Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01929/20.5BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:07/04/2025
Tribunal:TAF de Braga
Relator:MARIA FERNANDA ANTUNES APARÍCIO DUARTE BRANDÃO
Descritores:AÇÃO ADMINISTRATIVA CONTRA O INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL;
PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO DO AUTOR; COMPENSAÇÃO POR DANOS NÃO PATRIMONIAIS;
NÃO APLICAÇÃO DE SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA;
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder parcial provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
«AA» instaurou ação administrativa contra o Instituto da Segurança Social, I.P. (Centro Nacional de Pensões), ambos melhor identificados nos autos, peticionando:
deve a presente ação ser julgada procedente e provada e, em consequência:

I- Deve a Ré ser condenada à prática do ato devido, designadamente no deferimento e pagamento dos valores em falta, a favor do autor, conforme supra exposto, nomeadamente da quantia de € 5 297,32 (cinco mil duzentos e noventa e sete euros e trinta e dois cêntimos), acrescida de juros vencidos até à presente data (17-11-2020) no valor de € 571,82 (quinhentos e setenta e um euros e oitenta e dois cêntimos), bem como de juros vincendos até efetivo e integral pagamento, e o que demais for de direito, sendo que tais quantias, além do ato devido, também se traduzem num dano patrimonial da responsabilidade da Ré;
II- Deve a Ré ser também condenada ao pagamento da quantia de € 15 000,00 (quinze mil euros) a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelo autor, acrescido de juros até efetivo e integral pagamento;
III- Deve a Ré ser condenada no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória de € 50,00 (cinquenta euros) por cada dia de atraso na emissão de decisão e pagamento do valor em atraso (€ 5 297,32); bem como no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória de € 100,00 (cem euros) por cada dia de atraso após trânsito em julgado da Sentença pelo não cumprimento de todos os pedidos aqui vertidos.
Por decisão proferida pelo TAF de ... foi julgada improcedente a ação e absolvido o Réu do pedido.

Desta vem interposto recurso.

