Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00165/10.3BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/10/2017
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Hélder Vieira
Descritores:LICENCIAMENTO OBRA PARTICULAR; TEMPUS REGIT ACTUM
INFORMAÇÃO PRÉVIA FAVORÁVEL; PROJECTO DE ARQUITECTURA APROVADO
REVISÃO DE PLANO DIRECTOR MUNICIPAL; MEDIDAS PREVENTIVAS
Sumário:I — O ordenamento do território emerge de uma ponderação de interesses diversos, públicos e privados, que desde logo resulta da própria Constituição na medida em que consagra o princípio da colaboração de vários sujeitos de direito público no procedimento de formação dos planos, bem como o direito de participação dos particulares na sua elaboração.
II — Este princípio de democracia participativa na elaboração dos planos tem a finalidade de fazer chegar ao conhecimento dos órgãos administrativos competentes os interesses de que são portadores para que o plano reflicta uma justa ponderação.
III — Da ponderação circunstanciada dos interesses em causa e do cumprimento do princípio da proporcionalidade em matéria de planeamento territorial pode também decorrer a necessidade de integração nos planos directores municipais de um regime particular para as situações que lhe são preexistentes.
IV — Os instrumentos normativos de planeamento urbanístico podem decidir no sentido da caducidade dos direitos decorrentes de prévias decisões, afectando, assim, situações constituídas antes da sua entrada em vigor (artigo 143º, nº 3, do Decreto-Lei nº 380/99, de 22 de Setembro, e actualmente artigo 171º, nº 2, do Decreto-Lei nº 80/2015, de 14 de Maio), e também podem, por maioria de razão, salvaguardar as situações jurídicas iniciadas na vigência de anteriores instrumentos normativos, mas que ainda não alcançaram decisão definitiva sobre a pretensão urbanística a concretizar.
V — Nas situações em que a licença venha a ser emanada na vigência do novo plano tendo as respectivas informação prévia favorável ou aprovação do projecto de arquitectura sido emanadas antes da sua entrada em vigor, aquela não será nula por violação do plano se este contiver uma norma expressa de salvaguarda de tais situações jurídicas.
VI — E também não será nula por violação do princípio tempus regit actum (artigo 67º do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, aprovado pelo Decreto-Lei nº 555/99, de 16 de Dezembro) quando é o próprio plano que, em face da exigência de conformidade com as normas legais e regulamentares aplicáveis em vigor à data da prática do acto, ao regular expressamente uma situação transitória, admite a emissão da licença nos termos constantes dos actos prévios (v.g., aprovação do projecto de arquitectura e informação prévia favorável) que a condicionam.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:RARZL e AMCZL
Recorrido 1:Município do Porto
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I – RELATÓRIO

Recorrentes: RARZL e AMCZL

Recorrido: Município do Porto

Contra-interessada: ME, Engenharia e Construções, SA

Vem interposto recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou improcedente a supra identificada acção administrativa especial, na qual foi impugnado acto de licenciamento de obra particular, com pedido, designadamente, de declaração da sua nulidade.

O objecto do recurso é delimitado pelas seguintes conclusões das alegações de recurso(1), aqui vertidas em singelo, por se revelar idêntico o teor das alegações e respectivas conclusões que cada Recorrente autonomamente apresentou:

A) “AO NÃO RECONHECER A INVALIDADE DO ACTO ADMINISTRATIVO SINDICADO, O DOUTO ACÓRDÃO VIOLOU O ARTIGO 67° DO RJUE E INTERPRETOU INCORRECTAMENTE O ARTIGO 17°, N° 3 DO MESMO REGIME JURÍDICO, OFENDENDO, ADEMAIS, O ARTIGO 335° DO CÓDIGO CIVIL E O ARTIGO 134° DO CÓDIGO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO E OS ARTIGOS 50°, N.°1, 51° E 58°, N° 1 DO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS.

B) POIS RECUSOU A APLICAÇÃO DO ESTABELECIDO PELO ARTIGO 67° DO REGIME JURÍDICO DA URBANIZAÇÃO E EDIFICAÇÃO QUE (I) É DE NATUREZA IMPERATIVA E (II) NÃO CONTEMPLA. COMO RESULTA DA SUA LETRA, QUALQUER OUTRA EXCEPÇÃO QUE NÃO SEJA A CONSAGRADA NO SEU ARTIGO 60°.

C) TAL DISPOSIÇÃO CONSAGRA O PRINCÍPIO "TEMPOS REGIT ACTUM", DO QUAL DECORRE QUE A VALIDADE DOS ACTOS ADMINISTRATIVOS DE GESTÃO URBANÍSTICA, DESIGNADAMENTE A LICENÇA DE CONSTRUÇÃO, SE AFERE SEGUNDOS OS PARÂMETROS LEGAIS E REGULAMENTARES EM VIGOR NO MOMENTO DA SUA PRÁTICA, CONFORME JURISPRUDENCIA DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO SINTETIZADA NO ACÓRDÃO DE 25 DE MARÇO DE 2009, IN WWW.DGSI.PT.

D) TAL PRINCIPIO NÃO PODE CAIR OU SER SACRIFICADO PERANTE OS EFEITOS QUE O DEFERIMENTO DO PEDIDO DE INFORMAÇÃO PRÉVIA POSSA TER EVENTUALMENTE PRODUZIDO NOS TERMOS DO ARTIGO 17°, N° 3 DO RJUE, PORQUE A INFORMAÇÃO PRÉVIA FAVORÁVEL CONSTITUI APENAS UMA VINCULAÇÃO DA AUTORIDADE ADMINISTRATIVA NA DECISÃO DE UM EVENTUAL PEDIDO DE LICENCIAMENTO.

E) NÃO CONFERE NENHUM PARTICULAR OU ESPECIAL DIREITO AO INTERESSADO QUE NÃO SEJA O DE EXIGIR À ADMINISTRAÇÃO QUE, NA SITUAÇÃO CONCRETA, RESPEITE A ORIENTAÇÃO QUE DEFINIU MEDIANTE A INFORMAÇÃO PRESTADA, EM ANTECIPAÇÃO DAQUILO QUE, COM GRANDE PROBABILIDADE SERÁ A DECISÃO FINAL DO PROCEDIMENTO E DENTRO DA QUAL DEVERÁ SER CONFORMADA, EM MERA EXPECTATIVA JURIDICAMENTE PROTEGIDA.

F) SE, FOREM MODIFICADAS, DE MODO ESSENCIAL E SIGNIFICATIVO, AS REGRAS URBANISTICAS AS EXISTENTES AO TEMPO EM QUE SE FORMARAM TAIS PEDIDOS DE INFORMAÇÃO PRÉVIA, DE TAL FORMA QUE, NO MOMENTO DO DEFERIMENTO FINAL DO LICENCIAMENTO, SEJAM ENTRE ELES INCOMPATÍVEIS, PREVALECEM AS PRIMEIRAS,

G) HÁ JURISPRUDÊNCIA FIRMADA AO LONGO DOS TEMPOS PELO SUPREMO TRIBUNAL ADMNISTRATIVO (VG. OS ACÓRDÃOS DE 07.10.93, DE 24.11.2004, 12.03,2008 E MAIS RECENTEMENTE, DE 24.04.2013, TODOS EM WWW.DGSI.PT E NO SENTIDO DE QUE (...) SE TIVER ENTRADO EM VIGOR UM NOVO PLANO QUE TENHA FIXADO REGRAS DIFERENTES DAS QUE VIGORARAM NO MOMENTO EM QUE FOI EMANADA A INFORMAÇÃO PRÉVIA FAVORÁVEL, A CÂMARA MUNICIPAL NÃO TERÁ OUTRA ALTERNATIVA SENÃO A DE INDEFERIR O PEDIDO DE LICENCIAMENTO, SOB PENA DE PRATICAR UM ACTO FERIDO DE NULIDADE (...)"

H) NOS TERMOS DO ARTIGO 9°, ALINEA E), 66°, N° 1, N° 2, ALINEA B) E E) DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA O DIREITO CONSTITUCIONAL AO AMBIENTE, REVELA-SE, TAMBÉM, NOS DIREITOS FUNDAMENTAIS (OU A ELE EQUIPARADOS) AO ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO, À VALORIZAÇÃO DA PAISAGEM E À QUALIDADE DA VIDA URBANA

I) NOS TERMOS DOS ARTIGOS 8°, 9°, 69° E 70° DA LEI 380/99, OS PLANOS MUNICIPAIS DE ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO SÃO UM COROLÁRIO DOS ELENCADOS DIREITOS CONSTITUCIONAIS AO ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO, À VALORIZAÇÃO DA PAISAGEM E À QUALIDADE DA VIDA URBANA, E POSSUEM UMA RELAÇÃO INSTRUMENTAL DIRECTA AO SERVIÇO DO EXERCÍCIO DAQUELES DIREITOS, OS QUAIS SERVEM EM PRIMEIRA LINHA,

J) POR SEU LADO, O PRÓPRIO DIREITO À EDIFICAÇÃO É UMA FACULDADE CONCEDIDA PELA ADMINISTRAÇÃO AOS PARTICULARES NO QUADRO DE UM DETERMINADO REGIME LEGAL E REGULAMENTAR, SEM QUALQUER DIGNIDADE OU PROTECÇÃO CONSTITUCIONAL, CARACTERÍSTICA QUE, PELO MENOS POR IDENTIDADE DE RAZÃO, TEM DE SE ESTENDER À MERA EXPECTATIVA JURIDICAMENTE PROTEGIDA DESSE DIREITO.

K) A COLISÃO DE DIREITOS É RESOLVIDA PELO ARTIGO 335° DO CÓDIGO CIVIL SEGUNDO UM PRINCÍPIO DE EXCLUSÃO, ORIENTADO POR UM CRITÉRIO HIERÁRQUICO, ATENTO O DISPOSTO NAQUELE NÚMERO 2, PELO QUE O VALOR CONSTITUCIONAL PROTEGIDO DO DIREITO DOS CIDADÃOS AO ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO, AO DIREITO À VALORIZAÇÃO DA PAISAGEM E AO DIREITO À QUALIDADE DA VIDA URBANA, NOMEADAMENTE SOB O PONTO DE VISTA ARQUITECTÓNICO, DO QUAL O PLANO DIRECTOR MUNICIPAL DO PORTO DE 2006 É COROLÁRIO E INSTRUMENTO DE EXECUÇÃO, TEM DE SE SOBREPOR E AFASTAR O VALOR MERAMENTE LEGAL DA EXPECTATIVA JURIDICAMENTE PROTEGIDA CONFERIDA POR DEFERIMENTO DE PEDIDO DE INFORMAÇÃO PRÉVIA DECORRENTE DO ARTIGO 17°, N° 3 DO RJUE.

L) NO CASO CONCRETO, O LICENCIAMENTO OPERADO PELO ACTO ADMINISTRATIVO SINDICADO LICENCIOU UMA CONSTRUÇÃO COM UM INDICE DE CONSTRUÇÃO DE 1,52M2/M2 (FACTO PROVADO I), QUE ULTRAPASSA O LIMITE FIXADO NO ARTIGO 27,° N° 3, ALÍNEA A) DO RPDM DO PORTO, POIS ESTE É DE 0,8M2/M2;

M) PELO QUE A VIOLAÇÃO DO PDM PORTO PELO ACTO ADMINISTATIVO SINDICADO FERE ESTE DE NULIDADE, NOS TERMOS DO ARTIGO 68°, ALÍNEA A) DO RJUE.

