Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01096/16.9BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:12/20/2024
Tribunal:TAF do Porto
Relator:TIAGO MIRANDA
Descritores:INUTILIDADE DA LIDE PROCEDENDO DECISÃO ARBITRAL
DUPLICAÇÃO DE PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO;
AUTORIDADE CASO JULGADO;
Sumário:
I – Como a indemnização atribuída à Recorrente na decisão arbitral foi por conta de tudo aquilo a que se reconheceu que ela tinha direito, embora apenas lhe tenha reconhecido direito ao ressarcimento do dano do interesse contratual negativo, a indemnização pedida nestes autos, ainda que a Recorrente a impute apenas ao dano do interesse patrimonial positivo, não deixa de resultar numa duplicação relativamente àquela outra já atribuída.

II - A autoridade do caso julgado não integra uma excepção dilatória, a sua observância determina a improcedência da acção. Assim, a alegação, de factos e juízos que não foram alegados oportunamente, isto é, que não foram alegados na acção em que o direito foi peticionado e negado – in casu, a acção arbitral – tão pouco confere utilidade à presente instância. É que a utilidade desta instância quanto à indemnização do dano atinente ao interesse contratual positivo está prejudicada pela autoridade do caso julgado da decisão arbitral.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I - Relatório
[SCom01...]- SA com sede na Avenida ..., ..., Edifício ..., em ..., interpôs recurso de apelação relativamente à sentença proferida em 26 de Julho de 2024, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Porto, que julgou extinta por inutilidade/impossibilidade superveniente a acção administrativa que moveu contra o Metro do Porto S.A pedindo a anulação do acto do Conselho de Administração do Réu, de 21/03/2016, que anulou a decisão da adjudicação à Recorrente, do contrato da subconcessão do metro ligeiro do Porto e, subsidiariamente, a condenação do Réu a indemnizá-la nos termos da responsabilidade civil da Administração por actos lícitos, nos termos do artigo 168º nº 6 do CPA.

As alegações de recurso da Autora terminam com as seguintes conclusões:

CONCLUSÕES:
I. Da decisão Recorrida
A. A douta decisão de que se recorre é a que consta da sentença proferida nos presentes autos, onde o Tribunal a quo decidiu extinguir a instância por inutilidade superveniente da lide.
B. A decisão ora recorrida é nula ou, no limite, anulável porque enferma de evidentes erros de julgamento, devendo ser julgada nula ou ser anulada e substituída por outra.
II. Do Recurso
II.1 - Enquadramento
C. Na sequência da decisão de adjudicação no âmbito de um procedimento por ajuste directo, a Recorrente (adjudicatária) constituiu a sociedade [SCom01...], tendo esta, por sua vez, celebrado o Contrato de Subconcessão do Sistema de Metro Ligeiro do Porto com a Recorrida, que foi submetido a fiscalização do Tribunal de Contas para efeitos de fiscalização prévia.
D. Perante um enquadramento político específico - de reversão dos processos de concessão/privatização das empresas de transportes terrestes - o Ministério do Ambiente comunicou ao Conselho de Administração da Recorrida ter obtido dois pareceres jurídicos que concluíam pela existência de vícios no procedimento pré- contratual subjacente ao contrato celebrado com a [SCom01...] que, consequentemente, determinariam a invalidade deste.
E. Perante tais alegados vícios, a Recorrida praticou o acto anulatório do acto de adjudicação, acto que é o acto impugnado nos presentes autos.
F. Está em causa um verdadeiro acto simulado que resulta do aproveitamento de um instrumento jurídico (a anulação administrativa) para evitar o recurso a outro (a resolução unilateral do contrato por razões de interesse pública - que teria como consequência a necessidade de indemnizara Recorrente).

11.2 - Dos vícios da Sentença ora recorrida
G. O Tribunal a quo, na Sentença ora recorrida, entendeu - erradamente - que se estaria perante uma situação de "duplicação de indemnizações” uma vez que o montante da indemnização a atribuir à Recorrente nos presentes autos não seria divergente daquele que a [SCom01...] recebeu no âmbito do Acórdão Arbitrai.
H. No entanto, a indemnização a conceder nos presentes autos seria pelo interesse contratual positivo e a indemnização concedida no processo arbitrai foi pelo interesse contratual negativo, tendo, por isso, uma natureza diferente.
I. Não obstante essa evidência, o Tribunal a quo, numa argumentação contraditória quanto à natureza da indemnização concedida no processo arbitrai, entendeu, num segmento da sua sentença, que aquela tinha sido pelo interesse contratual negativo e, num outro segmento da sua sentença, que tinha sido pelo interesse contratual positivo, gerando a dúvida quanto ao entendimento e pressupostos assumidos pelo Tribunal a quo nesta matéria.
J. Dúvidas essas que tornam possível os seguintes três entendimentos:
i) O Tribunal o quo assumiu o pressuposto (correcto) de que a indemnização arbitrai foi concedida por conta do interesse contratual negativo
ii) O Tribunal a quo assumiu o pressuposto (errado) de que a indemnização arbitrai foi concedida por conta do interesse contratual positivo;
iii) O Tribunal a quo assumiu o pressuposto (correcto) de que a indemnização arbitrai foi concedida por conta do interesse contratual negativo, mas, simultaneamente, o pressuposto (incorrecto) de que o Tribunal Arbitrai decidiu que não poderia ser concedida uma indemnização pelo interesse contratual positivo de tal modo que se teria formado caso julgado nessa matéria, o que constitui também um pressuposto incorrecto;
K. O que consubstancia uma situação em que os fundamentos da Sentença ora recorrida estão em oposição com a decisão ou, no limite, uma situação de alguma ambiguidade ou obscuridade que torna a decisão ininteligível, devendo, por isso ser anulada, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, aplicável por remissão do disposto no artigo 1.º do CPTA.
L. Caso se entenda que não se está perante uma causa de nulidade da Sentença ora recorrida, nos termos supra expostos - sem conceder é sempre certo que, fosse qual fosse o entendimento do Tribunal a quo sobre a natureza da indemnização arbitrai concedida à [SCom01...], nunca se poderia estar, nos presentes autos, perante uma situação de “duplicação de indemnizações" que justificasse a decisão relativa à inutilidade superveniente da lide.
Na verdade,
M. Seguindo aquele primeiro entendimento de que poderá ter partido o Tribunal a quo, inexiste qualquer "duplicação de penalizações” uma vez que se estaria perante uma indemnização por conta do interesse contratual negativo (a arbitral) e outra por conta do interesse contratual positivo (aquela a conceder nos presentes autos).
N. Seguindo aquele segundo entendimento, inexiste qualquer "duplicação de penalizações" uma vez que é totalmente improcedente a ideia segundo o qual a indemnização arbitrai tinha sido por conta do interesse contratual positivo; pelo que se ficaria, mais uma vez, perante duas indemnizações com diferentes âmbito e natureza.
O. Seguindo aquele terceiro entendimento, também inexiste qualquer "duplicação de penalizações" uma vez que i) apenas foi concedida uma indemnização pelo interesse contratual negativo no Tribunal Arbitral e ii} inexiste qualquer situação de caso julgado relativamente à indemnização por conta do interesse contratual positivo uma vez que resulta claro que o Tribunal a quo referiu que não estava em condições de se pronunciar sobre a (i)legalidade do procedimento pré-contratual, ou seja que não estava em condições de julgar o deferimento ou indeferimento de uma indemnização pelo interesse contratual positivo.
P. No fundo, o presente recurso coloca a seguinte questão: como se pode considerar inútil a apreciação da questão central dos presentes autos [a saber, a (i)legalidade do procedimento do pré-contratual] quando o julgamento dessa matéria pode conduzir ao direito da Recorrente a executar o contrato ou, em caso de causa legítima de execução de sentença, à condenação da Recorrida no pagamento de uma indemnização pelo interesse contratual positivo, indemnização essa cujos fundamentos para a sua atribuição não foram sequer julgados pelo Tribunal Arbitrai?
A resposta tem de ser no sentido de não ser possível considerar como inútil tal apreciação.
A procedência do pedido principal da Recorrente conceder-lhe-á o direito a uma indemnização baseada em factos que ainda não foram objecto de julgamento, nomeadamente pelo Tribunal Arbitrai [a (i)legalidade do procedimento pré- contratual], razão pela qual inexiste uma inutilidade superveniente da lide.
Pelo exposto, i) deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente, por provado, ii) deve a sentença ora recorrida ser anulada e iii) devem os presentes autos ser remetidos novamente ao Tribunal a quo para que este julgue, em primeira linha, o pedido principal da Recorrente e, apenas em caso de improcedência deste, o pedido subsidiário, com efeitos daí decorrentes.
Termos em que, impetrando o douto suprimento de V. Exa.,
i) Deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente, por provado,
iii) Deve a sentença ora recorrida ser julgada nula ou ser anulada,
iiii) Devem os presentes autos ser remetidos novamente ao Tribunal a quo para que este julgue, em primeiro linha, o pedido principal da Recorrente e, apenas em caso de improcedência deste, o pedido subsidiário, com efeitos daí decorrentes.»