Alegando, o Autor formulou as seguintes conclusões:
I - Por douta Sentença datada de 22-01-2025, o Tribunal a quo julgou improcedente a presente ação, absolvendo o Réu do pedido, e, não podendo o Recorrente conformar-se com o teor da referida Sentença, dela vem interpor recurso, para o efeito alegando como se segue.
II - Enquadrando a situação em apreço, antes de mais, cumpre recordar que o A. peticiona na presente ação a condenação à prática do ato devido, atinente ao “Pagamento de atrasados de pensão”, que não foram satisfeitos até à presente data.
III - De facto, dos documentos juntos com a p.i., verifica-se que a Ré se limitou a calcular a pensão do A. e, subsequentemente, a recalcular essa mesma pensão e alguns “atrasados”, sucedendo que, apesar das insistências do A., a Ré nunca procedeu ao pagamento dos valores em falta.
IV - Na p.i., a qual se considera aqui integralmente reproduzida para todos os devidos e legais efeitos, foi designada e claramente exposto o supratranscrito, incluindo o quadro aí constante, resultando evidente, o que está em causa não é o ato de “cálculo” (à data do pedido de pensão) ou o ato de “novo cálculo” (após cumprimento do acordo de pagamento), até porque foi o Recorrente que os pediu.
V - O que está em causa é que: apesar de todos os valores que foram invocados pelo A. constarem dos próprios cálculos da entidade Ré; apesar da situação do A. estar regularizada, dentro do prazo, conforme resulta da certidão emitida pela entidade; apesar de o A. ter cumprido todo o plano de pagamentos; apesar de apenas ter ocorrido suspensão das prestações (enquanto decorria o referido pagamento); a final, sucede o seguinte: o entendimento da R. é que o Beneficiário não readquiriu o direito ao pagamento das prestações que estavam apenas suspensas, assim contrariando o n.° 1, do artigo 219°, do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social (doravante CRC).
VI - Quando, depois do pagamento integral conforme aprovado, procede-se ao novo cálculo (agora considerando o que, entretanto, foi pago), com vista a encontrar o novo valor da pensão, levando em consideração toda a carreira contributiva, com efeitos a partir da data do pedido de reforma (por ter cessado a dita suspensão).
VII - Com efeito, a única razão da R. para o não pagamento estriba-se exclusivamente na alegação de o A. não ter, à data, a sua situação contributiva regularizada, contudo, foi esclarecido nestes autos que o A. tinha e tem a sua situação contributiva regularizada, mormente desde a data do seu pedido de atribuição de pensão, o que se encontra comprovado, inclusive mediante documentos emitidos pela própria Ré (a título de exemplo, e conforme supratranscrito, consta na própria página da instituição, disponível em “https://www.seg-social.pt/declaracao-da-situacao-contributiva”, a definição de “situação contributiva regularizada”.
VIII - Sendo a própria que, de forma bem clara, aí afirma publicamente que a situação contributiva está regularizada quando diz que “...A situação contributiva está regularizada quando: (...) Se existirem dívidas, foi autorizado pagamento em prestações, enquanto estiverem a ser cumpridas as condições da autorização...”.
IX - Assim, tal facto, conforme à tese do A., não só resulta da lei, como é a própria Ré que o atesta por via documental e divulga nas informações que presta pessoalmente e disponibiliza publicamente.
X - Tal como é também confirmado pela melhor jurisprudência, designadamente, entre outros, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 02-02-2018, Processo 00642/16.2BEPRT, disponível em www.dgsi.pt.
XI - Os contribuintes têm de confiar nas informações, declarações e certidões da Segurança Social, e é o Tribunal que reafirma essa confiança quando a entidade não as pretende respeitar, pois o Autor confiou nas informações que lhe foram prestadas e no que foi declarado nos documentos que foram emitidos pela Ré.
XII - Um dos corolários do princípio da boa-fé consiste no princípio da proteção da confiança legítima, incorporando a boa-fé o valor ético da confiança, e a exigência da proteção da confiança é também uma decorrência do princípio da segurança jurídica, imanente ao princípio do Estado de Direito.
XIII - O direito à pensão é um dos corolários do direito à segurança social “como um todo”, e, por diversas vezes, o Tribunal Constitucional reconheceu o direito à pensão, nomeadamente, à pensão de velhice, invalidez e viuvez, como um direito constitucionalmente protegido.
XIV - Embora na sua génese a idade da reforma e consequente proteção na reforma ou aposentação, tivesse sido associada a uma «invalidez presumida», acabou por ser considerado: (i) um “direito ao repouso”, que pretende garantir ao trabalhador que chegou à idade da reforma, “a alternativa de repouso com garantia de um «sucedâneo» da retribuição, antes percebida pela prestação de trabalho” (cf. Acórdão n.° 581/95); (ii) um direito à segurança económica das pessoas idosas, previsto no artigo 72.°, n.° 1, da CRP (cf. Acórdão n.° 435/98); (iii) ou uma manifestação do direito à segurança social radicado no princípio da dignidade da pessoa humana, ínsito nos artigos 1.° e 2.° da CRP, “visando assegurar, designadamente, àqueles que terminaram a sua vida laboral ativa, uma existência humanamente condigna” (cf. Acórdão n.° 72/2002).
XV - No mesmo sentido, o direito à segurança económica está igualmente expresso no artigo 25.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, na parte em que se prevê o direito das pessoas idosas a uma existência condigna e independente.
XVI - Em certas situações, a margem de conformação do legislador será assim necessariamente menor, como a que se verifica com a norma do n.° 4, do artigo 63.°, da CRP, que garante o princípio - conhecido na doutrina italiana como “princípio da totalização” - que impõe a contagem de todo tempo de trabalho realizado para o cálculo do montante das prestações: “todo o tempo de trabalho contribui, nos termos da lei, para o cálculo das pensões de velhice e invalidez, independentemente do setor de atividade em que tiver sido prestado”.
XVII - O Tribunal Constitucional considerou que esse direito possuía natureza análoga a direitos, liberdades e garantias (cf. Acórdãos n.° 411/99 e n.° 432/2007).
XVIII - O referido direito passa a beneficiar da proteção específica correspondente, nomeadamente dos princípios estruturantes do Estado de Direito, como a proteção da confiança ou da proporcionalidade, apenas podendo ser suprimidos ou diminuídos com observância desses mesmos princípios.
XIX - O legislador está proibido de eliminar o instituto “pensão de reforma, aposentação, invalidez e sobrevivência” ou, ainda, o seu conteúdo essencial. O legislador, na conformação que faz, em cada momento histórico, do direito à pensão está juridicamente vinculado pelas normas e princípios constitucionais. O legislador tem de respeitar vários limites constitucionalmente impostos, nomeadamente os que derivam do princípio do Estado de Direito, não podendo afetar, designadamente, a proteção da confiança.
XX - E, por maioria de razão, no mesmo sentido, qualquer interpretação que se pretenda extrair.
XXI - Sendo a interpretação da R., acolhida na douta Sentença, além de ilegal, também não é conforme, designadamente, à constituição.
XXII - O Autor, antes de requerer a sua pensão, preocupou-se em garantir a regularidade da sua situação contributiva, nos exatos termos e condições que lhe foram exigidas e permitidas, fazendo o seu pagamento com grande esforço (já melhor descrito), cumprindo, assim, com qualquer especial dever de cuidado e de boa administração que pudesse ser exigível, designadamente de modo a não colocar em causa o cumprimento das responsabilidades contributivas e toda a demais decorrência daí adveniente, com as correspondentes e legítimas expectativas e garantias, não sendo razoável, nem admissível, pois, imputar ao A. qualquer tipo de responsabilidade, seja a que título for.
XXIII - Conforme já se referiu nestes autos, invoca a R. que o Autor não tem direito às quantias que reclama apenas porque “...apenas liquidou as contribuições como trabalhador independente em 30 de novembro de 2016, ou seja, em data posterior à data início da pensão de velhice, que ocorreu em 30 de novembro 2011 e dos três meses subsequente a esta....” (cfr. ponto 27º da douta contestação) (sublinhado nosso).
XXIV - Ao que se disse e se reitera que nunca passou pela cabeça do A. que a própria Ré se tivesse esquecido do acordo de pagamento que havia feito com o Autor, ademais dentro do prazo que a mesma só aqui e agora, ineditamente, também invocou como violado, como também nunca lhe passou pela cabeça que a própria Ré se tivesse esquecido até da declaração de situação contributiva regularizada que emitiu ao Autor, aquando desse acordo em 5 de Janeiro de 2012 (e junta aos autos).
XXV - Dispõe o artigo 208º, da Lei n.º 110/2009, de 16 de Setembro, na sua versão originária, que “...Integram, ainda, o conceito de situação contributiva regularizada: a) As situações de dívida, cujo pagamento em prestações tenha sido autorizado e enquanto estiverem a ser cumpridas as condições dessa autorização, ainda que o pagamento prestacional tenha sido autorizado a terceiro ou a responsável subsidiário;...” (sublinhados nossos); ou na sua redação atual, em vigor desde 01-01-2015: “2 - Integram, ainda, o conceito de situação contributiva regularizada: a) As situações de dívida, cujo pagamento em prestações tenha sido autorizado e enquanto estiverem a ser cumpridas as condições desta autorização, designadamente o pagamento da primeira prestação e a constituição de garantias, quando aplicável, ainda que o pagamento prestacional tenha sido autorizado a terceiro ou a responsável subsidiário;...”.
XXVI - Não havendo, assim, como enganar, pois, como a Ré bem sabe, o Autor, por razões que ao caso não interessam, apenas tomou conhecimento das ditas dívidas quando foi requerer a sua reforma, pedindo logo a sua própria citação e, de imediato, e assim que lhe foi permitido, requereu à Ré, em 05-01-2012, acordo de pagamento em prestações (conforme consta dos autos), o que foi devidamente aceite e expressamente deferido em 05-01-2012 (conforme também consta dos autos), tudo conforme foi informado pela R., conforme é de lei, e conforme as legítimas expetativas por essa via criadas.
XXVII - Assim, e ao que aqui interessa, inexiste qualquer dívida nos termos e com os efeitos invocados pela R., designadamente qualquer irregularidade da situação contributiva do Autor ou a violação de qualquer prazo, e, por conseguinte, inexistindo também qualquer suspensão dos pagamentos devidos, pois há muito tempo que aqueles já deveriam ter ocorrido, com as legais consequências, mormente a procedência da ação e a responsabilização da Ré por todos os notórios prejuízos invocados pelo Autor, o que, desde logo em respeito pelo princípio da legalidade, bem como das legítimas expetativas criadas e pelo enorme e brutal sacrifício feito pelo cidadão, demanda, pelo menos, sinalagmaticidade.
XXVIII - Posto isto, cumpre ainda reiterar, mais uma vez, o documento de atestação pela Ré quanto à situação contributiva regularizada do A., datada de 05-01-2012, ou seja, dentro do prazo de três meses referido no n.° 1, da versão única do artigo 219°, da Lei n.° 110/2009, de 16 de Setembro (Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social), isto, atendendo a que o A. requereu a sua pensão de velhice em 30-11-2011.
