Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 02104/20.4BEBRG |
Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
Data do Acordão: | 02/02/2024 |
Tribunal: | TAF de Braga |
Relator: | Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão |
Descritores: | SEPARAÇÃO DE PESSOAS E BENS; UNIÃO DE FACTO; PENSÃO DE SOBREVIVÊNCIA; |
Votação: | Unanimidade |
Meio Processual: | Acção Administrativa Comum |
Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: |
1 |
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: RELATÓRIO «AA» instaurou ação administrativa contra o INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, IP - CENTRO NACIONAL DE PENSÕES, todos melhor identificados nos autos, peticionando: “Nestes termos e nos melhores de direito deve a presente acção ser julgada procedente por provada e, em consequência, condenado o Réu à prática dos actos administrativos legalmente devidos, mais precisamente a praticar os actos de deferimento do pedido do Autor consistentes na atribuição das prestações pecuniárias por morte (pensão de sobrevivência e subsídio por morte), devidas pelo falecimento de «BB»”. Por sentença proferida pelo TAF de Braga foi julgada procedente a ação e condenada a Entidade Demandada a deferir o pedido do Autor de atribuição das prestações por morte de «BB», com todas as consequências legais. Desta vem interposto recurso. Alegando, o Réu formulou as seguintes conclusões: 1. O Recorrido, «AA», requereu as prestações por morte, sendo esse mesmo requerimento objecto de indeferimento por parte do ora recorrente, com fundamento na falta de verificação dos pressupostos constantes do art.° 11° do D.L. 322/90, de 18 de Outubro, ou seja, no facto de o cônjuge separado judicialmente de pessoas e bens e o divorciado só terem direito às prestações se, à data da morte do beneficiário falecido, dele recebessem pensão de alimentos fixada por decisão judicial, ou se esta não lhes tivesse sido atribuída por falta de capacidade económica do falecido judicialmente reconhecida. 2. Não concordando o Recorrido veio então, com a presente ação, peticionar a condenação do ora recorrente a praticar ato de deferimento do seu pedido de atribuição de prestações por morte devidas pelo falecimento «BB», dado que, não obstante tal separação, o Autor terá vivido com o mesmo na Avenida ..., ... ..., desde 10.11.1992. 3. O Tribunal "A quo" entendeu julgar a ação procedente, por provada e, em consequência condenou o Recorrente, ora recorrente, a praticar ato de deferimento do pedido do Recorrido de atribuição das prestações por morte devidas pelo falecimento de «BB». 4. Com efeito, o Tribunal recorrido entendeu que, nos termos do art.° 2° da Lei n.° 7/2001 de 11/05 a separação judicial de pessoas e bens não é impeditiva da atribuição de direitos ou benefícios fundados na união de facto, pois o que é impeditivo dessa atribuição é o casamento não dissolvido. 5. Fundamentou a sua decisão por uma questão de segurança jurídica, tendo em conta os Acórdãos do STA, proferidos em 17/12/2019, no âmbito dos processos n.° 01378/17.2BEBRG e 0442/16.0BEBRG, declarando, porém, o MM.° Juiz "a quo" que não concordava com essa mesma jurisprudência. 6. Todavia, consideramos, salvo o devido respeito, que a fundamentação de tais Acórdãos não se encontra correta. 7. Com efeito, a alegada união de facto do Autor com a beneficiária falecida de quem o mesmo se encontrava judicialmente separado de pessoas e bens, não poderá ser-lhe reconhecida, já que não pode simultaneamente ser casado mas judicialmente separado de pessoas e bens, e viver em união de facto com a mesma pessoa. 8. Ora, os Acórdãos em causa não tiveram assim em consideração que «[a] separação 1.1 de pessoas e bens não dissolve o vínculo conjugal» (cf. artigo 1795.° - A do Código Civil), pois a Autora e falecido beneficiário se encontravam-se casados apesar de se encontrarem separados de pessoas e bens. 9. Além do mais, também não tiveram em conta que impedem a atribuição de direitos ou benefícios, em vida ou por morte, fundados na união de facto o casamento não dissolvido (artigo 2.°, alínea c), 1.a parte, da Lei da União de Facto, aprovado pela Lei no 7/2001, de 11 de Maio, incluindo última alteração pela Lei no 23/2010, de 30 de Agosto. 10. Sendo que a separação de pessoas e bens só cessa com a reconvenção em divórcio ou com a reconciliação dos conjugues (artigo 1795 - 13 do Código Civil). 11. Ora, se o Autor e a beneficiária falecida pretendessem «restabelecer a vida em comum e o exercício pleno dos direitos e deveres conjugais» teriam de reconciliar-se (artigo 1795 - C do Código Civil). 12. No caso concreto resulta que nunca houve reconciliação entre o Recorrido e a falecida beneficiária. Por outras palavras, para efeitos da Lei o Autor e falecida estavam separados entre si (pessoas) e nunca restabeleceram «a vida em comum e o exercício pleno dos direitos e deveres conjugais» (cf. artigo 1795 - C do Código Civil). 