Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02595/12.7BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:10/21/2016
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL POR ATO LICITO; PREJUÍZOS ESPECIAIS E ANORMAIS;
PRESTADORES DE TRABALHO PÚBLICO – DESIGNAÇÕES.
Sumário:1 – A licitude do ato revogatório não salva necessariamente de eventual responsabilidade civil quem o emitiu. Em certos casos, a atuação da Administração, ainda que lícita, pode ser geradora de responsabilidade civil extracontratual, atendendo, designadamente, à tipologia dos danos provocados. É a indemnização pelo sacrifício, segundo a terminologia do artigo 16.º da LRC, que dita que “o Estado e as demais pessoas coletivas de direito público indemnizam os particulares a quem, por razões de interesse público, imponham encargos ou causem danos especiais e anormais, devendo, para o cálculo da indemnização, atender-se, designadamente, ao grau de afetação do conteúdo substancial do direito ou interesse violado ou sacrificado”.
2 - Os pressupostos em que assenta a responsabilidade civil do Estado por atos lícitos são:
(i) a prática de um ato lícito;
(ii) para satisfação de um interesse público;
(iii) causador de um prejuízo "especial" e "anormal";
(iv) existência de nexo de causalidade entre o ato e o prejuízo.
Prejuízo especial é aquele que não é imposto à generalidade das pessoas, mas a pessoa certa e determinada em função de uma relativa posição específica; prejuízo anormal o que não é inerente aos riscos normais da vida em sociedade, suportados por todos os cidadãos, ultrapassando os limites impostos pelo dever de suportar a atividade lícita da Administração.
3 - Se é certo que, nos termos do artº. 6º. do Cod. Civil, “a ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento …”, o que é facto é que as designações que sucessiva e legalmente foram sendo dadas àqueles que prestam serviço na Administração Pública, não deixam de contribuir ativamente para um conjunto de equívocos, quer por parte dos particulares, quer por parte da própria administração.
Com efeito, ao longo dos anos foram-se sucedendo expressões e designações várias, como Funcionário; Agente; Contrato de trabalho a termo resolutivo certo; a termo resolutivo incerto; relação jurídica de emprego público; Contrato de trabalho em funções públicas, por tempo indeterminado, determinado ou incerto etc., as quais foram gerando a dúvida quanto à qualidade do vínculo de cada um dos prestadores públicos, o que necessariamente condiciona e confunde quem tem intenção de se candidatar a um “emprego público”.
Terá sido pois esse facto equivoco que terá contribuído para a circunstância da Recorrida ter sido admitida como técnica de 2ª classe de Terapia da Fala na Recorrente, ter iniciado funções, para em momento ulterior, a própria entidade pública ter concluído que afinal a candidata admitida, não preenchia os pressupostos aplicáveis, por não deter “relação jurídica de emprego público previamente estabelecida…”, mas apenas “contrato individual de trabalho a termo certo”.
Quando a própria Administração não se entende e se equivoca quanto ao sentido e amplitude das designações funcionais dos seus prestadores de trabalho, não é expectável que os particulares dominem aquelas expressões e nomenclaturas, não lhes podendo ser assacada responsabilidade com o singelo argumento de que “a ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento …”, escamoteando e ignorando a sua própria responsabilidade.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Centro de Medicina de Reabilitação da Região Centro
Recorrido 1:CMET
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum - Forma Ordinária (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
I Relatório
O Centro de Medicina de Reabilitação da Região Centro, no âmbito da Ação Administrativa Comum intentada por CMET tendente à atribuição de indemnização por responsabilidade civil extracontratual, em decorrência dos prejuízos advindos da revogação de despacho de homologação de procedimento concursal a que se havia candidatado e no qual havia ficado classificada em 1º Lugar, e que determinou que tivesse pedido a rescisão do contrato que entretanto mantinha, com o Centro Hospitalar de Trás-os-Montes e Alto Douro (CHTMAD), inconformado com a Sentença proferida em 21 de janeiro de 2015 (Cfr. 307 a 328 Procº físico), a qual, em síntese, julgou procedente a Ação, veio interpor recurso jurisdicional da referida decisão, em 02/03/2015 (Cfr fls. 338 a 355 Procº físico), proferida em primeira instância, no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto.

Formula o aqui Recorrente/Centro nas suas alegações de recurso apresentadas, as seguintes conclusões:

“A) Conforme se alcança do teor da decisão recorrida o ato praticado pelo ora recorrente é um ato lícito, como se alcança do que consta da discussão da sentença recorrida, pelo que, na sequência desta constatação, entendeu-se que a referida “deliberação como um ato lícito, o que não se pode olvidar é que da sua prolação também podem advir consequências nefastas para o seu destinatário”.

B) Desenvolvendo esta ideia, reconhece a decisão recorrida, que a eventual indemnização é a indemnização pelo sacrifício, segundo a terminologia do artigo 16.° da LRC, enunciando os “pressupostos em que assenta a responsabilidade civil do Estado por atos lícitos são os seguintes: (i) a prática de um ato lícito; (ii) para satisfação de um interesse público; (iii) causador de um prejuízo "especial" e "anormal"; (iv) existência de nexo de causalidade entre o ato e o prejuízo”

C) Procurando aplicar os referidos critérios ao caso presente, apenas concorda o ora recorrente com a verificação do primeiro requisito enunciado na sentença recorrida, ou seja, que “a prática do ato lícito existe e reconduz-se à prolação da deliberação revogatória de 27/09/2011”.

D) Porém, existe manifesto erro na interpretação e aplicação da lei mencionada aos presentes autos, nomeadamente os artigos 2º. e 16º. daquele “Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas”.

E) Porém, deve proceder-se à ampliação da matéria de facto, pois, para além dos factos considerados provados, está desde logo documentalmente provado que a A. celebrou um contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo incerto como técnico especializado para a UEE de autismo e a rentabilizar para o concelho de Ovar, com o Agrupamento de Escolas de Ovar com início a quatro de outubro de dois mil e onze e términus a treze de agosto de dois mil e doze, com um horário semanal de 18 horas e auferindo a remuneração mensal ilíquida de 589,26€, como se alcança do ofício de 17 de Novembro de 2014 enviado pelo Agrupamento de Escolas de Ovar, o qual não foi objeto de qualquer impugnação, tendo sido comprovado pela A. quando confrontada pelo Mº. Juiz com esse documento no seu depoimento de parte, gravado digitalmente, consta do número 00:36:43 a 01:08:55 do CD/DVD original da sessão de julgamento de 6/11/2014.

F) Está igualmente provado que a A. recebeu prestação de desemprego no valor mensal atual de € 534,30, com data início em 2012-08-14 e termo em 2014-10-22, com base no mail de 19 de Setembro de 2014 enviado pelo Instituto da Segurança Social do Porto, o qual não foi objeto de qualquer impugnação, tendo sido comprovado pela A. quando confrontada pelo Mº. Juiz com esse documento no seu depoimento de parte, gravado digitalmente, consta do número 00:36:43 a 01:08:55 do CD/DVD original da sessão de julgamento de 6/11/2014.