N) O DOUTO ACÓRDÃO EFECTUOU INTERPRETAÇÃO INCONSTITUCIONAL DO ARTIGO 17°, N° 3 DO MESMO REGIME JURÍDICO, OFENDENDO, ASSIM, OS PRECEITOS CONSTITUCIONAIS DOS ARTIGOS 9°, ALÍNEA E), 66°, N° 1 E 2, ALÍNEAS B) E E) DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGU ESA.

O) AO PROCEDER A INTERPRETAÇÃO NO SENTIDO DE QUE O DEFERIMENTO DE UM PEDIDO DE INFORMAÇÃO PRÉVIA CONSTITUI UM ACTO ABSOLUTO CONSTITUTIVO DE DIREITOS, MESMO QUE, ANTES DE PROFERIDA DECISÃO FINAL NO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO QUE SE LHE SIGA, DELE DECORRA A VIOLAÇÃO DE REGRAS E PARÂMETROS CONSTRUTIVOS PREVISTOS EM PLANO DIRECTOR MUNICIPAL ENTRETANTO APROVADO E, CONCRETAMENTE, QUANDO O ESSE INSTRUMENTO PREVEJA APENAS UM ÍNDICE DE CONSTRUÇÃO DE 0,8M2/M2 E O PEDIDO DE INFORMAÇÃO PRÉVIA CONSAGRE UM ÍNDICE DE CONSTRUÇÃO DE 1,52M2/M2.

P) EM VIRTUDE DE, NESSA INTERPRETAÇÃO, SE ADMITIR, FACE A UMA COLISÃO DE DIREITOS, O SACRIFÍCIO DO VALOR SUPERIOR DO DIREITO DOS CIDADÃOS AO ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO, AO DIREITO À VALORIZAÇÃO DA PAISAGEM E AO DIREITO À QUALIDADE DA VIDA URBANA, NOMEADAMENTE SOB O PONTO DE VISTA ARQUITECTÓNICO, DOS QUAIS O PLANO DIRECTOR MUNICIPAL É COROLÁRIO E INSTRUMENTO DE EXECUÇÃO, PERANTE O VALOR MENOR DE UMA MERA EXPECTATIVA JURIDICAMENTE RELEVANTE DECORRENTE DO ARTIGO 17°, N° 3 DO RJUE.

Q) AO NAO RECONHECER A INVALIDADE DO ACTO ADMINISTRATIVO SINDICADO COM O ARGUMENTO DE QUE TAL CONSTITUIRIA UMA EXPOPRIAÇÃO DE UM DIREITO ADQUIRIDO, NOVAMENTE O DOUTO ACÓRDÃO VIOLOU O ARTIGO 67° DO RJUE E INTERPRETOU INCORRECTAMENTE O ARTIGO 17°, N° 3 DO MESMO REGIME JURÍDICO, OFENDENDO, ADEMAIS, O ARTIGO 134° DO CÓDIGO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO E 50°, N.°1, 51° E 58°, N° 1 DO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS.

R) QUALQUER CONDUTA LICITA DA ADMINISTRAÇÃO IMPORTA EM RESPONSABILIDADE CIVIL E NA OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR ADEQUADAMENTE PELOS PREJUIZOS CAUSADOS, CONFORME, DE ENTRE OUTRAS DISPOSIÇÃO LEGAIS QUE NÃO INTERESSA AGORA ESTAR A ANALISAR COM DETALHE, DECORRE DO PRÓPRIO ARTIGO 70° DO RJUE,

S) SE A ADMINISTRAÇÃO DEFERIU UM PEDIDO DE INFORMAÇÃO PREVIA QUE ESTABELECIA DETERMINADO VOLUME DE CONSTRUÇÃO E CONSTITUIU NO PARTICULAR UMA EXPECTATIVA JURIDICAMENTE PROTEGIDA DE VIR A OBTER UMA LICENÇA DE CONSTRUÇÃO EM CONFORMIDADE COM OS PARÂMETROS NELE PREVISTOS, AO QUAL ESTAVA JURIDICAMENTE VINCULADA E, DEPOIS, POR DELIBERAÇÃO DE UM SEU ÓRGÃO, ENTENDEU MODIFICAR OU RESTRINGIR, AINDA QUE DE FORMA INTEIRAMENTE LICITA, EM SATISFAÇÃO DE UM INTERESSE SUPERIOR DE ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO E MEDIANTE A APROVAÇÃO DE UM INSTRUMENTO DE ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO QUE INVIABILIZAVA AQUELA PRETENSÃO, INCORREU, NECESSÁRIA E INELUTAVELMENTE, NA OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO DE ACORDO COM AS REGRAS GERAIS DA RESPONSABILIDADE CIVIL, PELO QUE INEXISTE QUALQUER ESPOLIAÇÃO.

T) A RESOLUÇÃO DO CONSELHO DE MINISTROS 19/2006, RATIFICOU O PLANO DIRECTOR MUNICIPAL DO PORTO APROVADO POR DELIBERAÇÃO DE 2 DE JUNHO DE 2005 DA ASSEMBLEIA MUNICIPAL DO PORTO, PELO QUE, PELO SEU CONTEÚDO E FORMA, SE SITUA HIERARQUICAMENTE LOGO ABAIXO DOS DECRETOS REGULAMENTARES REGIONAIS E IMEDIATAMENTE ACIMA DAS PORTARIAS, DEVENDO, ASSIM, OBEDIÊNCIA AO ESTABELECIDO NAS NORMAS DE ESTATUTO SUPERIOR ENTRE AS QUAIS AS LEIS E DECRETOS-LEI E, CLARO ESTÁ, A PRÓPRIA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA.

U) O DOUTO ACÓRDÃO APLICOU O N° 1 DO ARTIGO 3 DO RPDM DO PORTO, EM INTERPRETAÇÃO INCONSTITUCIONAL POR OFENSA AOS PRECEITOS CONSTITUCIONAIS DOS ARTIGOS 9°, ALÍNEA E), 66°, N° 1 E 2, ALÍNEAS B) E E) DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA.

V) É INCONSTITUCIONAL A INTERPRETAÇÃO DO NORMATIVO DO N° 1, DO ARTIGO 3 DA RESOLUÇÃO DO CONSELHO DE MINISTROS 19/2006, QUANDO PERMITA A INTERPRETAÇÃO NO SENTIDO DE QUE AS REGRAS E PARÃMETROS CONSTRUTIVOS PREVISTOS NESSE MESMO PLANO DIRECTOR MUNICIPAL NÃO IMPORTAM A DERROGAÇÃO DO DEFERIMENTO DE UM PEDIDO DE INFORMAÇÃO PRÉVIA DE CONSTRUÇÃO QUE OFENDA ESSAS REGRAS E PARÂMETROS NA APRECIAÇÃO DE UM LICENCIAMENTO CUJO ACTO FINAL SEJA PROFERIDO NA VIGÊNCIA DESSE MESMO PDM E, CONCRETAMENTE, QUANDO O PDM PREVEJA APENAS UM ÍNDICE DE CONSTRUÇÃO DE 0,8M2/M2 E O PEDIDO DE INFORMAÇÃO PRÉVIA E A LICENÇA DE CONSTRUÇÃO CONSAGRE UM INDICE DE 1,52M2/M2, POR VIOLAÇÃO DOS PRECEITOS CONSTITUCIONAIS DOS ARTIGOS 9°, ALÍNEA E), 66°, N° 1 E 2, ALÍNEAS B) E E) DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA.

W) O DOUTO ACÓRDÃO APLICOU A REGRA REGULAMENTAR ILEGAL DO N° 1 DO ARTIGO 3 DO RPDM DO PORTO, POR OFENSA À REGRA DE VALOR HIERÁRQUICO SUPERIOR DO ARTIGO 67° DO RJUE.

X) O N° 1, DO ARTIGO 3 DA RESOLUÇÃO DO CONSELHO DE MINISTROS 19/2006, QUANDO PERMITA A INTERPRETAÇÃO NO SENTIDO DE QUE AS REGRAS E PARÂMETROS CONSTRUTIVOS PREVISTOS NESSE MESMO PLANO DIRECTOR MUNICIPAL NÃO IMPORTAM A DERROGAÇÃO DO DEFERIMENTO DE UM PEDIDO DE INFORMAÇÃO PRÉVIA DE CONSTRUÇÃO QUE OFENDA ESSAS REGRAS E PARÂMETROS NA APRECIAÇÃO DE UM LICENCIAMENTO CUJO ACTO FINAL SEJA PROFERIDO NA VIGÊNCIA DESSE MESMO PDM E, CONCRETAMENTE, QUANDO O PDM PREVEJA APENAS UM ÍNDICE DE CONSTRUÇÃO DE 0,8M2/M2 E O PEDIDO DE INFORMAÇÃO PRÉVIA E A LICENÇA DE CONSTRUÇÃO CONSAGRE UM ÍNDICE DE 1,52M2/M2, POR VIOLAÇÃO DA REGRA LEGAL DO ARTIGO 67° DO RJUE E DO PRINCÍPIO 'TEMPUS REGIT ACTUM.

TERMOS EM QUE DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE E, EM CONSEQUÊNCIA, SER REVOGADO O DOUTO ACÓRDÃO RECORRIDO, POR SÓ ASSIM SE FAZER

SÃ JUSTA.”.

Os Recorridos contra-alegaram, em termos que se dão por reproduzidos, e, tendo elaborado conclusões, aqui se vertem:

Contra-alegações do Município do Porto:

I. “O acórdão proferido pelo Tribunal a quo mostra-se, em si mesmo, livre de qualquer erro ou mácula, como adiante se demonstrará.

II. Os recursos em apreço carecem em absoluto de qualquer fundamento, pelo que aos mesmos deve ser negado provimento e, consequentemente, deve ser mantida na íntegra a decisão recorrida.

III. Os Recorrentes, em ofensa às mais basilares regras processuais, vêm em sede de alegações de recurso imputar ao acto impugnado novas causas de invalidade, nunca antes invocadas ou sequer afloradas nos articulados das partes, nem no douto acórdão recorrido

IV. Concretamente, os Recorrentes pretendem que o Tribunal ad quem se pronuncie: i) sobre uma alegada colisão de direitos entre o direito a um ambiente de vida humano, sadio e equilibrado, previsto pelo artigo 66.º da CRP e o direito à propriedade privada, previsto no artigo 62.º da CRP; e bem assim, ii) sobre a suposta ilegalidade da norma do artigo 3.º, n.º 1 do RPDM, por ofensa à regra de valor hierárquico superior e de carácter imperativo do artigo 67.º do RJUE.

V. A aventada ilegalidade da norma do artigo 3.º, n.º 1 do RPDM, para além de se tratar de questão que não foi antes discutida pelas partes nem apreciada pelo Tribunal a quo, configura uma verdadeira alteração da causa de pedir e, bem assim, uma ampliação do pedido, em ostensiva violação do disposto nos artigos 265.º do CPC e 91.º, n.º 4 do CPTA.

