Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte -Subsecção Social-:
RELATÓRIO
«AA», residente na Rua ..., ..., ..., ..., instaurou ação executiva contra a UNIVERSIDADE ..., com sede no ..., Rua ..., pedindo que seja julgado procedente o requerimento executivo e, em consequência, que sejam especificados os atos e operações em que consiste a integral execução do aresto anulatório proferido no processo n.º 231/15.9BECBR, fixando-se um prazo para esse efeito e estipulando-se uma sanção pecuniária compulsória destinada a prevenir um novo incumprimento do dever de executar por parte da Executada.
Por sentença proferida pelo TAF de Coimbra foi julgada improcedente a ação executiva e absolvida a Executada dos pedidos.
Desta vem interposto recurso.
Alegando, o Exequente formulou as seguintes conclusões:
1.ª O presente recurso jurisdicional foi interposto contra a infeliz sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra em 16 de Abril de 2023, que julgou improcedente a acção executiva de sentença anulatória por entender que o aresto exequendo estava integralmente executado com a simples renovação em 2023 do acto que em 2014 havia posto termo à relação de emprego do A. e que fora anulado judicialmente.
2ª Salvo o devido respeito, o aresto em recurso é um brilhante exemplo de como tudo se mantêm na mesma - como se não tivesse sido cometida qualquer ilegalidade -, não reconstituindo minimamente a situação que teria existido e deveria ter existido se em 2014 o acto anulado que pusera termo à relação de emprego não tivesse sido praticado e branqueando por completo a ilegalidade cometida pela UNIVERSIDADE ... - uma vez que quem cometeu a ilegalidade não sofre qualquer consequência e quem foi ilegalmente impedido de exercer a sua profissão e teve de recorrer à via judicial para tutelar os seus direitos ao exercício do trabalho e ao vencimento não vê por qualquer forma tutelados tais direitos, tudo se passando como se não tivesse vencido a acção e não tivesse sido anulado qualquer acto.
3ª Na verdade, é pacificamente aceite que a sentença anulatória de um acto administrativo produz efeitos constitutivos, - que implicam o desaparecimento do acto anulado desde o seu nascimento -, efeitos repristinatórios - que obrigam à reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido praticado o acto ilegal -, efeitos conformativos - que impedem que reincida no vício determinante da anulação - e efeitos ultraconstitutivos - que permite que o tribunal especifique os actos em que consiste a execução e declare a nulidade dos que sejam desconformes com o aresto anulatório (v., por todos, o Acº do STA de 30/1/2007, Proc. nº 040201ª e, ainda, VIEIRA DE ANDRADE , A Justiça Administrativa -Lições -, pág.226 e ss.).
4ª Para além disso, também é pacífico que o âmbito do dever legal de execução consagrado no nº 1 do artº 173º do CPTA implica que tudo se passe como se o acto impugnado nunca tivesse sido praticado, que se proceda à supressão dos efeitos entretanto produzidos por tal acto, de forma a que se reconstitua a situação que deveria ou poderia ter existido se tal acto não tivesse sido praticado e se extraia da anulação decretada todas as consequências jurídicas que ela comporta, designadamente para protecção da parte que venceu o recurso contencioso, e que a renovação do acto anulado expurgado das ilegalidades não tenha eficácia retroactiva (v. autores e jurisprudência citada no texto).
Ora,
5ª Ao considerar que o aresto anulatório estava integralmente executado com a renovação em 2023 do acto que em 2014 pusera fim ao vínculo de emprego por tempo indeterminado que o A. tinha como Professor Auxiliar, o aresto em recurso violou por completo o efeito constitutivo da sentença anulatória, perpetuando entre 2014 e 2023 os efeitos de um acto que foi banido da ordem jurídica desde o seu nascimento, como se tal acto fosse válido, devesse produzir os efeitos negativos que produziu e nunca tivesse sido anulado, o que é o mesmo que dizer que, de uma forma encapotada, o Tribunal a quo contornou os efeitos da sentença anulatória por ele mesmo proferida e permitiu que permanecessem ad eternum os efeitos de um acto que juridicamente nunca existiu.
6ª Na verdade, o efeito constitutivo da sentença anulatória impossibilita que a Administração e o Tribunal façam subsistir ou permitam que subsistam os efeitos produzidos pelo acto anulado, pelo que se o acto que determinou em 2014 a cessação do vínculo de emprego por tempo indeterminado do A. como Professor Auxiliar e o privou do exercício de funções e do respectivo vencimento foi anulado e desapareceu do mundo jurídico ab initio, muito naturalmente não poderia o Tribunal a quo manter tais efeitos negativos entre 2014 e 2023, sob pena de estar a esvaziar de sentido a anulação judicial e a manter em vigor um acto que juridicamente nunca existiu e que, como tal, não podia ter tido por efeito privar o A. do seu contrato, do exercício da sua profissão e do seu vencimento.
Por outro lado,
7ª O aresto em recurso atentou igualmente contra o efeito repristinatório da sentença anulatória e contra o o disposto no artº 173º do CPTA, seja por, ao contrário do que esta norma determina, não ter eliminado os efeitos que entretanto o acto anulado produzira entre 2014 e 2023 - e tais efeitos passaram pela cessação do contrato por tempo indeterminado e pela privação do exercício de funções e do respectivo vencimento -, seja por não ter reconstituído a situação que teria existido se aquele acto não tivesse sido praticado - uma vez que sem o acto de 2014 ter-se-ia mantido o contrato do A. por tempo indeterminado como Professor Auxiliar e este teria exercido as respectivas funções e auferido o correspondente vencimento até ao momento em que viesse a ser proferido novo acto a pôr termo ao contrato (o que só sucedeu em 2023).
8ª Refira-se, aliás, que a bondade do que sustenta o ora recorrente decorre até do que o douto TCASUL ainda recentemente decidiu num caso em tudo semelhante (em que estava em causa a anulação de um acto que privara o trabalhador do exercício das suas funções), onde deixou bem claro que “Assim sendo, não restam dúvidas de que o exequente, não estando licitamente aposentado desde 10-3-1999 até 10-7-2013, esteve livre e disponível para trabalhar; só não trabalhou por facto totalmente imputável à entidade executada, que o “aposentou” com base numa decisão ilegal e já anulada pelo tribunal.
Daí se deve retirar que o exequente não podia, no período em que esteve aposentado com base numa decisão anulada (de 10-3-1999 até 10-7-2013), estar a ser “remunerado” como se aposentado fosse. Devia estar a viver com o seu ordenado mensal normal.
Tinha direito a isso, segundo a ordem jurídica vigente. Só a conduta (ilegal) da executada causou tal situação anómala.
Assim, na execução do julgado anulatório, (i) além da possibilidade de emissão de um ato administrativo substitutivo/novo e lícito (repetindo eventualmente o conteúdo do ato anulado), a entidade ora executada (ii) tinha e tem o dever de, quanto ao período afetado pelo ato ilegal anulado, calcular e acertar todas as contas com o exequente, tendo presente, no deve e haver, os montantes que ele recebeu como aposentado e os montantes que ele receberia a trabalhar sem o ato administrativo anulado (ato anulado esse que o impediu de trabalhar) - vº Acº de 2/6/2016, Proc. nº n. 12417/15.
9ª Também AROSO DE ALMEIDA se pronuncia no mesmo sentido, ao referir que “O confronto é sobretudo nítido quanto à situação do funcionário contratado, cujo contrato foi rescindido por acto administrativo anulado contenciosamente e por isso readquire retroactivamente a sua vigência, com imposição a cada uma das partes do dever de cumprir as prestações devidas à outra. Idêntico regime deverá ver-se na relação de emprego fundada em nomeação, quando o acto que lhe pôs termo foi anulado ex tunc. Em todos os casos não há (ou pelo menos não há ainda) um dever de indemnizar por um acto jurídico de cessação do vínculo de emprego cuja anulação o declarou sem efeito desde a origem. Há, sim, aquele dever de prestar. Mantido, sem interrupção jurídica, esse vínculo entre a Administração e o funcionário, deve esta, entre outras obrigações, fazer a contagem do tempo de serviço e processar os vencimentos correspondentes, como o faria todas as vezes que, por qualquer motivo, ocorresse atraso em operações dessa ordem.” (cfr. Anulação de actos administrativos e relações emergentes, pág. 521).
