos peritos médicos.
O monopólio da verdade médica não é exclusivo das juntas médicas, não se descortinando na lei nada que limite a liberdade de apreciação e valoração das provas só por estar em causa uma deliberação de uma junta médica, da mesma forma que a lei não exige qualquer formalidade especial para se provar um facto contrário ao que foi considerado pela junta médica.
52- Nestes termos, e noutros melhores que este tribunal apreciará, julga-se imperioso para a boa decisão da causa a produção de prova testemunhal.
53- Assim, entende-se que sentença é nula, por violação do princípio do contraditório, aferido na vertente da dispensa ilegal da audiência prévia a que alude o art.° 87°- A do CPTA e por falta de fundamentação da mesma, o que consubstancia a violação das normas jurídicas insertas nos artigos 7°-A, art.° 87°-A, art.° 88° e n.° 3, do art.° 90, CPTA e art.° 547°, art.° 3° CPC.
54- O Tribunal “a quo” fez uma errada aplicação das normas jurídicas – Artigo 20° da Constituição da República Portuguesa; Art.° 2°, n.° 1 do CPTA, Art.° 6° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, artigo 341° C.C.; Artigo 410° do CPC.
55- O saneador-sentença é nulo por violação do princípio do direito à prova, por insuficiência de prova para a boa decisão e errada valoração da prova documental.
Pelo que, revogando a sentença em crise, fará este Tribunal, Justiça!
Não foram juntas contra-alegações.
A Senhora Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer no sentido do provimento do recurso.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
De Facto -
Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
1) A Autora é beneficiária do Instituto da Segurança Social, I.P. com o número ...38 (Cfr. PA);
2) Em Outubro de 2018, a Autora encontrava-se de baixa médica subsidiada, com fundamento em doença natural certificada pelo Serviço Nacional de Saúde (acordo);
3) Com data de 18 de Outubro de 2018, a Comissão de Verificação de Incapacidades da Entidade Demandada deliberou que “Não subsiste a incapacidade temporária para o trabalho a partir de 18-10-2018” (cfr. fls. 1 e 1A do PA- a qual se dá aqui por inteiramente reproduzida);
4) Com data de 13 de Abril de 2018, na consulta de neurologia do Hospital ..., foi emitida a seguinte informação:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(cfr. fls. 41 do PA);
5) Em 2 de Outubro de 2018, na consulta externa do Hospital de S... E.P.E., foi emitido o seguinte relatório médico de ortopedia:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(cfr. doc. fls 59 junto com a p.i. e fls. 42 do PA);
6) Em 19 de Dezembro de 2018, teve lugar a avaliação da incapacidade temporária para o trabalho da Autora pela Comissão de Reavaliação da Entidade Demandada, a qual deliberou “Não subsiste a incapacidade temporária para o trabalho do beneficiário acima indicado a partir de 18/10/2018”, com o seguinte parecer emitido pelos médicos que constituíram a Comissão de Reavaliação de Incapacidades:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(cfr. fls. 7 e 8 do Pa);
7) Em 18 de Dezembro de 2018, a Unidade de Saúde ..., emitiu a seguinte declaração:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(cfr. fls. 17 e 18 do PA);
8) Em 20 de Dezembro de 2018, a Autora apresentou nos serviços da Entidade Demandada, requerimento para intervenção de comissão de reavaliação (cfr. fls. 19 do PA);
9) Pela equipa de prestações de doença foi emitida, para despacho superior, a seguinte informação:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(cfr. fls. 20 do PA);
10) Em 15 de Janeiro de 2019, foi emitido o seguinte despacho “Concordo com o proposto” (cfr. fls. 20 do PA);
11) Com data de 17 de Janeiro de 2019, a Entidade Demandada comunicou à Autora o seguinte:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(cfr. fls. 22 do PA);
12) Em 25 de Janeiro de 2019, a Autora apresentou recurso hierárquico da decisão referida em 10) (cfr. fls. 32 a 36 do PA);
De Direito -
É objecto de recurso a decisão que acolheu a leitura da Entidade Demandada.
Atente-se no seu discurso fundamentador:
A questão a dirimir nestes autos prende-se com a decisão impugnada que, atentas as deliberações da Comissão de Verificação de Incapacidades e Comissão de Reavaliação, declarou que a Autora deixou de estar numa situação de incapacidade temporária para o trabalho e determinou a cessação da atribuição de subsídio de doença à mesma a partir de 18 de Outubro de 2018.
A Autora imputa a tal decisão os vícios de falta de fundamentação e violação de lei por erro nos pressupostos de facto.
Vejamos.
Resulta do probatório supra que, encontrando-se a Autora de baixa médica subsidiada, com fundamento em doença natural certificada pelo Serviço Nacional de Saúde, no dia 18 de Outubro de 2018 foi sujeita a avaliação pela Comissão de Verificação de Incapacidades, a qual emitiu parecer no sentido de que não subsistia a situação de incapacidade para o trabalho da Autora desde aquela mesma data.
Solicitada pela Autora a realização de Comissão de Reavaliação, esta realizou-se no dia 19 de Dezembro de 2018, tendo esta Comissão mantido a mesma posição da Comissão de Verificação na sua íntegra, ou seja, a partir de 18 de Outubro de 2018 a Autora não se encontra incapacitada para o trabalho.
A Autora defende que lhe deve ser mantida a incapacidade temporária para o trabalho.
