Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00361/14.4BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/14/2023
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:REVERSÃO DA EXECUÇÃO, GERÊNCIA DE FACTO VERSUS GERÊNCIA DE DIREITO
Sumário:I – É à administração tributária que cabe o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais de que depende a reversão, sendo o exercício efectivo de funções de gestão um dos pressupostos da responsabilidade tributária subsidiária dos gestores.

II – Se, no despacho de reversão, se invoca, essencialmente, como fundamento da alegada gerência de facto, a inscrição na Segurança Social como membro de órgão estatutário e a respectiva remuneração pela categoria A, auferida ao serviço da devedora originária no período da constituição e pagamento das dívidas exequendas, esses elementos não permitem, sem mais, que se conclua pelo exercício efectivo de funções de gestão, cabendo à AT o ónus da prova de demonstrar tal exercício efectivo de funções, não bastando a mera afirmação da probabilidade da sua existência.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

A Representação da Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de ..., proferida em 16/05/2022, que julgou procedente a oposição deduzida por AA, NIF ..., residente na Rua ..., freguesia e concelho ..., ao processo de execução fiscal n.º ...05 e apensos, que o Serviço de Finanças de ... lhe moveu por reversão de dívidas de IRS, retenções na fonte de Dezembro de 2008 e Janeiro de 2009, IMI de 2008 e IVA de 2009, da sociedade comercial «X, Lda.», NIPC ..., com sede no Lugar ..., ..., ..., ascendendo o montante total revertido a €5.638,97.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
“A. Incide o presente recurso sobre a sentença, que julgou procedente a oposição deduzida por AA, por considerar que este não exerceu a gerência de facto da sociedade devedora originária «X, Lda.» e entender, ainda, inexistir qualquer indício que aponte para a sua culpa na ausência ou insuficiência do património daquela sociedade.
B. A Fazenda Pública não se conforma com o juízo proferido pelo Tribunal a quo, porque, além do decisor partir de uma errada apreciação dos meios de prova, os próprios factos dados como provados e a motivação da matéria de facto constante da decisão em crise não permitem tal conclusão, incorrendo o mesmo em erro de julgamento de facto e de direito.
C. Quanto à gerência de facto, considera o Tribunal que: “Do conjunto dos depoimentos e dos demais elementos dos autos constantes, apesar da falta de prova da factualidade descrita em 25º, 26, 32º e 41º da petição inicial, não resulta que o Oponente tenha realizado os poderes de procurador para além dos ditames dos Representando. Resulta, isso sim que o representado era figura sempre presente e que tinha a última palavra.”.
D. Sucede que compulsados os elementos coligidos no probatório e, bem assim, os documentos juntos aos autos, não é de acompanhar o expendido na sentença sob crítica.
E. Primeiro, o Oponente não exerceu poderes de procurador, mas sim a gerência de direito e de facto da sociedade devedora originária.
F. Na verdade, se existiu uma procuração outorgada no Cartório Notarial (CN) de ..., em 18-03-2004, em que os então únicos sócios e gerentes da sociedade devedora originária nomearam mandatário ou procurador da sociedade, o Oponente, dando-lhe efetivos poderes de gerência e de representação social da mesma sociedade de forma a praticar os atos aí elencados - cf. ponto B) dos factos provados e fotocópia certificada da procuração do CN ..., de 18-03-2004, a fls. dos autos. Poucos dias depois, em 31-03-2004, os mesmos sócios, em Assembleia Geral Extraordinária, nomearam o Oponente como o gerente único da sociedade devedora originária – cf. ponto E) dos factos provados e fotocópia da Ata n.º 8, de 31-03-2004 e Certidão de teor da matrícula da sociedade devedora originária da Conservatória de Registo Predial de ..., a fls. dos autos.
G. Mais resulta provado no ponto E) do probatório que os sócios deliberaram “por unanimidade, fixar a remuneração ilíquida do gerente AA, em dois mil e quinhentos euros mensais, com direito ao uso de qualquer viatura da Empresa e respectivo combustível” (cf. Ata n.º8, de 31-03-2004, a fls. dos autos).
H. No ponto M) do probatório ficou, igualmente, assente que: “Entre 31/03/2004 e 01/03/2010, para efeitos de pagamento de contribuições obrigatórias para a Segurança Social, o oponente esteve enquadrado como membro de órgão estatutário” - cf. extracto informático da Segurança Social, que atesta o enquadramento do Oponente como membro de órgão estatutário e contribuições em conformidade, nos exercícios de 2008 e 2009 em que se constituíram e venceram as dívidas em cobrança nos autos.
I. Em 01-03-2010, o Oponente renunciou à gerência da sociedade devedora originária – cf. teor da matrícula da sociedade devedora originária – AP....31, a fls. dos autos.
J. O concreto exercício da gerência pelo Oponente entre 31-03-2004 e 01-03-2010, não é contraditado pelo facto de, no âmbito do processo especial de recuperação de empresa ter sido nomeado o gestor judicial, BB (cf. despacho judicial id. no ponto G) do probatório). Como o comprova o extrato informático da Segurança Social com o enquadramento do Oponente como membro de órgão estatutário e as correspondentes contribuições, no período entre 31-03-2004 e 01-03-2010. E os requerimentos dirigidos à Direção de Finanças de ... e ao Serviço de Finanças de ..., assinados pelo Oponente na qualidade de gerente da sociedade devedora originária – cf. pontos H) e I) dos factos provados.
K. Assim, a invocação da intervenção do gestor judicial não assume a eficácia dirimente que o Tribunal lhe pretende assacar.
L. Da prova testemunhal produzida pelo Oponente resulta que este continuou a ter uma participação ativa na gestão da sociedade, sem prejuízo de dar conta ao gestor judicial das suas opções gestionárias com maior impacto financeiro na sociedade devedora originária.