XXIX - Pelo que, existindo um acordo de pagamento entre a Ré e o A., nos termos legais, a situação contributiva estava, e está, totalmente regularizada, razão porque a primeira emitiu documento atestando que a respetiva situação contributiva estava regularizada para todos os devidos e legais efeitos, incluindo os pretendidos pelo Autor, e, assim sendo, só por mera falha da Ré, é que poderia não ter sido levado em consideração o que dispõe o artigo 208°, da Lei n.° 110/2009, de 16 de Setembro, na sua versão originária, que “...Integram, ainda, o conceito de situação contributiva regularizada: a) As situações de dívida, cujo pagamento em prestações tenha sido autorizado e enquanto estiverem a ser cumpridas as condições dessa autorização, ainda que o pagamento prestacional tenha sido autorizado a terceiro ou a responsável subsidiário;...” (sublinhado nosso), ou na sua redação atual, em vigor desde 01-01-2015: “...2 - Integram, ainda, o conceito de situação contributiva regularizada: a) As situações de dívida, cujo pagamento em prestações tenha sido autorizado e enquanto estiverem a ser cumpridas as condições desta autorização, designadamente o pagamento da primeira prestação e a constituição de garantias, quando aplicável, ainda que o pagamento prestacional tenha sido autorizado a terceiro ou a responsável subsidiário;...” (sublinhado nosso).
XXX - Ainda que menos relevante para o presente caso - e tão só porque mencionado -, o disposto no artigo 217°, da referida da Lei n.° 110/2009, de 16 de Setembro, reporta-se a uma condição geral de pagamento de prestações, ou seja, impõe que haja essa mesma “situação contributiva regularizada” para que ocorra o ato de pagamento de qualquer prestação, o que apenas significa que os pagamentos ficam suspensos até à dita regularização;
XXXI - Mas, como se viu, o A. procedeu a essa regularização no prazo imperativo previsto no subsequente artigo 219° que, esse sim, dita os respetivos efeitos do mencionado ato de regularização da situação contributiva nos termos do precedente artigo 208°, sendo este artigo 219° aquele que determina o direito ao pagamento, ou seja, a sua perda ou reaquisição.
XXXII - Não havendo, assim, como enganar, pois, o Autor, de imediato, e assim que lhe foi permitido, requereu à Ré, em 05-01-2012, acordo de pagamento em prestações, o que foi devidamente aceite e expressamente deferido em 05-01-2012, i.e., dentro do referido prazo, tudo conforme aí foi informado ao A., conforme é de lei, e conforme as legitimas expetativas por essa via criadas.
XXXIII - Assim sendo, inexiste qualquer dívida, designadamente em termos e com efeitos que possam ser invocados contra a pretensão do A., incluindo qualquer eventual irregularidade da situação contributiva deste ou a violação de qualquer prazo, o que bem demonstra o desacerto da Ré, bem como a razão que assiste ao Autor pois, inexistindo qualquer suspensão dos pagamentos devidos, há muito tempo que aqueles já deveriam ter ocorrido, com as legais consequências, mormente a procedência da ação e a responsabilização da Ré por todos os notórios prejuízos invocados pelo Autor.
XXXIV - Desacerto que se agudiza agora perante o indeferimento em crise porquanto aí se referem 26 anos de descontos quando, na verdade, o A. totaliza 31 anos de descontos.
XXXV - Mais se refere que “...O novo valor de pensão apenas é devido no mês seguinte ao do pagamento integral da dívida, ou seja, a partir de janeiro de 2017...” quando, já ficou plenamente demonstrado pelo A. - e pela própria Ré em sede de douta contestação - que o pagamento ficou concluído em 30-11-2016 (sublinhado nosso), pelo que, se assim fosse, o mês seguinte seria Dezembro de 2016, e não Janeiro de 2017.
XXXVI - Nem a Ré poderia invocar qualquer desconhecimento, visto que, além do acordo ter sido celebrado com a própria, é referido também do P.A. junto aos autos (a fls. 20 e 21), e o seu término foi-lhe sempre comunicado pelo A., ainda que de forma desnecessária, visto que esta sabia e estava a obrigada a saber, antes mesmo de se pronunciar acerca de qualquer assunto que lhe fosse colocado pelo Beneficiário.
XXXVII - Assim sendo, a Ré deveria ter procedido ao apuramento do cálculo da pensão, mediante verificação das condições de acesso, atribuição e pagamento da mesma, aliás preenchidas como se viu, designadamente idade e prazo de garantia, sendo aferido à data de início de pensão, e, ao proceder ao novo cálculo da pensão, com vista ao apuramento do valor atual da pensão, face aos novos elementos, também deveria ter calculado os montantes desde o início da pensão, ou seja, retroagindo à data do início da pensão.
XXXVIII - De facto, e de direito, a situação do A. não se subsume ao n.° 3, do artigo 219º, da Lei n.° 110/2009, de 16 de Setembro (Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social), mas antes ao n.° 1, do mesmo preceito, aliás sob a epígrafe “Efeitos da regularização da situação contributiva dos trabalhadores independentes...”, visto que regularização da situação contributiva, como se viu, tinha ocorrido logo de seguida ao pedido de reforma por velhice, e dentro do prazo fixado na lei.
XXXIX - O A., logo que terminou de proceder conforme lhe foi dito pela Ré, ou seja, requerer a pensão e o acordo de pagamento de prestações que deveriam ser integralmente pagas nos termos por ela definidos, apresentou-se a requerer novo cálculo das prestações, as quais deveriam incidir sobre a totalidade dos seus descontos, e ser pagas desde a data do pedido da pensão, o que é tão claro como isto, e tal como foi instruído pela Ré.
XL - Pelo exposto, e desde logo em respeito pelo princípio da legalidade, bem como das legítimas expetativas criadas, e pelo enorme e brutal sacrifício feito pelo cidadão, tudo isto demanda, também, pelo menos, sinalagmaticidade.
XLI - Nesta conformidade, teria que proceder a presente ação por, perante a lei e a informação prestada pelos serviços da Ré, nas datas relevantes, se encontrar desde sempre regularizada a situação contributiva, e paga qualquer dívida que haja sido comunicada pela Segurança Social.
XLII - Por último, acresce que, pagas todas as contribuições, e não sendo alguma delas considerada para efeitos de atribuição de pensão, além de ilegal e inconstitucional, bem como imoral, s.m.o., também corresponderia um clamoroso e incompreensível enriquecimento sem qualquer causa justificativa.
XLIII - Quanto à douta Sentença, nos factos dados provados, considerando os fundamentos invocados, deveria ter ficado a constar também, como provados, os vertidos nos pontos 4°, 5°, 6°, 7°, 14°, 15°, 16°, da petição inicial.
XLIV - Desde logo, atendendo a que na única fundamentação referida consta que “...Os factos dados como assentes supra tiveram por base os documentos constantes dos autos, do processo administrativo inserido no SITAF e do PEF (processo de execução fiscal) remetido pelo IGFSS, que aqui se dão por integralmente reproduzidos...”.
XLV - E, caso alguns deles se mostrassem controvertidos, bem como ainda relativamente aos demais pontos da pá. (e.g.: 18º e ss.), deveria ter sido produzida a prova requerida, o que não foi feito.
XLVI - Por outro lado, analisada a douta Sentença, e salvo o devido respeito e melhor entendimento, verifica-se que os fundamentos revelam oposição com a decisão ou, pelo menos, dúvidas tais que a tornam ininteligível.
XLVII - Desde logo, as normas aí invocadas, confirmam a tese do Recorrente, e o douto Acórdão invocado, além de ter que ver com um regime especial, também não contraria a tese do A., mesmo que a questão fundamental não tenha qualquer relação com estes autos (tal com aquele que havia sido indicado pela R.), bastando, para o efeito, transcrever parte do seu sumário para se ver que se reporta a compensação: “...V- E não vale a pena alegar que, nos termos do art° 220° do Código Contributivo, no caso da eventualidade de velhice, a regularização da situação contributiva pode ser efectuada por compensação com o valor das prestações a que venha a ter direito; V. 1-é que o disposto no art° 220° do CC só se aplica aos trabalhadores independentes, nas eventualidades de invalidez e velhice, se já lhes tiver sido atribuída uma prestação (aqui de reforma) e estiverem numa situação de incumprimento para com a Segurança Social; V. 2-nesse contexto, tendo sido atribuída uma prestação e estando o trabalhador independente em incumprimento para com a SS (basta pensar no caso de estar já reformado mas continuar a trabalhar e, por isso, continuar obrigado a contribuir para aquela instituição), é que será possível operar a aventada compensação.” (sublinhado nosso).
XLVIII - S.m.o., parece claro que se reporta unicamente à compensação de dívidas com prestações a que tenha direito, numa situação em que o aí Requerente solicitou à CPAS a atribuição da pensão de reforma, o que lhe foi recusado, com fundamento no facto de se encontrarem contribuições em dívida.
XLIX - Pelo que, s.m.o, não se compreende a conclusão vertida na douta Sentença quando se diz que “...Daqui pode retirar-se com interesse, que na situação do Autor, estando em causa regularização de contribuições como trabalhador independente e tendo já sido atribuída pensão de velhice, é-lhe aplicável o regime do artigo 220° da Lei 110/2009...”.
L - Do mesmo modo, não se compreende que na douta Sentença se refira que “...é incontestável que, em 2016, após a extinção do processo executivo, por pagamento integral a dívida relativa a contribuições, enquanto trabalhador independente, o Réu tivesse que efetuar acertos entre os valores que pagou e que teria, agora, a pagar. Não se afigurando, assim, ilegal, o recálculo de atrasados que em vez de pagar a integralidade dos mesmos, procedeu ao seu acerto...”, visto que nunca foi colocado em causa o “ato” de proceder a novo cálculo, mas apenas que esse cálculo não levasse em consideração toda a carreira contributiva, mas apenas a partir do momento em que concluiu os pagamentos acordados, ou seja, a partir do momento em que deixou de existir razão para a dita suspensão.
LI - À data do pedido de reforma, foi calculada a pensão de acordo com os dados disponíveis à data (carreira contributiva nesse momento), mas, a partir do momento em que finalizou os pagamentos, o novo cálculo deve considerar toda a carreira contributiva, não só por existirem outros elementos para um novo cálculo, mas também por ter cessado a causa de suspensão (que não se confunde com a perda do direito), pois, caso contrário, não se compreenderia a razão de pagar anos que não seriam levados em consideração.
LII - Acresce que, s.m.o., visto desta forma, a verdadeira questão não foi analisada e decidida, ou seja, o Tribunal a quo não se pronunciou sobre a questão que lhe foi colocada.
LIII - Tudo com as legais consequências, designadamente as próprias das nulidades previstas nas alíneas c) e d), do n.° 1, do artigo 615°, do CPC.
LIV - Pelo exposto, e sem prejuízo do demais invocado e requerido, deverá ser considerado procedente o presente recurso, revogando-se a douta Sentença e substituindo-se por outra que dê integral provimento à ação, sob pena de violação das normas suprarreferidas, incluindo as de natureza constitucional.