Assim, e desde já, importa referir que ambas as Juntas Médicas tiveram por fim a manutenção ou não da Autora na situação de incapacidade temporária para o trabalho, conforme decorre do disposto no nº 1, da alínea a), do art. 1º do DL nº 360/97, de 17 de Dezembro.
De acordo com o disposto no art.º 254º, nº 3 do Código do Trabalho, sem prejuízo da apresentação de certificado de incapacidade temporária, a situação de doença pode ser verificada por médico, para verificação da situação anteriormente atestada.
O Decreto-Lei n.º 28/2004 de 4 de Fevereiro, define o regime jurídico de protecção social na eventualidade de doença no âmbito do subsistema previdencial, estabelecendo que a protecção na eventualidade doença realiza-se mediante a atribuição de prestações destinadas a compensar a perda de remuneração presumida, em consequência de incapacidade temporária para o trabalho (art. 1.º, n.ºs 1 e 2).
Nos termos do art. 2.º do diploma é “considerada doença toda a situação mórbida, evolutiva, não decorrente de causa profissional ou de acto da responsabilidade de terceiro pelo qual seja devida indemnização, que determine incapacidade temporária para o trabalho”.
Como decorre do art. 5.º do diploma, o direito às prestações é reconhecido aos beneficiários que, à data do início da incapacidade temporária para o trabalho, reúnam as respectivas condições de atribuição, encontrando-se entre estas a certificação da incapacidade temporária para o trabalho (art. 8.º).
A incapacidade temporária para o trabalho determinante do direito ao subsídio de doença é feita através dos documentos médicos de certificação (art. 34.º, n.º 1), mas pode ser objeto de confirmação oficiosa da sua subsistência, através da intervenção do sistema de verificação de incapacidades (art. 36.º).
Assim, nos termos do Decreto-lei 360/97, o sistema de verificação de incapacidades, tem por objeto a confirmação da subsistência das condições de incapacidade temporária determinante do direito ao subsídio de doença (art. 1.º, n.º 1 al. a)), consubstanciando-se na avaliação da subsistência da incapacidade (art. 2.º, n.º 1).
Essa avaliação é feita pelas Comissões de verificação de incapacidade temporária constituídas por dois peritos médicos (art. 11.º, n.º 1), a quem incumbe deliberar sobre a subsistência da incapacidade temporária (art. 12.º, al. a)), competindo-lhes especificadamente a) Apreciar os processos clínicos dos requerentes das prestações ou dos beneficiários sujeitos a processo oficioso de verificação de incapacidade com base nos dados coligidos pelo médico relator e nos demais elementos de diagnóstico constantes do respetivo processo; b) Verificar a origem, a natureza, a extensão e a presumível duração de incapacidade detetada, não suscetível de superação através de ações de recuperação funcional ou de adequados e viáveis meios de compensação; c) Determinar, com base nas capacidades remanescentes e nas efetivas possibilidades de reabilitação profissional e inserção no mercado normal de emprego, a redução da capacidade profissional do beneficiário; d) Concluir sobre o enquadramento das situações verificadas nos critérios legais de atribuição das prestações em causa, especificando as datas a que se reporta a verificação de incapacidade ou de dependência (art. 20.º).
Nos casos em que a comissão de verificação se pronuncie pela não subsistência da situação de incapacidade temporária para o trabalho, o beneficiário pode requerer a reavaliação (art. 14.º do DL 360/97) pela Comissão de Reavaliação, ficando suspensa a atribuição do subsidio de doença (art. 38.º).
Mais se estabelece no art. 24.º do DL 28/2004, que o direito ao subsídio de doença cessa quando for atingido o termo do período constante do certificado de incapacidade temporária para o trabalho ou, durante o referido período, desde que tenha sido declarado pelos serviços competentes do Ministério da Saúde a não subsistência da incapacidade temporária para o trabalho (al. a)).
De acordo com as normas supra transcritas a mera emissão pelo médico de família do certificado de incapacidade temporária não determina a existência na esfera jurídica dos beneficiários de um direito à atribuição das prestações de doença pelo período aposto nesse certificado e, muito menos, para além desse período.
Resulta do disposto nos art.s 36.º e 24.º do DL 28/2004 que a certificação da incapacidade temporária pode ser objeto de confirmação oficiosa da sua subsistência, através da intervenção do sistema de verificação de incapacidades e, nessa medida, não se confirmando essa subsistência – mesmo que durante o período constante do certificado – o direito ao subsídio de doença cessa.
No que diz respeito às competências e elaboração de relatório determina o art. 20º do Decreto-Lei n.° 360/97, de 17 de dezembro, sob a epígrafe “Competências”, que “Compete às comissões de verificação: a) Apreciar os processos clínicos dos requerentes das prestações ou dos beneficiários sujeitos a processo oficioso de verificação de incapacidade com base nos dados coligidos pelo médico relator e nos demais elementos de diagnóstico constantes do respectivo processo; b)Verificar a origem, a natureza, a extensão e a presumível duração de incapacidade detectada, não susceptível de superação através de acções de recuperação funcional ou de adequados e viáveis meios de compensação; c) Determinar, com base nas capacidades remanescentes e nas efectivas possibilidades de reabilitação profissional e inserção no mercado normal de emprego, a redução da capacidade profissional do beneficiário; d) Concluir sobre o enquadramento das situações verificadas nos critérios legais de atribuição das prestações em causa, especificando as datas a que se reporta a verificação de incapacidade ou de dependência; f)Proceder à revisão das situações de incapacidade permanente que abriram direito às prestações, tendo em vista pronunciar-se sobre a evolução das mesmas.”, no que diz respeito às comissões de verificação, e relativamente às comissões de reavaliação dispõe o artigo 22.°, sob a epígrafe “Competências”, que “Compete às comissões de recurso apreciar as deliberações das comissões de verificação relativas à situação dos requerentes, não só em relação às condições de saúde, mas também às repercussões sócio-profissionais da incapacidade.”.