M. De relevar, ainda, o depoimento da testemunha da AT, CC (técnico de administração tributária no Serviço de Finanças de ...) que referiu que “(…) procederam à reversão das dívidas exequendas contra o oponente, por terem dado conta, mesmo após a nomeação do Gestor Judicial da entrada no Serviço de requerimentos apresentados pelo oponente em nome da sociedade devedora originária, por aquele constar, para efeitos de contribuições para a Segurança Social, como membro de órgão estatutário e por terem verificado que as deslocações ao Serviço de Finanças eram sempre feitas pelo oponente” - depoimento que foi atendido pelo Tribunal na sua motivação da matéria de facto.
N. A apreciação crítica de toda a prova documental e testemunhal produzida nos autos permite concluir que o Oponente continuou a intervir ativamente nas decisões de gestão da sociedade, a contratar com terceiros, em nome da sociedade e a efetuar novas aquisições de materiais necessários para a atividade da empresa, efetuando os respetivos pagamentos a fornecedores e trabalhadores.
O. Embora as testemunhas do Oponente tenham referido que em certas questões o Oponente necessitava da aprovação do gestor judicial, não se pode afirmar que o Oponente não tivesse poderes de gestão e não fosse o gerente de facto da sociedade devedora originária.
P. Os documentos constantes dos autos e levados ao probatório, conjugados com a devida apreciação crítica de toda a prova testemunhal evidenciam que o Oponente não deixou de ser o gerente de facto da sociedade devedora originária como o atesta o facto de ser remunerado nessa qualidade (cf. registo da Segurança Social); ter direito a usar qualquer viatura da empresa e respetivo combustível enquanto gestor da sociedade (apesar de ter sido iniciado um processo especial de recuperação de empresa); a circunstância do Oponente definir as obras a executar e o seu orçamento junto dos clientes, vinculando a sociedade e negociar com os fornecedores os materiais a adquirir para as obras da sociedade, efetuando os respetivos pagamentos, além de ter sido sempre o Oponente que se apresentava junto do Serviço de Finanças como o representante da sociedade devedora originária.
Q. Assim, entende a Fazenda Pública que, ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo, encontra-se preenchido o requisito da gerência de facto da sociedade devedora originária, por parte do Oponente, sendo o mesmo parte legítima na execução e responsável subsidiário, na qualidade de gerente da sociedade devedora originária, pela dívida exequenda, nos termos do art.24.º, n.º1, al. b) da LGT tal como resulta do despacho reversão junto aos presentes autos.
R. O Tribunal a quo ao considerar que o Oponente não exerceu a efetiva gerência de facto da devedora originária fez uma errada apreciação dos meios de prova e da própria factualidade levada ao probatório, incorrendo em erro de julgamento.
S. Por outra parte, quanto ao pressuposto da culpa, entende a Fazenda Pública que o decisor incorre, também, em erro de julgamento ao considerar procedente a oposição em apreço, com fundamento na falta de culpa do Oponente no não pagamento da dívida exequenda, referindo que: “O conjunto de elementos dos autos constantes é suficiente para se afirmar não existir qualquer indício de culpa a imputar ao Oponente […] os depoimentos das testemunhas foram no sentido de o Oponente não ter poder de decisão sobre os impostos a pagar e de ter realizado esforços para conter custos e defender, ao contrário do representado, o encerramento da OD. / Portanto, se duvidas existem sobre o efetivo exercício de atos de gestão (em nome próprio) por parte do Oponente, não há qualquer indício que aponte para a sua culpa na ausência ou insuficiência do património da OD”.
T. A reversão em causa nos autos foi realizada ao abrigo do art.24.º, n.º1, al. b) da LGT, norma que estabelece uma presunção de culpa do administrador ou gerente quanto à falta de pagamento das dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, logo era ao Oponente que cabia alegar e provar factos que permitissem ilidir essa presunção, o que não logrou fazer.
U. Neste contexto, importa relembrar que a execução fiscal a que se reporta a presente oposição destina-se à cobrança coerciva de dívidas provenientes de retenções na fonte de IRS, relativas aos períodos de 2008 e janeiro de 2009, IMI do ano de 2008 e IVA do período de 2009/06, cujos prazos limite de pagamento voluntário terminaram, respetivamente, a 20-01-2009, 20-02-2009, 30-04-2009 e 10-08-2009 - cf. pontos J), K), L), O) e R) do probatório, certidões de dívida e despacho de reversão e respetiva citação a fls. dos autos.
V. Resultando ser aplicável à reversão o art.24.º, n.º 1, al. b) da LGT, por o prazo legal de pagamento ou entrega das dívidas tributárias ter ocorrido no período do exercício do cargo de gerente pelo Oponente, é este o responsável pelo seu pagamento, salvo se provar que a falta de pagamento lhe não foi imputável.
W. Neste caso, como já acima mencionado existe uma presunção legal de culpa, recaindo sobre o administrador ou gerente o ónus da prova de que não lhe é imputável a falta de pagamento ou de entrega da prestação tributária. Porém, o Oponente não reuniu qualquer prova documental ou testemunhal pertinente a demonstrar que a insuficiência do património da devedora originária não resultou de culpa sua.
X. O Oponente não demonstrou, por prova em contrário, que a falta de pagamento da dívida exequenda não lhe é imputável, logo a presunção de culpa ínsita no art.24.º, n.º1, al.b) da LGT, nos termos do qual foi efetivada a sua responsabilidade subsidiária, sempre contra si terá de ser valorada (v. o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), de 23-11-2017, proferido no processo n.º 01364/09.6BEBRG).
Y. O Oponente não demonstrou ter realizado quaisquer diligências junto de clientes para obter os seus créditos ou medidas concretas para obviar à alegada crise que se fazia sentir no sector de atividade da empresa, e os depoimentos das testemunhas do Oponente foram vagos e insuficientes a este respeito.