Por outro lado,
10ª O aresto em recurso incorreu em flagrante e inadmissível erro de julgamento ao considerar que o acto que em 2023 determinou novamente a cessação do contrato de trabalho por não aprovação no período experimental produzia efeitos retroactivos a 2014, podendo-se dizer que ao assim decidir o Tribunal atentou contra o princípio da irretroactividade dos actos administrativos (consagrado no nº 1 do artº 156º do CPA), violou frontalmente o disposto nos artºs 156º/2 e 172º do CPA e no artº 173º do CPTA - que nunca permitem a atribuição de eficácia retroactiva quando por ela se causa uma lesão em direitos ou interesses legalmente protegidos do administrado - e nem sequer teve presente a jurisprudência que já se pronunciou sobre a matéria - e de acordo com a qual o novo acto proferido em 2023 nunca poderia ter eficácia retroactiva.
11ª Na verdade, não só o TCASUL já deixou bem claro que “... os eventuais novos actos de substituição repetitivos (lícitos) não têm efeito retroactivo...” (v. Acº do TCASUL de 2/6/2016, Proc. nº 12417/15), como o Pleno do STA já concluiu que era ilegal a atribuição de eficácia retroactiva ao acto que novamente (depois do que fora anulado) exonerava o funcionário por ter revelado inaptidão durante o período de nomeação provisória (que no regime anterior correspondia ao período experimental) - v. Acórdão de 3/10/89, Proc. nº 21600, in AD 324/1484.
12ª Para além disso, a alínea c) do nº 2 do artº 156º do CPA apenas permite que seja atribuída eficácia retroactiva a um acto quando tal seja necessário para que a Administração possa cumprir deveres ou encargos constituídos no passado e que só não foram cumpridos por força do acto ilegal anulado, não permitindo tal norma que a Administração atribua eficácia retroactiva a um acto para se libertar do cumprimento de deveres ou obrigações que teria de cumprir se não tivesse praticado um acto ilegal.
13ª Por fim, face ao disposto nos artºs 156º e 172º do CPA e no nº 2 do artº 173º do CPTA, nunca os actos de execução de sentença podem ter efeitos retroactivos se impuserem deveres ou lesarem direitos e interesse legalmente protegidos, pelo que, importando o novo acto proferido em 2023 a cessação da relação de emprego por tempo indeterminado constituída em 2009, muito naturalmente jamais poderia tal acto ter efeito retroactivos, justamente por traduzir uma lesão irremediável do direito ao trabalho e ao acesso à função pública, consagrados nos artºs 47º/2 e 53º da Constituição.
Acresce que,
14ª O aresto em recurso atentou também contra o efeito conformativo da sentença anulatória - que impede que reincida no vício que determinara a anulação judicial do anterior acto -, uma vez que uma simples leitura do texto do novo acto permite facilmente concluir que continua a não se referir qual o standard mínimo de exigência na vertente pedagógica e científica que o docente teria de ter alcançado para poder ser aprovado no período experimental, o que fora exactamente o motivo determinante da anulação do anterior acto por insuficiência da fundamentação (v. neste sentido, o Acº do STA proferido nos presentes autos).
Consequentemente,
15ª Ao contrário do decidido pelo aresto em recurso, a integral execução do aresto anulatório e o respeito pelos seus efeitos constitutivos, repristinatórios e conformativos determinam que o A. seja readmitido como Professor Auxiliar da Faculdade de Ciências da UNIVERSIDADE ... com efeitos reportados à data em que cessou funções por força do acto anulado e lhe seja contabilizado como tempo de serviço efectivo e pagos todos os vencimentos desde essa data até à data e em que foi proferido em 2023 o novo acto, sem prejuízo de ter igualmente de ser declarada a nulidade deste último acto por reincidir no vício de falta de fundamentação que presidiu à sentença anulatória.
Nestes termos,
Deve ser concedido provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida, com as legais consequências.
Assim será cumprido o Direito
e feita JUSTIÇA
A Executada apresentou contra-alegações, concluindo:
1.ª A UNIVERSIDADE ... discorda de toda a motivação que sustenta as alegações de recurso apresentadas pelo Recorrente, porquanto assentam em fundamentos que carecem manifestamente de sustentação legal, subscrevendo na íntegra o entendimento plasmado na douta sentença recorrida.
2.ª Do disposto no n.º 1 do art. 173.º do CPTA retira-se que a execução de sentenças anulatórias impõe à administração o dever de desencadear uma actividade de execução, por forma a “repor” a situação de facto de acordo com a situação de direito constituída pela decisão de anulação do acto administrativo, o qual se desdobra, por um lado, no dever de respeitar o julgado, conformando-se com o conteúdo da sentença e com as limitações que daí resultam para o eventual reexercício dos seus poderes (efeito preclusivo, inibitório ou conformativo), e por outro lado, no dever de reconstituir a situação que existiria se não tivesse sido praticado o acto ilegal ou se esse acto tivesse sido praticado sem a ilegalidade que deu causa à anulação.
3.ª Das alegações de recurso do Exequente resulta que o mesmo olvida por completo que os limites objectivos do caso julgado das decisões anulatórias de actos administrativos, quer no que se refere ao efeito preclusivo, quer no que toca ao efeito conformador do futuro exercício do poder administrativo, se determinam pelo vício que fundamenta a decisão, ou seja, que a eficácia do caso julgado anulatório está circunscrita e delimitada aos vícios que ditaram a anulação contenciosa do acto, nada obstando a que a Administração emita um novo acto, com conteúdo decisório idêntico, mas expurgado dos vícios que determinaram a sua anulação; por outro lado, a alegada violação dos efeitos constitutivo, conformativo, repristinatório, bem como do princípio geral da irretroactividade dos actos administrativos invocada pelo Exequente tem na sua base o entendimento de que se o acto administrativo tivesse sido praticado sem a ilegalidade que deu causa à anulação, o vínculo entre Exequente e Executada manter-se-ia, mantendo-se o docente em exercício de funções auferindo o respectivo vencimento, pelo que deveria o Tribunal ter concluído que a execução de sentença impunha a readmissão do Exequente como Professor Auxiliar da FCTUC com efeitos reportados a 29.04.2015. O que não é de todo correcto e se confia não vingará perante este Venerando Tribunal.
4.ª Extraindo-se da decisão exequenda que o despacho do Vice-Reitor da UNIVERSIDADE ... de 04.12.2014 que primeiro determinou a cessação do contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado do Exequente como professor auxiliar foi anulado apenas com fundamento em vício de forma por falta de fundamentação, a renovação do acto sem reincidir na mesma ilegalidade constitui a forma natural de execução da respectiva decisão judicial.
5.ª Consta do ponto 11) dos factos provados que o Conselho Científico da FCTUC reuniu a 29.06.2022 com vista a dar cumprimento ao acórdão do STA, procedeu à avaliação do período experimental do docente e deliberou atribuir a classificação de “Muito Bom” na vertente pedagógica e de “Fraco” na vertente científica, fazendo constar da respectiva acta, de forma detalhada e desenvolvida, as razões de facto e de direito que sustentam a atribuição dessas classificações, com particular enfoque na explicação dos diversos aspectos avaliativos em que o Conselho Científico se afastou dos pareceres dos relatores, fazendo expressa menção às dificuldades inerentes à quantificação de dados, acções e objectivos que devem constituir a referência para o padrão objectivo de comportamento que se consideraria ser exigível ao docente.