Termos em que, e sem prejuízo do demais invocado e requerido, deverá ser considerado procedente o presente recurso, revogando-se a douta Sentença e substituindo-se por outra que dê integral provimento à ação, sob pena de violação das normas suprarreferidas, incluindo as de natureza constitucional.
Não foram juntas contra-alegações.

O Senhor Procurador Geral Adjunto notificado, nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.

Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO

Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:

1. Na sequência de requerimento para o efeito, ao Autor foi atribuída pensão por velhice em 30.11.2011, com o valor mensal de 303,23€ - cfr. doc. 1 junto com a petição inicial e fls. 11 e seguintes do PA em suporte digital;

2. Em 05.01.2012, o Autor pediu o pagamento em prestações da dívida, por contribuições de trabalhador independente, no processo de execução fiscal n.º ...22 - cfr. doc. 11 junto a 30.09.2021;

3. Na mesma data, foi autorizado o pagamento em 120 prestações, com início em fevereiro de 2012, da quantia de 11.673,31€ - cfr. doc. 12 junto a 30.09.2021;


4. Ainda na mesma data, foi emitida declaração de situação contributiva regularizada do Autor, pelos serviços do Réu - cfr. doc. 10 junto a 30.09.2021;

5. Em 23.11.2016 e 09.12.2016, foram emitidos documentos únicos de cobrança em nome do Autor, no âmbito de processo de execução fiscal, no valor de 6.815,40€ e 1,37€ respetivamente - cfr. docs. 7 e 8 juntos com a petição inicial;

6. Em 30.11.2016 e 13.12.2016, o Autor procedeu ao pagamento dos DUC referidos no ponto anterior - cfr. docs. 7 e 8 juntos com a petição inicial;

7. Em 16.12.2016 foi extinto o processo de execução fiscal, por pagamento voluntário - cfr. fls. 12 do PEF junto aos autos;

8. Em 30.12.2016, o Autor efetuou pedido de revisão do cálculo da sua pensão de velhice, por ter pago as contribuições em falta - cfr. doc. 9 junto com a petição inicial;

9. Por carta datada de 31.01.2018, foi-lhe comunicado o novo cálculo da pensão atribuída, no valor de 389,34€, e que haveria o valor de 33.458,04€, a título de atrasados, que iria ser regularizado posteriormente - cfr. doc. 2 junto com a petição inicial;

10. Por carta datada de 06.02.2018 foi informado que iria receber a quantia de 1.378,98€, relativa a pensões, do período de 2016.12.01 a 2018.02.28 - cfr. doc. 3 junto com a petição inicial;


11. Com vista ao recebimento dos valores em falta, o Autor tem contactado os Serviços do Centro Distrital de ... da Segurança Social, bem como o Centro Nacional de Pensões - cfr. docs. 5 e 6 juntos com a petição inicial;

12. A petição inicial que motiva os presentes autos deu entrada neste Tribunal em 17.11.2020 - cfr. registo SITAF;

13. Em 23.08.2021, foi remetida mensagem de correio eletrónico ao Autor, com o seguinte teor - cfr. doc. 13 junto em 30.09.2021:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

DE DIREITO
É entendimento pacífico na doutrina e jurisprudência, com consagração nos artigos 635.º, n.º(s) 4 e 5, 639.º, n.º(s) 1 e 2 e artigos 1.º, 140.º, n.º 3 e 146.º, n.º 4 do CPTA que o objeto do recurso se encontra delimitado pelas conclusões extraídas da motivação, pelo respetivo recorrente, o que se traduz no impedimento do tribunal ad quem de conhecer de matéria que aí não tiver sido invocada, exceto as situações de conhecimento oficioso, seja de mérito ou de natureza adjetiva.
Assim,
Da nulidade da sentença -
Segundo o artigo 615º do NCPC (artigo 668º CPC 1961), ex vi artigo 1º do CPTA, sob a epígrafe “Causas de nulidade da sentença”,
1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
2 -…. .
3 -….. .
4 - As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.
Nos termos das alíneas b) e c) só ocorre nulidade quando falte a fundamentação (de facto/de direito devidamente especificada) ou quando a fundamentação da decisão aponta num sentido e a decisão em si siga caminho oposto, ou seja, as situações em que os fundamentos indicados pelo juiz deveriam conduzir logicamente a um resultado oposto ao que se contém na sentença ou agora, também quando a decisão seja ininteligível por alguma ambiguidade.