Notificado, o Réu respondeu à alegação, concluindo nos seguintes termos:
«CONCLUSÕES
1. Em sede de Recurso, veio a Recorrente alegar que a decisão de que recorre é nula ou, no limite, anulável porque enferma de evidentes erros de julgamento.
2. Nesta senda, pugna que os presentes autos sejam remetidos novamente ao Tribunal a quo para que este julgue, em primeira linha, o pedido principal da Recorrente e, apenas em caso de improcedência deste, o pedido subsidiário, com efeitos daí recorrentes.
3. Relativamente à alegada nulidade da Sentença recorrida, a Recorrente sustenta que o Tribunal a quo apresentou uma fundamentação contraditória, dado que "parece considerar, a um tempo, que à [SCom01...] foi concedida uma indemnização pelo interesse contratual positivo e, a outro tempo, uma indemnização pelo interesse contratual negativo", extraindo por esse facto a ilação de que o douto Tribunal partiu de um pressuposto errado para decidir, concretamente, o de que que a indemnização concedida à [SCom01...], em sede do processo arbitral, foi por conta do interesse contratual positivo.
4. Nestes termos, refere tratar-se de uma situação em que os fundamentos da Sentença estão em oposição com a decisão ou, no limite, uma situação de ambiguidade ou obscuridade que torna a decisão ininteligível, devendo por isso ser anulada, ao abrigo do disposto na alínea c) do n.° 1 do artigo 615.° do CPC.
5. Sucede que, tais ilações estão erradas, porque ao longo da douta Sentença o Tribunal a quo ter deixado absolutamente claro qual era o seu entendimento, concretamente, que a indemnização concedida à aqui Recorrente em sede do processo arbitrai se tratou de uma indemnização pelo interesse contratual negativo, tal decorrendo inclusive da factualidade dada como provada.
6. Por mero lapso de escrita, o Tribunal a quo, a determinado momento, conclui: “De acordo com a autoridade do caso julgado, está vedado ao Tribunal voltar a discutir quais os danos alegadamente suportados pela Autora, e reputados de indemnizáveis, em tal circunstância, tendo já sido firmado que só teria, aquela, direito a auferir os montantes atinentes ao interesse contratual positivo" (negrito e sublinhado nossos).
7. Trata-se, no entanto, de um erro mecânico de escrita, pelo que onde se lê "positivo" no trecho acima transcrito, deveria constar "negativo".
8. O artigo 614.° CPC, exactamente para casos como o dos presentes autos, concede a possibilidade de rectificação de erros materiais.
9. A este respeito e porque estava em tempo, a Recorrida requereu ao Tribunal a quo que viesse rectificar a palavra erroneamente utilizada, por entender que pode e deve ser corrigida (cf. Documento n.° 1, adiante junto e que aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais).
10. Pelo exposto, não pode a Sentença recorrida ser declarada nula, nos termos da alínea c) do n.° 1 do artigo 615.° do CPC, porquanto, a fundamentação apresentada é consentânea com a decisão proferida, não se verificando qualquer ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, mas tão-só um mero lapso de escrita, o qual pode e deve ser rectificado.
11. Diga-se, ainda, que independentemente deste lapso manifesto, que em nada afecta a decisão proferida, o que facilmente se retira da Sentença é que de acordo com a autoridade do caso julgado, está vedado ao Tribunal voltar a discutir quais os danos alegadamente suportados pela Recorrente, e reputados de indemnizáveis.
12. Tendo os fundamentos da indemnização já sido analisados por um outro Tribunal e tendo esta indemnização já sido atribuída no âmbito desse outro processo, na verdade, o que o Tribunal a quo aqui faz nada mais é que respeitar uma decisão anteriormente transitada em julgado, sendo completamente indiferente o teor da indemnização atribuída à Recorrente (se pelo interesse contratual positivo ou negativo).
13. De seguida, a despeito da indemnização devida, vem a Recorrente argumentar que no presente processo lhe deveria ser concedida uma indemnização de âmbito diferente ("e maior, claro está"), em face da atribuída pelo Tribunal Arbitrai, concretamente, uma indemnização pelo interesse contratual positivo.
14. Em primeiro lugar, cumpre concluir que pedido indemnizatório formulado pela Recorrente é inadmissível do ponto de vista processual porque não consubstancia um pedido genérico para os efeitos do artigo 569.° do CC e do artigo 566.°, n.° 1, b), do CPC, situação que o relega a um pedido de objecto inexistente, porquanto, a mesma não identifica os danos que dão causa ao pedido de indemnização ilíquido.
15. Independentemente desta questão e sem conceder, o pedido principal formulado pela Autora jamais poderia ser atendido, porquanto, foi também dado como assente, enquanto facto provado H) da Sentença recorrida que o serviço público de transporte da Ré se encontra subconcessionado a outra entidade, pelo que, existindo uma causa legítima de inexecução, foi necessário averiguar do pedido subsidiário apresentado - a indemnização.
16. Constitui o facto provado F) da Sentença recorrida, a fundamentação de direito do douto Acórdão arbitral, que procedeu à análise dos danos indemnizáveis, os quais, entende a Recorrida, na mesma óptica que o Tribunal a quo, não divergem dos que seriam devidos em sede do presente processo.
17. Após a análise dos danos indemnizáveis, seguindo a linha de raciocínio do Tribunal Arbitral, concluiu-se que não tem a Recorrente, no âmbito desde processo, direito a qualquer indemnização pelo interesse contratual positivo - tal como se tinha concluído no âmbito do processo arbitral - pelas razões acima expostas e que constituíram fundamentação do Acórdão Arbitrai, o qual já transitou em julgado.
18. Pelo que e em síntese, o entendimento do Tribunal Arbitrai foi no sentido de considerar que a Ré, aqui Recorrida, promoveu de forma unilateral e ilícita a cessação e ineficácia da adjudicação e do contrato celebrado com a Autora, aqui Recorrente, com fundamento em ilegalidade cometida pela própria Ré, a qual lhe é imputável, tendo por esse motivo, a Autora, direito a uma reparação integral dos prejuízos decorrentes dessa mesma actuação.
19. No entanto, a Autora não tinha direito a ser colocada na situação que existiria caso o contrato tivesse sido efectivamente executado, mas tão-só na situação em que estaria se não tivesse participado no procedimento e celebrado o contrato de subconcessão - indemnização pelo interesse contratual negativo.
20. Tendo a Recorrente, em sede de processo arbitrai, sido ressarcida em montante correspondente à indemnização devida respeitante à ilicitude do acto que anulou o contrato administrativo celebrado entre as partes, a autoridade de caso julgado impede o douto Tribunal de voltar a discutir acerca dos danos suportados pela Autora, tendo ficado assente no processo arbitrai que a mesma só teria direito a uma indemnização pelo interesse contratual negativo.
21. Assim, tal indemnização - a qual já foi concedida - abrangeu todos os custos em que a Autora efectivamente incorreu, os designados danos emergentes, e desperdiçados pela ineficácia definitiva do contrato, designadamente, enquanto concorrente e adjudicatária.
22. A assistir razão à Autora, em todo o caso - sem conceder -, isso levaria à cumulação de duas indemnizações cujo montante não seria divergente - o que redundaria numa duplicação de indemnizações, como concluiu e bem o Tribunal a quo - o que não é de admitir.
23. Assim, só se pode concluir que a Recorrente não detém já qualquer posição jurídica subjectiva que possa ser tutelada com o presente processo e, portanto, estando integralmente reparados os custos associados ao procedimento de formação do contrato, nenhum efeito útil pode subsistir para o presente processo judicial.
24. No caso dos autos, a Autora encontrou a satisfação da sua pretensão fora do presente processo, concretamente no processo arbitrai que correu os seus termos paralelamente, pelo que a solução do litígio deixa de lhe interessar, por o resultado ter sido atingido por outro meio.
25. Pelo que outra conclusão não resta, senão a de que se verifica uma situação de falta de interesse em agir por parte da mesma.
26. Encontrando-se esgotado o objecto do presente processo, a consequência necessária será a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, em conformidade com o artigo 277.°, alínea e), do CPC.
27. Quer a falta de interesse em agir, quer a inutilidade superveniente da lide constituem excepções dilatórias que obstam ao conhecimento do mérito da causa e impõe a absolvição do réu da instância, ao abrigo do artigo 576.°, n.° 2 do CPC.
28. Mesmo que assim não se entenda, o que por mera cautela e dever de patrocínio se equaciona, sempre se dirá que as conclusões a que o Tribunal de recurso chegaria relativamente à indemnização em causa iriam ser em tudo idênticas às conclusões a que o Tribunal Arbitrai chegou.
Nestes termos, e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, devem as presentes Contra-Alegações de Recurso ser consideradas procedentes, por provadas e, em consequência deve o Recurso ser julgado improcedente, por não se verificar a nulidade da Sentença recorrida, nem qualquer erro de julgamento por parte do Tribunal a quo, mantendo-se a Sentença nos precisos termos em que foi proferida.»