G) Como refere o Cons. Carlos Cadilha, na sua obra “Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas Anotado” (Coimbra, 2011, nota 2 ao art.º. 16º., pág. 362), “No âmbito desta específica forma de responsabilidade recai o direito ressarcitório por atos administrativos lícitos ou por ações praticadas em estado de necessidade administrativa, a que se referem os nºs. 1 e 2 do artigo 9.° do Decreto-Lei n.° 48 051, mas também o direito de indemnização por atos políticos ou legislativos que se não enquadre na previsão do antecedente artigo 15.° A interdição de circulação de navios nas águas territoriais ou proibição de acostagem em portos nacionais, nos casos em que não ocorra uma evidente violação das regras do transporte marítimo, o encerramento de postos diplomáticos por motivo de guerra ou de tumulto, ou, no quadro das relações internas, o não reconhecimento de uma situação de calamidade pública (impedindo o acesso das autarquias locais a auxílios financeiros especiais legalmente previstos — artigo 8.°, n.™ 3 e 5, da Lei n.° 2/2007, de 15 de Janeiro) são algumas das situações que poderão configurar, em concreto, a responsabilidade civil pela imposição de sacrifício fora do estrito quadro da relação jurídica administrativa”.

H) Existe a defesa do interesse público, quando o dano decorre da construção de um viaduto por cima e ao lado de uma casa de habitação, e, de um modo geral, da construção de uma obra que determine a diminuição de valor de um prédio, ou dificuldades no respetivo acesso, bem como se decorre da integração de um prédio em zona de RAN ou de REN, ou decorre da proibição/restrição/limitação de circulação rodoviária imposta a alguém, pelo que tem de haver um interesse público específico para determinada situação concreta que deva ser prosseguido pela Administração Pública ou pelo legislador.

I) Não é o que acontece com a revogação de ato ferido de ilegalidade, em que se visa obstar a que se consolide na ordem jurídica um ato intrinsecamente ofensivo dessa ordem jurídica, que pressupõe que os atos administrativos sejam legais, ou conformes com as normas legais, como aliás, já foi decidido já pelo Ac. do STA de 11/2/2009, proferido no processo 0217/08, publicitado em http://www.dgsi.pt/jsta,

J) Deste modo, a simples revogação de uma anterior deliberação, ilegal e portanto anulável, não traduz a satisfação de qualquer interesse público, que limite os direitos dos cidadãos ou lhe cause prejuízo, pois que, essa limitação ou causa de prejuízos estaria quando muito no anterior ato que definiu os requisitos do ato concreto a praticar.

K) No caso concreto, o interesse público a prosseguir era a contratação de uma técnica de terapia da fala e o ato revogado era apenas o meio de satisfazer esse interesse, pelo que o ato revogatório da homologação do concurso a que a A. concorreu não visa a satisfação de qualquer interesse público, tal como o pressupõe o artº. 16º. do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado.

L) Como refere o acórdão do STA, de 19/12/2012, proferido no processo n.º 01101/12, em www.dgsi.pt/jsta, citado na sentença recorrida, onde se define o que é um dano especial, está é aquele dano que “não é imposto à generalidade das pessoas, mas a pessoa certa e determinada em função de uma relativa posição específica; prejuízo anormal o que não é inerente aos riscos normais da vida em sociedade, suportados por todos os cidadãos, ultrapassando os limites impostos pelo dever de suportar a atividade lícita da Administração”.

M) A formulação do acórdão é a que resulta da transcrição do texto do artº. 2º. do já mencionado Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e interpretando devidamente aquele artº. 2.º, Só são indemnizáveis os danos ou encargos que incidam sobre uma pessoa ou um grupo, sem afetarem a generalidade das pessoas (dano especial), e que simultaneamente ultrapassem os custos próprios da vida em sociedade e mereçam, pela sua gravidade, a tutela do direito (dano anormal).

N) Ora, no caso dos autos, os danos reclamados pela A. não são especiais, pois podem ser sofrido por quaisquer pessoas ou cidadãos a quem sejam revogados atos que lhes são favoráveis, mas são viciados por violação da lei, nem são anormais, porque correspondem aos danos que sofreriam todos os cidadãos que perdessem o seu emprego, que apesar da falsa alegação da A., não foi o que ocorreu à A. que conseguiu emprego, poucos dias depois de receber a comunicação da revogação do ato homologatório do concurso em que participou, aberto pelo R.

O) Consequentemente, atento o disposto no artº. 16º. do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, os eventuais danos sofridos pela A. com a revogação do ato homologatório do resultado do concurso a que se referem os presentes autos, não são danos indemnizáveis, nos termos do artº. 2º. do mesmo Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas.

P) O nexo de causalidade entre o facto dito lesivo e os danos que se diz que dele resultaram tem de apreciar-se naturalisticamente e só existe causalidade adequada entre um facto e o dano, quando esse facto é adequado naturalisticamente a causar o dano, nomeadamente pela imediatividade entre esse facto e o dano.

Q) Nos presentes autos, o ato dito lesivo foi praticado em 27/9/2011, como resulta do facto provado número 10 e a A. “rescindiu o contrato individual de trabalho que celebrara com o CHTMAD, por requerimento com data de entrada de 05/07/2011 e cessação de funções a 30/07/2011 (cf. fl. 156, frente e verso, e 157 dos autos)”, como se alcança do facto nº. 8 considerado provada.

R) Para além de faltar a imediatividade, pois um facto ocorrido em 27/9/2011 não tem a virtualidade de causar um dano que se produziu em 5/7/2011 – quase 3 meses antes -, também não existe adequação entre estes dois factos naturalisticamente, pois a causalidade adequada pressupõe que o dano seja causa direta e imediata do ato lesivo, nos termos do artº. 563.º do Código Civil, que consagra a teoria da causalidade adequada, “devendo adotar-se a sua formulação negativa correspondente aos ensinamentos de Ennecerus-Lehmann, segundo a qual a condição deixará de ser causa do dano sempre que seja de todo indiferente para a produção do dano e só se tenha tornado condição dele, em virtude de outras circunstâncias extraordinárias” (Ac. do STA de 26/9/2002, proferido no processo 0487/02 e disponível em www.dgsi.pt/jsta.

S) Consequentemente, também falece aqui o nexo de causalidade adequada necessário à responsabilização do ora recorrente, pois não tendo sido o ato revogatório proferido na prossecução de qualquer interesse público, bem como não existindo danos especiais e anormais, também não existe nexo de causalidade adequada, nos termos legais, entre o ato dito lesivo e os danos que a A. alega ter sofrido.

T) Por isso, não pode a presente ação proceder, nem ao menos parcialmente, pelo que deve ser revogada a sentença recorrida, com fundamento na violação do disposto nos artigos 2º. e 16º. do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, aprovado pela Lei nº. 67/2007, de 31 de Dezembro.

U) No artigo 5.3 do aviso de abertura exigia-se ao candidato que fosse “titular de uma relação jurídica de emprego público previamente estabelecida, por tempo indeterminado, determinado, ou determinável, no âmbito do Ministério da Saúde, nos termos do despacho do Secretário de Estado da Administração Pública n.º 1335/2009/SEAP, de 12 de Outubro” e resultou da prova produzida que a A. não detinha a referida qualidade, que corresponde na gíria popular, a ser “funcionário do quadro”.

V) Apesar de alegar no seu depoimento, que não sabia o que isso significava, o certo é que a A. também referiu que não consultou ninguém, nomeadamente advogado, para se aconselhar sobre o assunto.

X) Nos termos do artº. 6º. do Cod. Civil, “a ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas”, norma esta que se aplica não só no âmbito do direito civil, mas também, no âmbito do direito sancionatório, quer contraordenacional geral, quer contraordenacional fiscal.

Y) Atua negligentemente quem, perante um aviso de concurso não sabendo o significado da expressão “titular de uma relação jurídica de emprego público previamente estabelecida”, mesmo assim decida concorrer, sem se esclarecer se era ou não titular de uma relação jurídica de emprego público previamente estabelecida,

Z) Foi o facto de a A. ter concorrido ser ter os necessários requisitos nomeadamente o de ser “titular de uma relação jurídica de emprego público previamente estabelecida” que determinou todo o demais processado, porquanto todas as outras candidatas foram eliminadas por não possuírem esse requisito, quando apenas a A., por razões que não foi possível determinar, também não foi excluída.