Z. Acresce que como mencionado na sentença do Tribunal a quo, a testemunha DD “Disse ainda que no período em que trabalhou na sociedade devedora, o cliente, a Diocese de ..., pagava a pronto, o que permitia ir gerindo o dia a dia, salientando que a prioridade era pagar as contas correntes, os ordenados e os fornecedores.”.
AA. Estando em causa além de dívidas de IMI, dívidas de IRS – retenções na Fonte e IVA, acompanha-se, por pertinente, o explanado no Acórdão do TCAN, de 05-03-2020, proferido no Processo n.º00749/11.2BEPNF, na parte que ora se transcreve: “Nos impostos retidos na fonte [bem como no caso especial do IVA] a falta da sua entrega ganha particular gravidade, na medida em que se trata de impostos que traduzem um fluxo monetário na empresa que, ao não serem entregues nos cofres do Estado, estão a ser «desviados» do seu destino legal único, em proveito de «objectivos» alheios à sua finalidade. (…) O Recorrente deve ficar ciente que, se pretendia ilidir a presunção de culpa que sobre si impendia, não podia ficar-se por generalidades relativas ao contexto económico-financeiro global, tinha que demonstrar que não teve fundos para fazer face à totalidade das suas obrigações fiscais e que a inexistência/insuficiência de tal liquidez não lhe era imputável. Queremos com isto significar que, se orientou verbas para outros fins, como parece tê-lo realizado, em vez de assegurar os seus compromissos fiscais, jamais conseguirá provar a sua falta de culpa como gestor (…)”.
BB. Pelo que fica dito, não fazendo o Oponente prova que não lhe foi imputável a falta de pagamento da dívida exequenda revertida, entende a Fazenda Púbica que, face ao decidido, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, tendo violado o disposto nos arts.23.º e 24.º,n.º1, al. al.b) da LGT, devendo considerar-se procedente o presente recurso e, consequentemente, julgar o Oponente parte legítima para a execução fiscal quanto às dívidas ids., contra si devendo prosseguir a execução enquanto responsável subsidiário.
Nestes termos e nos mais de Direito, deve ser dado provimento ao presente recurso, eliminando-se a douta sentença recorrida e determinando-se a sua substituição por outra que julgue, totalmente, improcedente a pretensão do Oponente, com as legais consequências, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!”
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O recorrido contra-alegou em defesa da manutenção da sentença sob recurso, embora sem formular conclusões.
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.
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Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; submete-se o processo à Conferência para julgamento.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa apreciar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao considerar o oponente parte ilegítima para a execução fiscal em apreço.

III. Fundamentação

1. Matéria de facto
Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos consideram-se provados os seguintes factos:
A) Da certidão da Conservatória do Registo Comercial de ..., referente à sociedade «X, Lda.», constam, entre outras, as seguintes inscrições:
N.º 7 Ap. 04/20040423
FACTO: DESIGNAÇÃO DE GERÊNCIA
GERENTE: AA
DATA:20040331
[…]
N.º 8 Ap. ...28
NATUREZA: Provisória por Natureza (alínea n) do n.º 1 do Art.º 64.º do C.R.C.
FACTO: ACÇÃO ESPECIAL DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESA.
REQUERENTE: «Y, LDA.».
PEDIDO: A adopção de medidas de recuperação.
GESTOR JUDICIAL: BB.
COMISSÃO DE CREDORES: MEMBROS EFECTIVOS – Banco 1..., S.A., presidida por EE, e Banco 2..., S.A. MEMBRO SUPLENTE: - «T, Ld.ª»
Foi proferido despacho de prosseguimento da acção, transitado em julgado em 11/10/2004.
[…]
N.º 9 Ap. ...08
NATUREZA: Provisória por Natureza (alínea n) do n.º 1 do Art.º 64.º do C.R.C.
FACTO: SENTENÇA DE DECLARAÇÃO DE FALÊNCIA.
CAUSA: Decisão judicial. […] – cfr. fls. 34 a 41 do processo digital, sendo deste os demais elementos infra referidos que não tenham a indicação de outra origem;
B) Em 18/03/2004, RR e FF, na qualidade de gerentes, em representação da sociedade comercial «X, Lda.», outorgaram uma procuração a favor de AA, aqui oponente, conferindo-lhe “todos os poderes de gerência e de representação social da sociedade, integrados no âmbito da competência de gerência” – vide fls. 54 a 58.
C) Em 27/03/2004, reuniram em Assembleia Geral Extraordinária, os sócios da sociedade «X, Lda.», tendo sido lavrada a ata n.º 7, da qual consta, para além do mais, o seguinte:
“[…]
1. – Deliberar sobre a nomeação de gerente (s), em virtude da gerente FF, se pretender apartar da sociedade.
2. – Discussão e votação da proposta para que seja requerido um Processo Especial de Recuperação, nos termos do Código dos Processos Especiais de Recuperação de Empresa e da Falência, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/98, de 20.10 e do Decreto-lei n.º 316/98, de 20.10.
Tomou a presidência da assembleia o sócio RR.
Seguidamente, passou-se de imediato ao ponto 1 da Ordem de trabalhos e uma vez que a gerente FF, se pretendeu apartar foi decidido por unanimidade, que a partir desta data fosse nomeado como único gerente o sócio RR.