Dos incontáveis arestos dos tribunais superiores que reiteram a mesma doutrina jurisprudencial nesta matéria, retemos o Acórdão do Pleno da Secção do CA do Supremo Tribunal Administrativo, de 15/11/2012, proc. 0450/09, que sumariou: “(…) II - A estrutura da sentença está concebida no artº 659º do CPC, devendo a mesma começar por identificar as partes, o objecto do litígio (fixando as questões que que ao tribunal cumpre solucionar), os fundamentos (de facto e de direito) e concluindo com a decisão. Delineada a estrutura deste acto jurisdicional (por excelência), o desvio ao figurino gizado pelo legislador ocasiona uma patologia na formação e estruturação da decisão susceptível de a inquinar de nulidade (artº 668º nº 1 do CPC).

III - Um dos elementos estruturantes da sentença é a fundamentação. Esta tem duas funções: uma função endoprocessual e uma função extraprocessual. A função endoprocessual é aquela que desenvolve a motivação da sentença, entendido como requisito técnico da pronúncia jurisdicional, no interior do processo; a função extraprocessual da motivação está ligada com a natureza garantista da absoluta generalidade e na consequente impossibilidade de a entender como derrogável ad libitum pelo legislador ordinário (e muito menos como derrogável ad libitum pelo juiz ou pelas partes.

IV - A nulidade da sentença por falta de fundamentação só ocorre quando haja ausência absoluta de motivação, ou seja, total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que a decisão assenta. (…)”.

Já a nulidade da alínea c) pressupõe um vício real no raciocínio expresso na decisão, consubstanciado na circunstância de a fundamentação explicitada na mesma apontar num determinado sentido, e, por seu turno, a decisão que foi proferida seguir caminho oposto, ou, pelo menos, diferente, ou ainda não ser perceptível face à fundamentação invocada. Isto é, a fundamentação adoptada conduz logicamente a determinada conclusão e, a final, o juiz extrai outra, oposta ou divergente (de sentido contrário).
Não se confunde com o erro de julgamento, seja quanto à apreciação dos factos feita pelas instâncias, seja quanto às consequências jurídicas deles extraídas, por inadequada ter sido a sua subsunção à regra ou regras de direito pertinentes à situação concreta a julgar.
Trata-se, pois, de uma irregularidade lógico-formal e não lógico-jurídica.
Só releva, para este efeito, a contradição entre a decisão e os respectivos fundamentos e não eventuais contradições entre fundamentos de uma mesma decisão, por um lado, ou contradição entre decisões, fundamentadas ou não, por outro.
Ao não existir qualquer contradição lógica, não se verifica esta nulidade, porquanto ela reporta-se ao plano interno da sentença, a um vício lógico na construção da decisão, que só existirá se entre esta e os seus motivos houver falta de congruência, em termos tais, que os fundamentos invocados pelo tribunal devessem, naturalmente, conduzir a resultado oposto ao que chegou.
E a omissão de pronúncia está relacionada com o dever que o nº 1 do artº 95º do CPTA impõe ao juiz de decidir todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas, salvo quando a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Nestes termos, a nulidade da decisão por omissão de pronúncia verificar-se-á quando exista (apenas quando exista) uma omissão dos deveres de cognição do tribunal, o que sucederá quando o juiz não tenha resolvido todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e cuja decisão não esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Este vício relaciona-se com o comando ínsito na 1ª parte do n.º 2 do artigo 608.º do CPC, segundo o qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, e não todos e cada um dos argumentos/fundamentos apresentados pelas partes, e excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras - cfr. Alberto Reis, Código de Processo Civil anotado, vol. V, Coimbra 1984 (reimpressão) e os Acórdãos do STA de 03/07/2007, proc. 043/07, de 11/9/2007, proc. 059/07, de 10/09/2008, proc. 0812/07, de 28/10/2009, proc. 098/09 e de 17/03/2010, proc. 0964/09, entre tantos outros.

Questões, para este efeito, são, pois, as pretensões processuais formuladas pelas partes no processo que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os específicos de qualquer ato (processual), quando realmente debatidos entre as partes - v. Antunes Varela in RLJ, Ano 122.º, pág. 112 e Teixeira de Sousa in “Estudos sobre o novo Processo Civil”, Lex, Lx 1997, págs. 220/221.

Por seu turno, a nulidade por excesso de pronúncia verifica-se quando na decisão se conhece de questão que não foi suscitada por qualquer uma das partes, nem pelo Ministério Público, e não é do conhecimento oficioso.

É a violação do dever de não conhecer questões não suscitadas pelas partes, em razão do princípio do dispositivo alicerçado na liberdade e autonomia das partes, que torna nula a sentença, por excesso de pronúncia.

Na jurisprudência, sobre esta temática, vide, entre outros, os Acórdãos deste TCAN, de 30/03/2006, proc. 00676/00 - Porto, de 23/04/2009, proc. 01892/06.5BEPRT-A e de 13/01/2011, proc. 01885/10.8BEPRT, dos quais retiramos as seguintes coordenadas:

Ocorre excesso de pronúncia quando o Tribunal conhece de questões de que não pode tomar conhecimento por utilizar um fundamento que excede a causa de pedir vazada na petição, ou por extravasar o elenco legal do conhecimento ex officio ou, ainda, por conhecer de pedido quantitativa ou qualitativamente distinto do formulado pela parte, isto é, conhece em quantidade superior ou objecto diverso do pedido.

A delimitação do âmbito sancionatório da alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC exige que se distinga entre questões e fundamentos, dado que, se a lei sanciona com a nulidade o conhecimento de nova questão (porque não suscitada nem de conhecimento oficioso), ou a omissão de conhecimento de questão suscitada (ou de conhecimento oficioso), já não proíbe que o julgador decida o mérito da causa, ou questões parcelares nela suscitadas, baseando-se em fundamentos jurídicos novos;

Questões, para esse efeito sancionatório, repete-se, serão todas as pretensões formuladas pelas partes no processo, que requeiram a decisão do tribunal, bem como os pressupostos processuais de ordem geral, e os específicos de qualquer acto especial, quando debatidos entre elas.