AA) Se a A. tivesse sido diligente e se tivesse informado sobre se reunia ou não todos os requisitos para ser admitida e não tivesse concorrido para a produção para a produção dos danos que sofreu através da apresentação de uma candidatura sujeita ao fracasso, como aconteceu, não ocorreriam quaisquer danos, pelo que foi a A. com o seu comportamento culposo que contribuiu de forma muito significativa para a produção dos danos que sofreu, pelo que, se houvesse lugar a qualquer indemnização – que não há, como vimos -, ela deveria ser excluída com fundamento na culpa do lesado.

BB) Na sua petição inicial, alega a A. que na sequência do despacho de 27/9/2011, ficou desempregada (artº. 34º. da p.i.), sem poder aceder ao subsídio de desemprego (artº. 35º. da p.i.), passando a viver da ajuda de familiares (artº. 36º. da p.i.), mas, como se alcança dos factos, cujo aditamento se requer e dos documentos juntos aos autos pelas entidades em causa, a A. celebrou um contrato de trabalho em funções públicas a termo resolutivo incerto como técnico especializado para a UEE de autismo e a rentabilizar para o concelho de Ovar, com o Agrupamento de Escolas de Ovar com início a quatro de outubro de dois mil e onze – 7 dias após o despacho de anulação do concurso - e términus a treze de agosto de dois mil e doze, com um horário semanal de 18 horas e auferindo a remuneração mensal ilíquida de 589,26€, bem como a A. recebeu prestação de desemprego no valor mensal atuai de € 534,30, com data inicio em 2012-08-14 e termo em 2014-10-22.

CC) A A. omitiu os factos relativos aos seus rendimentos para tentar convencer o tribunal e só por requerimento do R. se pode descobrir a real situação da A. e, se não agiu com dolo – que não é fácil de aceitar, pois não podia a A. ter esquecido na ta em que propôs a ação, 12/10/2012, que trabalhara cerca de 10 meses, até Agosto de 2012 em Ovar -, agiu, pelo menos, com negligência grosseira, pelo que tem de ser condenada como litigante de má-fé, em multa e indemnização ao R.

DD) Pelo exposto, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, que violou por manifesto erro de interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 2º., 4º. e 16º. do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, aprovado pela Lei nº. 67/2007, de 31 de Dezembro, bem como o artº. 563º. do Cod. Civil, proferindo-se nova decisão que, de harmonia com as conclusões que se deixam formuladas, absolva o R. do pedido, condenando-se a A. como litigante de má-fé, em multa e indemnização ao R., como é de lei e de JUSTIÇA!”

Por Despacho de 18 de março de 2015 foi admitido o recurso interposto (Cfr. Fls. 357 Procº físico).
Em 21 de abril de 2015 veio a Recorrida/CMET a apresentar as suas contra-alegações de Recurso (Cfr. Fls. 360 a 374 Procº físico), nas quais, a final, concluiu:
“I - Não recorre da matéria de facto o Recorrente, pelo que se conclui não merecerem reparo os factos dados como provados e por isso fixados nos autos, sendo tais factos os que têm de ser tidos em conta na apreciação do mérito da causa.
II - Aplicou assim o Tribunal a quo corretamente a Lei aos factos assentes e que foram objeto de prova realizado em audiência.
III - Bem esteve o Tribunal ao considerar como verificados nos autos todos os pressupostos fundamentais da responsabilidade civil extracontratual do Estado por factos lícitos praticados pelo Recorrente.
IV - Retirou e bem o Tribunal a quo as consequências legalmente previstas para a verificação desses pressupostos.
V - Não merece, assim, a decisão recorrenda qualquer censura ou reparo.
VI - Carecem assim de fundamento legal as conclusões do Recorrente;
VII - Deve assim o presente Recurso ser julgado totalmente improcedente por inexistirem quaisquer razões de ato ou direito que posam conduzir a alteração produzida.
VIII - Não deve assim reconhecer-se razão ao alegado no presente recurso e nesta conformidade deve confirmar-se na íntegra a decisão recorrida, porque a mesma obedece ao cumprimento de todos os pressupostos em que assenta a razão de ser da ação proposta pelo que a Douta decisão se limita a repor alguma Justiça.
Espera-se assim que V.ª Exma. façam a costuma e adequada justiça”
O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 19 de maio de 2015, nada veio dizer, requerer ou Promover.
Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA, onde se suscita, designadamente, a necessidade de verificação do invocado erro na interpretação e aplicação do regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo considerou a seguinte factualidade:
“1.º - Em 03/08/2009, entre a A. e o CHTMAD foi outorgado um contrato individual de trabalho a termo certo, pelo prazo de 12 meses, para a categoria profissional de Técnico de Diagnóstico e Terapêutica, Terapeuta da Fala, acordando as partes, quanto à renovação, o seguinte: “acordam que no final do prazo estipulado…não existindo uma declaração das mesmas cessando a presente relação contratual, a mesma renova-se por igual período de tempo se outro não for ajustado pelas partes” (cf. fls. 21 a 28 dos autos);
2.º - Em Maio de 2011, no CHTMAD, o vencimento base da A. ascendia a €1.020,06, auferindo em termos líquidos a quantia de €994,90 (cf. fl. 29 dos autos);
3.º - Em 28 de Março de 2011, o R. fez publicar no DR, II série, o aviso n.º 7699/2011, anunciando o procedimento concursal para ocupação de 1 posto de trabalho da categoria de técnico de 2.ª classe de Terapia da Fala, da carreira de técnico de diagnóstico e terapêutica, na modalidade de contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, colocando como requisito especial no ponto 5.3 do aviso o seguinte: “Ser titular de uma relação jurídica de emprego público previamente estabelecida, por tempo indeterminado, determinado ou determinável, no âmbito do Ministério da Saúde, nos termos do despacho do Secretário de Estado da Administração Pública n.º 1335/2009/SEAP, de 12 de Outubro” (cf. fls. 30 a 32 dos autos);
4.º - A A. foi a única candidata admitida ao concurso supra, excluídas as demais com o fundamento de “não serem titulares de uma relação jurídica de emprego público, previamente estabelecida, no âmbito do Ministério da Saúde, conforme é exigido no aviso de abertura” (cf. fls. 33 e 34 dos autos);
5.º - A A. foi entrevistada pelo júri do concurso e obteve a nota de 20 valores (cf. fls. 37 e 38 dos autos);
6.º - A A. alcançou a classificação final de 17,04 valores e foi incluída como candidata única na lista de classificação final (cf. fls. 39 a 42 dos autos);
7.º - O Serviço de Gestão de Recursos Humanos do R. remeteu as atas do júri para homologação do Conselho de Administração, que homologou a lista de classificação final pela deliberação de 20/06/2011 (cf. fl. 43 dos autos);
8.º - A A. rescindiu o contrato individual de trabalho que celebrara com o CHTMAD, por requerimento com data de entrada de 05/07/2011 e cessação de funções a 30/07/2011 (cf. fl. 156, frente e verso, e 157 dos autos);
9.º - O R. abonou a A. no mês de Agosto/2011, como Técnico de 2.ª Classe, Terapia da Fala, com a remuneração base de €714,04, auferindo naquele mês o valor líquido de €664,55 (cf. fl. 44 dos autos);
10.º - Pelo ofício n.º 1285, o R. notificou a A. da deliberação de 27/09/2011, que revogou o ato de homologação da lista de classificação final, de 20/06/2011, com o seguinte teor (cf. fls. 45 a 48 dos autos):
(Dá-se por Reproduzido o Documento Constante da Decisão de 1ª Instância – Artº 663º nº 6 CPC)
11.º - Terminado o procedimento concursal, o R. chamou a A. para nele prestar serviço, pois tinha urgência naquela sua colaboração;
12.º - A A. tem no seu trabalho a sua única fonte de subsistência;
13.º - A A. teve a ajuda dos pais com vários montantes monetários, por forma a acorrer às suas necessidades básicas;
14.º - A situação vivida com a revogação do ato homologatório e com o abandono de funções no R. provocou na A. um abalo psicológico e depressão.”