6.ª Ficou também a constar dos pontos 15) a 18) dos factos provados que: - em reunião extraordinária do dia 08.02.2023, da qual foi lavrada a Acta n.º 3/2023/CC, o Conselho Científico da FCTUC reuniu extraordinariamente e procedeu à análise da pronúncia apresentada pelo docente em sede de audiência de interessados, tendo deliberado manter a aprovação da decisão anteriormente tomada, bem como a respectiva justificação, expressas na acta de reunião ordinária realizada em 29 de Junho de 2022, nos termos que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais, deliberando pela não manutenção do contrato do Doutor «AA»;
- a 17.02.2023 foi elaborada a Informação técnica n.º I-001550/DRGC/2023 no sentido da cessação do contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado do Doutor «AA», na qual a 20.02.2023 foi exarado despacho de concordância do Magnífico Reitor com a proposta do Conselho Científico da FCTUC, de não manutenção do contrato do Senhor Doutor com a Universidade; e que
- através de ofício da UNIVERSIDADE ... com a Referência ...23, datado de 20.02.2023, foi remetida ao Exequente a comunicação da decisão de não manutenção do contrato com esta Universidade,
7.ª pelo que ficaram expostos de forma clara e objectiva dos fundamentos pelos quais o Conselho Científico deliberou não manter o contrato de trabalho em funções públicas do docente em período experimental, absorvidos pelo despacho reitoral de 20.02.2023, e com a respectiva comunicação ao Exequente através de ofício com a mesma data, do que se conclui, como bem concluiu a sentença a quo, que o julgado foi integralmente executado.
8.ª De forma alguma se poderá concluir pela violação do efeito conformativo da sentença por alegadamente não ter sido novamente referido qual o standard mínimo de exigência na vertente pedagógica e científica que o docente teria que ter alcançando para poder ser aprovado no período experimental, pois o novo acto administrativo está devida e suficientemente fundamentado, não merecendo qualquer censura a sentença a quo ao ter assim decidido.
9.ª Contrariamente ao que o Recorrente quer fazer valer, o respeito pelo caso julgado, em concreto no caso em apreço, não ficou de modo algum abalado pelo facto de a Administração, em execução de sentença anulatória, ter repetido a decisão anterior sem os vícios que a inquinaram, pelo que considerando que nada impedia que a Executada renovasse o acto em questão com o mesmo conteúdo decisório, desde que não reincidisse no vício de falta de fundamentação, não merece censura a conclusão da decisão em recurso, de que o julgado anulatório em apreciação nos presentes autos de execução se mostra efectivamente cumprido e executado.
10.ª Também não merece qualquer censura o julgamento de que o novo acto administrativo praticado em sede de execução de sentença tem eficácia retroactiva, pois como bem ajuizou o Tribunal a quo, sustentado na doutrina de MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, em causa está uma situação cuja legalidade tem forçosamente que ser aferida à data da prática do acto que foi anulado, sob pena de se admitir a prática de um novo acto completamente afastado e desenraizado da realidade, pelo que, no caso concreto, a execução do julgado teria, pois, que ter necessariamente em consideração a situação de facto e de direito existente no momento em que foi determinada a cessação do período experimental do Exequente, sob pena de hoje poder não ter qualquer suporte.
11.ª O acto administrativo anulado, de Dezembro de 2014 foi praticado ao abrigo do disposto no art. 25.º n.º 1 do ECDU, na redacção conferida pelo Decreto-Lei n.º 205/2009, de 31/08 e pela Lei n.º 8/2010, de 13/05, e o acto administrativo de 20.02.2023 praticado em execução do julgado anulatório do primeiro acto, de 04.12.2014, tem forçosamente que ter por base, como efectivamente teve, o mesmo relatório de actividades do período experimental apresentado pelo docente em dezembro de 2013, teve também por base os mesmos pareceres que à data foram elaborados pelos docentes nomeados para a avaliação do relatório do período experimental e tinha que ter por base, como efectivamente também teve, o momento em que a situação do Exequente deveria ter sido juridicamente disciplinada, que corresponde, como supra referido, ao termo do período experimental de cinco ano do contrato de trabalho do docente, que ocorreu em finais de 2014.
12.ª Sendo inequívoco que o acto executório praticado em substituição do acto anulado tem que ter necessariamente por base o momento concreto da prática do acto anulado, ao mesmo tem imprescindivelmente que ser atribuída eficácia retroactiva.
13.ª Ao concluir no sentido supra exposto, o Tribunal a quo não atentou contra o princípio da irretroactividade dos actos administrativos pois do disposto no art. 156.º do CPA, interpretado e conjugado com o com o disposto no art. 173.º do CPTA, decorre que, no cumprimento dos deveres em que a Administração pode ficar constituída para efeito da anulação de um acto administrativo, pode, dependendo dos casos, ter que actuar por referência à situação jurídica de facto existente no momento em que deveria ter actuado (art. 173.º n.º 1 do CPTA) e pode ter que praticar, quando for caso disso, actos dotados de eficácia retroactiva, “desde que não envolvam a imposição de deveres, encargos, ónus ou sujeições, a aplicação de sanções ou a restrição de direitos ou interesses legalmente protegidos” (art. 173.º n.º 2 do CPTA), como é o caso.
14.ª O raciocínio que se vem de expor encontra suporte no juízo explanado no Acórdão citado pelo aresto em recurso, proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo em 23-10-2012, do qual se destaca o sumário supra transcrito e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
15.ª O novo acto administrativo praticado também não envolve de modo algum a imposição de deveres, encargos, ónus ou sujeições, a aplicação de sanções ou a restrição de direitos ou interesses legalmente protegidos do Exequente, designadamente e ao contrário do que pugna o Recorrente, não há qualquer lesão de um alegado direito à manutenção do contrato de trabalho, pois a manutenção do contrato de trabalho por tempo indeterminado como professor auxiliar não decorre directamente da lei, ou sequer decorre automaticamente da anulação do acto anterior, estando ao invés dependente de uma avaliação favorável da actividade desenvolvida pelo docente ao longo do período experimental, que é imprescindível efectuar de forma a definir a situação do docente, pelo que é necessário um novo acto para definir essa mesma situação.
16.ª Deste modo, e como bem concluiu, sem margem para censura, a decisão em recurso, a decisão do Reitor da UNIVERSIDADE ..., de 20.02.2023 que determinou a cessação do contrato de trabalho do Exequente com base na fundamentação apresentada pelo Conselho Científico da FCTUC de 29.06.2022 tem eficácia retroactiva, ou seja, retroage os seus efeitos à data da prática do acto anulado, pelo que não há lugar à pugnada readmissão do Exequente com professor auxiliar com efeitos reportados a 29.04.2015 e à contagem de todo o tempo decorrido desde essa data como tempo de serviço, com o respectivo processamento de remunerações.
17.ª Considerando que não se verificam os erros de julgamento assacados à sentença recorrida, nos termos e pelos fundamentos supra expostos, deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, por manifesta falta de fundamentação de facto e de direito atendível, mantendo-se na íntegra a decisão recorrida, assim se fazendo, inteira
Justiça! O Senhor Procurador Geral Adjunto notificado, nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO
Na sentença foi fixada a seguinte factualidade:
1) O Exequente foi docente da UNIVERSIDADE ..., ora Executada, desde 1989, exercendo funções como professor auxiliar desde 30/10/2009, data em que foi contratado em regime de contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, com um período experimental de cinco anos (acordo).
2) Em dezembro de 2013, o Exequente entregou o relatório de atividades para avaliação do período experimental (acordo).
3) Em reunião de 26/03/2014, o Conselho Científico da Faculdade de Ciências e Tecnologia da UNIVERSIDADE ... (...) procedeu à avaliação da atividade desenvolvida pelo Exequente no período experimental, tendo atribuído a menção de “Muito Bom” na vertente pedagógica e a menção de “Fraco” na vertente científica, pelo que propôs que o período experimental do Exequente se considerasse concluído sem sucesso e que fosse determinada a cessação do seu contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado como professor auxiliar (acordo e cfr. doc. n.º 5 da petição inicial do processo n.º 231/15.9BECBR).