Passando ao ponto 2 e último, o Presidente começou por referir que existia na empresa a perfeita consciência de que esta sociedade está a atravessar graves dificuldades de tesouraria e com prejuízos nas obras em curso. Ora, os factos e circunstâncias descritos deixam antever que dentro de curtíssimo prazo esta sociedade vai entrar em situação de incumprimento generalizado perante os credores, por falta de capacidade financeira e também por falta de crédito, pois a sociedade está impossibilitada para fazer face à generalidade das obrigações que antes foram contraídas perante terceiros, nomeadamente fornecedores e instituições financeiras. Isto posto, o presidente da assembleia pôs à votação a proposta contida no segundo e último ponto da ordem de trabalhos, que foi aprovada por unanimidade. […] – cfr. fls. 19 a 21;
D) Em 29/03/2004, deu entrada no Tribunal Judicial de ..., o processo especial de recuperação de empresa apresentado pela sociedade devedora originária, que aí correu seus termos no ... Juízo, sob o n.º ....4/04.6TBLMG – vide fls. 22/28;
E) Em 31/03/2004, reuniram em Assembleia Geral Extraordinária os sócios da sociedade «X, Lda.», tendo sido lavrada a ata n.º 8, da qual se extrai o seguinte:
[…]
1. Deliberar sobre a renúncia de gerência do sócio gerente Senhor RR, em virtude deste ter apresentado uma carta datada de ontem, dirigida à sociedade, na qual pretende afastar-se da gerência da sociedade.
2. Deliberar sobre a nomeação de um gerente para a sociedade, nos termos do número três do artigo quarto do pacto social;
3. Deliberar sobre a remuneração a pagar ao gerente a nomear, nos termos do número dois do citado artigo e pacto;
Tomou a presidência da assembleia a sócia FF.
Seguidamente passou-se à discussão do ponto um da ordem de trabalhos e, uma vez que o gerente RR pretende renunciar à gerência, foi decidido por unanimidade que, a partir desta data, deixa de exercer a gerência da Sociedade.
Passou-se de seguida à discussão do segundo ponto, tendo o sócio RR proposto que seja nomeado o trabalhador da Empresa Senhor AA, casado, natural da freguesia ..., concelho ... e residente na Rua ..., ... em ..., para exercer o cargo de gerente, com dispensa de caução, uma vez que o mesmo te vindo a desempenhar funções de procurador da gerência, e deliberado por unanimidade nomear para o cargo o atrás identificado AA.
Por último deliberaram os sócios por unanimidade, fixar a remuneração ilíquida do gerente AA, em dois mil e quinhentos euros mensais, com direito ao uso de qualquer viatura da Empresa e respectivo combustível. […] – cfr. fls. 29 dos autos.
F) Com data de 02/04/2004, foi remetido à Conservatória do Registo Comercial de ... um requerimento subscrito pelo oponente, na qualidade de “gerente” da sociedade devedora originária do qual consta,
“AA, casado, solicitador com escritório em ..., na qualidade de gerente da sociedade comercial “«X, Lda.»”, com sede no Lugar ..., freguesia ..., ..., C.F. ...95, vem requerer a V. Ex.ª se digne conceder-lhe a desistência da apresentação 02, em 23/02/04, em virtude de ter sido indevidamente requerida […]”. – vide fls. 73 dos autos (correspondente ao doc. n.º 7 da petição inicial);
G) Em 28/10/2004, no âmbito do processo especial de recuperação de empresa foi proferido despacho judicial, do qual se extrai o seguinte:
“Nos termos do art.º 39º do CPEREF, o tribunal pode, em qualquer momento, a requerimento da comissão de credores, ou depois de ouvido o seu parecer, substituir o gestor judicial ou alterar os seus poderes (…).
A fls. 2540, veio o Sr. gestor nomeado, requerer a sua substituição, alegando se encontrar sobrecarregado com tarefas de formação e consultadoria que o afastariam do cabal desempenho das suas funções no âmbito do presente processo.
Ouvida comissão de credores, não foi feita qualquer oposição, não tendo igualmente sido manifestada qualquer oposição à nomeação do Sr. Dr. BB (devidamente inscrito na lista oficial).
Face a todo o exposto, e com vista a evitar maiores delongas, defiro a requerida substituição, passando doravante a exercer funções de Gestor Judicial o Sr. Dr. BB”. – cfr. fls. 31 a 33 dos autos.
H) Com data de 08/05/2005, foi remetido à Direção de Finanças de ... um requerimento subscrito pelo oponente, na qualidade de “gerente” da sociedade devedora originária do qual consta, “Conforme combinado ontem, tenho a honra de remeter a V. Ex.ª a fotocópia do Ofício n.º ...03 do Serviço de Finanças de ..., do qual constam as informações sobre dívidas a pagar aos serviços de Finanças de ....
Em pedido verbal e pessoal ao Sr. Chefe de Finanças de ..., no mês de Dezembro de 2004, comprometeu-se o mesmo a indicar as dívidas desta empresa ao Fisco até ao dia 07 de Janeiro, mas, até esta data nada recebemos.