IV – Do Direito
Decidiu-se em 1ª Instância:
1.º - Condenar o R. a pagar à A. uma indemnização por danos patrimoniais equivalente ao vencimento base e subsídios que a A. auferiria caso tivesse continuado ao serviço do CHTMAD desde 01/08/2011 até 02/08/2012, acrescido da compensação pela caducidade do contrato, conforme o vertido no artigo 344.º, n.º 2, do Código do Trabalho, descontada, todavia, do valor relativo ao vencimento que a Impetrante chegou a receber do R. em Agosto de 2011 e da maquia atinente às remunerações mensais que a A. logrou receber do Agrupamento de Escolas de Ovar, de 04/10/2011 a 02/08/2012, por conta do Contrato de Trabalho em Funções Públicas a Termo Resolutivo Incerto para o desenvolvimento de projetos especiais de enriquecimento curricular (cf. as fls. 44, 157 e 289 a 296 dos autos);
2.º - E condenar o R. a pagar à A. uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de €2.000,00 (dois mil euros).”
Como se decidiu em 1ª instância´, estamos perante responsabilidade civil extracontratual decorrente de ato lícito.
Pela sua relevância para o enquadramento daquilo que aqui está em questão, infra se transcreverá o essencial do “direito” da Decisão Recorrida:
“É certo que não está aqui em causa a responsabilidade civil extracontratual emergente de ato ilícito, mas sim de ato lícito. Conforme decorre do probatório, o R. deparou-se com um erro de facto e de direito cometido no decurso do procedimento concursal, apercebendo-se, a páginas tantas, que a Impetrante havia sido admitida ao concurso como candidata única, mas sem preencher o requisito especial fixado no ponto 5.3 do aviso de abertura, que aos candidatos exigia o seguinte: “Ser titular de uma relação jurídica de emprego público previamente estabelecida, por tempo indeterminado, determinado ou determinável, no âmbito do Ministério da Saúde, nos termos do despacho do Secretário de Estado da Administração Pública n.º 1335/2009/SEAP, de 12 de Outubro”.
Ora, foi precisamente este pressuposto que a A. não cumpria e que, em condições de normalidade, teria ditado a sua exclusão do procedimento.
Só que o júri do concurso assim não viu e não decidiu, naquilo a que o próprio R. assumiu na contestação como um “manifesto lapso” ou “erro”, deixando que o procedimento prosseguisse o seu curso, avançando para as fases da entrevista, da lista de classificação final e até à homologação, sem que ninguém desse conta do vício. De seguida, após a homologação, a A. chegou mesmo a iniciar funções nas instalações do Impetrado, que, inclusive, a abonou com a remuneração do mês de Agosto de 2011, conforme se pode ver pelo talão de vencimento da fl. 44 dos autos, onde se pode constatar que lhe atribuiu um número mecanográfico, conferiu-lhe a categoria de Técnico de 2.ª Classe e imputou-a a um centro de custo na área da Terapia da Fala. Portanto, até este preciso momento, o R. não pode eximir-se à responsabilidade e à autoria do cenário que criou, pois, a qualquer funcionário recém-entrado num serviço público, os elementos atrás apontados só podiam legitimamente sugerir a expetativa de que tudo estaria em conformidade para o início duma nova carreira profissional.
Mas, uma vez detetado o erro de facto e de direito quanto à admissão da A. no concurso, é evidente que o R. a tal não podia fechar os olhos, porquanto, no estrito cumprimento do princípio da legalidade a que está adstrito, impunha-se-lhe apenas um caminho legal. E só podia ser a revogação do ato homologatório de 20/06/2011, por ser inválido, e do próprio procedimento concursal, aniquilando, assim, a ilegalidade cometida a montante, tudo em conformidade com os artigos 138.º e 141.º do CPA. Foi isto mesmo que veio a acontecer com a deliberação do R. de 27/09/2011, cuja legalidade aqui não está em crise. Contudo, ainda que se repute a predita deliberação como um ato lícito, o que não se pode olvidar é que da sua prolação também podem advir consequências nefastas para o seu destinatário, não se podendo dizer que a licitude da deliberação revogatória significa a sua inocuidade ou que a Administração, a coberto da legalidade, nada terá a ver com as suas consequências, sobretudo, se forem danosas para o administrado.
De facto, a licitude do ato revogatório não salva de eventual responsabilidade civil quem o emitiu. Em certos casos, a atuação da Administração, ainda que lícita, pode ser geradora de responsabilidade civil extracontratual, atendendo, designadamente, à tipologia dos danos provocados. É a indemnização pelo sacrifício, segundo a terminologia do artigo 16.º da LRC, que dita o seguinte: O Estado e as demais pessoas coletivas de direito público indemnizam os particulares a quem, por razões de interesse público, imponham encargos ou causem danos especiais e anormais, devendo, para o cálculo da indemnização, atender-se, designadamente, ao grau de afetação do conteúdo substancial do direito ou interesse violado ou sacrificado.
O sumário do douto acórdão do STA, de 19/12/2012, proferido no processo n.º 01101/12, “in” www.dgsi.pt, elencou de forma elucidativa quais os pressupostos para a efetivação da responsabilidade que ora se discute e que, a nosso ver, ainda se mantêm atuais:
“I - Os pressupostos em que assenta a responsabilidade civil do Estado por atos lícitos são os seguintes:
(i) a prática de um ato lícito;
(ii) para satisfação de um interesse público;
(iii) causador de um prejuízo "especial" e "anormal";
(iv) existência de nexo de causalidade entre o ato e o prejuízo.
II - Prejuízo especial é aquele que não é imposto à generalidade das pessoas, mas a pessoa certa e determinada em função de uma relativa posição específica; prejuízo anormal o que não é inerente aos riscos normais da vida em sociedade, suportados por todos os cidadãos, ultrapassando os limites impostos pelo dever de suportar a atividade lícita da Administração”.
Indaguemos, então, cada um dos pressupostos acima indicados:
i) A prática do ato lícito existe e, como atrás já explicámos, reconduz-se à prolação da deliberação revogatória de 27/09/2011;
ii) O interesse público que foi garantido pelo R. com a emissão de tal ato administrativo foi o de caucionar que ao seu serviço só é admitido o candidato que cumpre plenamente com os requisitos especialmente fixados no aviso de abertura. No fundo, foi o respeito pelo princípio da legalidade que sempre deve pautar a atuação administrativa aquilo que o Impetrado asseverou com a sua decisão revogatória;
iii) Ato causador de danos “especiais e anormais”. Para melhor esclarecimento sobre este item, transcreve-se do mesmo acórdão um excerto mais desenvolvido, nos seguintes termos:
“4. Sobre o assunto segue-se de perto o acórdão de 29.5.03, proferido no recurso 688/03, que relatámos: “O presente recurso jurisdicional, deduzido no âmbito de uma ação emergente de responsabilidade civil extracontratual do Estado por atos lícitos, incide exclusivamente sobre a caracterização dos danos sofridos pelo autor e a sua qualificação como "especiais" e "anormais". Os contornos desse tipo de responsabilidade estão delineados no art.º 9, n.º 1, do DL 48051, de 21.11.67, segundo o qual "O Estado e demais pessoas coletivas públicas indemnizarão os particulares a quem, no interesse geral, mediante atos administrativos legais ou atos materiais lícitos, tenham imposto encargos ou causado prejuízos especiais e anormais". Os pressupostos em que assenta esta responsabilidade são, assim, resumidamente, os seguintes:
i) a prática de um ato lícito;
(ii) para satisfação de um interesse público;