4) Em 17/12/2014 o Exequente foi notificado de que, por decisão do Vice-Reitor da Executada, de 04/12/2014, foi determinada a cessação do seu contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado como professor auxiliar, com efeitos a partir de 29/04/2015 (acordo e cfr. doc. n.º 1 da petição inicial do processo n.º 231/15.9BECBR).
5) Em 26/02/2015 o aqui Exequente propôs, contra a aqui Executada, uma ação administrativa especial que correu termos, neste Tribunal, sob o processo n.º 231/15.9BECBR, na qual peticionou a declaração de nulidade ou anulação da referida decisão do Vice-Reitor da Executada que, com base na proposta do Conselho Científico da FCTUC, considerou concluído sem sucesso o período experimental e determinou a cessação do seu contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado como professor auxiliar, a partir de 29/04/2015, com a consequente condenação da entidade demandada a manter o contrato (cfr. petição inicial do processo n.º 231/15.9BECBR).
6) Por sentença proferida em 30/05/2017, foi julgada procedente a referida ação, tendo sido anulado o ato aí impugnado, por enfermar de vícios de forma e de violação de lei, com a consequente condenação da entidade demandada à “prática do ato administrativo legalmente devido com o alcance e fundamentos supra exarados” (cfr. sentença proferida no processo n.º 231/15.9BECBR).
7) Por acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN) em 19/03/2021, foi negado provimento ao recurso que havia sido interposto pela aqui Executada, confirmando-se a sentença de 30/05/2017 (cfr. acórdão do TCAN proferido no processo n.º 231/15.9BECBR).
8) Interposto recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo (STA), veio a ser proferido acórdão, em 10/02/2022, pelo qual foi concedido parcial provimento ao recurso e, em consequência, foi revogado o acórdão recorrido na parte em que julgou verificado o vício de violação do disposto nos art.os 25.º, n.º 1, e 74.º-B do ECDU, por falta de ponderação da avaliação geral do desempenho do Exequente, e foi mantido o mesmo na parte em que determinou a anulação do ato impugnado por verificação do vício de falta de fundamentação (cfr. acórdão do STA proferido no processo n.º 231/15.9BECBR).
9) Pode ler-se, na fundamentação de direito do acórdão do STA que antecede, além do mais, o seguinte:
“A outra questão que vem colocada pela recorrente é a de saber se, como entenderam as instâncias, as deliberações do Conselho Científico da FCTUC, de 26.03.2014 e de 24.07.2014, e nas quais assentou o ato impugnado, não estavam fundamentadas.
O Conselho Científico da FCTUC decidiu, ao abrigo do art.° 25.° do ECDU, que a atividade científica desenvolvida pelo autor, no decurso do período experimental, não satisfaz o patamar mínimo de exigência fixado pela ... para a manutenção dos seus professores de carreira, não obstante o conteúdo dos pareceres emitidos pelos relatores nomeados.
A decisão recorrida entendeu que esta decisão do CC não está devidamente fundamentada quer por falta de referência a um padrão objetivo de comportamento do docente que se considera exigível, quer por não serem especificamente identificadas as discordâncias do CC relativamente ao teor dos pareceres dos relatores, nos casos em que, como no caso concreto, se verifica que o CC não acolhe as conclusões ali vertidas.
Como se extrai da mesma:
“Efetivamente o controvertido procedimento é pródigo em afirmações conclusivas, mal se alcançando a razão pela qual, nomeadamente, foram ignorados os Pareceres dos professores catedráticos nomeados para emitir pronúncia face à competência do aqui Recorrido, sendo a decisão do Conselho Científico não só contrária, mas até contraditória relativamente aos Pareceres emitidos pelos referidos catedráticos.
Se é legítimo que o Conselho Científico divirja do sentido dos pareceres que o próprio solicitou, já terá de justificar as razões subjacentes a essa discordância, não se podendo refugiar em afirmações meramente evasivas e conclusivas.
(...)
Efetivamente, se o Conselho Científico não pretendia seguir o parecer dos professores catedráticos especialistas na área, o que, reitera-se é admissível e legítimo, teria, em qualquer caso, de aduzir acrescida fundamentação à sua decisão, para que se pudesse, designadamente, percecionar as razões subjacentes à divergência patenteada.
Em face do que antecede, julga-se igualmente improcedente o invocado erro de julgamento imputado pela Universidade à Sentença Recorrida.”
Entende a recorrente que na fundamentação que sustenta essa deliberação constam todos os fatores que contribuíram para a decisão, sendo identificável que os itens analisados se subsumem aos critérios e fatores expressos no ECDU, no RRCPDUC e eventualmente nos critérios específicos aprovados pelo conselho científico, mais ajustados às áreas do saber da respetiva Unidade Orgânica (art.° 42.° n.° 2).
Pretende a Universidade que o ato impugnado não padece do vício de falta de fundamentação.
Mas, carece de razão por nossa concordância com a decisão das instâncias nesta parte.
Nos termos dos artigos 124.° e 125.° do CPA, a fundamentação é um conceito relativo que depende do tipo legal do ato administrativo, visando que um destinatário normal compreenda o itinerário cognoscitivo e valorativo constante daquele ato, de forma a perceber porque se decidiu em determinado sentido.
Como vimos, o desempenho científico e pedagógico não se confunde com o desempenho geral do docente, ao abrigo do qual se realiza a avaliação de desempenho prevista no art.º 74.º-A e 74.ºB do ECDU, estando aqui em causa a avaliação específica da atividade do desempenho científico e pedagógico do docente auxiliar, em período experimental, a qual resulta da fixação de critérios específicos pelo órgão legal e estatutariamente competente da instituição de ensino superior.
No caso, as regras constantes do Despacho n.º 308/2010, designadamente quanto ao modo de elaborar os pareceres a serem apresentados, com nomeação de dois Professores Catedráticos da FCTUC como relatores no âmbito da avaliação específica da atividade desenvolvida no período experimental pelo ora recorrido, permitindo a menção ao desempenho das funções previstas nos artigos 4.º, 5.º e 63.º do ECDU, na redação que lhes foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 205/09.
Não podemos deixar de ter presente, e para o que é o conceito relativo da fundamentação do ato, que o afastamento frontal do parecer de ambos os especialistas nomeados para esse efeito coloca a cargo da entidade decisora um ónus acrescido de demonstração e explicação desse afastamento.
Ora, a fundamentação supra transcrita utilizada para justificar as notações, e como diz o MP no seu douto parecer “de tão geral, poderia servir para qualquer outro destinatário da avaliação, pois não especifica quais os patamares considerados serem “(...) suscetíveis de recolherem a menção de excelente no conjunto dos indicadores apreciados”, qual o peso e a diversidade da docência que o professor deveria ter assegurado ou que se desejava ver atingidos, que número de inquéritos pedagógicos ou de orientação de teses deviam ter sido realizados pelo docente a fim de se considerar diferenciação dos níveis muito bom e excelente, etc; o mesmo se diga quanto à fundamentação da atribuição da notação de “fraco” na vertente científica, designadamente, que quantidade de publicações em revistas indexadas se exigia dever ser entregue, qual a média do departamento a que pertence o docente, qual o número (pelo menos, mínimo) de livros, atas de congresso e outros documentos mencionados, que deveriam ser apresentados, etc.”.
Impunha-se, assim, neste tipo de ato um maior ónus na fundamentação com uma análise que enumerasse os objetivos que se pretendiam ver atingidos com indicação da quantidade e qualidade que se considerava ser a adequada e devia ter sido apresentada.
É que, da avaliação feita, e com total afastamento dos pareceres técnicos juntos pelos peritos não resulta para um destinatário normal colocado na posição do aqui recorrido a compreensão da motivação do ato.
Pelo que bem andaram as instâncias ao assim entender”
(cfr. acórdão do STA proferido no processo n.º 231/15.9BECBR).
10) O acórdão do STA que antecede já transitou em julgado.
11) Em reunião ordinária de 29/06/2022, o Conselho Científico da FCTUC, tendo em vista dar cumprimento ao acórdão do STA, procedeu à avaliação do período experimental do Exequente, tendo deliberado o seguinte:
“Numa primeira fase, foi agora colocada à consideração a decisão tomada em 2014. O Conselho aprovou a decisão tomada, por maioria, com uma abstenção.