Relativamente ao relatório a elaborar pelas mesmas comissões preceitua o art. 54º, sob a epigrafe “Relatório”, que “ O relatório, elaborado pelo médico relator em formulário aprovado por despacho ministerial, deve expressar o estudo exaustivo da situação clínica do beneficiário em face dos seus antecedentes clínicos, designadamente a informação do médico assistente, a documentação subsidiária e os pareceres de médicos especialistas, e concluir, de forma inequívoca, quanto à origem e natureza da situação verificada, referindo, com o maior desenvolvimento possível, a sintomatologia e a observação do aparelho ou órgãos afectados que deram origem à incapacidade ou dependência.”.
Analisemos a falta de fundamentação invocada pela Autora.
Dispõe o artigo 268° da CRP que “(...)3 - Os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos. (...)” e, os artigos 152° e 153° do CPA, na redação do Decreto-Lei n.° 4/2015, de 7 Janeiro, aplicável á situação em análise, determinam, por sua vez, que “1 - (...) devem ser fundamentados os actos administrativos que, total ou parcialmente: a) neguem, extingam, restrinjam ou afetem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, (...)” e “1 - A fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respectivo acto. (...)”
Sobre esta matéria, tem-se pronunciado a jurisprudência, designadamente, no Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte: “(...) Constitui dever da Administração fundamentar os actos que pratica, expondo as razões de facto e de direito que a levaram a decidir de determinada forma e não de outra, de tal modo que o destinatário do facto fique ciente das razões que levaram aquela a optar por determinada via. A fundamentação destina-se, pois, a exteriorizar as motivações da decisão e pretende-se com a mesma que os destinatários dos actos administrativos os compreendem, para que deles possam discordar ou não. Assim é que, a CRP faz referência a uma fundamentação “expressa e acessível” (art. 268°, 3 da CRP) e o CPA exige expressamente que a mesma seja “clara, suficiente e congruente” (art. 125°, n.° 2 do CPA). Contudo, e nos termos do disposto no artigo 125°, n.° 1 do CPA, admite-se uma fundamentação por remissão, podendo, assim, a mesma consistir em “mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante da fundamentação”. É Jurisprudência pacífica do STA que “a fundamentação é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do acto decidiu como decidiu e não de forma diferente” Acórdão do STA, de 10.07.2002, Proc. n.° 026680. A fundamentação do acto assume duas funções, uma de natureza endógena e outra de natureza exógena. A primeira decorre dos princípios da legalidade, da justiça e da imparcialidade que devem estar sempre presentes no exercício da actividade administrativa. Assim, todos os actos administrativos devem ser o resultado de um processo lógico, coerente e de uma reflexão que se impõe seja imparcial dos factos e do direito a aplicar em cada caso concreto. A segunda função atribuída à fundamentação assume uma natureza garantística, na medida em que, através dela permite- se que os destinatários do acto tomem conhecimento dos fundamentos de facto e de direito que levaram a administração a decidir em determinado sentido e não noutro. Só assim se assegura que o particular, destinatário do acto, possa conscientemente optar entre aceitar a decisão administrativa, e reagir contra a mesma, seja por via graciosa ou contenciosa Neste sentido, confirmar ac. do STA, de 02.02.2006, in rec. n° 1114/05, «este dever legal da fundamentação tem, a par de uma função exógena - dar conhecimento ao administrado das razões da decisão, permitindo-lhe optar pela aceitação do acto ou pela sua impugnação -, uma função endógena consistente na própria ponderação do ente administrador, de forma cuidada, séria e isenta.». A fundamentação visa «esclarecer concretamente as razões que determinaram a decisão tomada e não encontrar a base substancial que porventura a legitime, já que o dever formal de fundamentação se cumpre “pela apresentação de pressupostos possíveis ou de motivos coerentes e credíveis, enquanto a fundamentação substancial exige a existência de pressupostos reais e de motivos correctos susceptíveis de suportarem uma decisão legítima quanto ao fundo”. O discurso fundamentador tem de ser capaz de esclarecer as razões determinantes do acto, para o que há-de ser um discurso claro e racional; mas, na medida em que a sua falta ou insuficiência acarreta um vício formal, não está em causa, para avaliar da correcção formal do acto, a valia substancial dos fundamentos aduzidos, mas só a sua existência, suficiência e coerência, em termos de dar a conhecer as razões da decisão.» (cfr. Vieira de Andrade - O Dever de Fundamentação Expressa de Actos Administrativos, pág. 239, na citação do ac. do STA, de 11/12/2002, rec. 01486/02) cfr. Vieira de Andrade - O Dever de Fundamentação Expressa de Actos Administrativos, pág. 239, na citação do ac. do STA, de 11/12/2002, in rec. 01486/02.. Em síntese, a fundamentação deve ser contextual e integrada no próprio acto (ainda que o possa ser de forma remissiva), expressa e acessível (através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão), clara (de modo a permitir que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide), suficiente (permitindo ao destinatário do acto um conhecimento concreto da motivação deste) e congruente (a decisão deverá constituir a conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação. Posto isto, sempre que um acto adopte fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do acto, tal equivale à falta de fundamentação. (...y - vd. Processo n.° 01747/10.9BEBRG, de 23.11.2011).