O Digno Magistrado do Ministério Público neste Tribunal foi notificado apara os efeitos do artigo do artigo 146º CPTA.

Dispensados os vistos, nos termos do artigo 657º nº 4 do CPC, cumpre apreciar e decidir.

III- Âmbito do recurso e questões a decidir
Conforme jurisprudência pacífica, o âmbito do recurso é delimitado pelo objecto das conclusões das alegações.
Assim:
As questões colocadas a este tribunal de recurso são as seguintes:

1ª Questão
A sentença recorrida é nula, nos termos do artigo 615º nº 1 alª c) do CPC, porque contém uma ambiguidade que consiste em permitir qualquer um dos seguintes três entendimentos:
i) O Tribunal o quo assumiu o pressuposto (correcto) de que a indemnização arbitrai foi concedida por conta do interesse contratual negativo
ii) O Tribunal a quo assumiu o pressuposto (errado) de que a indemnização arbitral foi concedida por conta do interesse contratual positivo;
iii) O Tribunal a quo assumiu o pressuposto (correcto) de que a indemnização arbitrai foi concedida por conta do interesse contratual negativo, mas, simultaneamente, o pressuposto (incorrecto) de que o Tribunal Arbitral decidiu que não poderia ser concedida uma indemnização pelo interesse contratual positivo de tal modo que se teria formado caso julgado nessa matéria, o que constitui também um pressuposto incorrecto.

2ª Questão
A sentença recorrida releva de erro no julgamento de direito quando invoca, para fundamento do decidido, que a indemnização pedida nestes autos resultaria numa “duplicação de indemnizações”, atenta a indemnização já atribuída na decisão arbitral de 8/3/2018?

3º Questão
A sentença errou no julgamento de direito, pois, em qualquer dos três sobreditos entendimentos possíveis, não havia inutilidade da lide, já que nesta acção se pretende fundamentar o pedido indemnizatório por lucros cessantes (interesse contratual positivo) na inexistência das ilegalidades com fundamento nas quais a Ré – para se subtrair àquela espécie de obrigação de indemnização – emitiu o acto impugnado, em vez de resolver o contrato, acto que, este sim, era o devido na circunstância?

IV – Apreciação do Recurso
A decisão recorrida em matéria de facto foi a seguinte:
«A) Na sequência de procedimento de ajuste directo lançado para o efeito, a Ré adjudicou à Autora o contrato de subconcessão do sistema de metro ligeiro do Porto (cf. documento junto com a petição inicial sob o n° 11);

B) A 26/10/2015, entre a Ré e a entidade criada pela Autora expressamente para o efeito, designada “[SCom01...], S.A.”, na qualidade de sócia única, foi celebrado o contrato de subconcessão, pelo período de 10 anos (cf. fls. 1 e seguintes do PA II);

C) A 21/03/2016, e enquanto aguardava ainda o visto prévio do Tribunal de Contas, o Conselho de Administração da Ré anulou o acto de adjudicação à Autora da subconcessão do sistema de metro ligeiro do Porto, por reputar tal acto de violador da lei, mais anulando o contrato de subconcessão entretanto assinado (cf. documento junto com a petição inicial sob o n° 4);

D) A petição inicial que deu origem aos presentes autos foi apresentada neste Tribunal a 27/04/2016 (cf. fls. 1 e seguintes dos presentes autos);