Efectivamente, como corolário do princípio da disponibilidade objectiva (arts. 264.º, n.º 1 e 664.º 2.ª parte), a decisão é nula quando o tribunal conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (art. 668.º, n.º 1, al. d) 2.ª parte), ou seja, quando a decisão esteja viciada por excesso de pronúncia. Verifica-se este excesso sempre que o tribunal utiliza, como fundamento da decisão, matéria não alegada ou condena ou absolve num pedido não formulado, bem como quando conhece de matéria alegada ou pedido formulado em condições em que está impedido de o fazer.

Assim, somente haverá nulidade da decisão, por excesso de pronúncia, quando o juiz tiver conhecido de questões que as partes não submeteram à sua apreciação, de que não pudesse conhecer, exceto se forem de conhecimento oficioso.

Retomando o caso posto não se vislumbra que o aresto sob escrutínio padeça de qualquer nulidade.
O Tribunal a quo pronunciou-se sobre a questão que lhe foi colocada.
Por outro lado, a nulidade da decisão judicial por oposição dos fundamentos com o decidido, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artº 615.º CPC, é um vício que afecta a estrutura lógica da decisão, por contradição entre as suas premissas, de facto e de direito, e a conclusão, motivo por que não lhe são subsumíveis meras discordâncias do recorrente com que o foi decidido - Acórdão do STA de 29/9/2022 no proc. 0128/20.0BALSB.
In casu, não ocorre a falada nulidade da sentença, porquanto esta é coerente entre os fundamentos e a decisão.
Todavia padece de erro de julgamento quanto à questão a apreciar/apreciada.
Vejamos,