Muito gratos ficaríamos se, no mais curto espaço de tempo, nos fosse resolvida esta situação […].” – vide fls. 69 dos autos (correspondente ao doc. n.º 4 da petição inicial);
I) Com data de 16/05/2007, foi remetido ao Serviço de Finanças de ... um requerimento apresentado em nome da sociedade devedora originária, dele constando a assinatura do oponente, sobre o carimbo da empresa, com a indicação “O Gerente”, e do qual consta:
“«X, Lda.», sociedade comercial por quotas com sede no Lugar ..., freguesia ..., concelho ..., c.f. ...93, vem requerer a V. Ex.ª se digne mandar certificar se, relativamente ao veículo pesado de mercadorias, marca ... modelo TE ... ..., matrícula ..-..-EX, existe Imposto de Circulação em Dívida, atendendo a que não se encontra em circulação e, em caso afirmativo, se sobre a mesma viatura consta qualquer auto de notícia activo por infracção ao Regulamento dos Impostos de Circulação e de Camionagem, no âmbito do art.º 11.º do mesmo Regulamento. […]” – cfr. fls. 70 dos autos (correspondente ao doc. n.º 4 da petição inicial);
J) Em 13/05/2009, o Serviço de Finanças de ... instaurou contra a sociedade comercial «X, Lda.», NIPC ..., com sede no Lugar ..., ... ..., ..., o processo de execução fiscal n.º ...05, para cobrança coerciva de dívidas provenientes de IRS-retenções na fonte de dezembro de 2008 e janeiro de 2009, no montante global de 1.845,00 € - vide fls. 1 do PEF, cuja cópia consta da contracapa do 1.º volume do processo físico;
K) Em 25/05/2009, o Serviço de Finanças de ... instaurou contra a sociedade comercial «X, Lda.», NIPC ..., com sede no Lugar ..., ... ..., ..., o processo de execução fiscal n.º ...45, para cobrança coerciva de dívidas provenientes de IMI de 2008, no montante global de 1.966,21 € - cfr. penúltima folha do PEF, cuja cópia consta da contracapa do 1.º volume do processo físico;
L) Em 19/09/2009, o Serviço de Finanças de ... instaurou contra a sociedade comercial «X, Lda.», NIPC ..., com sede no Lugar ..., ... ..., ..., o processo de execução fiscal n.º ...69, para cobrança coerciva de dívidas provenientes de IVA do período 2009-06, no montante global de 1.827,76 € - vide última folha do PEF, cuja cópia consta da contracapa do 1.º volume do processo físico;
M) Entre 31/03/2004 e 01/03/2010, para efeitos de pagamento de contribuições obrigatórias para a Segurança Social, o oponente esteve enquadrado como membro de órgão estatutário. – cfr. fls. 53 dos autos (corresponde ao doc. n.º 2 da petição inicial);
N) Por sentença de 29/01/2014, a sociedade devedora originária foi declarada insolvente no âmbito do processo n.º ...9/13.2 TBLMG, que correu termos pelo ... Juízo do Tribunal Judicial de ..., tendo sido nomeado Administrador de Insolvência GG – cfr. fls. 46 e 47;
O) Em 21/02/2014, o Sr. Chefe de Finanças ... emitiu projeto de reversão, do qual consta, designadamente, o seguinte:
“[…]
PROJECTO DA REVERSÃO
Fundamentos de emissão central
Insuficiência de bens da devedora originária (art.º 23/2 e 3 da LGT): decorrente da situação líquida negativa (SLN) declarada pela devedora originária na última declaração referente à Informação Empresarial Simplificada (IES) e/ou em face da insolvência declarada pelo Tribunal.
Gerência (administrador, gerente ou director) de direito (art.º 24/1/b da LGT), no terminus do prazo legal de pagamento ou entrega do imposto em questão, conforme cadastro da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT);
Gerência de facto, decorrente da remuneração da categoria A, auferida ao serviço da devedora originária no período em questão (direito constante dos artigos 255.º e/ou 399.º do Código das Sociedades Comerciais.
[…]”. – vide 2.ª folha, verso da cópia do PEF, constante da contracapa do 1.º volume do processo físico;
P) O oponente foi notificado para exercer o direito de audição prévia sobre o projeto de reversão por ofício datado de 23/02/2014. – idem anterior e folha 3;
Q) Em resposta, o oponente exerceu o direito de audição, cfr. fls. 4 e 5 da cópia do PEF, constante da contracapa do 1.º volume do processo físico;
R) Em 03/04/2014, o Sr. Chefe do Serviço de Finanças emitiu despacho de reversão, com o seguinte teor:
DESPACHO
1. Nos presentes autos em que é devedor originário a firma «X, Lda.», ... foi emitido projecto de decisão de reversão central atendendo à determinação da insuficiência de bens da devedora originária (art.° 23/2 e 3 da LGT) decorrente de situação líquida negativa (SLN) em face de insolvência declarada pelo tribunal e exercício de gerência (administrador, gerente ou director) de direito (art.° 24/1/b da LGT) no terminus do prazo legal de pagamento ou entrega do imposto em questão, conforme cadastro da AT e gerência de facto, decorrente da remuneração da categoria A, auferida ao serviço da devedora originária no período em questão.
2. A dívida exequenda nestes autos é referente a IRS, retenções na fonte dos períodos de Dezembro de 2008 e Janeiro de 2009, 1ª prestação do IMI de 2008 e IVA do período de 200906M, com prazos de pagamento voluntário a 20-01-2009, 20-02-2009, 30-04-2009 e 10-08-2009, respectivamente e ascende a € 5.638,97 (cinco mil, seiscentos e trinta e oito euros e noventa e sete cêntimos) encontrando-se melhor discriminada no quadro infra e identicamente fazendo parte integrante da citação prevista no n°3 do art. 191° do CPPT.

Nº ProcessoData InstauraçãoDescrição ProveniênciaQuantia ExequendaJuros de MoraCustasValor Total em Dívida
254220091oo28052009.05-13IRS1.845,00824,8756.172.726,04
...2009.05-25IMI1.966,21806,0731,132.803,41
...692009-09.19IVA1.827,76694,5729,172.551,50

3. O eventual revertido foi notificado para exercer o direito de audição na sequência de ofício entregue no respectivo domicílio fiscal e nesse seguimento, por petição com entrada n° ..........942 neste SF a 17-03-2014, considerando-se tempestiva por força do exposto no art. 60° da LGT, veio o eventual revertido referir sintecticamente os seguintes aspectos:
- Resultante da acta n° 8 de 31-03-2004, o interessado é nomeado gerente, mas sendo procurador da gerência desde 18.03.2004.
- No seguimento do processo especial de recuperação, situação de gerência aceite até nomeação de gestor judicial.
- Releva processo de inquérito participado pela Seg. Social, resultando no seu arquivamento relativo a dívidas do período 01/2008 a 07/2009.
- Alega a não verificação da insuficiência patrimonial do de vedor principal.