E) No Acórdão do Tribunal Arbitral constituído para dirimir o litígio entre a entidade “[SCom01...], S.A.” e a aqui Ré, datado de 08/03/2018, e que pretender pôr em crise a decisão desta de anular o contrato administrativo de subconcessão celebrado entre as partes, foram dados como provados os seguintes factos:
1. Através de Resolução do Conselho de Ministros n.º 47/2014, de 22 de Julho, o Governo Português determinou a abertura à iniciativa privada da exploração dos serviços públicos de transporte de passageiros prestados pelas empresas públicas MDP e Sociedade Transportes Colectivos do Porto («STCP») (DOC. 2 PI).
2. Em concretização dessa resolução, a MDP e a STCP lançaram, enquanto agrupamento de entidades adjudicantes, um concurso público internacional para a subconcessão da exploração dos referidos serviços de transporte prestados por aquelas empresas pelo prazo de 10 anos.
3. O anúncio de procedimento obteve o n.º 4505/2014 e foi publicado no Diário da República, n.° 152, 2.ª série, de 08.08.2014 (DOC. 3 PI), e o anúncio do Jornal Oficial da União Europeia, com o n.° 2014/S 154-277555, foi publicado em 13.08.2014 (DOC. 4 PI).
4. O concurso decorreu segundo os trâmites normais e o agrupamento de entidades adjudicantes veio a deliberar a adjudicação do contrato de subconcessão do sistema de metro ligeiro ao agrupamento «[SCom02...], S.A./[SCom03...], S.A.», em 16.01.2015.
5. Verificadas as condições suspensivas da adjudicação, a MDP celebrou, em 23.04.2015, com uma empresa constituída para o efeito - a «TCCMP, Lda.» -, o contrato de subconcessão.
6. A MDP submeteu o contrato à fiscalização prévia do Tribunal de Contas (TC) em 19.05.2015 (DOC. 5 PI).
7. Através de carta de 29.05.2015, o TC solicitou um conjunto de esclarecimentos à MDP, entre os quais se contavam diversos pedidos referentes ao cumprimento do Regime Jurídico das Parcerias Público-Privadas ("RJPPP") (DOC. 6 PI).
8. Em 12.06.2015, a MDP respondeu a tal pedido, sustentando, relativamente ao cumprimento do RJPPP: (i) não constituir o contrato de subconcessão uma PPP abrangida pelo âmbito de aplicação do RJPPP e (ii) que, apesar disso, as regras do RJPPP haviam sido materialmente cumpridas (DOC. 7 PI).
9. Em 22.06.2015, o TC formulou novo pedido de esclarecimentos que continha duas questões sobre a inaplicabilidade do RJPPP e sobre o seu cumprimento material, conforme documento que se junta e cujo conteúdo se dá aqui por reproduzido para todos os efeitos legais (DOC. 8 PI);
10. Em concreto, o TC questionava: «1. Como considera legalmente admissível não ter sido observado o regime do Decreto-lei n.º 111/12, de 23 de Maio. 2. Sem prejuízo da resposta à questão anterior, e pelo facto de a MP, S.A., em resposta à devolução dos serviços de Apoio deste Tribunal, ter informado que "nem por isso deixaram de ser materialmente observadas em ordem à prossecução do interesse público, os princípios materiais e os comandos centrais de tal regime", informe detalhadamente, e por referência a cada um dos preceitos do RJPPP, os princípios e comandos que considera cumpridos e como justifica legalmente o não cumprimento dos demais.»
11. Em 01.07.2015, a MDP respondeu a esse novo pedido de esclarecimentos, sustentando a inaplicabilidade concreta do RJPPP ao contrato de subconcessão (DOC. 9 PI).
12. No mesmo documento, a MDP explicou também, com referência a cada norma, porque é que entendia que se encontrava materialmente cumprido o RJPPP (em muitos casos por excesso) (DOC. 9 PI).
13. Depois e em virtude da revogação, por acordo, do contrato relativo à subconcessão da STCP que havia sido adjudicado ao mesmo agrupamento "[SCom02...], S.A. / [SCom03...], S.A." -, o processo de concessão de visto ao contrato de subconcessão da MDP foi extinto.
14. Nessa sequência, a MDP e a STCP - novamente enquanto agrupamento de entidades adjudicantes - tomaram, em 21.08.2015, nova decisão de contratar, lançando um procedimento de ajuste directo com o mesmo objecto que o sobredito concurso, convidando as entidades que haviam levantado os documentos procedimentais do concurso a apresentar proposta neste novo procedimento (DOC. 10 PI).
15. O Convite do procedimento alude expressamente ao concurso prévio, referindo-se, nomeadamente, à similitude entre os cadernos de encargos anexos ao convite e os que foram patenteados no concurso (DOC. 11 PI - ponto 15.2).
16. A sociedade "[SCom01...], S.A." apresentou proposta no referido procedimento (DOC. 12 PI)
17. Por aplicação do critério de adjudicação, foi-lhe adjudicada, em 14.09.2015, a subconcessão do sistema de metro ligeiro concessionado à MDP (DOC. 13 PI).
18. Na fase de habilitação que se seguiu, a sociedade adjudicatária apresentou os documentos para o efeito exigidos e, em cumprimento do exigido no ponto 11 do Convite, procedeu à constituição da «Sociedade Co-Contratante», a Demandante TDP (DOC. 14 PI).
19. A TDP, por sua vez, apresentou - para garantia da execução do contrato e do pontual cumprimento de todas as obrigações legais e contratuais que assumiria com a celebração do Contrato - uma caução no montante de 17.598.494,85 € (DOC. 15 PI).
20. O Contrato de Subconcessão foi celebrado entre a Demandante e a Demandada em 26.10.2015 (cfr. DOC 1 PI).
21. Em 15.10.2015, a MDP, a TDP e a sociedade «Activos da Metro do Porto, S.A.» apresentaram uma notificação conjunta à Autoridade da Concorrência ("AdC") relativa à operação de concentração resultante da celebração do Contrato (DOC. 16 PI).
22. A TDP e a MDP apresentaram, na sua qualidade de "notificantes" da referida operação (que tomou a referência Ccent. 47/2015), os esclarecimentos que foram sendo solicitados pela AdC (DOCs. 17A, 17B e 17CPI).
23. A operação de concentração viria a ser autorizada através de decisão de "não oposição" da AdC, de 18.12.2015 (DOC. 18 PI).
24. Em 30.10.2015, a MDP submeteu o contrato à fiscalização prévia do TC (DOC. 19 PI).
25. O TC veio, através de carta de 12.11.2015, solicitar um longo conjunto de esclarecimentos, entre os quais relevam os que respeitam ao (in)cumprimento da lei relativa às PPP, em especial que a MDP: «a) demonstre detalhadamente o preenchimento das alíneas a), e) (em especial a parte final) e m) do número 1 do artigo 6.c do referido diploma; b) demonstre, por remissão para as correspondentes normas contratuais, que a partilha dos riscos entre as partes observa o disposto no artigo 7.º,n.º l do referido diploma; c) Esclareça por que razão não foi observado o disposto no artigo 7.°, n.º 2 do referido diploma; d) Demonstre que foram cabalmente observadas as regras relativas à preparação do processo de parceria constantes dos artigos 9.° a 14.°, do referido diploma, em especial o número 3 do artigo 9.° e os números 1 a 3 do artigo 10.° (DOC. 20 PI).
26. Entretanto havia tomado posse o XXI Governo Constitucional, em cujo programa, a propósito da intenção de reforçar as competências das autarquias locais na área dos transportes, se dizia que «o reforço das competências das autarquias locais na área dos transportes implica a anulação das concessões e privatizações em curso dos transportes colectivos de Lisboa e Porto» (DOC. 24 PI, p. 89).
27. O Ministério do Ambiente (MA) instruiu a MDP, através de carta de 04.12.2015, para que providenciasse: (i) a suspensão (com efeitos imediatos) do processo de concessão do visto prévio e (ii) sustação da apresentação de qualquer documento em resposta ao pedido de esclarecimentos formulado pelo TC (DOC. 26 PI).
28. Em 21.12.2015, o Presidente do Conselho de Administração da MDP solicitou ao MA que lhe fosse apresentada fundamentação para apresentar à Demandante quanto à demora que se verificava na prestação dos esclarecimentos solicitados pelo TC (DOC. 28 PI).
29. A TDP solicitou à MDP, através de cartas de 13.01.2016e27.01.2016, informação quanto ao procedimento de concessão do visto prévio (DOCS. 29 e 30 PI).
30. Em 28.01.2016 a resposta do (novo) Presidente do Conselho de Administração da MDP acusou a recepção de tais cartas e relegou para momento posterior as «notícias sobre o ponto de situação do procedimento» (DOC. 31 PI).
31. Em 12.02.2016, a TDP remeteu ao Presidente do Conselho de Administração da MDP uma nova carta, reiterando o pedido de informação urgente sobre o estado do processo de concessão de visto prévio pelo TC (DOC. 32 PI).
32. Por carta de 05.02.2016, o Senhor Chefe de Gabinete do Secretário de Estado Adjunto e do Ambiente comunicou ao Conselho de Administração da MDP ter obtido dois pareceres jurídicos que concluíam pela existência de «vícios em cada um dos contratos que determinam a invalidade dos contratos de subconcessão»
(DOC. 40 PI).
33. Em 17.02.2016, a MDP notificou a TDP e a sociedade adjudicatária («[SCom01...], S.A.») do seu projecto de decidir a anulação do acto de adjudicação e do contrato de subconcessão (DOC. 41 PI).
34. A «[SCom01...], S.A.» produziu uma pronúncia em que explicitava um conjunto de ilegalidades de que, no seu entender, enfermava o projecto de anulação (DOC. 42 PI).
35. A MDP manteve o entendimento de que se verificava uma ilegalidade susceptível de determinar a anulação da adjudicação e do Contrato, notificando, em 21.03.2016, a TDP e a «[SCom01...], S.A.» da sua decisão de anular o acto de adjudicação de que esta última era beneficiária e, «em decorrência da decisão de anulação do acto de adjudicação do procedimento (...) anular o respectivo Contrato de Subconcessão do Sistema de Transporte da Metro do Porto, S.A., assinado em 26 de Outubro de 2015» (DOC. 43 PI).
36. A MDP requereu ao TC a extinção do processo tendente à concessão do visto, por inutilidade superveniente (DOC. 43 PI).
37. A «[SCom01...], S.A.» deu início a um processo de contencioso pré-contratual destinado à anulação judicial do acto anulatório praticado pela MDP relativamente ao acto de adjudicação praticado a favor daquela sociedade, bem como, subsidiariamente, a indemnização pela anulação, se válida - processo que corre termos no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, sob o n.º 1096/16.9BEPRT (DOC. 44 PI).” (cf. documento junto aos autos a fls. 1910 e seguintes, SITAF);