Já se disse que a sentença julgou improcedente a ação, absolvendo o Réu do pedido.
Enquadrando a situação em apreço, cumpre recordar que o Autor peticionou na ação a condenação à prática do ato devido, atinente ao “Pagamento de atrasados de pensão”, que não foram satisfeitos até à presente data.
De facto, dos documentos juntos com a p.i., verifica-se que o Réu se limitou a calcular a pensão do Autor e, subsequentemente, a recalcular essa mesma pensão e alguns “atrasados”.
Sucede que ainda não procedeu ao pagamento dos valores em falta.
Na p.i. foi exposto que:
-Ao beneficiário em questão, ora autor, foi atribuída pensão por velhice em 30-11-2011, com o valor mensal de € 303,23 (trezentos e três euros e vinte e três cêntimos) (Doc. 1 que aqui se dá integralmente por reproduzido para todos os devidos e legais efeitos);
-Por carta datada de 31-01-2018 foi-lhe comunicado o novo cálculo da pensão atribuída, no valor de € 389,34 (trezentos e oitenta e nove euros e trinta e quatro cêntimos) (Doc. 2 que se considera aqui integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos);
-Por carta datada de 06-02-2018 foi informado que iria receber a quantia de “...€ 1 378,98, relativa a PENSÕES do período de 2016-12-01 a 2018-02-28...” (Doc. 3 que se considera aqui integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos).
Ora, conforme se pode aferir pela tabela em anexo (Doc. 4) - e que aqui se reproduz -, o valor a receber pelo Beneficiário deveria ser de €6.676,30 (seis mil seiscentos e setenta e seis euros e trinta cêntimos) (Doc. 4 que se considera aqui integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos):
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
-Deduzindo o valor de €1.378,98 ao montante indicado de €6.676,30 permanece em falta a soma de €5.297,32 (cinco mil duzentos e noventa e sete euros e trinta e dois cêntimos).
Aliás, conforme se pode verificar pelo confronto entre a segunda página do documento 1 e a segunda página do documento 2 (“n.º total anos para Taxa de Formação da Pensão”), o Autor passou de 26 anos para 31 anos de descontos, sendo que, conforme consta na página 1 do documento 1, a sua pensão teve início em 30-11-2011, pelo que o “Pagamento de atrasados de pensão”, conforme documento 3 (cfr. campo “Assunto:”), é devido desde essa data (30-11-2011) e pelo valor da pensão recalculada, conforme atestado pela própria entidade na página 4, do documento 2 (cfr. Doc. 2, página 4, quadro “Cálculo dos Atrasados”, coluna “Valor Devido” e valores “Mensal”).
Como o Recorrente bem alega, o que está em causa não é o ato de “cálculo” (à data do pedido de pensão) ou o ato de “novo cálculo” (após cumprimento do acordo de pagamento), até porque foi o Recorrente quem os pediu.
O que está em causa é que:
-apesar de todos os valores que foram invocados pelo Autor constarem dos próprios cálculos da entidade Ré;
-apesar da situação do Autor estar regularizada, dentro do prazo, conforme resulta da certidão emitida pela entidade, apesar de o Autor ter cumprido todo o plano de pagamentos e apesar de apenas ter ocorrido suspensão das prestações (enquanto decorria o referido pagamento), aquele quantitativo ainda se encontrar em dívida.
Com efeito, a única razão do Réu para o não pagamento estriba-se exclusivamente na alegação de o Autor não ter, à data, a sua situação contributiva regularizada.
Contudo, foi esclarecido nestes autos que o Autor tinha e tem a sua situação contributiva regularizada, mormente desde a data do seu pedido de atribuição de pensão, o que se encontra comprovado, inclusive mediante documentos emitidos pelo próprio Réu - consta na própria página da instituição, disponível em “https://www.seg-social.pt/declaracao-da-situacao-contributiva”, a definição de “situação contributiva regularizada”:
Ora, a situação contributiva está regularizada quando:
· Não existem dívidas de contribuições, quotizações e juros de mora e de outros valores devidos pelos contribuintes para com a Segurança Social;
· Se existirem dívidas, foi autorizado pagamento em prestações, enquanto estiverem a ser cumpridas as condições da autorização;
· Existindo dívidas, o contribuinte tenha reclamado, recorrido, apresentado oposição ou impugnado judicialmente a dívida, desde que tenha sido prestada garantia para o efeito...”.
Sendo o próprio Réu que, de forma clara, aí afirma publicamente que a situação contributiva está regularizada ao dizer que “...A situação contributiva está regularizada quando: (...) Se existirem dívidas, foi autorizado pagamento em prestações, enquanto estiverem a ser cumpridas as condições da autorização...”, tal facto não pode deixar de ser atendido.
Conforme alegado, é o próprio Réu que o atesta por via documental e divulga nas informações que presta pessoalmente e disponibiliza publicamente.
Conforme também invocado, os contribuintes têm de confiar nas informações, declarações e certidões da Segurança Social.
Um dos corolários do princípio da boa-fé consiste no princípio da proteção da confiança legítima, incorporando a boa-fé o valor ético da confiança.
A exigência da proteção da confiança é também uma decorrência do princípio da segurança jurídica, imanente ao princípio do Estado de Direito.
A proteção da confiança pressupõe uma previsibilidade mínima com a qual os cidadãos devem poder contar.
Quanto ao princípio da boa fé, tem sido doutrinalmente entendido que:
O princípio da boa fé na esfera administrativa equivale a uma espécie de válvula de escape do sistema, já que constitui uma ferramenta eficiente para a sustentação normativa de qualquer atividade administrativa que se venha a manifestar contrária ao que está determinado em outras normas. Detém, nesse sentido, qualificação e força para estipular eventuais limites normativos à atuação administrativa de cunho discricionário.
Os princípios da boa fé e da confiança respeitam à necessidade de se ponderarem os valores fundamentais de direito, pertinentes no caso concreto, em função designadamente da confiança suscitada na contraparte por determinada actuação e do objectivo a alcançar - cfr. Diogo Freitas do Amaral - Curso de Direito Administrativo, Vol. II, Almedina, 2009, págs. 133 a 138; Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos - Direito Administrativo Geral, Tomo I, 3.ª ed., Dom Quixote, 2008, págs. 220 a 225.
Conforme jurisprudência dos tribunais superiores, para que exista violação dos princípios da boa fé e da confiança é necessário que tenham sido criadas expectativas no particular minimamente sólidas, censurando-se os comportamentos que sejam desleais e incorrectos, bem como as afectações inadmissíveis, arbitrárias ou excessivamente onerosas - cfr. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 160/00, de 22/03/2000, n.º 109/02, de 05/03/2002, n.º 128/02, de 14/03/2002 e do STA de 11/09/2008, Proc. 0112/07 e de 13/11/2008, Proc. 073/08.
Ainda na definição que nos é dada pelo Prof. Freitas do Amaral, a justiça é “o conjunto de valores que impõem ao Estado e a todos os cidadãos a obrigação de dar a cada um o que lhe é devido em função da dignidade da pessoa humana” (ob. cit. págs. 130 e 131).
Acresce que “o princípio fundamental consagrado no artigo 266.º, n.º 2, da CRP é o princípio da justiça, sendo que os princípios da igualdade, da proporcionalidade e da boa fé são subprincípios que se integram no princípio da justiça” (autor e obra cit., pág. 134).
Assim, o artigo 6.º-A, do CPA, (actual artº 10º) veio acolher expressamente o princípio da boa fé, no direito administrativo, dispondo que «No exercício da actividade administrativa, e em todas as suas formas e fases, a Administração e os particulares devem agir e relacionar-se segundo as regas da boa fé» (v. o seu nº 1).
Por outro lado, o respeito pela boa fé realiza-se através da ponderação dos “(...) valores fundamentais do direito, relevantes em face das situações consideradas e, em especial: a) da confiança suscitada na contraparte pela actuação em causa; b) do objectivo a alcançar com a actuação empreendida” (v. o seu n.º 2).
Ora, uma das mais importantes concretizações da boa fé, a que alude a alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º-A, é o princípio da protecção da confiança, que se traduz numa regra ético-jurídica fundamental, já que impõe que sejam asseguradas as “legítimas expectativas” criadas aos cidadãos, baseadas na conduta de outrem.
Destarte se protegem os particulares, relativamente aos comportamentos administrativos que objectivamente inculquem uma crença na sua efectivação.
Sucede que o Autor, antes de requerer a sua pensão, preocupou-se em garantir a regularidade da sua situação contributiva, nos exatos termos e condições que lhe foram exigidas e permitidas, fazendo o seu pagamento (já acima descrito), cumprindo, assim, com dever de cuidado e de boa administração que pudesse ser exigível, designadamente de modo a não colocar em causa o cumprimento das responsabilidades contributivas e toda a demais decorrência daí adveniente, com as correspondentes e legítimas expectativas e garantias.
Não se afigura, pois, razoável imputar ao Autor qualquer tipo de responsabilidade.
De sublinhar que o Recorrido nem sequer contra-alegou.
Conforme já se referiu, invoca o Réu que o Autor não tem direito às quantias que reclama porque “...apenas liquidou as contribuições como trabalhador independente em 30 de novembro de 2016, ou seja, em data posterior à data início da pensão de velhice, que ocorreu em 30 de novembro 2011 e dos três meses subsequente a esta....” (cfr. ponto 27º da contestação).
Sucede que não se pode ignorar o acordo de pagamento firmado entre o Autor e o Réu, ademais só aqui tido como violado.
Foi o Réu que emitiu a declaração de situação contributiva regularizada, aquando desse acordo em 5 de janeiro de 2012.