(iii) causador de um prejuízo "especial" e "anormal";
(iv) existência de nexo de causalidade entre o ato e o prejuízo (acórdãos STA de 21.1.03 no recurso 990/02, de 10.10.02 no 48408, de 16.5.02 no recurso 509/02 e de 25.5.00 no recurso 41420, entre muitos outros).
No caso, como se disse, o recorrente, aceitando os demais, apenas discute a caracterização dos danos sofridos pela recorrida como "especiais" e "anormais".
(…)
Na responsabilidade dos entes públicos por danos emergentes de atos ilícitos não se condiciona o dever reparatório do Estado à verificação de um dano especial e grave. Nestes casos, mesmo que o número de lesados seja grande e os prejuízos de pequena gravidade, vigora sempre, verificados os pressupostos da responsabilidade, o princípio do ressarcimento de todos os danos.
(…)
Também a jurisprudência deste Tribunal (STA) navega na mesma onda extraindo-se do acórdão de 21.1.03, proferido no recurso 990/02, que "Por prejuízo especial entende-se o que não é imposto à generalidade das pessoas, mas a pessoa certa e determinada em função de uma relativa posição específica; por prejuízo anormal aquele que não é inerente aos riscos normais da vida em sociedade, suportados por todos os cidadãos, ultrapassando os limites impostos pelo dever de suportar a atividade lícita da Administração". Conclui-se, portanto, que a especialidade do dano decorre do desigual tratamento, que apenas atinge um ou alguns, no sentido de violar o princípio da igualdade, e a anormalidade resulta da sua gravidade intrínseca, não assimilável à normal compressão de direitos ou à imposição de pequenos encargos que a ação administrativa e a vida em sociedade naturalmente comportam.
O ressarcimento dos danos provocados por atuações administrativas lícitas tem seguramente um carácter evolutivo podendo dizer-se que quanto mais evoluída e próspera é uma sociedade maior deverá ser a sua capacidade indemnizatória em relação às vítimas das suas intervenções, tomadas, afinal, em proveito de todos” (pode ver-se, no mesmo sentido, toda a jurisprudência posterior deste STA, designadamente, o acórdão de 9.12.08, proferido no recurso 1088/02 e outra aí citada…”.
Entremos no caso em apreço. Não há dúvida de que todos devem suportar a atuação lícita da Administração, pois, como atrás indiciámos, o fim último será sempre o de afiançar que para o serviço da causa pública se escolham os servidores mais bem preparados, com maior e melhor experiência profissional, sendo legítimo que se prefiram aqueles que já detêm essa experiência dentro duma determinada entidade pública e com um vínculo específico, como a relação jurídica de emprego público previamente estabelecida no âmbito do Ministério da Saúde, atenta, quiçá, a particularidade da prestação dos cuidados de saúde. Até este ponto nenhuma censura se pode fazer à decisão do R., precisamente, porque é legítimo impor aos administrados que suportem a legalidade.
Contudo, nalguns casos, arcar com a licitude da decisão administrativa pode ter um reflexo direto na vida do destinatário para além do razoavelmente admissível. Assim é quando os prejuízos sejam “especiais” e “anormais”. Relembremos alguns dos factos do caso em análise. A A. encontrava-se vinculada ao CHTMAD por contrato individual de trabalho e decidiu candidatar-se ao procedimento concursal lançado pelo R. com vista a ocupar um posto de trabalho por contrato em funções públicas por tempo indeterminado. Uma vez admitida ao concurso, realizada a entrevista e colocada a Impetrante como candidata única na lista de classificação final, deu-se a homologação desta lista pelo órgão dirigente do R., corroborando com este ato administrativo todos os termos e atos procedimentais realizados a montante.
Ato contínuo, sabemos que uma vez terminado o procedimento concursal o R. chamou a A. para nele prestar serviço, “pois tinha urgência naquela sua colaboração”. Ora, porque seria incompatível para a A. a manutenção dos dois vínculos laborais em simultâneo, até em termos de horário de trabalho, é óbvio que, primeiro, teria de fazer cessar o contrato de trabalho que estabelecera com o CHTMAD e só depois é que poderia iniciar funções no ora Réu. E assim fez a Impetrante, rescindindo o contrato atrás referido. Esta é uma decisão normal, igual a tantas outras que vários cidadãos já tiveram de tomar ao longo do seu percurso profissional.
Contudo, o que aqui é especial e anormal foi o se seguiu à factualidade atrás aludida. Como vimos e resultou da prova testemunhal produzida em audiência, o R. até tinha alguma “pressa” na contratação duma terapeuta da fala. É neste contexto que a A. inicia funções no Impetrado no início de Agosto de 2011, dá o seu contributo profissional durante algumas semanas, ocupando as instalações do R. e chegando a ser abonada como servidora do mesmo, o que facilmente se comprova pela análise ao já mencionado recibo de vencimento de Agosto de 2011 (cf. a fl. 44 dos autos). Eis então que a A. se viu confrontada com a deliberação de 27/09/2011, que revoga o ato homologatório dos resultados do concurso que a levara àquele local de trabalho, o que significou, ao fim e ao cabo, o corte imediato da sua prestação laboral e o abandono do local de trabalho, pois não chegou sequer alguma vez a formalizar o vínculo com o Impetrado.
É nesta parte que esta situação é “especial”, porque, em face da “relativa posição específica” que a A. ocupou no procedimento concursal, só ela foi atingida diretamente pela decisão revogatória do R. e não a generalidade das candidatas que se haviam apresentado ao concurso, até porque só à Impetrante o júri do concurso foi permitindo que avançasse sozinha as diversas fases do procedimento.
Aliás, em primeira linha, eram os elementos do júri do concurso e, depois, noutro nível, os funcionários e responsáveis do serviço de recursos humanos do R. aqueles a quem impendia o ónus de supervisionar ou perscrutar a regularidade concursal antes mesmo de apresentar o procedimento à homologação do conselho de administração, pois, se o tivessem feito de forma diligente e zelosa, o desfecho, com certeza, teria sido outro e a A. não teria sido colocada na situação em que acabou por se ver confrontada, isto é, num “beco sem saída”, pois, por um lado, teve de abandonar o posto de trabalho no R. e, por outro lado, já não pôde regressar ao CHTMAD em virtude da rescisão contratual.
Ora, esta não é uma situação normal, não é um pequeno sacrifício ou um mero aborrecimento, porquanto, em contrapartida da decisão revogatória não se vê que vantagens sociais ou qual a compensação doutra ordem que a A. possa ir buscar.
Em suma, entende-se que o caso entre mãos cumpre os pressupostos da especialidade e anormalidade dos prejuízos, a começar logo por aquilo que é bem evidente, a perda repentina do posto de trabalho, a desocupação e a falta do salário, mas também pelos danos não patrimoniais comprovados, o abalo psicológico e a depressão que a Autora sofreu.
Analisemos agora a vertente da denominada “culpa do lesado”, que o R. tentou assacar contra a Impetrante.
Não diga o R. que foi a A. quem “desencadeou um processo concursal”, pois bem sabe que a competência para o exercício de tal poder funcional a si pertence e não à candidata.