F) O Acórdão identificado no ponto anterior apresentou ainda, em matéria de direito, os fundamentos que ora se destacam: “(...) Tendo o tribunal concluído que a anulação administrativa do contrato, sendo nula, apenas produz efeitos extintivos de facto, deve avaliar os danos indemnizáveis em função de um impedimento ilícito da pronúncia do Tribunal de Contas, enquanto condição legal de execução do contrato. Nos casos em que o contrato já celebrado se toma ineficaz por recusa de visto pelo Tribunal de Contas, tem sido, em regra, concedida, na jurisprudência portuguesa, uma indemnização pelo interesse contratual negativo - coloca-se o contraente privado («co-contratante») na situação patrimonial em que estaria se não fosse celebrado o contrato -, desde que a recusa de visto tenha como fundamento uma ilegalidade cometida pelo ente público, ou seja, imputável a negligência sua, enquanto entidade adjudicante ou contraente público. Neste sentido, entendeu o STA, no Acórdão de 23/09/2003, Proc. n.° 01527/02, num caso de recusa de visto pelo TC, além de que «não pode falar-se em incumprimento de um contrato que nunca entrou em vigor, por a sua vigência estar dependente da verificação de uma condição que nunca se verificou», que, nestes termos, a responsabilidade da Administração deverá ser apreciada à luz do disposto no artigo 227.º do Código Civil. Ou seja, «se o contrato não entrou em vigor não pode falar-se em incumprimento de obrigações dele decorrentes»; todavia, tal «não invalida (...) o nascimento da obrigação de indemnizar fundada na 'culpa na formação do contrato', uma vez que também nessa fase surgem deveres de boa fé - cfr. art. 227.º do C. Civil, cuja violação gera o dever de indemnizar». (...) Quanto à medida do dever de indemnizar, refere-se no último acórdão que a ineficácia do contrato por força da recusa de visto do Tribunal de Contas «não confere ao adjudicatário o direito de ser indemnizado por lucros cessantes», sendo que tal ineficácia «pode dar lugar à reparação pelos danos emergentes eventualmente sofridos». No entanto, nos casos em que a não concessão do visto tenha sido intencionalmente impedida pelo contraente público (por omissão de esclarecimentos ou retirada intencional do procedimento) - seja de forma lícita, por razões de interesse público, seja de forma ilícita, incumprindo uma obrigação contratual - a indemnização poderá corresponder ao interesse contratual positivo. E essa uma posição sustentada na jurisprudência administrativa, não apenas para estes casos de impedimento intencional directo, como também para outros de falta grosseira de diligência: o STA afirmou, por exemplo (no referido Acórdão de 23.09.2003), que se imporia a obrigação de indemnizar os lucros cessantes («lucro esperado com a realização do negócio, ou a execução do contrato») no caso de contrato ineficaz por falta de visto do Tribunal de Contas, se e quando o motivo gerador da recusa de visto seja «um motivo transponível e, apesar disso, a parte inadimplente o não remove» (o que não era porém a situação apreciada no aresto, já que, aí, a falta de visto do TC e a impossibilidade de o obter «tomaram intransponível o obstáculo à eficácia do contrato: a confiança legítima e merecedora de tutela não compreendia assim a possibilidade de realização do contrato, e, portanto, de obter o lucro esperado
com tal execução»). E isso não é de espantar, quando até se tem reconhecido, em grande medida por influência do direito europeu (designadamente para protecção e incentivo à concorrência no mercado comum), o direito a indemnização pelo interesse contratual positivo em situações menos avançadas no procedimento de formação do contrato: por exemplo, em caso de não adjudicação de uma «posição garantida» em concurso ou de não celebração do contrato com adjudicatário. Há, no entanto, para tal, um condicionalismo que a jurisprudência administrativa sempre exigiu que, nesses casos, fosse preenchido: a indemnização pelo interesse contratual positivo depende da prova, pelo concorrente lesado, de que, sem a actuação ilícita do contraente público, ele seria, garantidamente, adjudicatário ou co-contratante em termos de poder executar o contrato. Esse mesmo condicionalismo, que é afinal o pressuposto de qualquer obrigação indemnizatória, deve valer igualmente na hipótese que aqui importa, de um contrato já celebrado, mas, por força da lei, com a eficácia dependente da decisão de uma terceira entidade. Neste caso, o requisito pode ser formulado como condição negativa ou como condição positiva: é preciso que não se prove que o visto não seria em caso algum concedido pelo Tribunal, pelas razões (de legalidade financeira ou com consequências financeiras) que podem fundamentar a sua recusa; ou, numa formulação mais exigente, é preciso que se prove a probabilidade séria de o visto ser concedido. O tribunal entende, na linha da jurisprudência administrativa e de boa parte da doutrina, que a indemnização por interesse contratual positivo ou interesse no cumprimento só se justifica inteiramente quando haja direito à execução de um contrato válido e eficaz, e, por isso, quando o contrato não seja eficaz por falta de visto, só deve haver lugar a indemnização por lucros cessantes (relativos à execução ou cumprimento do contrato), quando a ineficácia resulte do impedimento intencional por parte do contraente público e desde que haja a probabilidade séria de que o visto teria sido concedido. 8. A indemnização pelo incumprimento no caso concreto. No caso concreto, houve, de facto, como se disse, impedimento ilícito, pelo contraente público, da conclusão do procedimento de visto, e, nessa medida, incumprimento de deveres legais e contratuais, mas não há a certeza ou sequer a probabilidade séria de que o visto seria concedido. Perante as circunstâncias conhecidas, pode afirmar-se até, num juízo de experiência, que seria mais provável a recusa do visto.
Desde logo, e fundamentalmente, porque o TC teve ocasião de, ao formular os pedidos de esclarecimento, deixar entender nitidamente que considerava aplicável no caso o regime das PPP. E este indício é tanto mais forte, quanto é certo que foi manifestado por duas vezes - a primeira vez, de forma aliás bastante clara, no processo de concurso público que antecedeu o procedimento de ajuste directo que culminou com a celebração do contrato de subconcessão em 26.10.2015 (v. ofício DECOP/UAT.2/2856/2015, de 22 de Junho de 2015 - Doc. 8 da PI) - e que, na segunda vez, o TC já conhecia a argumentação exaustiva com que a MDP defendera, na época, de forma convicta, a inexistência dessa ilegalidade, e que corresponde à sustentada no processo arbitral pela TDP. Acresce que, tendo a nova gestão da MDP um novo (e contrário) entendimento sobre a legalidade do procedimento por esta mesma entidade antes adoptado, não lhe seria objectivamente exigível, enquanto «órgão» de uma entidade pública, que repetisse a argumentação anterior em resposta aos esclarecimentos solicitados - e mesmo o mero oferecimento do mérito dos autos dificilmente poderia afastar as dúvidas do TC, tendo em consideração a sua amplitude. É claro que se poderia invocar, como faz a Demandante, que a ilegalidade procedimental não existe, que houve, apesar de tudo, o cumprimento material dos requisitos legais e que a ilegalidade não teria necessariamente de implicar a recusa do visto. Mas o tribunal não está em condições de avaliar a legalidade do procedimento contratual em termos que lhe permitam formar a convicção firme de que o TC acabaria por concluir, com grande probabilidade, pela legalidade financeira do contrato. Isso só seria pensável se a invocação dessa ilegalidade (o incumprimento do regime das PPP) constituísse um erro manifesto de apreciação - juízo que o tribunal já excluiu a propósito da interpretação do acto anulatório do contrato. Além de que, se é certo que uma ilegalidade procedimental pode não gerar a ilegalidade financeira, não é menos certo que, para o Tribunal de Contas, basta, para a recusa do visto, o simples perigo ou risco de que da ilegalidade constatada possa resultar a alteração do resultado financeiro - tanto mais que, no caso em apreço, as ilegalidades invocadas não são puramente procedimentais, referindo-se o TC muito especialmente à matriz de partilha de riscos definida no caderno de encargos («uma adequada atribuição de responsabilidades e partilha de riscos entre os parceiros públicos e privados»), tema que tem, obviamente, alcance financeiro. Diga- se, por fim, que o TC também solicitou esclarecimentos sobre o ajuste directo e, embora essa eventual ilegalidade, igualmente referida nos pareceres jurídicos que suportaram a decisão da MDP, acabasse por não ser invocada na anulação (da adjudicação e) do contrato, sempre poderia o TC nela se basear para a recusa de visto. Em suma, se não há a certeza de qual seria a posição do TC, não se pode afirmar que havia uma probabilidade séria de o visto ser concedido - não se está, por isso, perante uma «posição de resultado garantido» que a intervenção do contraente público tenha frustrado. Na realidade, a indemnização pelos lucros cessantes, não havendo esforço real de investimento, há de justificar-se, para lá da confiança, pelo direito ao cumprimento - ora, como a eficácia do contrato em apreço, quanto às prestações contratuais, dependia inteiramente, por estrito imperativo legal, da concessão do visto, a TDP era titular de um mero direito condicionado no que respeita à execução da subconcessão. Não se tendo verificado a condição, e não havendo probabilidade séria de ela se verificar, não se pode dizer que haja um direito ao cumprimento pontual do contrato - nem uma expectativa consolidada, sendo certo que a TDP sabia ou devia saber, que havia risco de o visto não ser concedido. Não se pode, por isso, concluir que a actuação do contraente público tenha privado a TDP do direito de executar o contrato - esse dano real só existiria se fosse seguro que, sem essa actuação, a TDP teria direito a operar a subconcessão. Esta situação é, pois, equiparável à de recusa de visto por actuação ilegal ou ilícita imputável ao contraente público: citando o STA no Acórdão de 18/10/2011, antes referido, os danos causados pelo contraente público ao co-contratante privado não decorrem do incumprimento do contrato (das prestações contratuais), mas da ineficácia do contrato. Não se está, pois, perante uma situação em que se deva reconhecer o direito do contraente privado a uma indemnização pelo interesse contratual positivo - isto é, o direito a ser colocado na situação em que estaria se o contrato tivesse sido integralmente cumprido. 