13. E se estavam separados entre si (separação de pessoas) e nunca restabeleceram a vida em comum como exigia a Lei também não lhes poderia ser reconhecida a união de facto. 14. Não podemos deixar de transcrever o recente Acórdão, num caso semelhante ao presente, proferido pelo Tribunal Central Administrativo do Norte, sob o n.° 2260/15.3BERNF da UO 1, que diz o seguinte: 15. “(...) Assumindo, por princípio, que não deve ser concedida a protecção dada por lei à união de facto quando um dos unidos permaneça com vínculo de casamento não dissolvido, salvo se tiver sido decretada a separação de pessoas e bens entre o unido de facto e o seu cônjuge, terceiro à união de facto, abrindo porta a essa protecção. Fenómeno impossível de acontecer...entre duas pessoas casadas entre si (como acontece, jã que a separação judicial de pessoas e bens entre a autora e o falecido não dissolveu o vínculo conjugal - art.° 1795-A do CC). No caso em mãos não pode buscar-se solução trazendo à colação discussão assente no que seja excepção de princípio ao aludido impedimento, quando ausente da equação terceiro, suposto na tutela da relação e nessa previsão, advindo de todo o estéril e infrutuoso perscrutar se o impedimento existe ou surte afastado pela separação E antes o que há que reconhecer é uma união pelo vínculo matrimonial, importando uma relação de estado (civil) inconciliável com a adopção concorrencial ou pretensão de beneficiário doutro diferendo estatuto, como é aquele conferido por lei à união de facto (e não se trata aqui de uma sucessão - para tal hipótese, com lógica de paralelismo, simplesmente recordando, lembramo-nos do Ac. da RC, de 07/06/2005, proc. n.° 772/05) À qual, perante o que é de pretensão substantiva da autora, dá resposta o DL n.° 322/90, de 18/10, no seu art.° 11° (situação de separação ou divórcio): "O cônjuge separado judicialmente de pessoas e bens e o divorciado só têm direito às prestações se, à data da morte do beneficiário, dele recebessem pensão de alimentos decretada ou homologada pelo tribunal ou se esta não lhes tivesse sido atribuída por falta de capacidade económica do falecido judicialmente reconhecida". Pressupostos que não se encontram reunidos 16. Com efeito, a união de facto acontece entre pessoas não unidas, entre si, através do casamento, o que não sucede entre o Recorrido e a beneficiária falecida, uma vez que os mesmos eram casados, estando, porém, separados de pessoas e bens. 17. E, constitui impedimento à atribuição de efeitos jurídicos à união de facto a circunstância de haver casamento não dissolvido, já que a separação de pessoas e bens não dissolve o casamento, apenas faz cessar alguns deveres, nomeadamente o dever de coabitação. 18. Neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 08/04/2003, proferido no processo n.° 03a926, disponível para consulta in www.dgsi.ptdstj.nsf, do que se transcreve o seguinte texto: "(...) Na separação judicial de pessoas e bens os cônjuges não querem pôr termo ao vínculo conjugal, mas antes pôr termo ao seu dever de coabitar. Nos termos do Artigo 1795° A e 1795° D do Código Civil a separação não elimina os deveres de respeito, de cooperação e de alimentos nem o dever de recíproca fidelidade entre os cônjuges separados de pessoas e bens. Os separados continuam a ser marido e mulher. Pelo que, apesar da união de facto ter passado a ter proteção legal, a situação jurídica existente - casamento - terá que prevalecer". 19. Por isso, entendemos que para que a recorrida afastasse os efeitos decorrentes de uma situação consagrada em registo, por ato voluntário devidamente exteriorizado (separação de pessoas e bens) sempre teria que praticar ato de igual força probatória (mediante reconciliação - artigo 1795° C do Código de Processo Civil). 20. Deste modo, deveria o MM.° Juiz "A quo" ter concluído que a alegada união de facto entre o recorrido (Aqui Autor) com a beneficiária de quem o mesmo se encontrava judicialmente separada de pessoas e bens, não poderia ser-lhe reconhecida, porquanto não pode simultaneamente ser casado mas judicialmente separada de pessoas e bens, e viver em união de facto com a mesma pessoa. 21. Não o fazendo violou os artigos 11° do Decreto-Lei n.° 322/90, de 18 de outubro; artigo 2° da Lei n.° 7/2001, de 11/05, na redacção dada pela Lei n.° 23/2010, de 30 de agosto; artigos 1795-A e 1795-B e 1795°-C, todos do Código Civil. Nestes termos, nos mais de direito e com o suprimento, deve ser dado provimento ao recurso interposto, tudo de acordo com as conclusões anteriores, assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA! O Autor juntou contra-alegações, sem conclusões, finalizando assim: Assim, bem andou a sentença quando julgou procedente a acção proposta pelo A.. Termos em que deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente nos termos acima referidos, Para que uma vez mais se faça JUSTIÇA! O Senhor Procurador Geral Adjunto notificado, nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer. Cumpre apreciar e decidir. |