Resulta destes normativos que fundamentar é enunciar explicitamente as razões ou motivos que conduziram o órgão administrativo à prática de determinado acto, no qual deverá constar expressamente os fundamentos de facto e de direito em que assenta a decisão sem que a exposição dos fundamentos de facto tenha de ser prolixa já que o que importa é que de forma sucinta, se conheçam as premissas do acto e que se refiram todos os motivos determinantes do conteúdo resolutório.
Acresce que, conforme é jurisprudência uniforme e constante, a fundamentação é um conceito relativo que varia em função do tipo concreto de cada acto e das circunstâncias concretas em que é praticado, cabendo ao tribunal, em face do caso concreto, ajuizar da sua suficiência mediante a adoção de um critério prático que consiste na indagação sobre se um destinatário normal face ao itinerário cognoscitivo e valorativo constante dos actos em causa, fica em condições de saber o motivo porque se decidiu num sentido e não noutro. Neste sentido o decidido pelo TCAN, no Acórdão datado de 27/01/2011, proferido no proc, nº 2168/05.0BEPRT, segundo o qual “o dever de fundamentação tem sede constitucional, deve consistir na exposição suficiente, clara, congruente e contextual, dos factos e das razões jurídicas que alicerçam a decisão administrativa, e que permitam aos respetivos destinatários compreender, aderir ou reagir ao decidido; Não se exigirá que as deliberações das comissões de verificação de incapacidade permanente expliquem de forma exaustiva e clara para os leigos as razões factuais em que alicerçam o diagnóstico que conduz à insubsistência da incapacidade permanente, o que se exige é que externalizem com um mínimo de densidade, mesmo usando os termos técnicos próprios, o juízo médico subjacente à deliberação que foi tomada, de modo a permitir ao destinatário, por si ou coadjuvado pelo médico assistente, nomeadamente, compreender o sentido e os fundamentos desse diagnóstico”.
Analisando em concreto os relatórios das Comissões de verificação de incapacidades, constata-se que quer na deliberação da Comissão de Verificação de incapacidades, quer na deliberação da Comissão de Reavaliação se encontram indicados expressamente os motivos que fundamentaram a consideração de que não subsistia a incapacidade temporária para o trabalho, nomeadamente referindo expressamente informação clinica junta pela Autora e exame realizado à mesma no momento de realização da reavaliação, sendo, assim, as posições de ambas as Comissões claras e inequívocas.
Verifica-se, assim, que na situação em análise, a Autora foi submetida a avaliação pela Comissão de Verificação de Incapacidades que, nos termos contantes do parecer médico emitido, concluiu pela não subsistência da incapacidade temporária para a Autora, conclusão que, na sequência do requerimento desta, foi confirmada, após reavaliação, pela Comissão de Reavaliação da Incapacidade Temporária.
Nessa medida o subsídio por doença deixou de ser pago à Autora quando a Comissão de Verificação de Incapacidade Temporária, e a Comissão de Reavaliação concluíram e certificaram que não subsistia a incapacidade temporária para o trabalho.
Atento o exposto, considera-se que, nem a deliberação da Comissão de Reavaliação da Incapacidade Temporária, nem o consequente acto de cessação das prestações de doença, padecem de vício de falta de fundamentação.
Analisemos agora o vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto.
Nos presentes autos está em causa um acto, de cessação do subsídio de doença, que assentou na decisão da Comissão de Reavaliação da Incapacidade Temporária, por isso, suportado num parecer médico, produzido no âmbito da discricionariedade técnica e devidamente fundamentado em factos que levaram a concluir que a Autora não padecia, à data da realização da avaliação, de qualquer incapacidade para o trabalho.
Relativamente à discricionariedade técnica da administração, refere-se no Acórdão do TCAN, de 02/03/2012, no Processo n.º 01064/11.7BEBRG, in www.dgsi.pt., que a mesma “(...) está subtraída à sindicabilidade do Tribunal a menos que ostente erro grosseiro, manifesto, crasso (...)” e que “...erro grosseiro ou manifesto é um erro crasso, palmar, ostensivo, que terá necessariamente de refletir um evidente e grave desajustamento da decisão administrativa perante a situação concreta, em termos de merecer do ordenamento jurídico uma censura particular mesmo em áreas de atuação não vinculadas.” e, no Acórdão do TCAN, de 03/06/2016, proferido no Procº nº 01485/09.5BEPRT, é referido que “Efetivamente as deliberações das comissões são atos médicos, produzidos ao abrigo da discricionariedade técnica, e são relativamente insindicáveis pelo tribunal, que só pode controlar os aspetos externos e formais do ato sob pena de violar as competências próprias dos médicos e assim, o princípio da separação dos poderes. (...) não poderia o tribunal substituir-se à Administração e formular juízos de natureza médica sob verificação da situação de incapacidade do Recorrido, e, consequentemente, condenar o Recorrente a reconhecer este facto. A tecnicidade e especialização dos conhecimentos aplicados conduz a que a fiscalização jurisdicional sobre o conteúdo das soluções se restrinja a casos-limite, a situações excecionais em que se torna patente, mesmo a um leigo, o carácter grosseiramente erróneo dos resultados que a Administração afirma estarem fundados em regras técnicas. Só nestes casos extremos, (...) é que o Tribunal se imiscuirá no exercício da discricionariedade técnica da Administração.”