9. Indemnização por perda de oportunidade. Poderia dizer-se, no entanto, que, tendo sido a MDP que provocou a situação de incerteza, sobre ela deveria recair o ónus da prova de que o visto não seria em caso algum concedido pelo Tribunal. E que, por isso, subsistindo apesar de tudo a dúvida, a TDP teria direito, se não a uma indemnização total pelo incumprimento do contrato, pelo menos, a uma indemnização parcial, em compensação pela perda de oportunidade de vir a ter uma decisão favorável do TC, que lhe permitisse adquirir o direito à execução do contrato - afinal, um dano emergente do desaparecimento de uma posição ou expectativa favorável. Embora este fundamento indemnizatório - a perda de chance - não esteja consagrado no direito positivo português, tem sido reconhecido na doutrina e na jurisprudência, nacional e europeia, civil e administrativa, entre outras matérias, justamente em sede de contratação pública. Trata-se de uma figura que apresenta especiais dificuldades no plano da causalidade e da avaliação do dano, por estar em causa um facto futuro e hipotético: a obtenção de um resultado vantajoso irremediavelmente frustrado. Mas, apesar de não estar prevista na lei, tem sido considerada um instrumento adequado para assegurar uma reparação ou compensação justa de danos reais e certos que não seriam (ou dificilmente seriam) indemnizáveis nos quadros tradicionais da responsabilidade civil. O tribunal entende, porém, que a referida privação ou perda de oportunidade, além das cautelas a que obriga a sua atipicidade no plano normativo, não pode ter uma solução unitária em termos indemnizatórios, estando em jogo diversos factores que tornam indispensável uma apreciação das circunstâncias do caso. Não é indiferente, desde logo, o grau de probabilidade de obtenção da vantagem e, portanto, a consistência da expectativa na execução do contrato. Interessa também saber se, perante a alegada privação da oportunidade, houve, ou não, reacção do interessado pelos meios e nos locais próprios. Do mesmo modo, importa apurar se, na sequência do comportamento gerador da perda de oportunidade, a Administração decidiu fazer algo de completamente diferente do que, sem ele, iria fazer, bem como, em caso negativo, se o particular pode ainda aceder aos benefícios económicos de um novo contrato. Ora, no caso concreto, os termos em que o TC reagiu perante o pedido de visto revelam uma posição de princípio desfavorável, que, juntamente com outras circunstâncias, não só levam a concluir pela inexistência de uma «probabilidade séria» de o visto vir a ser emitido, como geram, numa prognose póstuma, a percepção de que seria até mais provável a recusa - a oportunidade perdida não se corporiza, por isso, numa posição consistente ou numa expectativa objectivamente forte. Por outro lado, a TDP também contribuiu para a situação de incerteza, ao ter optado por um pedido de indemnização, sem pedir judicialmente a condenação da MDP no reatamento do procedimento de obtenção do visto, seja em primeira linha, baseada na nulidade do acto anulatório do contrato, seja em cumulação com a impugnação desse acto, ou, em qualquer caso, mediante requerimento de providência cautelar. Claro que se compreende a opção da TDP - que envolve a sua desvinculação das obrigações contratuais, pressupondo a impossibilidade de reconstituição natural e, portanto, de execução específica do contrato - tendo em conta a actuação da MDP e o contexto político-administrativo, que aqui adquire relevância jurídica, no sentido de comprovar essa impossibilidade prática. De facto, a posição firme do Governo no sentido da cessação deste contrato e a mudança radical de entendimento da MDP quanto à legalidade do procedimento adjudicatório, associadas à preparação de um procedimento concursal para a subconcessão, submetido aos termos do RJPPP (entretanto lançado), levam à inevitável conclusão de que, mesmo que o Tribunal de Contas concedesse o visto, a MDP promoveria a extinção do contrato celebrado com a TDP, por via de anulação judicial ou de resolução, assumindo a impossibilidade ou o grave prejuízo para o interesse público do respectivo cumprimento - não seria outra a sua posição, de acordo com as regras da experiência, nem poderia legitimamente sê-lo, por força do princípio da boa fé. Mas certo é que essa opção (de reconhecimento da extinção ou ineficácia definitiva do contrato como um facto consumado) faz com que a Demandante não esteja agora em condições de exigir, nem a indemnização por interesse contratual positivo, pela perda do contrato (a que teria direito seguramente se o visto fosse concedido e o contrato posteriormente resolvido ou anulado), nem também, dado que não tentou contribuir para desfazer a dúvida, uma indemnização parcial, em compensação pela perda da oportunidade de vir a executar o contrato (que ainda seria admissível, caso a dúvida sobrante fosse inteiramente imputável à Demandada, tendo o tribunal de encontrar um critério razoável para a quantificação do dano sofrido, com recurso a um juízo de equidade ou lançando mão das actuais metodologias altamente sofisticadas de cálculo de riscos). Finalmente, embora noutro plano, também é de considerar a recente abertura de novo procedimento de concurso público com vista à adjudicação da mesma subconcessão, que, para além de evidenciar que a MDP não voltou atrás no propósito de delegar a responsabilidade administrativa pela operação do sistema de transporte em causa a um terceiro, cria para a [SCom01...] uma oportunidade alternativa: a de, querendo, apresentar uma proposta contratual, que poderá até vir a ser vencedora. Por tudo isso, o tribunal entende que, apesar de a MDP ter cancelado ilicitamente o procedimento de concessão do visto, não há lugar, ponderadas todas as circunstâncias do caso, a uma indemnização da Demandante pela perda da oportunidade de obter um visto favorável e, em consequência, de vir a beneficiar da execução do contrato celebrado: a perda de oportunidade (ou de chance), para justificar uma indemnização, tem de configurar um dano - um «dano certo e real» (ainda que não quantificado), pelo menos ao abrigo da teoria do risco, isto é, a perda de uma posição favorável pré-existente (no caso, a perda efectiva da possibilidade de uma receita futura) - e uma privação que seja imputável ao comportamento do contraente público. 10. Indemnização pelo interesse contratual negativo. Não haverá dúvida, porém, de que, perante a actuação da MDP, que, depois de ter adjudicado e celebrado o contrato, e de ter encetado as diligências necessárias a assegurar a respectiva execução, promoveu, de forma unilateral e ilícita, a sua cessação e ineficácia, com fundamento em ilegalidade por ela própria cometida e que lhe é integralmente imputável, a TDP tem direito a uma reparação integral dos prejuízos sofridos de que essa actuação tenha sido causa adequada - direito que resulta do entendimento conjugado do artigo 22.° da Constituição, dos artigos 227.º e 483.º do Código Civil, e dos artigos l.º, n.º 5, 3/ e 7.º do Regime da responsabilidade patrimonial pública, aprovado pela Lei n.° 67/2007. Está em causa a frustração da confiança legítima do co-contratante privado na possibilidade de execução do contrato celebrado e do investimento fundado nessa confiança, que foi gerada por toda a actuação do contraente público, desde o convite para apresentação de propostas até à adjudicação e celebração do contrato, e frustrada, já no final da fase integrativa da eficácia, pela alteração da posição da MDP quanto à legalidade do procedimento - sendo certo que a ilegalidade invocada, como se viu, a existir, é da sua inteira responsabilidade e nada tem a ver com a TDP. Em regra, não sendo possível a reconstituição da situação natural, a obrigação de indemnização dos danos causados implica que a situação patrimonial do lesado seja reposta em termos de corresponder à situação que existiria se não se tivesse verificado o comportamento lesivo. No contexto do direito dos contratos públicos – e reconhecidas as especificidades decorrentes de uma responsabilidade mista, extracontratual, contratual e pré-contratual – a TDP, não tendo, pelas razões expostas, direito a ser colocada na situação em que estaria se o contrato fosse efectivamente executado, há de ter direito a ser indemnizada, integralmente, pelo interesse contratual negativo, ou interesse da confiança legítima, devendo ser colocada na situação em que estaria se não fosse o comportamento lesivo do contraente público, no caso, se não tivesse participado no procedimento e celebrado o contrato. Assim, a TDP tem direito a uma indemnização que cubra todos os custos efectivamente incorridos (danos emergentes) por causa da celebração do contrato outorgado em 26 de Outubro de 2015, que a MDP ilicitamente tornou ineficaz. Tendo em conta a situação de facto em concreto, a indemnização há de abranger os custos incorridos relacionados com a celebração do contrato e com a preparação da respectiva execução, incluindo, como é em geral admitido, os custos da própria participação no procedimento destinado a essa celebração, desperdiçados pela ineficácia definitiva do contrato causada pela actuação ilícita da MDP - no caso, incluindo os custos incorridos pela [SCom01...] (que criou para o efeito a TDP e à qual esta pertence inteiramente), enquanto concorrente e adjudicatário., que se considerem legitimamente transferidos para a TDP com a transmissão obrigatória do direito à celebração do contrato. Diga-se ainda que, muito embora não sejam logicamente cumuláveis a indemnização pelo interesse contratual positivo e pelo interesse contratual negativo, também numa óptica de compensação do mero interesse negativo não estaria excluída, à partida, a possibilidade de atribuir ao lesado uma indemnização por lucros cessantes, a título de «perda de chance». Como é sabido, a doutrina chama a atenção para o facto de o interesse contratual negativo poder assumir relevância «tanto sob o aspecto da afectação de valores já existentes na titularidade do lesado (dano emergente), como a respeito de vantagens que o mesmo deixou de auferir, ou porque não celebrou outros negócios que dependiam da conclusão do que se frustrou ou porque a expectativa deste desviou a sua actividade de outras direcções possíveis (lucro cessante)» («AA», Direito das Obrigações, 5.a ed., p. 310). Todavia, para que a Demandante pudesse reclamar, neste contexto, uma compensação por esta outra «perda de chance», teria de invocar e de demonstrar que, em virtude da participação neste procedimento que culminou com a subconcessão de 26.10.2015, se privou da participação em outros procedimentos contratuais em que teria uma real hipótese de vir a ser adjudicatária e de, consequentemente, aceder aos benefícios económicos resultantes da execução de tais contratos - mas acontece que a [SCom01...] nada invocou no processo nesse sentido, nem mesmo a título subsidiário. Tal como não invocou, aliás, o direito a ser ressarcida por eventuais danos não patrimoniais decorrentes da frustração do negócio ou do modo como ela ocorreu. Tendo em consideração o direito a indemnização assim definido, a qualificação e a quantificação dos danos indemnizáveis será feita, tal como decidido pelo tribunal, na sequência de proposta das partes, na fase seguinte do processo, em que se procederá à produção da prova indispensável para o efeito. (...) Termos em que o Tribunal decide: A) Quanto ao pedido de indemnização a título de lucros cessantes por alegada resolução unilateral do Contrato, absolver a Demandada; B) Quanto ao pedido de ressarcimento dos custos incorridos com a preparação da proposta apresentada, do contrato de subconcessão de 26.10.2015 e da respectiva execução: (i) Condenar a Demandada MDP ao pagamento à Demandante da quantia de 1.156.712,00 Euros (...); (ii) Condenar a Demandada MDP, nos termos previstos nos artigos 806.°, n.° 2 e 559.° n.° 1 do Código Civil, ao pagamento à Demandante de juros de mora sobre a quantia indicada, calculados à taxa aplicável, desde a notificação da petição inicial, em 3.10.2016, até à data do respectivo pagamento. (...)” (cf. idem);