4. Em virtude do por ele exposto, requer a extinção do presente projecto de reversão.
5. Atendendo ao referido pelo eventual revertido, no que respeita à verificação da insuficiência patrimonial do principal devedor, o mesmo está em situação de insolvência decretada em ........ e não se verificando ainda a graduação de créditos.
6. Neste prosseguimento e atendendo ao identicamente referido pelo eventual revertido quanta à existência de bens obstar à reversão (articulado 15°) e tendo em canta insolvência decretada, informa-se que a Lei 64-B/2011, de 30/12, que aprovou o QE para 2012, procedeu a alterações ao n° 7 do art. 23° da LGT, passando a prever a possibilidade de reversão nas situações de insolvência. Neste contexto e atento o disposto no ofício circulado 60091 de 27-07-2012 e estando declarada a insolvência do devedor originário, foi apreciada a possibilidade de reversão das presentes dívidas, efectivando-se o projecto de reversão indicado no ponto 1, fundamentado perante os indícios de insuficiência de bens emergentes da declaração de Insolvência do devedor originário, constituindo pressuposto da responsabilidade subsidiária, em face do exposto no n° 2 do art. 23° da LGT, cumprindo-se de igual modo a notificação de exercício do direito de audição prévia, nos termos do n°4 do art. 23° do mesmo diploma, contrariando por esta via o exposto no articulado da petição do revertido (cfr. 15°), e até porque, e em conformidade com o preceituado na aI. b) do n° 2 do art. 153° do CPPT, existe fundada insuficiência de bens.
7. Bens esses apreendidos pelo Sr. Administrador de Insolvência, como resulta do exposto no ponto 5 da decisão de insolvência decretada pelo TJ ..., ... juízo.
8. Ainda neste seguimento os créditos da FN foram apresentados em sede de insolvência, nos termos do n°4 do art. 129° do CIRE, bem corno em face da art. 146° desse diploma.
9. Prosseguindo o âmbito da reversão e atenta a sua natureza, ficam sujeitos a este procedimento, entre outros, os administradores que exerçam funções de administração e gestão, e tendo em conta o facto gerador da responsabilidade em face da exposto do n° 1 do art. 24° da LGT.
10. Neste propósito importará ter em conta que o eventual revertido à data da constituição e vencimento das dívidas era gerente da sociedade, exercida rio período de 31-03-2004 a 01-03-2010, data que efectivou a renúncia a essa mesma gerência, pela Ap. ...31.
11. Tocante à questão do arquivamento do inquérito participado pela Seg. Social relativo a dívidas de Janeiro de 2008 a Julho de 2009, a dai resultante o seu arquivamento, não poderá este SF tomar por analogia esse mesmo arquivamento, porquanto as dívidas em questão nos presentes autos se reportarem a outros períodos de tributação, nem tão pouco ser do conhecimento deste SF dos elementos que consubstanciaram a instauração desses autos, para além do facto de estarem junto a outros autos de execução que correm demais termos neste SF, em concreto o processo de execução ...40 e apensos, elementos que concretizam uma prática de actos e procedimentos de gestão por parte do eventual revertido, elencados nos pontos subsequentes.
12. Atento o exposto e prosseguindo a tramitação processual e verificado o exercício de gerência de direito e de facto do responsável, durante o período das dívidas e analisado o termo do prazo de pagamento das mesmas ter-se-á presente a informação fáctica consubstanciada noutros autos de execução (...40 e apensos), em que também o referido SP figura como revertido, designadamente:
- Procuração outorgada no CN ... em 18-03-2004, em que os então gerentes aí melhor identificados nomeiam mandatário ou procurador da sociedade o já identificado SP, dando-lhe efectivos poderes de gerência e de representação social da mesma sociedade, de forma a praticar os actos elencados nas categorias numeradas de 1 a 24 da referida procuração, junto a fls. 38 a 40.
- Print informático da Segurança Social, junto a fis. 110, verificando o enquadramento como membro de órgão estatutário entre 01-03-2004 a 01-03-2010 e procedendo a contribuições por essa figura
- Fotocópia do teor da matrícula da referida sociedade da Conservatória de Registo Comercial de ..., junta a fls. 112 a 116, indicando a gerência a cargo do já mencionado SP AA, desde a data de 31-03-2004, com renúncia a essas funções de gerente em 01-03-2010 (Ap. ...31).
- Requerimento dirigido ao Sr. Gestor Judicial da sociedade datado de 01-03-2010, respeitante à rescisão do contrato de trabalho, informando da decisão de renúncia ao mandato de gerente, junto a fls. 161.
Verifica-se também que se encontram junto a fls 05 e 06 dos presentes autos avisos de recepção - citações pessoais, datados de 22-01-2010 em nome do devedor principal, encontrando-se todos eles assinados pelo agora responsável subsidiário acima identificado à data de 01-02-2010.
Igualmente e por consulta à IES, consistindo numa obrigação declarativa de natureza fiscal, contabilística e estatística comunicando informação das contas do principal devedor perante diversas entidades (Banco Portugal, AT, Conservatórias e INE), verifica-se que referente aos períodos de tributação 2004, 2005 e 2006, o representante da empresa aí identificado é o SP revertido nestes autos, comprovando-se, por esta via, o exercício de representatividade legal do devedor principal.
De igual modo e constando a informação nos anteriores autos já referidos, verifica-se que o eventual revertido praticava actos de gerência, mesmo após a nomeação do gestor judicial por despacho de 28-10-2004, contrariando o por si exposto rio articulado n° 7 do exercício de audição prévia, informação concretizada em:
- Requerimento dirigido à Direcção de Finanças de ... de 08-05-2005 relativo a informações de dívidas da sociedade a este SF, em que o reconhecido SP assina na qualidade de gerente do devedor originário, junto a fls. 125.