Importa também dizer que da prova testemunhal produzida em audiência final não ficou demonstrada a tese do R. de que a A. teria “ardilosamente” dado uma “golpada”. Ninguém confirmou esta hipótese, valendo a pena frisar o que se disse na fundamentação da matéria de facto não provada a propósito desta situação: “A testemunha Ana Isabel Santos, administradora hospitalar ao serviço do R., afirmou que nunca a A. lhe havia dito que tinha uma relação jurídica de emprego público; A testemunha Sónia Matos, 2.ª vogal do júri do concurso, afirmou em Tribunal que não sentiu que a A. as tivesse querido enganar ou ludibriar (aos elementos do júri); A testemunha Sérgio Gouveia, o Coordenador Técnico do Serviço de Recursos Humanos do R., quando questionado na audiência final sobre a hipótese da A. ter enganado ou ludibriado o Impetrado, respondeu franca e prontamente que “não”, “nunca”, “pelo contrário”, “nem de longe”, dizendo ainda que se calhar nem a A. saberia que não estava legal”.
Aliás, o júri do concurso e o R. é que não podiam ignorar a situação concreta da A., mormente, no que tange ao tipo de vínculo que a mesma estabelecera com o CHTMAD e com o qual se apresentara ao procedimento concursal, porquanto, consta de forma bem expressa e evidente do requerimento de apresentação ao concurso, subscrito pela própria Impetrante, que esta exercia funções naquele Centro Hospitalar “em regime de Contrato Individual de Trabalho a Termo Certo”, o mesmo constando da declaração emitida pelo CHTMAD, que instruiu documentalmente o processo de candidatura, donde novamente se extrai a referência bem clara ao “regime de Contrato Individual de Trabalho a Termo Certo” (cf. as fls. 94 a 96 do processo administrativo apenso). Ora, como facilmente se depreende, a A. nada escondeu, cabendo ao júri do concurso e, em última análise, ao próprio R., o dever de estarem mais atentos à discrepância entre o regime contratual detido pela A. e o requisito especial fixado no ponto 5.3 do aviso de abertura.
Finalmente, convém não esquecer que a A. não tinha formação jurídica, nem se tratava duma candidata a lugares relacionados com o manuseamento diário de legislação, mas antes para uma área ligada tecnicamente à saúde, não lhe sendo, por isso, exigível saber com precisão o que significa o conceito de “relação jurídica de emprego público” e quais as situações laborais antecedentes que no mesmo podem caber, bem se vendo que a A. nada sabia sobre o assunto, posto que, quando ouvida em audiência final sobre este concreto ponto, a título de declarações de parte, respondeu que, para si, “relação jurídica de emprego público” é o mesmo que “trabalhar numa instituição que é pública”, “por ser um hospital público” ou “por trabalhar em contexto hospitalar”. Como se vê, a Impetrante não fazia a mínima ideia do significado de “relação jurídica de emprego público”. E mais espantoso ainda é o facto do júri do concurso ter excluído todas as demais candidatas que se apresentaram ao procedimento sem cumprir aquele requisito especial, não detetando, todavia, a falta do mesmo quanto à Impetrante. Se outras razões existiram para tal situação, cabia ao R. alegá-las e prová-las, coisa que nesta ação não fez.
Quer isto dizer, então, que tendo em conta os elementos de prova disponíveis neste processo o Tribunal afasta qualquer “culpa do lesado” ou concorrência de culpas para o efeito da determinação do montante indemnizatório.
Prosseguindo, demos conta até ao presente momento da verificação dos pressupostos fixados para a responsabilidade civil extracontratual por ato lícito, ou, hodiernamente, para a “indemnização pelo sacrifício”. É tempo de se fixar o valor indemnizatório, devendo-se ter em atenção, entre outros, o critério fixado no artigo 16.º da LRC, que é o seguinte: o “grau de afetação do conteúdo substancial do direito ou interesse violado ou sacrificado”. Trata-se duma fórmula abrangente, suscetível de integração pelas particularidades de cada caso concreto.
Indaguemos a quantificação dos danos patrimoniais elaborada pela Autora. A Impetrante pede €25.424,12 pelas remunerações que deixou de auferir no CHTMAD e €17.720,00 pelo valor máximo de subsídio de desemprego que auferiria após a quebra do contrato com aquele Centro Hospitalar. Vejamos se a A. tem razão nas quantias pedidas.
O contrato de trabalho outorgado com o CHTMAD, sujeito a termo certo, foi outorgado em 03/08/2009, não podendo a sua duração exceder os três anos, conforme o artigo 148.º, n.º 1, alínea c), do Código do Trabalho. Portanto, se o contrato em causa podia perdurar até ao início de Agosto de 2012 e vendo-se que o CHTMAD nisso teria interesse, pois em Março de 2012 até recrutara dois terapeutas da fala em regime de contrato de trabalho a termo certo (cf. a fl. 299 dos autos), o que mostra bem a necessidade de tais profissionais naquela unidade hospitalar, só podemos concluir que do lado da Impetrante era legítimo o interesse em ver o seu contrato renovado pela 2.ª vez e, assim, continuar a prestar o seu trabalho no CHTMAD até, pelo menos, ao mês de Agosto de 2012, o que só não aconteceu em virtude de se ter abalançado para o concurso promovido pelo R., que teve o desfecho já aqui conhecido.
A ser assim, o montante indemnizatório será equivalente ao vencimento base e subsídios que a A. auferiria caso tivesse continuado ao serviço do CHTMAD desde 01/08/2011 até 02/08/2012, acrescido da compensação pela caducidade do contrato, conforme o vertido no artigo 344.º, n.º 2, do Código do Trabalho, descontado, todavia, do valor relativo ao vencimento que a Impetrante chegou a receber do R. em Agosto de 2011 e da maquia atinente às remunerações mensais que a A. logrou receber do Agrupamento de Escolas de Ovar, de 04/10/2011 a 02/08/2012, por conta do Contrato de Trabalho em Funções Públicas a Termo Resolutivo Incerto para o desenvolvimento de projetos especiais de enriquecimento curricular (cf. as fls. 44, 157 e 289 a 296 dos autos).
Quanto ao valor do subsídio de desemprego reclamado pela A., entende-se que o mesmo se apoia numa mera conjetura, porquanto, não seria o R. o responsável pela rutura contratual, mas sim o CHTMAD, não sendo também certo que a Impetrante recairia no desemprego por três anos seguidos, já que, como vimos, em Outubro de 2011 até conseguiu obter uma colocação para prestar funções no Agrupamento de Escolas de Ovar.
Finalmente, quanto aos danos não patrimoniais, já atrás nos referimos aos efeitos que a decisão revogatória do Impetrado provocou na A., destacando-se o “abalo psicológico” e a “depressão”. Percebe-se, face às regras da experiência comum da vida, o desgosto que é para qualquer administrado ver gorada a expetativa de ingressar no quadro de pessoal duma entidade pública, sobretudo, depois de até ter iniciado funções na mesma e, pouco tempo decorrido, ter de a abandonar, como aqui aconteceu com a A., que já não pôde voltar ao local de trabalho anterior, vendo-se forçada a procurar empregos precários.
Na verdade, os danos não patrimoniais, assumem, “in casu”, uma gravidade que nos leva a dizer que são merecedores da tutela do direito, conforme preceitua o artigo 496.º, n.º 1, do Código Civil, cujo montante será fixado equitativamente. Acontece que se reputa o valor pedido (€6.000,00) de exagerado, considerando-se que, ao abrigo da equidade usada pelo Tribunal, será suficiente a fixação do valor de €2.000,00 (dois mil euros).”
Vejamos então o suscitado
A este propósito, entre muito outros, sumariou-se no Ac. deste TCAN, em 10/12/2010, in proc. 152/04, que "Este dever de indemnizar nasce, assim, à margem de qualquer ilicitude e censura jurídica, entrosando-se, antes, na circunstância de ter sido imposto ao administrado, em nome do interesse público, um sacrifício que ultrapassa os encargos normais que decorrem da vida em sociedade, ou de um sacrifico que seja grave e especial.”