Foi então aprovada a proposta de justificação entretanto elaborada com o necessário apoio jurídico, que é a seguinte:
Na vertente pedagógica a atividade de «AA» foi classificada como ‘excelente’ pelo Professor «BB» e, embora sem a atribuição explícita de uma classificação, como ‘globalmente positiva’ pelo Professor «CC». Tendo em consideração os argumentos apresentados nos pareceres, o Conselho Científico delibera atribuir a classificação de Muito Bom. O Conselho Científico entende que, não obstante as considerações expressas nos pareceres dos Relatores, o peso e a diversidade da docência assegurada, sendo de bom nível, ficam abaixo de um patamar de excelência, que carece de um contributo mais robusto e estruturante na organização pedagógica da lecionação da oferta formativa do Departamento. O mesmo se aplica à orientação de dissertações e teses que, no conjunto dos anos referentes ao período de avaliação, deveria ser e era expectável que fosse superior. A produção de materiais pedagógicos de apoio aos estudantes considera-se a equivalente à normal preparação de aulas enquanto o mínimo exigível para quem exerce atividade docente. Além disso, o serviço docente reportado não mostra terem sido desenvolvidos programas e práticas pedagógicas inovadoras, consistindo o desempenho do docente neste particular numa prática adequada, correta e cuidada, mas abaixo do limiar de uma contribuição excecional. Relativamente aos resultados dos inquéritos pedagógicos, os mesmos afiguram-se como indicadores de monitorização da lecionação e não relevam, por si só, para a atribuição do nível de excelente.
Não obstante as conclusões expressas nos pareceres dos Relatores, de atribuição das classificações de ‘Bom’ na vertente científica, assentes nas diversas considerações aí constantes, que se dão como reproduzidas, o Conselho Científico considera que o desempenho científico merece a classificação de Fraco. Com efeito, a regulamentação descreve a atribuição de classificação nesta vertente por comparação com a contribuição que a atividade reportada daria para a avaliação de uma unidade de investigação. No período em apreço «AA» não apresenta qualquer publicação em revista indexada nas bases de dados internacionalmente reconhecidas (Web of Science ou Scopus), referindo apenas a publicação em atas de conferências, além de alguma atividade de registo apenas nacional. Este nível de atividade e produção científica significa que, no período em análise, a contribuição de «AA» para a avaliação de qualquer unidade de investigação apenas pode ser em sentido negativo, qualquer que seja a classificação a atribuir à unidade em causa. Portanto, independentemente de qualquer quantificação a que se pudesse fazer apelo para a consideração do nível científico, sendo um facto que «AA» não apresenta qualquer produção neste conspecto, como é referido por ambos os Relatores e reconhecido pelo próprio, não é possível a atribuição de classificação positiva. A referência a uma publicação em revista de índole nacional merece também a mesma classificação negativa no contraste com a avaliação de unidades de investigação.
Sobre a ênfase na enumeração e quantificação de dados, ações e objetivos, que transparece na sentença do Supremo Tribunal Administrativo precedente, deve referir-se que tal desiderato tem sido objeto de discussão e análise na comunidade científica e académica global desde há muitos anos, sendo um dado incontrovertido que esse enquadramento, por si só, não é suficiente nem adequado para a avaliação dos recursos humanos que a integram. A diversidade de domínios e áreas científicas e tecnológicas, condições de acesso a financiamento e multiplicidade de instituições de ensino e investigação, tornam a produção científica, bem como um conjunto de outras atividades enquadradoras, tendencialmente não comparáveis à luz de critérios meramente simplistas como a quantidade de produção ou a comparação entre áreas ou temáticas, uma vez que se tratam de universos distintos, com especificidades e enquadramentos próprios dissemelhantes”
(cfr. doc. n.º 1 do requerimento inicial).
12) Através do ofício n.º SAG/DIR/47-2022, recebido pelo Exequente em 03/08/2022, foi o mesmo notificado da deliberação do Conselho Científico da FCTUC que antecede e, bem assim, para se pronunciar, querendo, em sede de audiência prévia (cfr. doc. n.º 1 do requerimento inicial).
13) O Exequente apresentou, em 17/08/2022, a sua pronúncia, requerendo, a final, que fosse alterado o projeto de decisão tomado em 29/06/2022 e que fosse proposta a manutenção do seu contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado celebrado em 2010 (cfr. doc. n.º 2 do requerimento inicial).
14) O requerimento inicial da presente ação executiva deu entrada em juízo no dia 19/01/2023 (cfr. doc. de fls. 1 do suporte eletrónico do processo).
15) Em reunião extraordinária de 08/02/2023, o Conselho Científico da FCTUC procedeu à apreciação da pronúncia apresentada pelo Exequente, tendo deliberado manter a aprovação da decisão anteriormente tomada e a respetiva justificação, expressas na ata da reunião ordinária realizada em 29/06/2022, no sentido da não manutenção do contrato do Exequente (cfr. doc. n.º 1 da contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
16) Em 17/02/2023 foi elaborada a informação n.º I-001550/DRGC/2023, na qual foi proposta, com base na fundamentação apresentada pelo Conselho Científico da FCTUC, a cessação do contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado do Exequente (cfr. doc. n.º 2 da contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
17) Em 20/02/2023 o Reitor da Executada proferiu o seguinte despacho, exarado sob a informação que antecede: “Concordo com a proposta do Conselho Científico de não manutenção do contrato” (cfr. doc. n.º 2 da contestação).
18) Através do ofício n.º S-000635/2023, de 20/02/2023, foi o Exequente notificado da decisão do Reitor da Executada que antecede, no sentido da não manutenção do seu contrato, ofício ao qual foi anexado o extrato da reunião extraordinária do Conselho Científico da FCTUC de 08/02/2023, bem como a informação técnica n.º I-001550/DRGC/2023 (cfr. doc. n.º 3 da contestação).
19) Em janeiro de 2015, o Exequente auferia, como professor auxiliar, o vencimento base ilíquido de € 3.191,82 (cfr. doc. n.º 9 da petição inicial do processo n.º 231/15.9BECBR).
DE DIREITO
É pelas conclusões do recurso que se delimita o conhecimento do mesmo.
Assim,
É objecto de recurso a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, que julgou improcedente a acção executiva na qual o Exequente peticionava a sua admissão como Professor Auxiliar da Faculdade de Ciências da UNIVERSIDADE ... com efeitos reportados a 29 de Abril de 2015, a contagem do tempo de serviço de todo o período decorrido entre 29 de Abril de 2015 e o dia em que ocorrer a sua readmissão, bem como o pagamento de todas as remunerações deixadas de auferir enquanto Professor Auxiliar desde o dia 29 de Abril de 2015 até à data da efectiva e integral readmissão.
A sentença recorrida concluiu que, tendo a decisão do Vice-Reitor da Executada, de 04/12/2014 - a qual, com base na proposta do Conselho Científico da FCTUC de 26/03/2014, considerou concluído sem sucesso o período experimental do Exequente e determinou a cessação do seu contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado como professor auxiliar, a partir de 29/04/2015 - sido anulada por falta de fundamentação, a execução da decisão judicial em apreço cumpre-se com a prolação de um novo acto que não incorra ou reincida no referido vício, o que sucedeu no caso em apreço, na medida em que a Executada praticou novo acto administrativo devidamente fundamentado, pelo qual considerou concluído sem sucesso o período experimental do Exequente.
Concluiu também que o novo acto administrativo - a decisão do Reitor da Executada de 20/02/2023 que, com base na fundamentação apresentada pelo Conselho Científico da FCTUC em 29/06/2022, determinou a cessação do contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado do Exequente, dada a conclusão sem sucesso do período experimental - tem eficácia retroactiva, porquanto as circunstâncias da prática do novo acto reitoral têm por base uma factualidade e um enquadramento jurídico legal existentes em determinado momento, pelo que os termos da situação têm que ser impreterivelmente definidos em determinado momento - o termo do período experimental do contrato de trabalho do Exequente.