VI. É entendimento uniforme da doutrina e da jurisprudência que o tribunal de recurso não pode conhecer questões novas, questões não suscitadas na primeira instância, apenas procede ao reexame das questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores.

VII. As sobreditas questões ora suscitadas pelos Recorrentes são verdadeiras questões novas, não são de conhecimento oficioso, pelo que não poderão ser conhecidas por este Venerando Tribunal, no âmbito do presente recurso, por absoluta ausência de poder jurisdicional para tanto.

VIII. O deferimento de um pedido de informação prévia configura um acto administrativo prévio, tal como definido no artigo 120º do Código de Procedimento Administrativo (em vigor à data dos factos), que, embora não autorizando ainda o interessado a realizar a pretensão, vincula a decisão final do procedimento de licenciamento ou comunicação prévia.

IX. O deferimento de um pedido de informação prévia é constitutivo de direitos, durante um ano a contar da respectiva notificação, e consolida juridicamente uma possibilidade objectiva de aproveitamento do solo, que protege o particular contra as mudanças de critérios de decisão dos órgãos administrativos e garante o seu destinatário “contra as alterações supervenientes da regulação urbanística” e só pode ser alterada ou eliminada através dos regimes de revogação ou anulação dos actos administrativos.

X. É entendimento pacífico da mais avisada doutrina que a existência de uma informação prévia favorável obriga a Administração a ponderar essa mesma situação jurídica, como interesse relevante, em regulações urbanísticas supervenientes, podendo, optar por salvaguardar expressamente os direitos adquiridos antes da sua entrada em vigor, ou determinando a sua caducidade, assumido, nesta situação, caracter expropriativo, implicando o dever de indemnizar o particular, nos termos previstos no artigo 143º, n.º 2 do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT), aprovado pelo DL nº 380/99, de 22 de Setembro, na versão em vigor à data dos factos.

XI. “A caducidade ou a revogação dos actos de licenciamento urbanístico e demais actos análogos de controlo prévio das operações urbanísticas não constituem um efeito automático da entrada em vigor de um plano, apenas podendo resultar de expressa determinação legal ou – nas circunstâncias que já apontámos – das próprias disposições dos planos.” (cf. Cláudio Monteiro in A garantia constitucional do direito de propriedade privada e o sacrifício de faculdades urbanísticas, in CJA n.º 91, p. 14 e 15).

XII. Em face do que vem dito é fácil compreender o disposto no n.º 1 do artigo 3.º RPDM de 2006 que, sob a epígrafe “Actos válidos”, expressamente consagra a validade das operações urbanísticas aprovadas antes da sua entrada em vigor, aí se incluindo os direitos conferidos por informações prévias favoráveis e por projectos de arquitectura.

XIII. Os actos administrativos regem- se pela lei vigente à data da sua prática (tempus regit actum), plasmada no artigo 67.º do RJUE, pelo que existindo um acto administrativo – concretamente uma informação previa favorável – a entrada em vigor de novas regras urbanísticas – no caso em apreço o RPDM do Porto de 2006 – não implica automática e imediatamente a revogação daquele acto administrativo, valendo a regra geral de que as normas dos planos apenas produzem efeitos para o futuro, não afectando situações juridicamente consolidadas antes da sua entrada em vigor.

XIV. No Parecer da Ilustre Jurisconsulta, Professora FPO junto aos autos bem se conclui que “… não se pode afirmar a violação do Plano Director Municipal do Porto porque o mesmo não era o mobilizável na situação vertente, quer por força do princípio do tempus regit actum quando estão presentes pré-decisões que anteciparam a apreciação da pretensão (no caso um pedido de informação prévia favorável e uma aprovação do projecto de arquitectura), quer por força do próprio Plano que integrou uma norma de salvaguarda dessas pré-decisões”.

XV. Não tem, pois, qualquer cabimento a invocada violação do disposto nos artigos 17.º, n.º 3 e 67.º do RJUE pelo acto impugnado.

XVI. Bem andou, portanto, o Tribunal a quo quando entendeu que:

“Resulta, ainda que, nos termos do n.º 1 do artigo 3.º (actos válidos) do RPDM de 2006: (…).

Assim o próprio PDM do Porto excepciona da sua aplicação precisamente as informações prévias favoráveis aprovadas em data anterior, à sua vigência, que ocorreu em 04/02/2006. Sendo a informação Previa, bem como o projecto de arquitectura anteriores à vigência do PDM de 2006, o acto de licenciamento é valido, sob pena de ocorrer uma “expropriação” de um direito à edificação.”

XVII. Não se verificou a vulneração de qualquer hierarquia de direitos susceptível de configurar uma ofensa ao princípio estabelecido no artigo 335.º do Código Civil, uma vez que o direito ao ordenamento do território/direito ao ambiente não foi preterido, sacrificado ou comprimido por uma errada avaliação dos direitos em confronto.

XVIII. O direito constitucional ao ambiente - como o direito ao ordenamento do território -, como direito social que é, carece de determinação legal, gozando o legislador de uma ampla margem de conformação, designadamente quanto ao próprio conteúdo do direito.

XIX. O direito constitucional ao ambiente na vertente de direito ao ordenamento do território, ainda que configurado como um direito fundamental análogo aos direitos liberdades e garantias, não confere aos Recorrentes - nem a ninguém - o direito a um determinado índice de construção, nem à defesa cega e autista de um índice de construção estabelecido num instrumento de planeamento urbanístico.

XX. O direito ao ambiente/direito ao ordenamento do território com assento constitucional não confere aos Recorrentes o direito a impugnar um acto administrativo que resulta da aplicação de um índice de construção por eles considerado excessivo, confere – isso sim! - o direito à existência de regras urbanísticas que disciplinem a ocupação do solo tendo em vista o desenvolvimento sócio-económico e a valorização da paisagem.

XXI. Uma vez que nos presentes autos as normas urbanísticas em vigor que dão corpo ao direito ao ordenamento do território foram observadas, não se vislumbra em que medida o direito ao ambiente possa ter sido sacrificado ou preterido em violação do artigo 335.º do Código Civil.

XXII. O planeamento do território nasce de uma ponderação dos diversos interesses públicos e privados em presença, ponderação esta que é imposta pela Constituição, na medida em que esta obriga que o processo de formação dos instrumentos de planeamento dê espaço à participação dos cidadãos e à colaboração das entidades públicas.

XXIII. No mesmo sentido, o direito ao ordenamento do território tal como se encontra densificado na Lei de Bases Gerais do Ordenamento do Território e do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, emerge de uma ponderação de interesses diversos, públicos e privados, com vista a prosseguir e preservar um ambiente são.

XXIV. Fruto dessa ponderação, a fixação do índice de construção de 0,8 m2/m2 teve em conta as construções existentes, como teve em conta os actos praticados que conferem direito à concretização de operações urbanísticas com índices de construção superiores ao estabelecido.

XXV. A concepção de ordenamento de território concretizada no PDM de 2006 e perfilhada pelo Recorrido acolhe a definição de um novo índice, como acolhe os direitos dos particulares validamente constituídos à luz das normas urbanísticas anteriores.

XXVI. A concepção de ordenamento de território dos Recorrentes é distinta da do Recorrido, no entanto, essa discordância não configura uma violação do direito ao ordenamento do território, muito menos do direito ao ambiente.


Sem prescindir,

XXVII. Os Recorrentes em momento algum invocam qualquer dano irreversível para a valorização das paisagens ou qualidade ambiental das populações, ou, mais especificamente, para a qualidade de vida urbana.

XXVIII. Caso se considere que o acto impugnado fere o direito fundamental ao ambiente na vertente do direito ao ordenamento do território – hipótese que se adianta por mera cautela de patrocínio -, sempre haverá que convir que o núcleo essencial desse direito não é afectado, pelo que não existe uma causa geradora de nulidade.

XXIX. Neste cenário, a violação em causa geraria apenas e tão só a anulabilidade do acto e não a sua nulidade, o que se revelaria inoperante para efeitos de invalidação do acto impugnado porquanto o direito de acção dos Recorrentes já se encontrava caducado à data em que deu entrada a petição inicial.

XXX. O artigo 3.º do PDM de 2006 não viola qualquer norma ou princípio constitucional, bem pelo contrário, a norma nele contida dá corpo a princípios e direitos fundamentais estabelecidos na Constituição, a saber, (i) o direito fundamental à estabilidade e à garantia da protecção jurídica inerentes a um Estado de Direito, nos termos estatuídos no artigo 2.º da CRP; (ii) o princípio da boa fé, estabelecido no artigo 266.º, n.º 2 da CRP; (iii) o princípio da proporcionalidade previsto no artigo 266.º, n.º 2 da CRP;

XXXI. O normativo em questão traduz uma ponderação entre as consequências decorrentes da não salvaguarda das posições jurídicas anteriormente adquiridas e o impacto que a sua protecção acarreta no modelo de ocupação do solo gizado pela entidade planificadora.

XXXII. Nessa medida, a mencionada norma é um reflexo do princípio geral consagrado na Lei de Bases do Ordenamento do Território traduzido na obrigação de acautelar a segurança jurídica e protecção da confiança na garantia da estabilidade dos regimes legais e o respeito pelos direitos preexistentes e juridicamente consolidados – artigo 3.º, n.º 1 da Lei 31/2014.

XXXIII. A autonomia regulamentar, inerente ao poder regulamentar conferido pelo artigo 241.º da CRP, que permite ao Recorrido fixar o índice de construção em 0,8 m2/m2 é a mesma autonomia que lhe permita estabelecer que as situações preexistentes legalmente constituídas não são afectadas pela superveniência destas normas.

XXXIV. A norma em causa é uma norma que regula a aplicação no tempo do planeamento urbanístico que resulta do PDM de 2006.

XXXV. A circunstância de o artigo 3.º do PDM configurar uma norma transitória, não a desqualifica, nem a inferioriza no seio do instrumento de planeamento em que se encontra inserida, mormente perante o normativo do artigo 27.º, n.º 3 que fixa o índice de construção em 0,8 m2/m2.

XXXVI. O que resulta clara e inequivocamente do artigo 67.º do RJUE é que a validade dos actos depende da sua conformidade com as normas legais e regulamentares em vigor, por isso, uma vez que são precisamente essas normas regulamentares que permitem a prática de um acto de aprovação da operação urbanística com o teor conforme às normas urbanísticas em vigor à data em que se constitui o direito emergente do PIP, o princípio tempus regit actum não é vulnerado pelo artigo 3.º do PDM de 2006.

XXXVII. Em suma, tudo visto e bem visto, resulta claro e inequívoco que não merece qualquer censura o douto acórdão proferido, pelo que deve ser negado provimento ao recurso interposto pelos Recorrentes.

Nestes termos, e nos que Vossas Excelências mui doutamente suprirão, julgando improcedentes os recursos interpostos pelos Autores e julgando de conformidade com as precedentes CONCLUSÕES, será feita uma verdadeira e sã JUSTIÇA.”.