Daí que na análise deste tipo de casos, os tribunais não podem por força do princípio da separação de poderes e em face da discricionariedade técnica reconhecida aos serviços competentes para apreciar a condição clínica da Autora, pronunciar-se sobre o mérito da questão substituindo-se aos juízos subjetivos feitos pela Administração, tendo, no entanto, o poder de apreciar e controlar determinadas ilegalidades como por exemplo, a incompetência do órgão, a inobservância de formalidades essenciais no decurso do processo, a falta ou insuficiência de fundamentação da decisão final, o desvio de poder, a violação de lei por ofensa de quaisquer limites impostos ao poder discricionário, por lei ou auto-vinculação da Administração, ou a princípios constitucionais e o erro manifesto por inadmissibilidade ostensiva dos critérios usados ou por mostrarem- se estes manifestamente desacertados e inaceitáveis ( Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, proferido no Processo n.° 01277/08.9BEVIS, de 07.10.2011).
Nesta medida, uma vez que estamos perante um acto médico de revisão, assente em entendimento próprio da área clinica, não se vislumbrando, atento o probatório supra, qualquer erro palmar ou manifesto, tem o tribunal que o aceitar enquanto emanação do poder discricionário da Entidade Demandada, em conformidade com o disposto no art. 54º do DL 360/97, de 17 de Dezembro.
Pelo exposto, conclui-se que nem a deliberação da Comissão de Reavaliação da Incapacidade Temporária nem o consequente acto de cessação do subsídio de doença, estão feridos de qualquer invalidade, pelo que não pode o acto impugnado ser anulado e, consequentemente, não assiste razão à Autora quando pede que lhe seja pago o subsídio de doença a partir de 18/10/2018 e a restituição do valor que despendeu para a realização da “segunda comissão de avaliação”.
A Autora peticionou, ainda, o pagamento de indemnização, no valor de € 30.000,00, por danos morais sofridos pela cessação do pagamento do subsídio de doença.
Está em causa o direito a uma indemnização por responsabilidade civil extracontratual decorrente da prática de um acto jurídico ilícito.
O art. 22.º da C.R.P. estabelece que o “Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem”.
A responsabilidade civil extracontratual do Estado e das demais entidades públicas por danos resultantes do exercício da função administrativa, isto é, por acções ou omissões adoptadas no exercício de prerrogativas de poder público ou reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo, rege-se, em geral, pelo Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas constante do Anexo à Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro (art. 1.º, n.ºs 1 e 2 do RRCEEEP).
Dispõe o art. 3.º, n.º 1 do RRCEEEP que quem esteja obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.
Este normativo encontra-se, assim, em linha com o art. 483.º, n.º 1 do Código Civil segundo o qual “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
Atente-se que tanto a responsabilidade civil extracontratual do Estado e pessoas coletivas públicas por factos ilícitos praticados pelos seus órgãos ou agentes, como a responsabilidade extracontratual por facto ilícito prevista na lei civil assentam nos mesmos pressupostos, sem prejuízo das especialidades resultantes das normas próprias relativas à responsabilidade dos entes públicos.
Esses pressupostos, cumulativos, são o facto, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Nos presentes autos, a Autora assenta a responsabilidade civil extracontratual da Entidade Demandada na prática do acto administrativo que determinou a cessação da atribuição do subsídio de doença por não subsistência da incapacidade temporária para o trabalho, o qual, de acordo com a sua alegação, lhe causou os danos não patrimoniais invocados.
Sucede que, como se concluiu supra, a conduta da Entidade Demandada, ao fazer cessar o subsidio de doença, anteriormente atribuído à Autora, a partir de 18 de Outubro de 2018, não foi ilícita e, sendo assim, não está verificado o pressuposto do facto ilícito, ou seja, não está preenchido um dos requisitos cumulativos da existência de responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito da Entidade Demandada (ilicitude), tornando-se dispensável, por ser um exercício absolutamente inútil, em face da constatação da legalidade do acto administrativo impugnado, apreciar os demais pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos.
Desta forma, a pretensão indemnizatória formulada pela Autora nos presentes autos não pode proceder.
X
É, pois, objecto de recurso esta decisão que julgou improcedente a acção.
Cremos que não se decidiu com acerto.
Vejamos,
«CC», habilitado a intervir na posição da Autora «AA», entretanto falecida, veio interpor recurso do saneador/sentença que julgou improcedente a ação de impugnação do ato administrativo proferido em 15/09/2019 pela Diretora do Núcleo de Prestações de Doença e Parentalidade do ISS-CDB que determinou a cessação do subsídio de doença, a partir 18/10/2018.
E invocou, em síntese, os seguintes fundamentos:
A sentença é nula, por violação do princípio do contraditório, aferido na vertente da dispensa ilegal da audiência prévia a que alude o art.º 87º- A do CPTA e por falta de fundamentação da mesma, o que consubstancia a violação das normas jurídicas ínsitas nos artigos 7º-A, 87º-A, 88º e n.º 3 do art.° 90 do CPTA e arts.° 547° e 3°do CPC.
O Tribunal a quo fez uma errada aplicação das normas jurídicas - artigo 20º da Constituição da República Portuguesa; art.º 2º, n.º 1 do CPTA, art.º 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, artigo 341º C.C.; artigo 410º do CPC.