Para o Recorrente a sentença padece de erro de julgamento por violação do efeito constitutivo, do efeito repristinatório e do efeito conformativo das sentenças anulatórias, bem como por violação do princípio geral da irretroactividade dos actos administrativos.
Não vemos que assim seja.
Dos alegados erros de julgamento da sentença -
Na óptica do Recorrente, a sentença violou o efeito constitutivo da sentença anulatória ao considerar que o mesmo estava integralmente executado com a renovação em 2023 do acto que, em 2014, pusera fim ao vínculo de emprego por tempo indeterminado, pois permitiu que permanecessem os efeitos de um acto administrativo que nunca existiu; a sentença violou o efeito repristinatório da sentença e o disposto no art. 173.º por, contrariamente ao que a norma determina, não ter eliminado os efeitos que o acto anulado produziu entre 2014 e 2017, assegurando que o Autor permanecia desde 2014 com o contrato de trabalho por tempo indeterminado que tinha e auferia as respectivas remunerações; a sentença violou o princípio geral da irretroactividade dos actos administrativos ao sustentar que o novo acto administrativo que, em 2023, determinou a cessação do contrato do Exequente por não aprovação no período experimental produzia efeitos a 2014 e que por isso, com a simples prolação deste novo acto estava integralmente executado o aresto anulatório.
Repete-se, não secundamos este entendimento.
Para nós, a sentença recorrida decidiu com acerto, alicerçando-se em jurisprudência prolatada em sede do disposto no n.º 1 do art. 173.º do CPTA.
Dela retira-se que a execução de sentenças anulatórias impõe à administração o dever de desencadear uma actividade de execução, por forma a “repor” a situação de facto de acordo com a situação de direito constituída pela decisão de anulação do acto administrativo, o qual se desdobra, por um lado, no dever de respeitar o julgado, conformando-se com o conteúdo da sentença e com as limitações que daí resultam para o eventual reexercício dos seus poderes (efeito preclusivo, inibitório ou conformativo), e por outro lado, no dever de reconstituir a situação que existiria se não tivesse sido praticado o acto ilegal ou se esse acto tivesse sido praticado sem a ilegalidade que deu causa à anulação.
Ora, do teor das alegações produzidas pelo Exequente resulta, desde logo, que o mesmo parece olvidar que, como bem refere a sentença, os limites objectivos do caso julgado das decisões anulatórias de actos administrativos, quer no que se refere ao efeito preclusivo, quer no que toca ao efeito conformador do futuro exercício do poder administrativo, se determinam pelo vício que fundamenta a decisão, ou seja, que a eficácia do caso julgado anulatório está circunscrita e delimitada aos vícios que ditaram a anulação contenciosa do acto, nada obstando a que a Administração emita um novo acto, com conteúdo decisório idêntico, desde que expurgado dos vícios que determinaram a sua anulação.
Por outro lado, a alegada violação dos efeitos constitutivo, conformativo, repristinatório, bem como do princípio geral da irretroactividade dos actos administrativos invocada pelo Exequente tem na sua base o entendimento de que se o acto administrativo tivesse sido praticado sem a ilegalidade que deu causa à anulação, o vínculo entre Exequente e Executada manter-se-ia, mantendo-se o docente em exercício de funções, auferindo o respectivo vencimento, pelo que deveria o Tribunal ter concluído que a execução de sentença impunha a readmissão do Exequente como Professor Auxiliar da FCTUC com efeitos reportados a 29.04.2015.
Salvo melhor leitura, tal assim não é.
Com efeito, extraindo-se da decisão exequenda que o despacho do Vice-Reitor da UNIVERSIDADE ... de 17.12.2014 que primeiro determinou a cessação do contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado do Exequente como professor auxiliar foi anulado apenas com fundamento em vício de forma por falta de fundamentação, a renovação do acto sem reincidir na mesma ilegalidade constitui a forma natural de execução da respectiva decisão judicial.
Conforme ficou a constar do ponto 11) do probatório, o Conselho Científico da FCTUC reuniu a 29.06.2022 com vista a dar cumprimento ao Acórdão do STA, procedeu à avaliação do período experimental do docente e deliberou atribuir a classificação de “Muito Bom” na vertente pedagógica e de “Fraco” na vertente científica, fazendo constar da respectiva acta, de forma detalhada e desenvolvida, como bem ajuizou a sentença recorrida, as razões de facto e de direito que sustentam a atribuição dessas classificações, com particular enfoque na explicação dos diversos aspectos avaliativos em que o Conselho Científico se afastou dos pareceres dos relatores, fazendo expressa menção às dificuldades inerentes à quantificação de dados, acções e objectivos que devem constituir a referência para o padrão objectivo de comportamento que se consideraria ser exigível ao docente.
Resulta também dos pontos 15) a 18) da factualidade assente que:
-em reunião extraordinária do dia 08.02.2023, da qual foi lavrada a Acta n.º 3/2023/CC, o Conselho Científico da FCTUC reuniu extraordinariamente e procedeu à análise da pronúncia apresentada pelo docente em sede de audiência de interessados, tendo deliberado manter a aprovação da decisão anteriormente tomada, bem como a respectiva justificação, expressas na acta de reunião ordinária realizada em 29 de Junho de 2022, nos termos que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais, deliberando pela não manutenção do contrato do Doutor «AA»;
-a 17.02.2023 foi elaborada a Informação técnica n.º I-001550/DRGC/2023 no sentido da cessação do contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado do Doutor «AA», na qual a 20.02.2023 foi exarado despacho de concordância do Magnífico Reitor com a proposta do Conselho Científico da FCTUC, de não manutenção do contrato do Senhor Doutor com a Universidade; e que
-através de ofício da UNIVERSIDADE ... com a Referência ...23, datado de 20.02.2023, foi remetida ao Exequente a comunicação da decisão de não manutenção do contrato com esta Universidade.
Ora, com a exposição clara e objectiva dos fundamentos pelos quais o Conselho Científico deliberou não manter o contrato de trabalho em funções públicas do docente em período experimental, absorvidos pelo despacho reitoral de 20.02.2023, e com a respectiva comunicação ao Exequente através de ofício com a mesma data, o julgado foi integralmente executado.
Nem de forma alguma se poderá concluir pela violação do efeito conformativo da sentença por alegadamente não ter sido novamente referido qual o standard mínimo de exigência na vertente pedagógica e científica que o docente teria que ter alcançando para poder ser aprovado no período experimental, pois o novo acto administrativo está devida e suficientemente fundamentado, não merecendo qualquer reparo a sentença ao ter assim decidido.
Contrariamente ao que o Recorrente alega, o respeito pelo caso julgado, em concreto, não ficou de modo algum abalado pelo facto de a Administração, em execução de sentença anulatória, ter repetido a decisão anterior sem os vícios que a inquinaram. Aliás, mais longe não poderia ir, em respeito do caso julgado.
Face ao exposto, e considerando que nada impedia que a Executada renovasse o acto em questão com o mesmo conteúdo decisório, desde que não reincidisse no vício de falta de fundamentação, não merece censura a sentença ora em recurso.
E, na mesma linha, também não merece o menor reparo o julgamento de que o novo acto administrativo praticado em sede de execução de sentença tem eficácia retroactiva, pois como bem concluiu o Tribunal a quo, sustentado na doutrina de Mário Aroso de Almeida e na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, em causa está uma situação cuja legalidade tem forçosamente que ser aferida à data da prática do acto que foi anulado, sob pena de se admitir a prática de um novo acto completamente afastado e desenraizado da realidade.
No caso concreto, a execução do julgado teria, pois, que ter necessariamente em consideração a situação de facto e de direito existente no momento em que foi determinada a cessação do período experimental do Exequente, sob pena de hoje poder não ter qualquer suporte.