Contra-alegações da ME, Engenharia e Construções, SA:

A/

Como nota prévia exara-se que as presentes contra-alegações se reportam ao teor das alegações de ambos os recursos interpostos gelos recorrentes (pelas razões descritas acima no "corpo" do presente documento) que, de resto, se repetem e reproduzem em termos exactos, bem como as respectivas conclusões (que, como é consabido, constituem a delimitação adjectiva do objecto do recurso), tendo, aliás, os recorrentes declarado aderir, reciprocamente, "ao recurso instaurado pelo outro".

B/

Por meio dos identificados recursos pretendem ao AA. por em crise o Douto Acórdão de fls...., proferido nos autos, que julgou a presente acção totalmente improcedente.

C/

Sucede que, como de seguida se procurará demonstrar, o aludido douto acórdão dos autos nenhuma censura merece, revelando, isso sim, de forma transparente, a manifesta falta de fundamento e, em suma, de razão, dos quais padece, desde inicio, a posição defendida - com crescente embaraço, diga-se - pelos autores.

D/

Ilustração eloquente disso mesmo constitui a circunstância de os AA virem, agora, declarar conformarem-se em absoluto com o douto acórdão recorrido em relação aos demais "vícios " que haviam imputado "ao acto impugnado", com excepção daquele único que abordam nas alegações ora em resposta (qual seja o da putativa violação dos "parâmetros de edificabilidade previstos no art.º 27.º, n.º 3, alínea a), do Regulamento do Plano Director Municipal do Porto (RPDM)).

E/

As posições jurídicas sumariamente alegadas pelos AA foram integralmente dissecadas e explicitada (na sua improcedência) quer pelos factos contrapostos nas contestações apresentadas, quer na documentação entretanto junta ao processo, quer, ainda, no que tange ao enquadramento jurídico e jurisprudencial, nos dois Pareceres Jurídicos constantes dos autos, subscritos pelos Senhores Professores Doutores FPO (o junto pelo réu Município), e FAC (o junto pela ora contra-alegante).

F/

Com respeito ao identificado putativo "vício" a que se reportam os recorrentes, reafirma-se, por dever de ofício, que os mesmos ostensivamente ignoram que o procedimento de controlo administrativo prévio de operações urbanísticas detém uma configuração iterativa, em que os direitos correspondentes vão sendo progressivamente constituídos na esfera jurídica do requerente, in casu por meio da informação prévia favorável e da aprovação do projecto de arquitectura, que se consubstanciam como verdadeiros actos administrativos prévios ao deferimento da licença de construção.

G/

O que significa que o conteúdo do acto em que se traduz a licença de construção vai forçosamente incorporar o acervo de direitos sucessivamente adquiridos por meio dos anteriores actos administrativos prévios.

H/

Vale isto por dizer, no caso dos autos, que a licença de construção acolhe, naturalmente, os direitos emergentes do PIP n.º 10252/01, da aprovação do projecto de arquitectura ocorrida no âmbito do Proc. n.º 8085/2002 e, bem assim, aqueles que decorrem do PIP 15795/04 e da aprovação do projecto de arquitectura em conformidade com este último.

1/

A circunstância de os actos vindos de identificar terem ocorrido em momentos temporais distintos, em que estavam em vigor disposições de planeamento urbanístico diversas, em nada colide com a consistência jurídica dos direitos constituídos a favor da aqui contra-alegante.

l/

Expressão disso mesmo se encontra no próprio PDM do Porto, publicado em 03 de Fevereiro de 2006, que excepciona da sua aplicação precisamente as informações prévias favoráveis aprovadas em data anterior, conforme brota do disposto no art.º 3.º n.º 1 do respectivo Regulamento, onde se exara que:

" O presente PDMP não derroga os direitos conferidos por informações prévias favoráveis, autorizações e licenças, aprovações ou alterações válidas, incluindo projectos de arquitectura e hastas públicas alienadas, mesmo que ainda não tituladas por alvará, concedidas pelas entidades administrativas competentes antes da entrada em vigor do PDMP,"

L/

De todo o modo nunca a tese dos recorrentes poderia merecer procedência, uma vez que 9 próprio projecto de arquitectura foi aprovado em data anterior à publicação do PDM de 2006- cfr. a respeito das consequências a retirar de tal facto, o vertido no Acórdão do TCA Norte, datado de 22.06.2012, proferido no Proc. 01719/08.3BEVIS.

M/

Acresce que o PIP n.2 10252/01 foi aprovado ao abrigo das Normas Provisórias que foram substituídas pelas Medidas Preventivas em 15.10.02, as quais, no seu art.º 5.º n.° 1 referem:

"Os actos administrativos válidos e eficazes, constitutivos de direitos subjectivados em terceiros, resultantes de decisões ou deliberações legalmente tomadas antes da data da entrada em vigor das presentes medidas preventivas, não ficam abrangidos por estas."

N/

É dizer: de novo, tal como sucedera com o RPDM, foram as próprias Medidas Preventivas ao estabelecerem o respectivo âmbito de aplicação, que excluíram os actos administrativos anteriores, constitutivos de direitos, como é o caso do PIP) n.g. 10252/01 (conclusão que, aliás, sempre decorreria directamente da Lei- cfr. n.º 5 do artigo 107.º do Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro (Regime jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial).

O/

De resto o PIP n.º 15795/04 traduziu-se, face à solução urbanística anterior consolidada na esfera jurídica da contra-interessada em "uma solução arquitectónica com menor relevância volumétrica na envolvente" e em "uma diminuição da área de construção global".

P/

Dando cumprimento ao propósito de desagravar a área de construção, face ao que as Medidas Preventivas e o futuro PDM de 2006 previam, sempre no respeito dos direitos adquiridos pela contra-interessada e consolidados na vigência das Normas Provisórias.

Q/

Dúvidas não subsistem, por fim, que ao contrário do que vem defendido pelos recorrentes, não lhe sendo o mesmo aplicável, o acto impugnado nunca poderia ­não teria sequer tal virtualidade, mesmo que hipotética - ter violado o disposto no RPDM de 2006 (como, de facto, não violou, desde logo atento o reconhecimento de direitos adquiridos que resulta do próprio RPDM).

R/

Vale isto por dizer que, no que ao caso dos autos concerne, fica, desde logo prejudicada qualquer aplicação (que, fosse como fosse, sempre seria abusiva) da distorcida interpretação que os recorrentes pretendem secundar do principio tempus regit actum.

S/

Acresce que em casos como o presente, em que o pedido de licenciamento tiver como objecto a realização de obras de edificação, constitui elemento determinante da apreciação do Município o projecto de arquitectura.

T/

A apreciação pelo Município desta peça central dos elementos instrutórios do procedimento de licença incide, nos termos do n.° 1 do artigo 20.° do RJUE, sobre a sua conformidade com os planos municipais de ordenamento do território, as medidas preventivas, as áreas de desenvolvimento urbano prioritário e de construção prioritária, as servidões administrativas, as restrições de utilidade pública e quaisquer outras normas legais e regulamentares relativas ao aspecto exterior, sobre a inserção urbana e paisagística das edificações e sobre o uso proposto dessas mesmas edificações.

U/

Assim sendo, a aprovação do projecto de arquitectura constitui um acto administrativo prévio, que se pronuncia de podo final e vinculativo para a Administração sobre um conjunto de requisitos constantes da Lei, sendo, por isso, em relação a esses aspectos, constitutivo de direitos para o requerente do licenciamento (no sentido de que ele tem o direito a que esses aspectos não voltem a ser postos em causa no decurso do procedimento, e vinculativo para a câmara municipal no momento da deliberação final sobre o pedido de licenciamento.

V/

Trata-se, de resto, de matéria, explanada de forma eloquente - expressamente analisada em relação ao caso dos autos (embora retomando posição sempre defendida pelo próprio na extensa obra publicada a respeito) - no "Parecer Jurídico" junto aos autos pela aqui contra-alegante, de que é autor o Sr. Prof. Dr. FAC (cfr. inter alia, fls. 19 e ss).

X/

A respeito da posição vertida pelo Ilustre Prof. Doutor FAC no "Parecer" vindo de citar, permitiram-se os recorrentes fazer constar das suas alegações de recurso (mais) um infeliz parágrafo (a fls. 8 e 9) em que sustentam ser aquela de sentido diverso da que, alegadamente, constaria de obra publicada pelo mesmo Ilustre Professor (referência infeliz essa que, de resto, com igual injustiça e à falta de melhor argumento, procuram estender à Sr.ª Professora Doutora FPO, que subscreve o outro "Parecer Jurídico" constante dos autos, junto pelo réu Município do Porto, que sobre o mesmo se poderá pronunciar).

Z/

Ora tal "mudança de opinião" - que, aliás como referem os recorrentes, sempre seria legítima - tem, in casu, o incontornável obstáculo de pura e simplesmente não corresponder à verdade, conforme o próprio visado teve oportunidade de esclarecer no email cuja impressão se junta como doc. n.º 1).

AA/

O que tudo se deixa exarado para todos os legais efeitos tidos por convenientes.

BB/

Cai, por isso, por terra tudo quanto em sentido diverso vem vertido pelos AA nas suas alegações.

CC/

Insista-se: foram as próprias Medidas Preventivas, ao estabelecerem o respectivo âmbito de aplicação, que excluíram os actos administrativos anteriores, constitutivos de direitos, como é o caso do PIP n.º10252/01.

DD/

Mais, se preciso fosse, e não é, sempre se dirá, que mesmo que assim não fosse (é dizer, que as Medidas Preventivas não o dissessem expressamente, como dizem) tal conclusão decorreria directamente da Lei (cfr. n.º 5 do artigo 107.2 do DL n.º 380/99, de 22 de Setembro (Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial), em que se prescreve que:

"Ficam excluídas do âmbito de aplicação das medidas preventivas as acções validamente autorizadas antes da sua entrada em vigor, bem como, aquelas em relação às quais exista já informação previa favorável válida.").

EE/

Nenhuma razão assiste aos recorrentes ao pretenderem que as "Medidas Preventivas" impunham que o réu Município "...apreciasse os pedidos de licenciamento à luz dos parâmetros já então previstos no projecto de revisão do PDM...".

FF/

Na realidade, e para além de tudo o mais que se deixou já expendido supra, não existe qualquer disposição legal no ordenamento jurídico português que estatua que o âmbito material das Medidas Preventivas corresponde aos parâmetros do projecto de revisão do PDM, o que aliás, a suceder, seria um absurdo pois não só muitas das vezes esse projecto ainda nem existe, como, por se tratar de um mero projecto, sempre poderia vir a ser profundamente alterado na sequência da discussão pública que precede a sua aprovação e ratificação.

GG/

Em qualquer caso, no que diz respeito à licença em causa nos presentes autos, o PIP e o Projecto de Arquitectura foram aprovados durante a vigência das Medidas Preventivas.

HH/

Assim, tendo presente o disposto no RJIGT e no diploma que aprovou as Medidas Preventivas de 2004, verificamos que não houve qualquer violação das mesmas, o que aliás o Município réu confirmou aquando da emissão da licença, ilustrando, uma vez mais, que carece de qualquer sentido o alegado nas Doutas alegações e conclusões recursivas ora em resposta.