Temos como necessários para que se preencha o caso de responsabilidade por atos lícitos, o facto, o dano especial e anormal, e o nexo de causalidade entre aquele e este [Cfr Artº 483º e 563º do CC].

A doutrina e a jurisprudência vêm construindo, desde há muito, a noção de prejuízo especial e anormal, tendo-se destacado, a respeito da noção da especialidade, a teoria da intervenção individual, e quanto à noção de anormalidade, a chamada teoria do gozo standard. A primeira, põe o seu enfoque na especialidade do resultado da intervenção, ou seja, na incidência do ato sobre uma só pessoa ou grupo de pessoas, de forma que será especial aquele prejuízo que não é imposto à generalidade das pessoas, mas a pessoa ou a grupo de pessoas certo e determinado, em função de uma específica posição relativa dessa pessoa ou desse grupo. A segunda, parte da garantia do gozo médio ou standard dos bens que pertencem aos particulares, de tal forma que será anormal o prejuízo que se traduz na ablação total ou parcial desse gozo standard. O prejuízo indemnizável deve, pela sua gravidade, pela sua importância, pelo seu peso, ultrapassar o carácter de um ónus natural decorrente da vida em sociedade.

Como também ficou sumariado no Acórdão deste TCAN nº 01290/06BEBRG de 15-03-2012, ainda reportado ao DL nº 48.051, “No caso da responsabilidade por atos lícitos (…) o Estado e demais pessoas coletivas públicas indemnizarão os particulares a quem, no interesse geral, mediante atos administrativos legais ou atos materiais lícitos, tenham imposto encargos ou causado prejuízos especiais e anormais.
Nesta situação, prescinde-se dos requisitos da ilicitude e da culpa, apenas se exigindo que os prejuízos causados, para ser indemnizáveis, sejam especiais e anormais.
Por prejuízo especial entende-se aquele que não é imposto à generalidade das pessoas, mas a pessoa certa e determinada em função de uma específica posição relativa; por prejuízo anormal aquele que não é inerente aos riscos normais da vida em sociedade, suportados por todos os cidadãos, ultrapassando os limites impostos pelo dever de suportar a atividade lícita da Administração.”

Os prejuízos serão qualificados de especiais e anormais quando ultrapassem os pequenos transtornos que são inerentes à atividade administrativa, que decorrem da natureza da própria atividade, e se configuram como um custo a suportar pela própria integração social, ou seja, são danos que vão onerar, pesada e especialmente, apenas algum ou alguns cidadãos, sobrecarregando-os de forma desigual em relação a todos os demais.

O que caracteriza a especialidade e anormalidade do prejuízo é, pois, o facto deste, pelo seu carácter e volume, exceder aquilo que é razoável fazer suportar ao cidadão normal socialmente integrado.

Assim, a especialidade e a anormalidade são traços distintivos do prejuízo ressarcível, relativamente ao ónus natural do risco e da vida em sociedade. Atuam como verdadeiros travões ao princípio de que o Estado, e demais entes públicos, deverão reparar os danos causados pela sua crescente atividade. E surgem como verdadeiros conceitos indeterminados, carecidos de preenchimento valorativo na aplicação ao caso concreto.

Evidencia-se que o prejuízo especial e anormal aqui reconhecido, ainda que decorrente da revogação do ato de homologação concursal, consubstancia-se e resulta diretamente do facto da Recorrida se ter visto confrontada com a necessidade de rescindir o contrato que mantinha com o CHTMAD, ficando assim inesperadamente no desemprego.

Também a determinação do nexo de causalidade, nos tipos de responsabilidade em causa, adquire relevo autónomo, de modo que vem sendo entendido que a pretensão de indemnização só existe a favor do destinatário imediato do ato impositivo do sacrifício. O nexo de causalidade, assim, não deverá fixar-se apenas em termos de adequação concreta entre facto e dano, mas também em termos de imediatividade entre o facto e dano, o que significa que, por esta via, se estabelece novo elemento-travão, em ordem a evitar a sobrecarga do tesouro público, limitando o reconhecimento de um dever indemnizatório ao caso dos danos inequivocamente graves e imediatos.

A este respeito, referiu-se também no Ac. do Colendo STA de 9/12/2008, in proc. 1088/08 que "são pressupostos fundamentais da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas de direito público, por atos lícitos praticados no domínio de gestão pública, prevista no artº 9º do DL nº 48.051, de 21.11.67:
(i) Um ato lícito do Estado ou de outra pessoa coletiva pública;
(ii) Praticado por motivo de interesse público;
(iii) Um prejuízo especial e anormal;
(iv) Nexo de causalidade entre o ato e o prejuízo.
Por prejuízo especial entende-se aquele que não é imposto à generalidade das pessoas, mas a pessoa certa e determinada em função de uma específica posição relativa; por prejuízo anormal aquele que não é inerente aos riscos normais da vida em sociedade, suportados por todos os cidadãos, ultrapassando os limites impostos pelo dever de suportar a atividade lícita da Administração.
O princípio da igualdade dos cidadãos na repartição dos encargos públicos constitui o fundamento axiológico deste tipo de responsabilidade, traduzindo a refração do princípio geral da igualdade em igualdade de contribuição dos cidadãos no suporte daqueles encargos".

Alude-se ainda ao Ac. do Colendo STA de 2/12/2010, in proc. nº 0629/10 que "na verdade, a propósito do requisito da anormalidade e especialidade de que o artigo 9º do DL nº 48051, de 21-11-1967, faz depender o direito de indemnização dos particulares pelos prejuízos causados por ato lícitos praticado pela Administração, escreve-se no acórdão deste STA de 2-12-2004, Proc.º nº 670/04, que “o princípio da igualdade dos cidadãos na repartição dos encargos públicos constitui o fundamento axiológico deste tipo de responsabilidade, traduzindo a refração do princípio geral da igualdade, em igualdade de contribuição dos cidadãos no suporte daqueles encargos.
Daí que se exija a existência de um prejuízo especial (não imposto à generalidade das pessoas, mas a pessoa certa e determinada em função de uma específica posição relativa) e anormal (não inerente aos riscos normais da vida em sociedade, suportados por todos os cidadãos), condicionando-se o dever de indemnizar à verificação de tais requisitos.
A “especialidade” e a “anormalidade” dos prejuízos decorrentes de atuações lícitas da Administração, constituem pois um duplo condicionamento para efeito de efetivação de ressarcimento de tais danos, limitando naturalmente o âmbito de aplicação do instituto a casos de manifesta inusualidade”.

São pois, como se viu abundantemente, pressupostos deste tipo de responsabilidade, a produção de danos; nexo causal entre a conduta e os danos; que os danos advenham de prejuízos especiais e anormais; que tais encargos ou prejuízos sejam impostos a um ou alguns dos particulares, na prossecução do interesse geral.