G) A 08/10/2021, e no âmbito do processo que correu termos sob o n° 12/17.5BECPRT, o Venerando Tribunal Central Administrativo do Norte proferiu acórdão a julgar improcedente a impugnação da decisão arbitral identificada no ponto A), apresentada pela entidade “[SCom01...], S.A.” (cf. Acórdão 10074551631 Pág. 1 de 08/10/2021 11:02:151:

H) Ao longo do ano de 2017, a Ré lançou novo procedimento concursal, tendo adjudicado a outra entidade a subconcessão de exploração do metro do Porto (cf. acordo das partes).
*
Factos não provados:
Com pertinência para o conhecimento da lide, não se deram quaisquer factos como não provados.»

Apreciemos, enfim, as questões acima enunciadas e vejamos o que concluir dessa apreciação quanto o mérito do recurso.

1ª Questão
A sentença recorrida é nula, nos termos do artigo 615º nº 1 alª c) do CPC, porque contém uma ambiguidade que consiste em permitir qualquer um dos seguintes três entendimentos:
i) O Tribunal a quo assumiu o pressuposto (correcto) de que a indemnização arbitrai foi concedida por conta do interesse contratual negativo;
ii) O Tribunal a quo assumiu o pressuposto (errado) de que a indemnização arbitrai foi concedida por conta do interesse contratual positivo;
iii) O Tribunal a quo assumiu o pressuposto (correcto) de que a indemnização arbitrai foi concedida por conta do interesse contratual negativo, mas, simultaneamente, o pressuposto (incorrecto) de que o Tribunal Arbitrai decidiu que não poderia ser concedida uma indemnização pelo interesse contratual positivo de tal modo que se teria formado caso julgado nessa matéria, o que constitui também um pressuposto incorrecto;
Segundo a Recorrente, a ambiguidade resulta de em dois momentos do discurso de fundamentação da sentença recorrida, a Mª Juiz a qua aludir à decisão arbitral, quer como referida apenas ao interesse contratual negativo, quer como referida, também, ao positivo. Os excertos seriam os seguintes:
Primeiro momento:
"Ressuma com clareza, da leitura da fundamentação de direito da referida decisão, e parcialmente transcrita no probatório coligido supra, que procedeu o Tribunal Arbitrai à efectiva e devida ponderação de quais os danos classificados como indemnizáveis, se aqueles respeitantes à designado "dano de perda de chance", ao interesse contratual negativo ou ao interesse contratual positivo, tendo concluído, a final, que seria devido à "[SCom01...]" o montante ressarcitório equivalente ao interesse contratual negativo.”
Segundo momento:
"De acordo com a autoridade do caso julgado, está vedado ao Tribunal voltar a discutir quais os danos alegadamente suportados pela Autora, e reputados de indemnizáveis, em tal circunstância, tendo já sido firmado que só teria, aquela, direito a auferir os montantes atinentes ao interesse contratual positivo"
Daqui pareceria resultar possível que o Tribunal a quo tivesse partido de um pressuposto errado para decidir como decidiu: o pressuposto de que a indemnização concedida à [SCom01...], em sede do processo arbitral, fora, ou também fora por conta do interesse contratual positivo. E que foi por isso que a Mª Juiz a qua entendeu que se viria a estar (inelutavelmente) perante uma "duplicação de indemnizações".
Esta alegação é insustentável. Qualquer intérprete objectivo e isento da sentença recorrida conclui rapidamente que o adjectivo “positivo”, no segundo momento, se deveu a um lapso de atenção. Para tanto não é, sequer, necessário ir buscar apoio no inequívoco teor da decisão arbitral, que qualquer destinatário forense interpreta sem dificuldade. Na verdade, quer o contexto daqueles dois excertos da sentença recorrida, quer o próprio teor do excerto que literalmente refere o “interesse contratual positivo”, ilustram, para além de qualquer dúvida, que o que a declarante, Mª Juiz a qua, verdadeiramente queria escrever era “interesse contratual negativo”, suprindo, assim, uma contradição menos do que aparente, por que aparente apenas para quem não queira ver o lapso manifesto.
Quanto ao contexto, é inegável que todo o discurso da sentença veicula o entendimento de que se interpreta correctamente a decisão arbitral, isto é, que se interpreta a mesma como tendo condenado a Demandada no pagamento de uma indemnização na estrita medida do dano atinente ao interesse contratual negativo.
Isto não quer dizer, note-se, que a sentença recorrida considerou que a decisão arbitral versou apenas sobre o direito a uma indemnização em função do interesse contratual negativo, pelo contrário, a decisão arbitral é eloquente no sentido de que conhece também da alegação e do pedido do direito indemnizatório pelo interesse contratual positivo; simplesmente, nessa parte absolve a Demandada do pedido.
Também os termos literais desse supratranscrito excerto em que é referido o “Interesse contratual positivo” ilustram à saciedade que se trata de um lapsus calami, pois, sendo a indemnização pelo interesse contratual positivo, como é, um magis relativamente à mera indemnização pelo interesse contratual negativo, o advérbio “” apenas tem sentido como referido ao interesse contratual negativo.
A Sentença, como acto jurídico que é, pode e deve ser interpretada segundo as regras da interpretação da declaração negocial contidas no Código Civil, quando por mais não seja, por analogia com estas Cf. Ac. TRG proc.de 27/06/2019, proc. 606/06.4TBMNC-D.G1 e ac. STJ de 24/11/2020 proc. 22741/120YYLSB-A.L.1.S1, in www.dgsj.pt.
Nos termos do artigo 236º nº 1 do CC “a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele”.
Tanto basta para, atenta a evidência do lapso, acima exposta, o adjectivo “positivo”, no segundo segmento de texto citado pela recorrente ser correctivamente interpretado no sentido de se ter querido outrossim escrever “negativo”.
Desta feita fica esconjurada qualquer sombra de ambiguidade da sentença recorrida quanto ao modo como assumiu e considerou o dispositivo da decisão arbitral, pelo que não ocorre a nulidade de sentença, arguida pela recorrente.
É negativa, portanto, a reposta a esta primeira questão.