II/

Por outro lado, ainda, e cotejando agora o teor das conclusões "T" a "X" das alegações em resposta, sempre se dirá, relativamente à aplicação do art.º 3º, n.º 1 do RPDMP, que a opinião dos recorrentes é, para além do mais, incoerente, na medida em que preconiza que a legalidade e, consequentemente, a sua aplicabilidade, depende de esta ser, ou não, conveniente aos seus próprios interesses.

IJ/

Na verdade, nas primeiras 16 páginas das suas doutas alegações, os recorrentes pugnam pela prevalência do artº 27º, n.º 3, alínea a) do RPDMP em detrimento do regime do art.º 17º do RJUE, mas, quando discorrem sobre o art.º 3º daquele regulamento (pg.s 17 a 19 das doutas alegações) já defendem que este é ilegal por violar o artº 67º do RJUE (r.).

LL/

Em linhas direitas, e atestando o absurdo do vertido nas doutas alegações, conclui-se que aos recorrentes se lhes afigura que tal disposição do RPDMP só não seria aplicável ao caso dos autos apenas e só por que... lhes é desfavorável.

MM/

Sendo certo que, de qualquer forma, quanto a este aspecto o recorrente não apresenta qualquer argumento válido (na prática limita-se, com o já sublinhado escopo processual, a afirmar que o vertido n.º 1 do art.º 3º é "ilegal e inconstitucional").

****

Termos em que,

e nos melhores de direito doutamente supridos:

-devem os presentes recursos ser julgados totalmente improcedentes, nos termos que acima melhor se explicitam, confirmando-se integramente o Douto Acórdão recorrido, no sentido de ser a acção Julgada, também ela, integralmente Improcedente.”.

O Ministério Público foi notificado ao abrigo do disposto no artº 146º, nº 1, do CPTA, e pronunciou-se no sentido do não provimento do recurso, em termos que se dão por reproduzidos.

De harmonia com as conclusões da alegação de recurso, as questões suscitadas(2) e a decidir(3), se a tal nada obstar, resumem-se em determinar se a decisão recorrida padece dos imputados erros de julgamento de direito, comportados pelas conclusões das alegações de recurso, designadamente, violação ou ofensa dos artigos 67º e 17º do RJUE, 335º do Código Civil (CC), 134º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), 50º, nº 1, e 58º, nº 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), o princípio tempus regit actum, interpretação inconstitucional do artigo 17º, nº 3, do TJUE e do artigo 3º, nº 1, do RPDMP, ambos por ofensa dos artigos 9º, alínea e), 66º, nºs 1 e 2, alíneas b) e e), da Constituição da República Portuguesa (CRP).

Cumpre decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO

II.1 – OS FACTOS ASSENTES NA DECISÃO RECORRIDA

A matéria de facto fixada pela instância a quo é a seguinte:


A)

Em 26/11/1999, a contra-interessada requereu um pedido de informação prévia (o qual foi numerado como PIP n.º 31234/99), para construção de edifícios a levar a efeito no terreno entre a Avenida de Paiva Couceiro (a Sul), Rua do Freixo (a Norte), JAE e EDP (a Nascente) e o Rio Tinto (a Poente), prevendo na memória descritiva (datada de 17/11/1999), uma área útil de construção total de 22041,0 m² (vide fls. 1, 2, 8 a 12 do PA, correspondente ao PIP n.º 31234/99, anexo aos autos).

B)

Em 09/01/2000, a contra-interessada apresentou um Aditamento ao PIP n.º 31234/99, ao qual foi atribuído o número de entrada 01904, apresentando novas peças desenhadas, dando sem efeito as anteriormente apresentadas (vide fls. 46 e 47 do PA correspondente ao PIP n.º 31234/99).

C)

No PIP n.º 31234/99, foi prestada uma informação Gabinete de avaliação de projectos estratégicos (GAPE), com o seguinte teor: «Reunião – 5 de Setembro de 2000. Após análise do projecto o GAPE foi da opinião que a solução proposta não se integra convenientemente no espaço urbano envolvente, nomeadamente, na sua articulação com as construções a poente (…) e na solução viária definida. Assim, a DmEstU ficou de desenvolver um estudo urbanístico que abranja o terreno do requerente e os envolventes. Posteriormente deverá ser realizada uma reunião no GAPE». (vide fls. 63 do PA correspondente ao PIP n.º 31234/99).

D)

Em 03/05/2001, a contra-interessada anexa novos elementos ao PIP n.º 31234/99, com o Aditamento 1904/00, solicitando a sua aprovação, passando a ser numerado como PIP n.º 10252/01 (vide fls. 1 do PA correspondente ao PIP 10252/01).

E)

Em 13/09/2001, foi aprovado o Pedido de Informação Prévia (PIP) n.º 10252/01 (vide fls. 137), com a capacidade edificatória total, de 18 272,1 m², nos termos do qual se previam os seguintes parâmetros urbanísticos:

Área do terreno - 11 378 m²

Área das faixas de terreno de 30m de profundidade – 6 024 m²

Área restante (além dos 30 m) – 5 354 m²

Área de construção proposta acima do solo – 18 132 m²

Área de garagens privadas 5 693 m²

Área de implantação da construção – 6 173 m²


F)

Em 30/04/2002, foi apresentado o projecto de arquitectura, que foi instruído pelo processo n.º 8085/2002, no qual se previa uma área total de construção acima do solo de 18102,06 m² (vide fls. 19 da pasta 1 do PA), tendo sido aprovado em 23/02/2004.

G)

Na sequência da manifestação pelo Município em ver concertada uma solução urbanística que contemplasse uma solução arquitectónica com menor relevância volumétrica na envolvente, a contra-interessada apresentou em 18/05/2004 novo Pedido de Informação Prévia, o qual foi instruído no processo com o n.º 15795/04, sendo aprovado em 23/08/2004, e prevendo os seguintes parâmetros urbanísticos:

a) Área total do terreno – 11378,00 m²;

b) Área de implantação – 3582,00 m²;

c) Área bruta de construção acima do solo – 17327,00 m².


H)

No seguimento da aprovação do PIP n.º 15795/04, foi apresentado novo projecto de arquitectura em 22/02/2005, no qual a requerente referiu o seguinte:

«2. PEDIDO

Vem requerer a V. Ex.a a aprovação do pedido de licenciamento de operação de obras de edificação, para o prédio abaixo identificado, em conformidade com o estabelecido na alínea c) do número 2 do artigo 4º, do decreto-lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, com as alterações Introduzidas pelo decreto-lei n.º 177/01, de 4 de Junho, e na Portaria n.º 1110/01 de 19 de Setembro.

O presente projecto está conforme o podido de Informação prévia n.º 15795/04, deferido por despacho do Senhor Vereador do Pelouro de Urbanismo e Mobilidade, de 23.08.2004, exarado sobre a Informação 10052/04/DMGU.

Conforme foi exposto no requerimento do pedido de Informac1io prévia n.º 15795/04, para o terreno em causa foi aprovado em Outubro de 2001 um primeiro pedido de informação prévia, ao abrigo do qual a ora requerente apresentou um projecto de arquitectura que foi objecto de aprovação em 23.02.2004 através do ofício DF/441/04/DMGU, sendo que ambas as aprovações constituem inequivocamente actos constitutivos de direitos da requerente, Foi neste pressuposto, e bem assim, em consequência da concertação de posições com a Câmara Municipal do Porto, que a requerente apresentou uma solução urbanística alternativa para o terreno em causa, nos termos e com o, efeitos descritos no referido requerimento do pedido de Informação prévia.

Nestes termos, o pedido de aprovação do projecto de arquitectura que ora se apresenta não traduz qualquer manifestação de vontade por parte da requerente em renunciar aos direitos adquiridos na sua esfera jurídica resultantes do aprovação do primeiro pedido de Informação prévia e da aprovação, em 23.02.2004, do respectivo projecto de arquitectura cujo processo de licenciamento - que corre termos sob o n.º 8085/02 - a ora requerente se compromete a desistir no momento em que o presente processo de licenciamento for objecto de urna decisão final de aprovada, nos termos e para os efeitos previstos no art. 23º do decreto-lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro.


I)

Por Despacho de 22/03/2005, foi aprovado o projecto de arquitectura apresentado em 22/02/2005, onde na Memória Descritiva e Justificativa se previam os seguintes parâmetros urbanísticos:

Área total do terreno - 11 378,00 m²

Área de implantação - 3 582,00 m²

Área de impermeabilização - 5 264,00 m²

Índice de impermeabilização - 0,46 m2/m²

Índice de construção - 1,52 m²/ m²

Índice de implantação - 0,31 m²/m²

Área de intervenção no Domínio Público - 535,00 m²

Área total de intervenção - 11 913,00 m²

Área de construção acima do solo (sem varandas) -17327,00 m²

Área de habitação - 16587,00 m² nº fogos - 98

Área de comércio - 192,00 m² nº comércios - 1

Área de serviços - 548,00 m² nº de escritórios - 4

Área de construção abaixo do solo - 6 183,00 m²

Cave - 3 145,00 m², sendo 2 772,00 m² de estacionamento e 373,00 m² de acessos verticais e espaços técnicos;

Subcave - 3 038,00 m², sendo 2 794,00 m² de estacionamento e 244,00 m2 de acessos verticais e espaços técnicos;

Área total de estacionamento - 5 566,00 m²

Área total de acessos verticais e espaços técnicos – 617,00 m²

Área de intervenção no Domínio Público para infra-estruturas urbanas (passeios, arruamento, estacionamentos e jardins) - 535,00 m²

Arruamento (área final) - 645,00 m²

Passeios (área final) - 495,00 m²

Estacionamentos - 38 lugares (área final) - 469,00 m²

Percurso pedonal (área final) 271,00 m²

Jardim (área final) - 1.549,00 m²

Área para infra-estruturas urbanas de utilização colectiva (privado)

Espaço verde (no pátio interior) - 716,00 m²

Espaço verde (espaço verde de utilização colectiva) - 3.028,00 m²

Arruamento e acessos às garagens - 704,00 m²

Estacionamentos (34 lugares) - 425,00 m²

Passeios e rampas (acessos de peões e a deficientes motores) – 922,00 m²


J)

Para instrução do PIP n.º 15795/04, foi solicitado parecer à CCDRN, entidade que emitiu parecer favorável considerando que «a pretensão surge na sequência do Processo 8085/02, que mereceu parecer favorável em 2004.01./Acta n.º 20/2004), pelo que não se vê inconveniente na aceitação da proposta apresentada».

K)

Para instrução do PIP n.º 15795/04, foi solicitado, mediante ofício datado de 06/08/2004, parecer ao INAG, o qual mediante ofício datado de 01/09/2005 (e recepcionado a 15/09/2005), emitiu parecer desfavorável, nos seguintes termos:

«Relativamente ao assunto em epígrafe, e na sequência do vosso ofício em referência, informa-se:

- Na Planta de Apresentação do Projecto encontra-se demarcada a linha de cota de máxima cheia,

- De acordo com o referido no ponto 3 da memória descritiva do projecto, a nova construção localizar-se-á “( …) para além das linhas de respectivamente 10m à margem do Rio Tinto e 50m à margem do Rio Douro” e “(...) fora do espaço considerado inundável.”