Resulta esquemática e cronologicamente dos factos dados como provados e no que aqui predominantemente releva, o seguinte:
- Em 03/08/2009, entre a A. e o CHTMAD foi outorgado um contrato individual de trabalho a termo certo, pelo prazo de 12 meses, (…) renovável por igual período de tempo se outro não for ajustado pelas partes”
- Em 28 de Março de 2011, o R. fez publicar no DR, II série, o aviso n.º 7699/2011, anunciando o procedimento concursal para ocupação de 1 posto de trabalho da categoria de técnico de 2.ª classe de Terapia da Fala, da carreira de técnico de diagnóstico e terapêutica, na modalidade de contrato de trabalho em funções públicas por tempo indeterminado, colocando como requisito especial no ponto 5.3 do aviso o seguinte: “Ser titular de uma relação jurídica de emprego público previamente estabelecida, por tempo indeterminado, determinado ou determinável, (…);
- A A. foi a única candidata admitida ao concurso supra, excluídas as demais com o fundamento de “não serem titulares de uma relação jurídica de emprego público, previamente estabelecida, no âmbito do Ministério da Saúde, conforme é exigido no aviso de abertura”
- A A. alcançou a classificação final de 17,04 valores e foi incluída como candidata única na lista de classificação final
- O Serviço de Gestão de Recursos Humanos do R. remeteu as atas do júri para homologação do Conselho de Administração, que homologou a lista de classificação final pela deliberação de 20/06/2011
- A A. rescindiu o contrato individual de trabalho que celebrara com o CHTMAD, por requerimento com data de entrada de 05/07/2011 e cessação de funções a 30/07/2011
- Terminado o procedimento concursal, o R. chamou a A. para nele prestar serviço, pois tinha urgência naquela sua colaboração;
- O R. abonou a A. no mês de Agosto/2011, como Técnico de 2.ª Classe, Terapia da Fala,
- Pelo ofício n.º 1285, o R. notificou a A. da deliberação de 27/09/2011, que revogou o ato de homologação da lista de classificação final, de 20/06/2011
- A situação vivida com a revogação do ato homologatório e com o abandono de funções no R. provocou na A. um abalo psicológico e depressão.”

Da súmula dos factos dados como provados resultam manifestos prejuízos e danos que não podem considerar-se normais, inerentes aos riscos normais da vida em sociedade e que são suportados por todos os cidadãos e sem que se mostrem ultrapassados os limites impostos pelo dever de suportar a atividade lícita da Administração.

Com efeito, a circunstância da aqui Recorrida, no seguimento de concurso, ter sido admitida como terapeuta da fala no identificado Centro de Medicina, tendo iniciado funções, o que determinou que tivesse tido de rescindir o contrato de trabalho que detinha com o CHTMAD, são motivos só por si suficientes para que não se possa concluir que os prejuízos reclamados se considerem como normais, merecendo a tutela do direito.

A revogação do ato de homologação da relação contratual com a aqui Recorrida, apesar de constituir uma intervenção legítima e licita, não deixou de determinar perniciosas consequências, pois que, em bom rigor, a fez perder, de uma vez só, dois empregos.

Se é certo que, nos termos do artº. 6º. do Cod. Civil, “a ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento …”, o que é facto é que as designações que sucessiva e legalmente foram sendo dadas àqueles que prestam serviço na Administração Pública, não deixam de ter contribuído ativamente para um conjunto de equívocos, quer por parte dos particulares, quer por parte da própria administração.

Com efeito, ao longo dos anos foram-se sucedendo expressões e designações várias, como Funcionário; Agente; Contrato de trabalho a termo resolutivo certo; a termo resolutivo incerto; relação jurídica de emprego público; Contrato de trabalho em funções públicas, por tempo indeterminado, determinado ou incerto etc., as quais foram gerando a dúvida quanto à qualidade do vínculo de cada um dos prestadores públicos, o que necessariamente condiciona e confunde quem tem intenção de se candidatar a um “emprego público”.

Terá sido pois esse facto equivoco que terá contribuído para a circunstância da aqui Recorrida ter sido admitida como técnica de 2ª classe de Terapia da Fala na Recorrente, ter iniciado funções, para em momento ulterior, a própria entidade pública ter concluído que afinal a candidata admitida, não preenchia os pressupostos aplicáveis, por não deter “relação jurídica de emprego público previamente estabelecida…”, mas apenas “contrato individual de trabalho a termo certo”.

Quando a própria Administração não se entende e se equivoca quanto ao sentido e amplitude das designações funcionais dos seus prestadores de trabalho, não é expectável que os particulares dominem aquelas expressões e nomenclaturas, não lhes podendo ser assacada responsabilidade com o singelo argumento de que “a ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento …”, escamoteando e ignorando a sua própria responsabilidade.

Em conclusão, refira-se que os danos apurados constituem um sacrifício superior e mais intenso do que o normalmente imposto aos outros membros da coletividade, pelo que, sem uma indemnização por essa privação, ficaria em causa a ideia da necessária igualdade de todos perante os encargos públicos que justifica o dever público, de compensar os prejuízos especiais e anormais.

A matéria factual provada é assim e em qualquer caso apta e suficiente à demonstração do nexo de causalidade entre a revogação do ato homologatório do concurso, que havia determinado o início de funções da Recorrida, e os prejuízos resultantes de ter rescindido o seu anterior contrato e ter ficado inopinadamente desempregada, até pelo recurso às regras da experiência comum (Cfr. artigo 349.º C. Civil).

Reconhece-se assim o preenchimento de todos os requisitos de responsabilidade civil extracontratual por facto lícito, determinante da constituição da aqui Recorrente na obrigação de compensar a então Autora, tal como decidido em 1ª instância.

Por outro lado e em reforço da conclusão a que se chegou, diga-se que «As regras da experiência não exigem certezas científicas, não são perícias, nem exames donde resultem aquelas certezas, mas informações reais que a vida ensina na verificação empírica de resultados produzidos.» - Ac. do STJ, de 22-02-2013, proc. n.º 420/06.7GAPVZ.P1.S2.
No que respeita ao invocado argumento do Recorrente segundo o qual não foram considerados na factualidade dada como provada, os rendimentos entretanto auferidos pela Recorrida noutras entidades (Agrupamento de Escolas de Ovar), essas circunstâncias foram expressamente consideradas e atendidas no segmento decisório da decisão de 1ª instância, em face do que tal omissão não teve quaisquer consequências a final.

No que concerne ao subsídio de desemprego que a Recorrida terá recebido, reportando-se o mesmo ao período posterior a 12 de agosto de 2012, aqui não releva, na medida em que a indemnização decidido se refere ao período de 04/10/2011 a 02/08/2012, pelo que não há qualquer sobreposição. Acresce que a atribuição do referido subsídio de desemprego decorrerá do termo do contrato com o referenciado Agrupamento de Escolas de Ovar e não da relação funcional aqui controvertida.

Relativamente aos danos não patrimoniais, tendo sido dado como provado que “A situação vivida com a revogação do ato homologatório e com o abandono de funções no R. provocou na A. um abalo psicológico e depressão”, entende-se que o valor fixado e considerando os pressupostos que lhe estão subjacentes, se mostra adequado, equilibrado e proporcional.

* * *
Deste modo, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão proferida em 1ª instância.

Custas pelo Recorrente

Porto, 21 de outubro de 2016
Ass.: Frederico de Frias Macedo Branco
Ass.: Rogério Martins
Ass.: Luís Migueis Garcia