- Requerimento dirigido a este SF de 16-05-2007 relativo a Informações dívidas de imposto de circulação de uma viatura em nome da sociedade, em que o supradito SP assina na qualidade de gerente do principal devedor, junto a fls. 127.
- Acta n° 8 da sociedade lavrada em 31-03-2004 em que o supradito SP é nomeado gerente, fixando-lhe uma remuneração líquida de € 2.500,00 mensais, permitindo igualmente uso de qualquer viatura da empresa e respectivo combustível, cfr. fls. 135.
13. Deste modo, verifica-se que de facto o SP sobredito, exercia de direito e de facto funções de gerência no principal devedor, dado que os elementos atrás elencados consubstanciam no exercício dessas funções.
14. Em face do apresentado e relativamente à questão da prática da gerência de direito e de facto do revertido AA, NIF ..., tendo em conta que o argumentado pelos articulados no exercício de audição prévia, não consubstanciam em algo de novo, nos sentido de alterar o projecto de decisão, dado que é inegável o exercício de administração/gerência por parte deste, afirmando o próprio no seu direito de exercício de audição (cfr. articulados 1 a 7), ressalvando que já desempenhava funções de gerente por força de procuração outorgada em 18-03-2004, aliás, anterior à nomeação como gerente.
15. Tendo presente o exposto, constatada a insuficiência de bens da originária devedora e tendo como fundamento legal o disposto no art. 153°, n.° 2, alínea b) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), ORDENO A REVERSÃO DA EXECUÇÃO, contra o subsidiário responsável AA, NIF ..., anteriormente identificado nos termos do artigo 23° e aI b) do n° 1 do art 24°, ambos da Lei Geral Tributária, pela quantia exequenda em dívida nestes autos, sendo-lhe imputada a dívida descrita no ponto 2 do presente documento, dado que a falta de pagamento é-lhe atribuível, atendendo que o prazo de pagamento ou entrega da prestação terminou em período de exercício do seu cargo de gerência.
16. A decisão funda-se na presunção legal de culpa, do gerente acima identificado, função que exerceu efectivamente, traduzindo-se esta, na prática de actos reveladores da administração da executada, e que contribuíram para o estado falimentar da responsável principal, baseada em informações oficiais que o interessado não contrariou.
17. Os períodos de vigências da legislação invocada, e que antes se expressaram, vigoram não só para o período a que respeita a dívida, como também para aquele em que decorreu o respectivo prazo legal de pagamento.
18. Atenta a fundamentação supra, proceda-se à citação do executado por reversão, nos termos do artigo 160° do CPPT, tendo em atenção o disposto no artigo 191°, n.° 3 do mesmo Código, para pagar no prazo de 30 (trinta) dias, a quantia que contra si reverteu sem juros de mora nem custas (n.° 5 do artigo 23º da LGT).
Averbamentos necessários”, vide fls. 21 e 22 da cópia do PEF, constante da contracapa do 1.º volume do processo físico;
S) O oponente foi citado, na qualidade de devedor subsidiário, em 07/04/2014 – cfr. antepenúltima folha da cópia do PEF, constante da contracapa do 1.º volume do processo físico;
Factos não provados
Com relevo para a decisão da causa não se provaram quaisquer outros factos, nomeadamente os factos vertidos nos artigos 25.º, 26.º, 32.º e 41.º da petição inicial.
Motivação da matéria de facto
A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto provada teve por base a análise crítica dos documentos e informações constantes dos autos, os quais não foram impugnados, tudo conforme se encontra especificado em cada um dos pontos do probatório.
No que respeita aos factos dados como não provados, resultam, em essência, de sobre os mesmos não ter sido produzida prova documental e testemunhal bastante, pelas razões que se passam a explicitar. Subscreve-se na íntegra a apreciação realizada pela Exma. Colega subscritora da primeira decisão, porque foi ela que presidiu à audição da prova testemunhal e, ouvindo a gravação, concordamos com aquela:
HH, contabilista da sociedade devedora originária, entre 2006 e 2009, referiu que foi contratado pelo Dr. BB e que era este quem lhe pagava os serviços de contabilidade.
Mais referiu que o Dr. BB tinha de validar todas as decisões, aprovava os encerramentos das contas e determinava o pagamento ou não pagamento das dívidas fiscais.
Mencionou ainda que a empresa tinha créditos antigos sobre clientes que se encontravam por cobrar, mas que os trabalhos correntes iam sendo pagos.
Mais declarou que a empresa tinha um vasto património imobiliário, créditos sobre clientes e garantias bancárias retidas cujo valor era suficiente para pagar as dívidas, no entanto, admitiu não saber o valor dos bens e dos mencionados créditos, nem identificar os clientes devedores, nem se foram ou não efetuadas diligências para cobrança dos créditos.
II, funcionário da sociedade devedora entre 2007 e 2009, onde exerceu funções relacionadas com a faturação e recebimentos das obras, referiu que o Prof. AA lhe disse que só o podia contratar se o Gestor Judicial autorizasse e que era este quem tomava todas decisões.
Mencionou que o Prof. AA queria encerrar a empresa, mas que o Dr. BB dizia que a empresa tinha viabilidade.
Relativamente ao património da sociedade devedora originária, fez referência à existência de dois estaleiros, escritórios, máquinas, carros e as próprias obras, mas não soube quantificar valores.
JJ, engenheira civil, funcionária da sociedade devedora originária entre 2002 e novembro de 2004, referiu que o Prof. AA adotou várias medidas de contenção de custos, tais como o encerramento de instalações onde funcionavam os escritórios da empresa e transferência para o estaleiro, reformulação de orçamentos das obras, renegociação de contratos.
Acrescentou que as dificuldades económicas que a sociedade já atravessava aquando da nomeação do Prof. AA como gerente deveram-se à má gestão do Sr. RR e do seu filho.