No entanto, e no ponto 5 da mesma memória descritiva é referido que se encontra prevista a realização de sistemas de alarme que alertem os habitantes e activem os sistemas de drenagem que aliviem os primeiros impactos de uma eventual cheia, e que toda a segunda cave será dimensionada, nos aspectos estruturais, de modo a permanecer estanque até ao limite próximo da cota referenciada como de máxima cheia.

Fica assim por esclarecer o que é que, em termos do projecto, se entende por localização “(…) fora do espaço considerado inundável”.

- De acordo com a informação prestada pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDR-Norte) o terreno em causa localiza-se em zona de expansão de cheias.

- Ao INAG compete a emissão de parecer para lá da margem dos cursos de água e em zona ameaçada por cheias.

- O terreno em causa, encontrava-se anteriormente ocupado por "armazéns", que actualmente se encontram em estado de ruínas e que terão de ser completamente demolidos para dar lugar a este empreendimento completamente novo e sem qualquer relação com as pré-existências.

- Neste sentido, julga-se que o projecto apresentado não reúne condições para ser aprovado por prever a construção de novas edificações em áreas sujeitas a cheias, nomeadamente com a construção de caves.

Considera-se ainda de referir que estando em causa a alteração do uso funcional anterior (comercial/industrial) para uso habitacional e tendo por base a informação da CCDR-Norte de que se trata de uma zona ameaçada por cheias, considera-se que, e do ponto de vista da segurança de pessoas e bens, o uso actualmente proposto é mais gravoso que o anterior face ao risco naturalmente associado a estas áreas.

Com os melhores cumprimentos,».


L)

Em 22/02/2005, foi apresentado pedido de licenciamento, o qual foi instruído no processo de obras n.º 19348/05/CMP, tendo sido deferido o pedido de licenciamento de obra de edificação, bem como das obras de urbanização por Despacho proferido a 27/07/2006 pelo Vereador do Pelouro do Urbanismo e Mobilidade. (acto impugnado)

***

II.2 – DO MÉRITO DO RECURSO

Em primeiro lugar, impõe-se relembrar as questões que foram objecto da actividade dirimenda pelo acórdão sob recurso, cujos fundamentos impugnatórios improcederam.

1ª questão ali apreciada: A da violação do artigo 27º, nº 3, alínea a) do PDM do Porto, na consideração de que o índice de construção deveria ser de 0,8 e não 1,52;

2ª questão: A da falta do parecer do INAG, a que se refere o nº 8 do artigo 14º do Decreto-Lei nº 468/71, de 05 de Novembro;

3ª questão: A ausência de discussão pública do projecto, segundo o disposto no artigo 89º, alínea b), do RPDMP.

A matéria de facto fixada na 1ª instância não foi impugnada.

Não vem arguida nulidade por omissão de pronúncia.

As alegações dos Recorrentes mostram-se assestadas, unicamente, aos fundamentos da decisão recorrida que, julgando improcedente o atinente vício ao acto impugnado assacado, versam sobre a primeira das supra identificadas questões, a da violação do artigo 27º, nº 3, alínea a) do PDM do Porto, na consideração de que o índice de construção deveria ser de 0,8, como verte tal norma, e não 1,52, como licenciado.

Lê-se no acórdão recorrido, quanto a nesta matéria:

Em primeiro lugar, invocam os Autores violação do PDM de 2006.

Assim, alegam a violação do artigo 27.º do PDM, no que concerne a parâmetros de edificabilidade, considerando o índice de construção (a razão entre a área bruta de construção e área do terreno) ser de 1,52, quando apenas podia corresponder a 0,8.

Contrapõe os demandados que o PIP n.º 10252/01, foi aprovado ao abrigo das Normas Provisórias, que estas Normas Provisórias foram substituídas pelas Medidas Preventivas em 15/10/2002 e que o Plano Director Municipal do Porto aprovado em 03/02/2006 pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 19/2006 (que entrou em vigor em 04/02/2006), não é aplicável ao caso em apreço.

Em primeiro lugar compete referir que o PIP apenas concede um direito à edificação nos termos em que foi aprovado, quando dentro do prazo de um ano, o interessado apresente o pedido de licenciamento, ou seja, o projecto de arquitectura. Ora, o PIP de 2001, oriundo de 1999, foi deferido em 13/09/2001 – vide alínea E) da matéria de facto – e a contra-interessada apresentou um projecto de arquitectura em 30/04/2002 – vide alínea F) da matéria de facto. Desta forma, o direito adquirido pelo PIP não caducou – vide artigo 17.º do RJUE Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, que teve diversas alterações, mas que manteve este aspecto intocável). Aliás, era também este regime que decorria da anterior legislação – vide artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro.

Tendo o interessado cumprido o prazo legal de um ano para apresentação do projecto de arquitectura/pedido de licenciamento, adquiriu o direito a construir segundo o que lhe foi aprovado no PIP de 2001. Este regime, sobrepõe-se ao disposto no artigo 67.º do RJUE, sob pena de se estar diante de uma “expropriação” de um direito adquirido. É que o legislador pretendeu que houvesse estabilidade na programação da vida das pessoas e na actividade económica.

Este raciocínio é válido, não obstante ter havido novo pedido de PIP em 2004, sendo este quem deu azo ao licenciamento em causa nos autos, uma vez que, o contra-interessado não renunciou ao seu direito.

Mas mesmo que se entendesse como iniciador do direito o PIP de 2004, tendo o mesmo sido deferido em 23/08/2004 e apresentado projecto de arquitectura em 22/02/2005 – vide alíneas G) e H) da matéria de facto -, o contra-interessado adquiria novo direito è edificação ao abrigo do artigo 17.º do RJUE, que se sobrepõe ao artigo 67.º do mesmo diploma, sob pena de incongruência normativa e “derrogação” de um direito.

Resulta, ainda que, termos do n.º 1 do artigo 3.º (actos válidos) do RPDM de 2006:

1 - O presente PDMP não derroga os direitos conferidos por informações prévias favoráveis, autorizações e licenças, aprovações ou alterações válidas, incluindo projectos de arquitectura e hastas públicas alienadas, mesmo que ainda não tituladas por alvará, concedidas pelas entidades administrativas competentes antes da entrada em vigor do PDMP.

Assim, o próprio PDM do Porto, excepciona da sua aplicação precisamente as informações prévias favoráveis aprovadas em data anterior, à sua vigência, que ocorreu em 04/02/2006. Sendo a Informação Prévia, bem como o projecto de arquitectura anteriores à vigência do PDM de 2006, o acto de licenciamento é válido. Aliás, não pode deixar de ser válido, sob pena de ocorrer uma “expropriação” de um direito à edificação.

Desta forma, o acto de licenciamento impugnado, não tinha obrigação de cumprir o regime de edificação do PDM de 2006.

Face ao exposto, ainda, improcede o alegado vício em análise.”.

Vejamos, tendo presente cada um dos fundamentos do recurso.

O cerne da questão prende-se com a regulação de uma situação jurídica constituída em momento anterior à entrada em vigor do PDMP e projecção dos seus efeitos no tempo.

Em causa está informação prévia favorável — aprovada em 23-08-2004 [facto G)] — que, enquanto tal, não vem posta em causa; antes pelo contrário, toda a argumentação dos Recorrentes pressupõe a sua existência com esse sentido.

No seguimento dessa aprovação foi apresentado projecto de arquitectura [facto H)], o qual veio a ser aprovado em 22-03-2005 [facto I)].

A revisão do Plano Director Municipal do Porto, cujo artigo 27º vem apontado como tendo sido violado pelo acto impugnado, foi ratificada por Resolução do Conselho de Ministros nº 19/2006, publicada no Diário da República nº 25/2006, Série I-B, de 03-02-2006, e entrou em vigor no dia imediato ao da sua publicação (artigo 90º, nº 1).

O respectivo pedido de licenciamento foi apresentado em 22-02-2005 (processo de obras n.º 19348/05/CMP), e foi deferido por acto datado de 27-07-2006 (acto impugnado).

Vejamos.

Quanto ao pedido de informação prévia, previa o RJUE (estabelecido pelo Decreto-Lei nº 555/99, de 16 de Dezembro) no nº 1 do artigo 14º, na versão à data em vigor(4): “Qualquer interessado pode pedir à câmara municipal, a título prévio, informação sobre a viabilidade de realizar determinada operação urbanística e respectivos condicionamentos legais ou regulamentares, nomeadamente relativos a infra-estruturas, servidões administrativas e restrições de utilidade pública, índices urbanísticos, cérceas, afastamentos e demais condicionantes aplicáveis à pretensão.”.

Dispunha o nº 1 do artigo 17º do RJUE, na versão à data em vigor(5), que “o conteúdo da informação prévia aprovada vincula as entidades competentes na decisão sobre um eventual pedido de licenciamento ou autorização da operação urbanística a que respeita, desde que tal pedido seja apresentado no prazo de um ano a contar da data da notificação da mesma ao requerente.”.

O conteúdo da informação prévia aprovada — que visa uma concreta pretensão urbanística — tem efeitos vinculativos, obrigando o órgão emitente a respeitar o seu conteúdo, sendo constitutiva de direitos, embora não do direito a concretizar ou executar a operação urbanística, pois, para tanto, terá o interessado de iniciar outro procedimento urbanístico visando o licenciamento da operação urbanística.

Com efeito, sendo a informação favorável a mesma, apesar de incapaz de fazer nascer imediatamente na esfera jurídica do Requerente o direito à construção, atribui-lhe, no entanto, o direito de exigir o deferimento do pedido de licenciamento se este se contiver dentro dos limites da informação prestada. E, concorrentemente, faz nascer na esfera jurídica da Câmara a obrigação de deferimento do futuro pedido de licenciamento desde que este, como se disse, não exceda o conteúdo daquela informação” — acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), de 12-07-2007, processo nº 0415/07.

Tal como notado por FPO, A regulamentação de situações intertemporais pelos planos directores municipais, Revista de Direito Público e Regulação, CEDIPRE, nº 2, Julho 2009, pags. 50-51, na referência ao acórdão do STA, de 16-05-2001, processo nº 046227, «refere-se este aresto aos “naturais efeitos constitutivos de direitos” do acto de aprovação do projecto de arquitectura e argumenta, quase por maioria de razão, com a “inquestionável afirmação legal de que a informação prévia favorável é constitutiva de direitos para o interessado a quem é prestada” [em nota de rodapé: António Cordeiro, Arquitectura e interesse público, p. 21].

Ora, o problema suscita-se, em face do princípio tempus regit actum (artigo 67º do RJUE), quando, antes do acto que defere o pedido de licenciamento, entra em vigor um plano que fixe regras diferentes das que vigoravam no momento da deliberação favorável sobre o pedido de informação prévia.