O acto administrativo anulado, de dezembro de 2014, foi praticado ao abrigo do disposto no artº 25.º n.º 1 do ECDU, na redacção conferida pelo Decreto-Lei n.º 205/2009, de 31/08 e pela Lei n.º 8/2010, de 13/05, e o acto administrativo de 20.02.2023 praticado em execução do julgado anulatório do primeiro acto, de 04.12.2014, tem forçosamente que ter por base, como efectivamente teve, o mesmo relatório de actividades do período experimental apresentado pelo docente em dezembro de 2013; teve também por base os mesmos pareceres que à data foram elaborados pelos docentes nomeados para a avaliação do relatório do período experimental e tinha que ter por base, como efectivamente também teve, o momento em que a situação do Exequente deveria ter sido juridicamente disciplinada, que corresponde, como supra referido, ao termo do período experimental de cinco anos do contrato de trabalho do docente, que ocorreu em finais de 2014.
Com efeito, sendo inequívoco que o acto executório praticado em substituição do acto anulado tem que ter necessariamente por base o momento concreto da prática do acto anulado, ao mesmo tem imprescindivelmente que ser atribuída eficácia retroactiva.
Em suma,
Contrariamente ao que pugna o Recorrente, ao concluir no sentido supra exposto, o Tribunal a quo não atentou contra o princípio da irretroactividade dos actos administrativos pois do disposto no artº 156.º do CPA, interpretado e conjugado com o disposto no artº 173.º do CPTA, decorre que, no cumprimento dos deveres em que a Administração pode ficar constituída para efeito da anulação de um acto administrativo, pode, dependendo dos casos, ter que actuar por referência à situação jurídica de facto existente no momento em que deveria ter actuado (artº 173.º n.º 1 do CPTA) e pode ter que praticar, quando for caso disso, actos dotados de eficácia retroactiva, “desde que não envolvam a imposição de deveres, encargos, ónus ou sujeições, a aplicação de sanções ou a restrição de direitos ou interesses legalmente protegidos” (artº 173.º n.º 2 do CPTA), como é o caso.
Como decidiu e sumariou o Acórdão citado no aresto recorrido, proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo em 23-10-2012 no âmbito do proc. nº 0262/12:
“I - A proibição prevista no artº 128º nº1, al. b) in fine - a de que os actos renováveis não têm eficácia retroativa - refere-se aos atos de execução de sentença anulatória praticados antes de ser proferido o acto renovado e não a este.
II - Os limites objectivos do caso julgado das decisões anulatórias de actos administrativos, seja no que respeita ao efeito preclusivo, seja no que respeita ao efeito conformador do futuro exercício do poder administrativo, determinam-se pelo vício que fundamenta a decisão (causa de pedir), pelo que a eficácia de caso julgado anulatório se encontra circunscrita aos vícios que ditaram a anulação contenciosa do acto nada obstando, pois, a que a Administração, emita novo acto com idêntico núcleo decisório mas liberto dos referidos vícios.
III - O princípio do respeito pelo caso julgado não impede a substituição do acto anulado por outro idêntico, desde que a substituição se faça sem repetição dos vícios determinantes da anulação.
IV - No cumprimento dos deveres que decorrem da anulação, a Administração, dependendo dos casos, pode ter de actuar por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter actuado (artº 173º, nº 1) e de praticar, quando for caso disso, actos administrativos retroactivos, desde que estes actos não envolvam a imposição de deveres, a aplicação de sanções ou a restrição de direitos ou interesses legalmente protegidos.
V - Anulado o ato que reduziu um horário de trabalho de um médico por falta de audiência do interessado, a Administração fica no dever de praticar um novo ato expurgado do vício causador da invalidade do ato.
VI - O novo ato pode ser de igual sentido ao do anulado e ter eficácia retroativa ao momento da prática deste por estarem em causa a apreciação das mesmas circunstâncias em concreto.
(...) ”.
Como de igual modo assertivamente refere o Tribunal a quo, o novo acto administrativo praticado também não envolve, de modo algum, a imposição de deveres, encargos, ónus ou sujeições, a aplicação de sanções ou a restrição de direitos ou interesses legalmente protegidos do Exequente, designadamente não há qualquer lesão de um alegado direito à manutenção do contrato de trabalho, pois a manutenção do contrato de trabalho por tempo indeterminado como professor auxiliar não decorre directamente da lei, ou sequer decorre automaticamente da anulação do acto anterior, estando ao invés dependente de uma avaliação favorável da actividade desenvolvida pelo docente ao longo do período experimental, que é imprescindível efectuar de forma a definir a situação do docente, pelo que é necessário um novo acto para definir essa mesma situação.
Destarte, e como bem concluiu a sentença em recurso, a decisão do Reitor da UNIVERSIDADE ..., de 20.02.2023, que determinou a cessação do contrato de trabalho do Exequente com base na fundamentação apresentada pelo Conselho Científico da FCTUC de 29.06.2022 tem eficácia retroactiva, ou seja, retroage os seus efeitos à data da prática do acto anulado, pelo que não há lugar à pugnada readmissão do Exequente como professor auxiliar com efeitos reportados a 29.04.2015 e à contagem de todo o tempo decorrido desde essa data como tempo de serviço, com o respectivo processamento de remunerações.
Como é sabido, as decisões dos tribunais administrativos são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer autoridades administrativas (artigos 205.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa e 158.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).
Por isso, impõe o artigo 162.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos que as sentenças dos tribunais administrativos que condenem a Administração à prestação de factos ou à entrega de coisas devem ser espontaneamente executadas pela própria Administração, no máximo, no prazo procedimental de 90 dias, salvo ocorrência de causa legítima de inexecução.
Bem assim, dispõe o artigo 168.º do mesmo diploma, que quando, dentro do prazo concedido para a oposição, a Administração não dê execução à sentença nem deduza oposição, ou a oposição deduzida venha a ser julgada improcedente, o tribunal, estando em causa a prestação de um facto infungível, fixa, segundo critérios de razoabilidade, um prazo limite para a realização da prestação e, se não o tiver já feito na sentença condenatória, impõe uma sanção pecuniária compulsória.
Como se refere no sumário do Acórdão do STA proferido no proc. n.º 01368/14 de 14-12-2016:
I - A execução de decisão judicial terá de consistir na prática pela Administração dos atos e operações materiais necessárias à reintegração da ordem jurídica violada, considerando e respeitando, não só todos os fundamentos de ilegalidade julgados verificados, de molde a que seja restabelecida a situação que o interessado tinha à data do ato ilegal e a reconstituir, se for caso disso, a situação que o mesmo teria se o ato não tivesse sido praticado em pleno respeito do julgado, mas também os termos da pronúncia condenatória nela firmados.
Não se olvide porém que a eficácia da autoridade do caso julgado não se resume apenas àquilo que foi concretamente decidido, isto é, à decisão judicial vertida no dispositivo da sentença, estendendo-se, de igual forma, aos seus fundamentos, ou seja, às “questões preliminares que sejam antecedente lógico necessário da parte dispositiva do julgado” (cf. entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15 de Janeiro de 2013, proferido no processo n.º 816/09.2TBAGD.C1.S1 e de 22 de Junho de 2017, proferido no processo n.º 2226/14.0TBSTB.E1.S1, onde, entre o mais, se pode ler que:
“(...) tendo, durante algum tempo, dominado a posição de que apenas tem autoridade de caso julgado a conclusão ou dispositivo do julgado, hodiernamente tem-se por mais equilibrado um critério eclético, que, sem tornar extensiva a eficácia do caso julgado a todos os motivos objetivos da sentença, reconhece, todavia, essa autoridade à decisão daquelas questões preliminares que forem antecedente lógico indispensável à emissão da parte dispositiva do julgado, em homenagem à economia processual, ao prestígio das instituições judiciárias quanto à coerência das decisões que proferem e, finalmente, à estabilidade e certeza das relações jurídicas”).
Voltando ao caso dos autos, temos que o Tribunal a quo decidiu com acerto.