Estatui o artigo 208º da Lei n.º 110/2009, de 16 de setembro, na sua versão originária, que “...Integram, ainda, o conceito de situação contributiva regularizada: a) As situações de dívida, cujo pagamento em prestações tenha sido autorizado e enquanto estiverem a ser cumpridas as condições dessa autorização, ainda que o pagamento prestacional tenha sido autorizado a terceiro ou a responsável subsidiário;...”. Ou na sua redação atual, em vigor desde 01-01-2015:
“2 - Integram, ainda, o conceito de situação contributiva regularizada: a) As situações de dívida, cujo pagamento em prestações tenha sido autorizado e enquanto estiverem a ser cumpridas as condições desta autorização, designadamente o pagamento da primeira prestação e a constituição de garantias, quando aplicável, ainda que o pagamento prestacional tenha sido autorizado a terceiro ou a responsável subsidiário...”.
Em suma,
Inexiste qualquer dívida nos termos e com os efeitos invocados pelo Réu, mormente qualquer irregularidade da situação contributiva do Autor ou a violação de qualquer prazo;
Inexistindo também qualquer suspensão dos pagamentos devidos;
Em obediência ao princípio da legalidade, bem como ao respeito pelas legítimas expetativas criadas ao cidadão, atendendo a que o Autor requereu a sua pensão de velhice em 30-11-2011 e existe um acordo de pagamento entre o Réu e o Autor, nos termos legais, a situação contributiva estava, e está, totalmente regularizada, razão porque a primeira emitiu documento atestando que a respetiva situação contributiva estava regularizada para todos os devidos e legais efeitos, incluindo os pretendidos pelo Autor;
E, assim sendo, o Réu deveria ter procedido ao apuramento do cálculo da pensão, mediante verificação das condições de acesso, atribuição e pagamento da mesma, aliás preenchidas como se viu, nomeadamente idade e prazo de garantia, sendo aferido à data de início de pensão;
E, ao proceder ao novo cálculo da pensão, com vista ao apuramento do valor atual da pensão, face aos novos elementos, também deveria ter calculado os montantes desde o início da pensão, ou seja, retroagindo à data do início da pensão;
De facto, e de direito, a situação do Autor não se subsume ao nº 3, do artigo 219º, da Lei n.º 110/2009, de 16 de setembro (Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social), mas antes ao n.º 1, do mesmo preceito, aliás sob a epígrafe “Efeitos da regularização da situação contributiva dos trabalhadores independentes...”, visto que a regularização da situação contributiva, repete-se, tinha ocorrido logo de seguida ao pedido de reforma por velhice, e dentro do prazo fixado na lei;
O Autor apresentou-se em devido tempo a requerer novo cálculo das prestações, as quais deveriam incidir sobre a totalidade dos seus descontos, e ser pagas desde a data do pedido da pensão;
Impõe-se, pois, a procedência do ponto 1) do petitório da ação sem necessidade de se bulir no probatório.
Da indemnização por danos não patrimoniais -
Além do pedido já analisado, o Autor pretende ainda a condenação da Entidade Demandada no pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais, que computa em € 15000,00, acrescida de juros, até efetivo e integral pagamento.
Com efeito, em matéria de danos não patrimoniais o princípio geral é o que encontra consagração no art.º 496.º, n.º 1, do Código Civil, no qual se diz que na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, sendo certo que, nos termos do n.º 4 do mesmo artigo, o montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal.
Ora, atendendo ao não pagamento pela Entidade/Ré, que foi protelando no tempo, sem qualquer resposta ou solução, assim frustrando as legítimas expectativas do Autor, temos como notório o desgaste sofrido, com reflexos óbvios na saúde; o Autor, como invocado, pretendia única e exclusivamente um direito que lhe assiste na plenitude.
Como é fácil perceber e concluir, tais factos têm virtualidade para provocar no Autor sofrimento, dor e ansiedade.
Como também é sabido, no âmbito dos danos não patrimoniais/morais, estamos num campo muito subjectivo e que contende com a sensibilidade de cada um.
Temos para nós que estes danos de natureza não patrimonial têm de ser ressarcidos, merecendo tutela jurídica.
Quanto ao valor, como se afirmou, este é fixado equitativamente pelo tribunal. O Autor computou a indemnização em € 15000,00, montante que se tem por exagerado. Ou seja, se por um lado a situação justifica que o Direito intervenha, por outro os transtornos/danos detetados, apesar de relevantes, são escassos na sua quantidade. Além do mais, o n.º 4 do art.º 496.º do Código Civil manda ter em conta as circunstâncias referidas no art.º 494.º do mesmo código, isto é, deve atender-se ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica deste e do lesado e às demais circunstâncias do caso.
Na formulação do juízo equitativo não há, evidentemente, parâmetros únicos que devam ser considerados. Mister é que se elejam elementos de base que sirvam de aferição da razoabilidade do juízo.
Com todas as dificuldades inerentes a tal quantificação - dada a subjectividade inerente - entende-se como adequado computar em €3.000,00 a compensação do Autor pelos danos não patrimoniais que sofreu.
Da sanção pecuniária compulsória -
A este título, reclama o Recorrente que deve a Ré/Recorrida ser condenada no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória de €50,00 (cinquenta euros) por cada dia de atraso na emissão de decisão e pagamento do valor em atraso (€ 5 297,32); bem como no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória de € 100,00 (cem euros) por cada dia de atraso após trânsito em julgado da sentença pelo não cumprimento de todos os pedidos aqui vertidos.
Não vemos que assim seja.
Em primeiro lugar não podemos esquecer ou ignorar que a imposição, fixação e liquidação do montante de uma sanção pecuniária compulsória é da competência do juiz, devendo este atender a critérios de razoabilidade (169.º/2 do CPTA).
O artigo 169.º do CPTA, que tem por epígrafe “Sanção pecuniária compulsória”, dispõe o seguinte:
1 - A imposição de sanção pecuniária compulsória consiste na condenação dos titulares dos órgãos incumbidos da execução, que para o efeito devem ser individualmente identificados, ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso que, para além do prazo limite estabelecido, se possa vir a verificar na execução da sentença.
2 - A sanção pecuniária compulsória prevista no n.º 1 é fixada segundo critérios de razoabilidade, podendo o seu montante diário oscilar entre 5/prct. e 10/prct. do salário mínimo nacional mais elevado em vigor no momento.
A imposição, fixação e liquidação do montante de uma sanção pecuniária compulsória é, pois, da competência do juiz, que deve atender a critérios de razoabilidade (169.º/2 do CPTA).
Como ensinam Mário Aroso de almeida e Carlos Cadilha (Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4.ª ed., reimpressão, julho de 2018, Almedina, p. 880), o poder de aplicar sanções compulsórias só opera quando haja um primeiro incumprimento … sem justificação aceitável. A medida compulsória não poderá ser aplicada sem uma prévia averiguação, destinada a determinar se o incumprimento é ou não desculpável, assim se compreendendo a inclusão, no preceito, do inciso «sem justificação aceitável».
A sanção pecuniária compulsória não é um fim em si mesmo: a sua utilização visa obter a realização de uma prestação, judicialmente reconhecida, a que o credor tem direito, constituindo, apenas, uma forma de proteção do credor contra o devedor relapso e um reforço da tutela específica do direito daquele à realização in natura da prestação que por esta lhe é devida. Insere-se, portanto, na sempre atual questão da efetividade da tutela específica a que o credor tem direito, da atuação desse princípio primário, natural e lógico, para toda a espécie de obrigações, que é o direito ao cumprimento (Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 4ª ed., pág. 355).
Este mesmo autor acrescenta que “Pronunciada pelo juiz como condenação acessória da condenação principal do devedor no cumprimento da prestação que deve, visando exercer pressão sobre a sua vontade e determiná-lo a cumprir, a sanção pecuniária compulsória analisa-se numa medida coercitiva, de carácter patrimonial, seguida de sanção pecuniária na hipótese de a condenação principal não ser obedecida e cumprida…, ordenada pelo juiz, para a hipótese de ele não obedecer à condenação…” (págs. 393 e ss.).
In casu, não foram aduzidos factos culposos que evidenciem a vontade e a consciência por parte da Entidade Demandada em ter permitido ou mesmo promovido a demora na solução do caso.
Assim, não se encontra alicerce legal no segmento que se prende com a condenação/imposição duma sanção pecuniária compulsória.
Logo, não se justifica a aplicação de tal medida.

DECISÃO
Termos em que se concede parcial provimento ao recurso, e, em consequência:
a)Revoga-se a sentença no que tange ao 1º pedido, condenando-se a Entidade Ré à prática do ato devido, designadamente no deferimento e pagamento dos valores em falta, a favor do Autor, conforme supra exposto, nomeadamente da quantia de € 5 297,32 (cinco mil duzentos e noventa e sete euros e trinta e dois cêntimos), acrescida de juros vencidos até 17-11-2020, no valor de € 571,82 (quinhentos e setenta e um euros e oitenta e dois cêntimos), bem como de juros vincendos até efetivo e integral pagamento;
b)Condena-se a Entidade Ré no pagamento, a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos, no quantitativo de €3.000,00 (três mil Euros);
c)Absolve-se a Entidade Ré do pedido de fixação de sanção pecuniária compulsória.
Custas da acção pelo Autor e pela Entidade Ré, na proporção do decaimento e, nesta instância, sem custas, atenta a ausência de contra-alegações e, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia o Autor.
Notifique e DN.

Porto, 04/7/2025

Fernanda Brandão
Rogério Martins
Paulo Ferreira de Magalhães