A jurisprudência citada pelos Recorrentes, aliás, pouco assertivamente invocada, sofreu evolução quanto à impugnabilidade imediata, designadamente, do projecto de arquitectura (veja-se, entre outros, o acórdão do STA, de 09-12-2009, processo nº 019/09, doutrina e jurisprudência aí citadas), sendo que o mais recente dos acórdãos invocados, de 24-04-2013, que se presume referir-se ao processo nº 01029/12, debruça-se, nesse particular aspecto, sobre o deferimento de um pedido de informação prévia, durante o período de tempo em que o respectivo procedimento se encontrava suspenso, por força dos artigos 13º do Dec. Lei 555/99 e 117º do Dec. Lei 380/99, considerando-o nulo e, como tal, concluiu queNão havendo um pedido de informação prévia válido a pretensão urbanística (projecto de arquitectura) deve ser apreciado de acordo com a lei vigente na data dessa apreciação – art. 67º do Dec. Lei 555/99”.

FPO, Maria José Castanheira Neves, Dulce Lopes e Fernanda Maçãs, Regime Jurídico da Urbanização e Edificação Comentado, Almedina, 3ª ed. pag. 498, em anotação ao referido artigo 67º do RJUE, defendem o seguinte quanto ao relevado aspecto:

«O presente preceito visa aplicar às licenças, admissão das comunicações prévias e autorizações de operações urbanísticas — e também, apesar de aí não constar expressamente, aos pedidos de informação prévia —, o princípio geral segundo o qual a validade das mesmas depende da sua conformidade com as normas legais e regulamentares em vigor à data da sua prática (tempus regit actum). Mais concretamente, o objectivo do presente artigo é o de fixar a regra geral de aplicação das normas urbanísticas no tempo (designadamente, das normas constantes dos instrumentos de planeamento territorial), nas situações em que as mesmas nada determinem a este respeito.

Assim, e partindo do exemplo dos planos, se é certo que estes podem determinar expressamente a sua opção a este propósito — ora salvaguardando expressamente os direitos adquiridos antes da sua entrada em vigor (o que abrange, para além das situações de edificações legalmente existentes, aquelas em que, embora ainda não concretizadas, o titular dispõe de uma licença, admissão de comunicação prévia ou autorização em vigor, de uma informação prévia ainda eficaz ou da aprovação de um projecto de arquitectura), ora determinando a caducidade das mesmas (situação em que o plano assume carácter expropriativo e, por isso, implica o pagamento de uma indemnização ao respectivo titular, nos termos do artigo 143º do RJIGT) —, pode também acontecer que nada determine sobre este aspecto, valendo, neste caso, a regra geral segundo a qual as normas dos planos apenas produzem efeitos para o futuro, não afectando situações juridicamente consolidadas antes da sua entrada em vigor (…)».

Na verdade, o artigo 67º assenta num princípio geral de direito administrativo, segundo o qual os actos administrativos se regem pela lei vigente à data da sua prática (tempus regit actum) e, por isso, a prática de actos administrativos (licenças, admissões de comunicações prévias, autorizações de utilização, pedidos de informação prévia) que, entre o mais vertido no artigo 68º do RJUE, contrarie as disposições de instrumentos de planeamento urbanístico ou medidas preventivas em vigor no momento da sua prática, conduz à sua nulidade, tal como o referido artigo 68º comina.

Em contraponto, as posições jurídicas de vantagem decorrentes de actos administrativos constitutivos de direitos não podem ser afectadas apenas pela entrada em vigor de novas regras urbanísticas, uma vez que, não só, em regra, as normas jurídicas (legais ou regulamentares) apenas dispõem para o futuro, como também, ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular (artigo 12º, nº 1, do Código Civil), sendo certo que a propósito das normas urbanísticas tem aplicação o princípio da garantia da existência ou da manutenção assente nos princípios da protecção da confiança e dos direitos adquiridos.

Ora, assim sendo, se por um lado as normas urbanísticas devem respeitar as afectações e utilizações dos solos legalmente conferidos, designadamente através de actos de licenciamento, por outro, novas normas urbanísticas podem, por opção própria, aplicar-se a situações jurídicas já consolidadas no momento da sua entrada em vigor, tal como consta do artigo 143º do RJIGT aprovado pelo Decreto-Lei nº 380/99, de 22 de Setembro, ao tempo em vigor, designadamente na previsão legal de os instrumentos de gestão territorial determinarem a caducidade ou alteração das condições de um licenciamento prévio válido”. Nesses casos, os interessados afectados serão indemnizados, tal como a lei determina, na verificação dos atinentes pressupostos.

No entanto, essa não é a única via — já referimos acima —, pois, mais não houvesse — e há, como veremos —, se é possível que os instrumentos normativos de planeamento urbanístico decidam no sentido da caducidade dos direitos decorrentes de prévias decisões, afectando, assim, situações constituídas antes da sua entrada em vigor, também podem, por maioria de razão, salvaguardar as situações jurídicas iniciadas na vigência de anteriores instrumentos normativos, mas que ainda não alcançaram decisão definitiva sobre a pretensão urbanística a concretizar.

No presente caso, o RPDMP, no nº 1 do artigo 3º, contém norma que salvaguarda, entre o mais, os direitos conferidos por informações prévias favoráveis.

Na verdade, assegurar o correcto ordenamento do território é uma das tarefas fundamentais do Estado, como decorre do artigo 9º da Constituição da República Portuguesa (CRP), máxime a sua alínea e).

Como resulta do artigo 65º, nº 4, da CRP incumbe ao Estado e às autarquias locais definirem “as regras de ocupação, uso e transformação dos solos urbanos, designadamente através de instrumentos de planeamento” onde se incluem os PDM; como também incumbe ao Estado ordenar e promover o ordenamento do território, tendo em vista uma correcta localização das actividades, um equilibrado desenvolvimento sócio-económico e a valorização da paisagem, como também, e entre o mais, promover, em colaboração dom as autarquias locais, a qualidade ambiental das povoações e da vida urbana, designadamente no plano arquitectónico e da protecção das zonas históricas, pois todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender, como determinam os nºs 1 e 2, alíneas b) e e), do artigo 66º da CRP.

À data dos factos vigorava o Decreto-Lei nº 380/99(6), de 22 de Setembro, nos termos do qual os planos municipais de ordenamento do território são instrumentos de natureza regulamentar, aprovados pelos municípios” (artigo 69º, nº 1).

Assim, os planos municipais de ordenamento do território constituem instrumentos regulamentares que contêm as soluções que os municípios consideram dever aprovar no âmbito das suas atribuições, visando a prossecução de interesses próprios das populações respectivas (nº 2 do artigo 235º da CRP), sendo a sua elaboração da competência da Câmara Municipal (artigo 74º, nº 1), com posterior submissão a ratificação pelo Governo (artigo 80º), sendo que “a ratificação pelo Governo dos planos municipais de ordenamento do território exprime o reconhecimento da sua conformidade com as disposições legais e regulamentares vigentes, bem como com quaisquer outros instrumentos de gestão territorial eficazes, abrangendo: a) Os planos directores municipais (...)” [artigo 80º, nº 1, alínea a)] — o que não vem posto em causa.

Veja-se, no actual diploma legal regulador da matéria, o Decreto-Lei nº 80/2015, de 14 de Maio, a Divisão II e Divisão III do Capítulo II, designadamente quanto ao plano director municipal e planos intermunicipais.

O plano director municipal é, pois, um instrumento de definição da estratégia de desenvolvimento territorial local, designadamente no âmbito da ocupação, uso e transformação dos solos urbanos (artigo 65º, nº 4, da CRP) sujeito ao princípio da participação procedimental, consagrado no artigo 267º da CRP, densificado no artigo 8º do Código do Procedimento Administrativo (CPA/1991), em vigor à data dos factos, e artigo 6º e 77º do referido Decreto-Lei nº 380/99, de 22 de Setembro (RJIGT).

Ademais, a elaboração de planos municipais de ordenamento do território obriga a identificar e a ponderar, nos diversos âmbitos, os planos, programas e projectos com incidência na área em causa, considerando os que já existam e os que se encontrem em preparação, por forma a assegurar as necessárias compatibilizações (artigo 74º do RJIGT).

Por isso o plano director municipal é constituído pelos documentos que o artigo 86º do RJIGT menciona, os quais devem ainda ser integrados, entre o mais, por relatório e ou planta com indicação das licenças ou autorizações de operações urbanísticas emitidas, bem como das informações prévias favoráveis em vigor, substituível por declaração da câmara municipal comprovativa da inexistência dos referidos compromissos urbanísticos na área do plano, como prevê a Portaria nº 138/2005, de 2 de Fevereiro, em 1º, alínea c), num plano de ponderação de interesses que a indicada matriz constitucional e legal impõe.

De resto, como bem refere o Recorrido Município, o direito constitucional ao ambiente na vertente de direito ao ordenamento do território não confere o direito a um determinado índice de construção.

O conteúdo do direito ao ordenamento do território encontra-se densificado em primeira linha pela Lei de Bases da Política de Ordenamento de Território (LBPOTU) (à data, estabelecida a Lei n.º 48/98, de 11 de Agosto), pelo Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial e pelas normas regulamentares que integram os respectivos instrumentos de gestão.

A referida LBPOTU estabelece os princípios gerais da política de ordenamento do território e de urbanismo entre os quais se destacam os seguintes [artigo 5.º, alíneas g) e i)]: Responsabilidade, garantindo a prévia ponderação das intervenções com impacte relevante no território e estabelecendo o dever de reposição ou compensação dos danos que ponham em causa a qualidade ambiental;; Segurança jurídica, garantindo a estabilidade dos regimes legais e o respeito pelas situações jurídicas validamente constituídas.” (nosso sublinhado).

Quanto ao dever de ordenar o território, também o seu artigo 4º dispunha que “1 - O Estado, as Regiões Autónomas e as autarquias locais devem promover, de forma articulada, políticas activas de ordenamento do território e de urbanismo, nos termos das suas atribuições e das competências dos respectivos órgãos, de acordo com o interesse público e no respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos. 2 - O disposto no número anterior envolve as obrigações de zelar pela efectiva consolidação de um sistema de gestão territorial e de acautelar os efeitos que as demais políticas prosseguidas possam, aos diversos níveis, envolver para o ordenamento do território e o urbanismo.”.

Estes princípios foram transpostos para a actual Lei de Bases Gerais da Política Pública de Solos, de Ordenamento do Território e de Urbanismo, publicada pela Lei n.º 31/2014, de 30 de Maio, (que revogou a Lei nº 48/98), designadamente para o artigo 3.º, n.º 1, alíneas b) e i), dispondo o artigo 5.º, sob a epígrafe “Direito ao ordenamento do território”: “Todos têm direito a um ordenamento do território racional, proporcional e equilibrado, de modo a que a prossecução do interesse público em matéria de solos, ordenamento do território e urbanismo, se faça no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos. (nosso sublinhado).

Resulta, pois, claro que o ordenamento do território emerge de uma ponderação de interesses diversos, públicos e privados, que desde logo resulta da própria Constituição na medida em que a Lei Fundamental consagra o princípio constitucional da colaboração de vários sujeitos de direito público no procedimento de formação dos planos, como o direito constitucional de participação dos particulares na sua elaboração.