2ª Questão
A sentença recorrida releva de erro no julgamento de direito quando invoca, para fundamento do decidido, que a indemnização pedida nestes autos resultaria numa duplicação de “indemnizações” relativamente à indemnização já atribuída na decisão arbitral de 8/3/2018?

A recorrente alega que não há qualquer duplicação porque o objecto desta acção é uma indemnização pela lesão do interesse contratual positivo, quer dizer pelos lucros que deixou de obter por causa da anulação da adjudicação, ao passo que a decisão arbitral apenas considerou o interesse contratual negativo, isto é, os prejuízos incorridos com a preparação e a apresentação de uma candidatura a uma adjudicação e a celebração de um contrato de subconcessão que, afinal, não viria a ser executado.
Mas labora num pressuposto falso, a saber, esse de que a decisão arbitral apenas versou sobre o dano do interesse contratual negativo.
Na verdade, como já bosquejámos, a decisão arbitral, como resulta ex abundante do seu teor transcrito na alª E) dos factos provados, julgou procedente a pretensão indemnizatória da Autora, apenas quanto aos danos atinentes ao interesse contratual negativo, mas isso não quer dizer que não tenha versado sobre os danos atinentes ao interesse contratual positivo, simplesmente, quanto a estes, julgou não estar provada matéria de facto que conferisse tal direito à Autora, pelo que absolveu a entidade demandada da correspondente parte do pedido: « A) Quanto ao pedido de indemnização a título de lucros cessantes por alegada resolução unilateral do Contrato, absolver a Demandada;”
Quer dizer, no processo arbitral, foi pedido o ressarcimento dos danos emergentes da anulação ilícita da adjudicação e do contrato – tendente a colocar a Autora na situação patrimonial em que se encontraria se não tivesse preparado e apresentado a candidatura e preparado e celebrado o contrato adjudicado (interesse contratual negativo) – e o ressarcimento dos lucros cessantes – tendente a indemnizar a Autora pela não realização dos lucros que a execução do contrato lhe valeria – tendo o tribunal arbitral decidido que havia direito à primeira espécie de ressarcimento, mas não à segunda, com o que também versou sobre a segunda.
Deste modo, como a indemnização atribuída à Recorrente na decisão arbitral foi por conta de tudo aquilo a que se reconheceu que ela tinha direito, a indemnização pedida nestes autos, ainda que a Recorrente a impute apenas ao dano do interesse patrimonial positivo, nem por isso deixa de resultar numa duplicação relativamente àquela outra já atribuída.
Pelo exposto, é negativa, a resposta à presente questão.

3º Questão
A sentença errou no julgamento de direito, pois, em qualquer dos três sobreditos entendimentos possíveis não havia inutilidade da lide, já que nesta acção se pretende fundamentar o pedido indemnizatório por lucros cessantes (interesse contratual positivo) na inexistência das ilegalidades com fundamento nas quais a Ré – para se subtrair àquela espécie de obrigação de indemnização – emitiu o acto impugnado, em vez de resolver o contrato, acto que, este sim, era o devido na circunstância?
A Mª juiz a qua diz que a autoridade do caso julgado formado na decisão arbitral não permitiria desta feita, arbitrar qualquer indemnização do interesse contratual positivo e que quanto ao negativo tão pouco o pode fazer, porque essa já foi arbitrada.
A recorrente alega que “inexiste qualquer situação de caso julgado relativamente à indemnização por conta do interesse contratual positivo uma vez que resulta claro que o Tribunal a quo referiu que não estava em condições de se pronunciar sobre a (i)legalidade do procedimento pré-contratual, ou seja que não estava em condições de julgar o deferimento ou indeferimento de uma indemnização pelo interesse contratual positivo”.
Presumimos que a Recorrente, por lapso, quando diz “tribunal a quo” pretende referir-se ao arbitral, quer porque só assim a alegação tem algum sentido, quer porque é nessa decisão que encontramos um segmento de algum modo correspondente ao objecto desta alegação.
Lida, porém, na integra, a transcrição da decisão arbitral, o que se conclui é que o seu sentido foi, não o de não se pronunciar sobre o pedido de ressarcimento do dano no interesse contratual positivo – omissão, aliás, proibida (artigo 608º nº 2 do CPC) – mas sim o de absolver a demandada quanto a essa parte do pedido.
É certo que a mesma decisão deixa entender que se, porventura, a Autora tivesse carreado para o objecto da acção, alegando-os e provando-os, factos que implicassem que o contrato viria, ou deveria vir a ser, dotado de eficácia, designadamente por merecer o visto do Tribunal de Contas – o que, disse, tudo indicava não ser o caso – então poderia haver direito ao ressarcimento da perda dos lucros perdidos por via da não execução do contrato adjudicado (interesse contratual positivo). Mas isso não tem outro significado que não esse de ser uma esclarecedora explicitação da razão por que a Demandada vai absolvida do pedido de ressarcimento dos danos quanto ao interesse contratual positivo.
Sustenta, a Recorrente, que continua a haver utilidade desta acção, de demanda do ressarcimento do interesse contratual positivo, porque desta feita veio alegar, como causa de pedir, seja do pedido principal, seja do subsidiário, a inexistência das alegadas ilegalidades procedimentais pré-contratuais com base nas quais a Recorrida emitiu o acto impugnado, matéria que não foi submetida ao Tribunal Arbitral.
Porém, se porventura, por via disso – entre o mais – se pode dizer que não há uma repetição objectiva da causa nesta parte, isto é, não será caso da excepção dilatória do Caso Jugado, por se alegar, desta feita, factos que porventura o não foram no processo arbitral, nem por isso deixa de se impor a autoridade de caso julgado, formada na acção arbitral, também em relação à absolvição do aqui Réu quanto ao peticionado direito indemnizatório por lucros cessantes, impedindo que em nova acção se venha invocar com sucesso o mesmo direito.
Na verdade, se os efeitos da excepção do caso julgado se encontram expressamente vertidos na lei – absolvição do réu da instância – o mesmo não se poderá dizer acerca da autoridade do caso julgado, mercê da sua origem doutrinária e jurisprudencial.
O Supremo Tribunal de Justiça tem extraído da autoridade do caso julgado fundamento para a absolvição da instância – vide o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 10-10-2012, no âmbito do processo n.º 1999/11. Por seu turno, Miguel Teixeira de Sousa (in “Preclusão e “contrário contraditório””, Cadernos de Direito Privado, n.º 41, Janeiro/Março 2013, p. 25) sustenta que a autoridade do caso julgado não prefigura uma excepção dilatória e a sua observância deveria, como tal, determinar a improcedência da acção.
Tendo em conta a diferença conceptual entre a excepção e a autoridade do caso julgado – detendo a primeira um fito impeditivo de uma segunda acção, ao passo que esta última como que a pressupõe – afigura-se-nos correcta a tese de Miguel Teixeira de Sousa. Consideramos que a ocorrência da autoridade do caso julgado determina a absolvição do pedido, e não da instância, consubstanciada numa decisão de mérito.
Desta feita, a alegação de factos e juízos que não foram alegados oportunamente, isto é, que não foram alegados na acção em que o direito foi peticionado e negado – in casu, a acção arbitral – tão pouco confere utilidade à presente instância. É que a utilidade desta instância quanto à indemnização do dano atinente ao interesse contratual positivo está prejudicada pela autoridade do caso julgado da decisão arbitral.
Quanto aos danos emergentes da anulação do acto de adjudicação (por conta do interesse contratual negativo) esses, já foram atribuídos com trânsito em julgado pela decisão arbitral, como a própria recorrente reconhece.
É negativa, portanto, a resposta a esta outra questão.

Conclusão
Atentas as respostas negativas às três questões cuja alegação sustentava o recurso, o mesmo tem de improceder.

IV – Custas
As custas do recurso ficam exclusivamente a cargo da recorrente.
Tudo conforme decorre do artigo 527º do CPC.

V- Dispositivo
Pelo exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central em julgar improcedente o Recurso.
Custas pela Recorrente.

Porto, 20/12/2024

Tiago Afonso Lopes de Miranda
Ricardo Jorge Pinho Mourinho de Oliveira e Sousa
Maria Clara Alves Ambrósio