O saneador-sentença é nulo por violação do princípio do direito à prova, por insuficiência de prova para a boa decisão e errada valoração da prova documental.
É entendimento pacífico na doutrina e jurisprudência, com consagração nos artigos 635.º, n.º(s) 4 e 5, 639.º, n.º(s) 1 e 2 e artigos 1.º, 140.º, n.º 3 e 146.º, n.º 4 do CPTA que o objeto do recurso se encontra delimitado pelas conclusões extraídas da motivação, pelo respetivo recorrente, o que se traduz no impedimento do tribunal ad quem de conhecer de matéria que aí não tiver sido invocada, exceto as situações de conhecimento oficioso, seja de mérito ou de natureza adjetiva.
Assim:
Da violação do princípio do contraditório, aferido na vertente da dispensa (i)legal da audiência prévia e por falta de fundamentação da mesma -
Da decisão recorrida extrai-se o seguinte: “Nos termos dos artºs 87º-B, nº 2, 87º-A, nº 1, al. d) e 88º, nº 1, alíneas a) e b) e nº 4, todos do CPTA, profere-se o seguinte: Despacho Saneador - Sentença”.
Ora é manifestamente insuficiente a consubstanciação que se baseia apenas na indicação do quadro normativo sem a necessária fundamentação objetiva e factual ao caso concreto, quando está alegada prova pericial, documental e testemunhal.
Como decorre do Acórdão proferido em 2/07/2021, neste TCAN, no processo 263/19.8BEPNF: “[...] Nos termos do disposto no artigo 87.º do CPTA, na versão conferida pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02 de outubro, que é também a vigente, findos os articulados o processo é concluso ao juiz , para que o mesmo proceda à análise do processo, a fim de verificar se é necessário emitir despacho pré-saneador (n.º 1), destinado a providenciar pelo suprimento de exceções dilatórias (al. a) que sejam sanáveis, ao aperfeiçoamento dos articulados (al. b) ou a determinar a junção aos autos de documentos que sejam necessários ao conhecimento das questões processuais levantadas ou ao conhecimento do mérito da ação (al. c). Caso conclua pela desnecessidade na emissão de despacho pré-saneador, o juiz deve proferir despacho saneador quando se imponha proferir uma decisão, seja ela de forma, seja de mérito.
Por sua vez prescreve o artigo 87.º-A, do CPTA, sob a epígrafe “Audiência prévia” que: “1 - Concluídas as diligências resultantes do preceituado no artigo anterior, se a elas houver lugar, e sem prejuízo do disposto no artigo seguinte, é convocada audiência prévia, a realizar num dos 30 dias subsequentes, destinada a algum ou alguns dos fins seguintes: a) Realizar tentativa de conciliação, nos termos do artigo 87º C; b) Facultar às partes a discussão de facto e de direito, quando o juiz tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa; c) Discutir as posições das partes, com vista à delimitação dos termos do litígio, e suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição da matéria de facto que ainda subsistam ou se tornem patentes na sequência do debate; d) Proferir despacho saneador, nos termos do n.º 1 do artigo 88º; e) Determinar, após debate, a adequação formal, a simplificação ou a agilização do processo; f) Proferir, após debate, despacho destinado a identificar o objeto do litígio e enunciar os temas da prova, e decidir as reclamações deduzidas pelas partes; g) Programar, após audição dos mandatários, os atos a realizar na audiência final, estabelecer o número de sessões e a sua duração, e designar as respetivas datas(...)”.
E no artigo 87.º-B do CPTA, sob a epígrafe “Não realização da audiência prévia”, estabelecia-se na versão conferida pelo D.L. n.º 214-G/ 2015 que: “1 - A audiência prévia não se realiza quando seja claro que o processo deve findar no despacho saneador pela procedência de exceção dilatória. 2 - Nas ações que hajam de prosseguir, o juiz pode dispensar a realização da audiência prévia quando esta se destine apenas aos fins previstos nas alíneas d), e) e f) do n.º 1 do artigo anterior, proferindo, nesse caso, despacho para os fins indicados, nos 20 dias subsequentes ao termo dos articulados. 3 - Notificadas as partes, se alguma delas pretender reclamar dos despachos proferidos para os fins previstos nas alíneas e), f) e g) do n.º 1 do artigo anterior, pode requerer, em 10 dias, a realização de audiência prévia, que, neste caso, deve realizar-se num dos 20 dias seguintes e destinar-se a apreciar as questões suscitadas e, acessoriamente, a fazer uso do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo anterior, podendo haver alteração dos requerimentos probatórios.”.