Com efeito, por ele foi referido:
Com o presente processo, pretende o Exequente dar execução ao julgado anulatório proferido no processo n.º 231/15.9BECBR, nos termos do qual foi anulada a decisão do Vice-Reitor da Executada de 04/12/2014 que, com base na proposta do Conselho Científico da FCTUC de 26/03/2014, considerou concluído sem sucesso o período experimental e determinou a cessação do seu contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado como professor auxiliar, a partir de 29/04/2015. Tal decisão foi anulada com base na verificação do vício de falta de fundamentação (cfr. ponto 8 dos factos provados).
(…)
No caso dos autos, vimos que a decisão do Vice-Reitor da Executada de 04/12/2014 - a qual, com base na proposta do Conselho Científico da FCTUC de 26/03/2014, considerou concluído sem sucesso o período experimental do Exequente e determinou a cessação do seu contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado como professor auxiliar, a partir de 29/04/2015 - foi anulada por falta de fundamentação.
Assim sendo, não temos dúvidas de que a execução da decisão judicial em apreço se cumpre com a prolação de um novo ato que não incorra ou reincida no referido vício, uma vez que se encontra excluída, naturalmente, a possibilidade de a Administração reproduzir o ato com as mesmas ilegalidades individualizadas e assim declaradas pelo juiz administrativo, sob pena de incorrer em nulidade.
E foi o que sucedeu no caso concreto.
(…)
Com efeito, nos termos da factualidade provada, as diversas instâncias entenderam, em suma, que o ato impugnado não se mostrava devidamente fundamentado “quer por falta de referência a um padrão objetivo de comportamento do docente que se considera exigível, quer por não serem especificamente identificadas as discordâncias do CC relativamente ao teor dos pareceres dos relatores, nos casos em que, como no caso concreto, se verifica que o CC não acolhe as conclusões ali vertidas”.
E o certo é que, em reunião ordinária de 29/06/2022, o Conselho Científico da FCTUC, tendo em vista dar cumprimento ao acórdão do STA, procedeu à avaliação do período experimental do Exequente, tendo renovado a anterior decisão de 2014 e tendo, assim, deliberado atribuir a classificação de “Muito Bom” na vertente pedagógica da atividade por este desenvolvida, bem como a classificação de “Fraco” na respetiva vertente científica. E da ata da referida reunião constam, de forma detalhada e desenvolvida, as razões de facto e de direito que levaram à atribuição dessas classificações, com particular enfoque na explicação dos diversos aspetos avaliativos em que o Conselho Científico se afastou dos pareceres dos relatores, e sem deixar de fazer menção às dificuldades inerentes à quantificação de dados, ações e objetivos que devem constituir a referência para o padrão objetivo de comportamento que se consideraria exigível ao docente.
(…)
Sucede que, em reunião extraordinária de 08/02/2023, o Conselho Científico da FCTUC procedeu à apreciação da pronúncia apresentada pelo Exequente, tendo deliberado manter a aprovação da decisão anteriormente tomada e a respetiva justificação, expressas na ata da reunião ordinária realizada em 29/06/2022, no sentido da não manutenção do contrato do Exequente. Nessa sequência, em 17/02/2023, foi elaborada a informação n.º I-001550/DRGC/2023, na qual foi proposta, com base na fundamentação apresentada pelo Conselho Científico da FCTUC, a cessação do contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado do Exequente, informação sob a qual o Reitor da Executada proferiu, em 20/02/2023, despacho de concordância, que foi levado ao conhecimento do docente através do ofício n.º S-000635/2023, de 20/02/2023 (cfr. pontos 11 a 18 dos factos provados).
Considerando a factualidade acima exposta, tendo a Executada praticado novo ato administrativo, devidamente fundamentado, pelo qual considerou concluído sem sucesso o período experimental do Exequente, atenta a respetiva avaliação desfavorável, e, nessa medida, determinou a cessação do seu contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado como professor auxiliar, mostra-se efetivamente cumprido e executado o julgado anulatório aqui em apreciação, pois que, como se disse supra, nada impedia que a Executada renovasse, como fez, o ato em questão com o mesmo conteúdo decisório, desde que não reincidisse na ilegalidade que lhe foi assacada pela decisão judicial transitada em julgado (vício de falta de fundamentação).
(…)
Por conseguinte, no caso dos autos, o momento em que a situação (objeto do ato anulado e do ato substitutivo) deveria ter sido juridicamente disciplinada é a do ato anulado, o que nos permite afirmar que, após a anulação, o novo ato praticado em sua substituição (expurgado do vício que levou àquela anulação) não pode deixar de ser dotado de eficácia retroativa, já que tais atos têm necessariamente por base um momento concreto, impondo, por isso, que os termos da situação sejam impreterivelmente definidos em determinado momento - o termo do período experimental do contrato de trabalho do Exequente.
(…)
Daqui decorre, pois, que, no cumprimento do acórdão anulatório, impunha-se à Executada, para a reintegração da ordem jurídica violada pelo ato anulado, a prática de um novo ato, agora expurgado da ilegalidade cometida pelo anterior e que motivou a anulação, que regulasse a situação que o ato anulado visou regular e, portanto, por referência ao momento situado no passado em que, nos termos da lei então aplicável, essa atuação deveria ter sido empreendida e adotada. O que significa que, nesse caso, o ato renovado, emitido em execução do aresto de anulação, deve tomar em consideração a situação de facto e de direito existente nesse momento (o termo do período experimental do contrato do Exequente).
(…)
Acresce que o novo ato não envolve a imposição de deveres, encargos, ónus ou sujeições, a aplicação de sanções ou a restrição de direitos ou interesses legalmente protegidos. A atribuição de efeitos retroativos ao novo ato do Reitor da Executada que, devidamente fundamentado, considerou concluído sem sucesso o período experimental do Exequente e determinou, em consequência, a cessação do seu contrato de trabalho, nos termos legalmente previstos, não importa, para o docente, a imposição de quaisquer deveres, encargos, ónus ou sujeições, nem importa a aplicação de qualquer sanção, nem importa qualquer restrição ou lesão dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos - in casu, o invocado direito à manutenção do seu contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado como professor auxiliar. Tal direito à manutenção do contrato de trabalho não decorre automaticamente da lei - porque dependente de uma avaliação prévia favorável da atividade por si desenvolvida no período experimental -, nem decorre automaticamente da anulação do ato anterior (tal ato foi anulado, relembre-se, unicamente com base na verificação do vício de falta de fundamentação), o que só demonstra a necessidade de um novo ato para definir essa situação.
Deste modo, ante todo o exposto, impõe-se concluir que a decisão do Reitor da Executada de 20/02/2023, que, com base na fundamentação apresentada pelo Conselho Científico da FCTUC em 29/06/2022, determinou a cessação do contrato de trabalho do Exequente, dada a conclusão sem sucesso do período experimental, tem eficácia retroativa, isto é, retroage os seus efeitos à data do ato anulado.
Se assim é, então é forçoso concluir também que a integral execução do aresto anulatório não passa, ao invés do que defende o Exequente, pela sua readmissão como professor auxiliar com efeitos reportados a 29/04/2015, contando-se todo o tempo decorrido desde essa data como tempo de serviço e processando-lhe todas as remunerações que deixou de auferir desde essa data e até 20/02/2023 (ou até seis meses após), uma vez que, naturalmente, tal só seria possível caso o novo ato praticado em substituição do ato anulado não tivesse eficácia retroativa e apenas dispusesse para o futuro. O que vimos já, porém, não ser o caso.
Finalizando e repetindo, com a prática do novo ato de 20/02/2023, devidamente fundamentado, pelo qual se considerou concluído sem sucesso o período experimental do Exequente e se determinou a cessação do seu contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado como professor auxiliar, foi integralmente cumprido e executado o julgado anulatório aqui em apreciação, nada mais havendo a determinar (com o que resulta prejudicado o conhecimento das questões relativas à fixação de um prazo para cumprimento e à condenação em sanção pecuniária compulsória).
Improcedem as Conclusões das alegações.
DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Custas pelo Recorrente.
Notifique e DN.
Porto, 04/4/2025
Fernanda Brandão
Rogério Martins
Paulo Ferreira de Magalhães |