Este princípio de democracia participativa na elaboração dos planos tem a finalidade de fazer chegar ao conhecimento dos órgãos administrativos competentes os interesses de que são portadores para que o plano reflicta uma justa ponderação – cfr. FAC, Manual de Direito do Urbanismo, Volume I, 4.ª edição, Almedina, pág. 148.

Como bem refere FPO, A Regulamentação…, pag. 41, «É pois nas exigências decorrentes da obrigação de uma ponderação circunstanciada dos interesses em causa e do cumprimento do princípio da proporcionalidade em matéria de planeamento territorial que decorre, a mais das vezes, a necessidade de integração nos planos directores municipais de um regime particular para as situações que lhe são preexistentes.» (nosso sublinhado).

Outrossim, a questão dos compromissos urbanísticos é levada em linha de conta também quanto às medidas preventivas.

No âmbito das medidas preventivas, tal como actualmente dispõe o artigo 134º do Decreto-Lei nº 80/2015, em termos actualizados, dispunha já o referido Decreto-Lei nº 380/99, no seu artigo 107º, que em área para a qual tenha sido decidida a elaboração, a alteração ou a revisão de um plano municipal de ordenamento do território, podem ser estabelecidas medidas preventivas destinadas a evitar a alteração das circunstâncias e das condições de facto existentes que possa limitar a liberdade de planeamento ou comprometer ou tornar mais onerosa a execução do plano.

Essas medidas podem consistir, entre o mais na proibição, na limitação ou na sujeição a parecer vinculativo de operações de loteamento e obras de urbanização, obras de construção civil, ampliação, alteração e reconstrução (nº 4 do referido artigo 107º).

No entanto, afiança o nº 6 desse artigo 107º que “ficam excluídas do âmbito de aplicação das medidas preventivas as acções validamente autorizadas antes da sua entrada em vigor, bem como aquelas em relação às quais exista já informação prévia favorável válida”.

Em qualquer caso, para além dos prioritários instrumentos de perequação compensatória, subsidiariamente são indemnizáveis as restrições singulares às possibilidades objectivas de aproveitamento do solo, preexistentes e juridicamente consolidadas, que comportem uma restrição significativa na sua utilização, de efeitos equivalentes a uma expropriação (cfr. artigo 143º do RJIGT).

Porém, como apontámos, os direitos e interesses com protecção legal constituídos à luz das normas urbanísticas anteriores participam na ponderação de interesses a efectuar aquando da elaboração do plano, podendo este salvaguardar expressamente os direitos conferidos, v.g., por informações prévias favoráveis, autorizações e licenças, aprovações ou alterações válidas concedidas pelas entidades administrativas competentes antes da sua entrada em vigor.

Na verdade e em última instância, salvaguardar tais direitos é visar ainda, no uso activo das atribuições dos municípios e competências dos seus órgãos representativos, a prossecução de interesses próprios das respectivas populações, tal como constitucionalmente lhes está cometido (artigo 235º, nº 2), neste caso, no âmbito dos instrumentos de planeamento, no quadro das leis respeitantes ao ordenamento do território e ao urbanismo a que se refere o nº 4 do artigo 65º e 66º, nºs 1 e 2, alíneas b) e e), ambos da CRP.

Ora, como acima se referiu, a revisão do Plano Director Municipal do Porto foi ratificada por Resolução do Conselho de Ministros nº 19/2006, publicada no Diário da República nº 25/2006, Série I-B, de 2006-02-03, e entrou em vigor no dia imediato ao da sua publicação (artigo 90º, nº 1).

De harmonia com o nº 1 do seu artigo 1º, o Plano Director Municipal do Porto, adiante designado por PDMP, elaborado ao abrigo do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT) em vigor, estabelece as regras e orientações a que devem obedecer a ocupação, o uso e a transformação do solo para o território do concelho do Porto.

Dispõe o nº 1 do seu artigo 3º, sob a epígrafe “actos válidos”: “O presente PDMP não derroga os direitos conferidos por informações prévias favoráveis, autorizações e licenças, aprovações ou alterações válidas, incluindo projectos de arquitectura e hastas públicas alienadas, mesmo que ainda não tituladas por alvará, concedidas pelas entidades administrativas competentes antes da entrada em vigor do PDMP.”.

E a tal não obsta — antes pelo contrário, como veremos — o disposto no artigo 67º do RJUE.

Na verdade, dispõe esse artigo: “A validade das licenças, admissão das comunicações prévias ou autorizações de utilização das operações urbanísticas depende da sua conformidade com as normas legais e regulamentares aplicáveis em vigor à data da sua prática, sem prejuízo do disposto no artigo 60º” (nosso sublinhado).

Importa, assim, olhar, para além das normas legais, também para as normas regulamentares aplicáveis. E a nenhum título o nº 1 do artigo 3º do RPDMP está, enquanto norma regulamentar, de aplicação preterida ou obstada.

Tal como conclui FPO, A regulamentação…, pag. 54, «Não faz, assim, qualquer sentido o afirmado pelos defensores das ilegalidade destas normas quanto à violação do disposto no artigo 67.º do RJUE, artigo que deve ser devidamente compreendido quando determina que a validade dos actos de gestão urbanística se rege pelas normas que estiverem em vigor à data da sua prática.

Como é bom de ver, numa situação destas — em que a licença venha a ser emanada na vigência do novo plano tendo as respectivas informação prévia ou aprovação do projecto de arquitectura sido emanados antes da sua entrada em vigor , estando em vigor normas do tipo referido, aquela não será nula por violação do plano, precisamente porque este contém uma norma expressa (uma norma sobre a sua aplicação no tempo) que permite a respectiva emissão.

É, por isso, ilógico afirmar-se haver violação de plano quando é o próprio plano que, ao regular uma situação transitória, expressamente admite a emissão da licença nos termos constantes dos actos prévios (aprovação do projecto de arquitectura e informação prévia favorável) que a condicionam.».

Com tais fundamentos, em toda a sua extensão e vertentes supra expendidas, conclui-se que o acórdão recorrido não viola ou ofende nenhuma das normas jurídicas, constitucionais, legais ou regulamentares, e princípios invocados pelos Recorrentes nas conclusões das alegações de recurso.

No mais, os Recorrentes alegam o seguinte, face a uma colisão de direitos”:

Em virtude de, em resumo e como já se referiu, nessa interpretação se admitir, face a uma colisão de direitos, o sacrifício do valor superior do direito dos cidadãos ao ordenamento do território, ao direito à valorização da paisagem e ao direito à qualidade da vida urbana, nomeadamente sob o ponto de vista arquitectónico, dos quais o Plano Director Municipal é instrumento de execução, perante o valor menor de uma mera expectativa juridicamente relevante decorrente do artigo 17°, n° 3 do RJUE.

O douto Acórdão efectuou, assim, interpretação inconstitucional do artigo 17°, n° 3 do mesmo regime jurídico, ofendendo, assim, os preceitos constitucionais dos artigos 9°, alínea e), 66°, n° 1 e 2, alíneas b) e e) da Constituição da República Portuguesa.”.

A suscitada e, no conhecimento, prioritária questão da colisão de direitos, entre o direito a um ambiente de vida humano, sadio e equilibrado previsto no artigo 66º da CRP e o direito à propriedade privada (artigo 62º da CRP), aliás, genericamente invocados, é questão nova, não suscitada perante o Tribunal a quo e, logo, não decidida pelo acórdão recorrido — e, em todo o caso, omissão de pronúncia não foi invocada.

Na verdade, os recursos jurisdicionais visam a reapreciação de decisões de tribunais de grau hierárquico inferior, tendo em vista a sua alteração ou anulação por erro de facto ou de direito das mesmas, não sendo admissível no recurso o conhecimento de questões que não foram colocadas nem apreciadas na decisão recorrida e que não são de conhecimento oficioso — cfr. Acórdão do STA, de 26-09-2012, proc. nº 0708/12.

Os recursos são específicos meios de impugnação de decisões judiciais, que visam modificar as decisões recorridas, e não criar decisões sobre matéria nova. Por isso, e em princípio, não se pode neles tratar de questões que não tenham sido apreciadas pela decisão impugnada, salvo questões novas de conhecimento oficioso e não decididas com trânsito em julgado — Acórdão do STA, de 13-11-2013, proc. nº 01460/13.

O âmbito dos poderes cognitivos do Tribunal de recurso, é balizado (i) pela matéria de facto alegada em primeira instância, (ii) pelo pedido formulado pelo autor em primeira instância e (iii) pelo julgado na decisão proferida em primeira instância, ressalvada a possibilidade legal de apreciação de matéria de conhecimento oficioso e funcional, de factos notórios ou supervenientes, do uso de poderes de substituição e de ampliação do objecto por anulação do julgado — artigo 149º, nºs 1, 2 e 3, do CPTA e artigo 665º nºs 1, 2 e 3, CPC (ex 715º, nºs 1, 2 e 3, do CPC/1961) — Acórdão do TCA Sul, de 08-05-2014, proc. nº 11054/14.

Aplicando a doutrina exposta ao caso presente, verifica-se as referidas questões, não tendo sido submetidas a apreciação, em 1ª Instância, pelo Tribunal a quo, configuram questões novas e, na medida em que não participam do objecto da causa, não podem ser consideradas pelo tribunal de recurso, nos termos supra referidos, impondo a rejeição do presente recurso jurisdicional nessa parte.

Improcedem as fundamentações dos recursos.

O acórdão recorrido mantém-se na ordem jurídica acrescido da fundamentação supra.

III.DECISÃO

Termos em que os juízes da Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte acordam em negar provimento ao recurso.

Custas pelos Recorrentes, por lhes terem dado causa (artigo 527º do CPC):

Notifique e D.N..

Porto, 10 de Fevereiro de 2017

Ass.: Helder Vieira

Ass.: Fernanda Brandão

Ass.: Joaquim Cruzeiro

____________________________________________

(1) Nos termos dos artºs 144.º, n.º 2, e 146.º, n.º 4, do CPTA, 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, n.ºs 3 e 4, e 685.º-A, n.º 1, todos do CPC, na redacção decorrente do DL n.º 303/07, de 24.08 — cfr. arts. 05.º e 07.º, n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 41/2013 —, actuais artºs 5.º, 608.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 4 e 5, 639.º e 640º do CPC/2013 ex vi artºs 1.º e 140.º do CPTA.
(2) Tal como delimitadas pela alegação de recurso e respectivas conclusões, nas quais deve ser indicado o fundamento específico da recorribilidade — artigos 608º, nº 2, e 635º, nºs 3 e 4, 637º, nº 2, 639º e 640º, todos do Código de Processo Civil ex vi artº 140º do CPTA.
(3) Para tanto, e em sede de recurso de apelação, o tribunal ad quem não se limita a cassar a decisão judicial recorrida porquanto, “ainda que declare nula a sentença, o tribunal de recurso não deixa de decidir o objecto da causa, conhecendo do facto e do direito”, reunidos que se mostrem os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas — art. 149.º do CPTA.
(4) Versão do Decreto-Lei nº 555/99, de 16 de Dezembro.
(5) Versão do Decreto-Lei nº 177/2001, de 04/06, e Declaração nº 13-T/2001, de 30/06.
(6) Revogado pelo Decreto-Lei nº 80/2015, de 14 de Maio.