Por fim, sobre o despacho saneador, rege o artigo 88.º do CPTA, ao prescrever que: “1- O despacho saneador destina-se a: a) Conhecer das exceções dilatórias e nulidades processuais que hajam sido suscitadas pelas partes, ou que, em face dos elementos constantes dos autos, o juiz deva apreciar oficiosamente; b) Conhecer total ou parcialmente do mérito da causa, sempre que a questão seja apenas de direito ou quando, sendo também de facto, o estado do processo permita, sem necessidade de mais indagações, a apreciação dos pedidos ou de algum dos pedidos deduzidos, ou de alguma exceção perentória. 2- As questões prévias referidas na alínea a) do número anterior que não tenham sido apreciadas no despacho saneador não podem ser suscitadas nem decididas em momento posterior do processo e as que sejam decididas no despacho saneador não podem vir a ser reapreciadas. 3- O despacho saneador pode ser logo ditado para a ata da audiência prévia, mas, quando não seja proferido nesse contexto ou quando a complexidade das questões a resolver o exija, o juiz pode proferi-lo por escrito e, se for caso disso, suspendendo-se a audiência prévia e fixando-se logo data para a sua continuação. 4- No caso previsto na alínea a) do n.º 1, o despacho constitui, logo que transite, caso julgado formal e, na hipótese prevista na alínea b), fica tendo, para todos os efeitos, o valor de sentença. 5- Em tudo o que não esteja expressamente regulado neste artigo, aplica-se, com as necessárias adaptações, o disposto no Código de Processo Civil em matéria de despacho saneador e de gestão inicial do processo”.
Sucede que o n.º 2 deste artigo 87.º-B do CPTA, foi alterado pela Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, passando a prever-se que “ O juiz pode dispensar a realização de audiência prévia quando esta se destine apenas ao fim previsto na alínea b) do n.º1 do artigo anterior”, ou seja, o novo enquadramento habilita agora o juiz da causa a dispensar a realização de audiência preliminar destinada a facultar às partes a discussão de facto e de direito, quando pretenda conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa.
Nos termos do artigo 88.º do CPTA, o despacho saneador destina-se a apreciar as exceções dilatórias que determinem a absolvição da instância e as nulidades processuais que tenham sido suscitadas pelas partes e, bem assim, a conhecer do mérito da causa, sempre que este se afigure viável, por não se justificar a produção de prova, devendo então ser emitido o competente saneador-sentença.
Porém, sempre que o juiz concluísse estar em condições de conhecer imediatamente do mérito da ação, por os autos conterem já todos os elementos necessários à prolação de uma decisão conscienciosa, a não realização de audiência prévia, nos termos do art.º 87.º-B, n.º 2 do CPTA, na versão conferida pelo D.L. n.º 214-G/2015, constituía nulidade processual, impugnável por meio de recurso, implicando a revogação da decisão que dispensou a convocação de audiência prévia e a consequente anulação do saneador-sentença. [...]
Também sobre esta questão se pronunciou este TCAN, em Acórdão proferido em 07/05/2021, no processo n.º 104/16.8BEMDL, e em cujo sumário se escreveu: “1-Terminada a fase dos articulados, mantendo o Tribunal a convicção de que pode conhecer imediatamente de mérito, deve convocar as partes para audiência prévia, em ordem à discussão de facto e de direito e proferir o competente despacho saneador ( artigo 87.º-A, n.º 1, al. b) do CPTA, na versão conferida pelo D.L. n.º 214-G/2015, de 19/02). 2- As nulidades processuais (error in procedendo) identificam-se com quaisquer desvios ao formalismo processual prescrito na lei decorrente de terem sido praticados ao longo do iter processual, antes ou após a prolação da sentença (acórdão ou despacho), ato ou atos ilegais, por não serem admitidos pela lei, ou por terem sido omitidos atos ou formalidades prescritos na lei que afetam a cadeia teleológica que liga os atos do processo, independentemente da bondade ou regularidade de cada um se desinserido do “iter processual”. 3-A não realização de audiência prévia quando a mesma não podia ser dispensada constitui nulidade processual, visto que se trata da omissão de um ato que a lei prescreve e que pode influir no exame e na decisão da causa (artigo 195.º, n.º 1 do CPC)”. [...]
E, em Acórdão proferido em 15/11/2019, no processo n.º 00490/17.1BEAVR, este TCAN considerou, que (...) atento o exposto na alínea b) do nº 1 do artigo 87º-A do CPTA, tencionando o Senhor Juiz conhecer imediatamente do mérito da causa, deveria ter facultado às partes a discussão de facto e de direito através da convocação e da realização da audiência prévia para o efeito.
O Senhor juiz não procedeu a essa convocação, nem a audiência prévia se realizou.
(...) da leitura conjugada dos artigos 88º, n.º 1, b) e 87º-B, n.º 2, do CPTA, não se retira a possibilidade de o juiz dispensar a realização da audiência prévia no caso sub judice, ou seja, quando decida conhecer imediatamente do mérito da causa.
É que muito embora o artigo 87º- B do CPTA preveja a possibilidade de dispensar a audiência prévia quando esta se destine ao fim previsto na alínea d) do nº 1 do artigo 87º-A (ou seja, quando esta se destine a proferir despacho saneador nos termos do n.º 1 do artigo 88º do CPTA) e muito embora, nos termos do n.º 1 do artigo 88º do CPTA, o despacho saneador se destine a conhecer das exceções dilatórias e nulidades e a conhecer total ou parcialmente do mérito da causa (sempre que a questão seja apenas de direito ou quando, sendo também de facto, o estado do processo permita, sem necessidade de mais indagações, a apreciação dos pedidos ou de alguns dos pedidos deduzidos, ou de alguma exceção perentória), não se pode concluir, apenas a partir da leitura conjugada destes preceitos, que o juiz possa dispensar a realização da audiência prévia sempre que tencione conhecer no todo ou em parte do mérito da causa. Pelos seguintes motivos: - Tal interpretação retiraria sentido útil ao disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 87º-A do CPTA que prevê a realização da audiência prévia para que seja facultada às partes a discussão e facto e de direito, quando o juiz tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa, preceito que tem completa autonomia relativamente ao disposto no nº 2 do artigo 87º-B, que não prevê, entre os casos de dispensa da audiência prévia, a situação prevista naquela alínea b); - Tal interpretação é contrária à letra do n.º 2 do artigo 87º-B do CPTA cuja previsão expressamente refere: “Nas ações que hajam de prosseguir...”, o que não é o caso da ação que vai findar no despacho saneador por o juiz aí conhecer do mérito da causa; - Tal interpretação não se compagina com a intenção do legislador que foi a de, através da realização da audiência prévia, assegurar o contraditório às partes quando possa ser proferida decisão de mérito no despacho saneador. Da conjugação do disposto no nº 2 do artigo 87º-B com o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 87º-A, resulta que a possibilidade de dispensa da audiência prévia nos casos em que esta tenha como finalidade proferir despacho saneador se cinge aos casos em que este se destine a apreciar nulidades ou exceções dilatórias relativamente às quais não seja claro que devam proceder (pois se tal for claro, é a própria lei que impõe a sua não realização - cfr. n.º 1 do artigo 87º-B).
Temos assim que a interpretação da jurisprudência dos tribunais superiores a propósito dos artigos 87.º-B, 87.º-A, n.º 1 alínea b) e 88.º, n.º 1 al. b) do CPTA, assenta na exigibilidade de pronúncia sobre o concreto estado do processo, na situação de dispensa da realização de audiência prévia e prolação do despacho saneador.
E entendemos que tal não se verificou na decisão recorrida que, por isso, padece do vício de nulidade processual (cfr. artigo 195.º do CPC) por omissão de fundamentação.
Assiste, pois, razão ao Recorrente.
Em suma,
A decisão em causa, proferida em violação do princípio do contraditório previsto no artigo 3°/3 do CPC, configura uma decisão surpresa.
Este é um princípio basilar do processo, que hoje ultrapassou a concepção clássica, que estava associada ao exercício do direito de resposta, assumindo-se como uma garantia de participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o processo, conferindo às partes a possibilidade de influírem em todos os elementos que se liguem ao objeto da causa.
Como ensina Lebre de Freitas em Introdução ao Processo Civil, Conceitos e Princípios Gerais à luz do Código Revisto, Coimbra Editora, 1996, pág. 96: “a esta concepção, válida mas restritiva, substitui-se hoje uma noção
mais lata de contraditoriedade, entendida como garantia de participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objecto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão. O escopo principal do princípio do contraditório deixou assim de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à actuação alheia, para passar a ser a influência, no sentido positivo de direito de incidir activamente no desenvolvimento e no êxito do processo”.
Segundo este princípio, o juiz não deve decidir qualquer questão, de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre ela se pronunciarem, pois só assim se assegura a participação efetiva das partes no desenvolvimento do litígio e na busca da justiça da decisão.
Como se sumariou no Acórdão do STA de 13/11/2007, proc. 0679/07
I-O princípio do contraditório é um dos direitos fundamentais das partes no desenvolvimento do processo já que, garantindo-lhes a possibilidade de intervir em todos os seus actos, permite-lhes defender os seus interesses e influenciar a decisão do Tribunal.
II-E, porque assim, tal princípio só pode ser postergado nos casos de manifesta desnecessidade ou nos casos em que o seu cumprimento poderia pôr em causa, injustificadamente, os direitos de uma das partes ou poderia comprometer seriamente a finalidade que determinou a instauração do processo.
III-O cumprimento do princípio do contraditório é essencial na marcha do processo e que, por isso, a sua violação constitui nulidade uma vez que pode influir no exame ou na decisão da causa a qual, por via de regra, determinará a nulidade de todo o processado que lhe é posterior. - nºs 1 e 2 do art. 201 do CPC;
Este princípio foi aqui postergado;
A “decisão surpresa” tem um alcance objetivo: a decisão é desse tipo - e, então, surpreende - quando o tribunal, desviando-se do que seria expectável em face do anteriormente discutido, resolve uma questão sem antes ouvir as partes a seu propósito; por outro lado, a “decisão surpresa” tem a ver com a novidade das questões - e não com a novidade dos argumentos utilizados na resolução delas.
Assiste, assim, razão ao Apelante ao sustentar que a sentença é nula, por violação do princípio do contraditório, aferido na vertente da dispensa (i)legal da audiência prévia a que alude o art.º 87º- A do CPTA e por falta de fundamentação da mesma, o que consubstancia a violação das normas jurídicas insertas nos artigos 7º-A, 87º-A, 88º e n.º 3 do art.° 90º do CPTA e artigos 547° e 3° do CPC.
Tem, pois, de ser anulada a decisão, uma que vez que se configura a nulidade processual (artigo 195.º do CPC) por omissão de fundamentação; além disso também ocorreria erro de julgamento de facto quanto à valoração dos relatórios periciais, nos quais é manifesta a omissão sobre os termos e pressupostos que determinaram o juízo técnico que conforma a atividade discricionária da Administração.
Procedem as Conclusões da alegação.
DECISÃO
Termos em que se concede provimento ao recurso, anula-se a decisão recorrida e determina-se a remessa dos autos ao TAF a quo, a fim de prosseguir os ulteriores trâmites, caso a tal nada mais obste.
Sem custas.
Notifique e DN.
Porto, 04/7/2025
Fernanda Brandão
Rogério Martins
Paulo Ferreira de Magalhães |