Referiu ainda que após a nomeação do Gestor Judicial, Dr. BB, era este quem decidia, no entanto, quanto a este aspeto, importa realçar que esta nomeação ocorreu em 24/10/2004 e que a testemunha deixou de exercer funções na sociedade devedora originária em meados de novembro de 2004.
DD, engenheiro civil, funcionário da sociedade devedora originária entre 2004 e setembro de 2006, afirmou que a gestão corrente era feita pelo Prof. AA, mas que a última palavra em questões de maior responsabilidade era do Dr. BB.
Disse ainda que no período em que trabalhou na sociedade devedora, o cliente, a Diocese de ..., pagava a pronto, o que permitia ir gerindo o dia a dia, salientando que a prioridade era pagar as contas correntes, os ordenados e os fornecedores.
KK, fornecedor da sociedade devedora originária até 2006, declarou que quem contratou o fornecimento de material foi o Prof. AA, com autorização do Dr. BB.
Mencionou ainda que a sociedade, no período de exercício de funções dos antigos gerentes, ficou-lhe a dever 22.000,00 €, mas que a partir do processo de recuperação da empresa esta sempre lhe pagou os fornecimentos.
LL, funcionário da sociedade devedora originária entre 1998 e 2008, afirmou que foi contratado pelo oponente, por determinação do Sr. RR e que não conheceu o Dr. BB, só ouviu falar dele.
O Tribunal não valorou positivamente o depoimento desta testemunha, porquanto apenas trabalhava nas obras, não tendo qualquer conhecimento da gestão da sociedade em concreto, como, aliás, reconheceu.
Da parte da Fazenda Pública, CC, técnico de administração tributária no Serviço de Finanças de ..., referiu que procederam à reversão das dívidas exequendas contra o oponente, por terem dado conta, mesmo após a nomeação do Gestor Judicial da entrada no Serviço de requerimentos apresentados pelo oponente em nome da sociedade devedora originária, por aquele constar, para efeitos de contribuições para a Segurança Social, como membro de órgão estatutário e por terem verificado que as deslocações ao Serviço de Finanças eram sempre feitas pelo oponente.
Mencionou ainda que a insuficiência patrimonial da sociedade devedora originária resulta da declaração de insolvência da sociedade devedora originária, pois que tal facto significa que a empresa não dispõe de património para assumir os seus compromissos.
Os depoimentos das testemunhas arroladas pela oponente revelaram-se insuficientes para a prova dos factos dados como não provados. Com efeito, importava que tivesse sido reunida prova documental que permitisse aferir a situação patrimonial e financeira da empresa e comprovar os créditos sobre os clientes, devendo ainda ser demonstrada a realização de diligências com o propósito de obter o seu cumprimento.
As testemunhas referiram a existência de créditos sobre clientes e cauções retidas.
Todavia, nesta matéria importava que tivesse sido reunida prova documental que permitisse comprovar o valor dos créditos detidos sobre clientes e que alegadamente não foram recebidos, bem como aferir do seu impacto na situação económico-financeira da sociedade devedora originária.
Por outro lado, seria ainda relevante a demonstração das diligências encetadas com o propósito de obter o recebimento desses créditos.
De facto, o oponente não juntou aos autos comprovativo da entrada em Tribunal de quaisquer ações judiciais destinadas a obter a cobrança coerciva dos seus créditos. E ainda que não fosse exigível a demanda judicial dos seus clientes, impunha-se, no mínimo, que tivesse diligenciado no sentido de obter os seus créditos através do envio de cartas de cobrança, quer por si, quer através de apoio jurídico de advogado. Nada foi alegado neste concreto aspeto, nem tão pouco demonstrado, pois que, para além da inexistência da prova documental, os depoimentos das testemunhas revelaram-se vagos e imprecisos.
Acresce, ainda, que o mero facto de um determinado sector estar em crise, pese embora as dificuldades que as empresas possam em tais períodos sentir, não constitui justificação para o não cumprimento das suas obrigações fiscais ou para a insuficiência de bens para o seu pagamento, pois que se assim fosse nenhuma empresa sobreviveria em condições de mercado adversas. Relevante seria que se alegasse e demostrasse que, em tal período de crise, apesar de todas as medidas tomadas, não se logrou obter os meios necessários à satisfação dos credores, incluindo a Administração Tributária. E essa prova, face à inconsistência dos depoimentos das testemunhas e inexistência de elementos documentais, não foi feita nos autos.
Relativamente à factualidade constante do artigo 41.º da petição inicial, para além da absoluta ausência da pertinente prova documental, os depoimentos das testemunhas a este respeito revelaram-se vagos e imprecisos, não permitindo ao Tribunal valorá-los positivamente.”

2. O Direito

Face às conclusões de recurso, a primeira questão que importa apreciar e decidir é a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento quando concluiu não estarem verificados os pressupostos da responsabilidade subsidiária, no que concerne ao exercício da gerência de facto por parte do Recorrido.
A decisão da matéria de facto não se mostra impugnada, pelo que se apresenta estabilizada, centrando-se, então, a análise na apreciação da alegada errada valoração da factualidade apurada, na medida em que a Recorrente defende que os factos coligidos não permitem as ilações retiradas, nem afirmar que o Oponente/Recorrido não exerceu a gerência de facto da sociedade devedora originária e, nesse pressuposto, ter concluído pela sua ilegitimidade para a execução fiscal.
A sentença recorrida focou-se na circunstância de o oponente ser um mero procurador dos sócios gerentes, de ter sido requerido um Processo Especial de Recuperação de Empresa e nos depoimentos testemunhais reveladores de que o Recorrido não exerceria, de facto, actos de gestão da devedora originária; concluindo que as situações mencionadas no despacho de reversão, referentes à fixação de um salário como membro de órgão de gestão e a possibilidade de utilizar qualquer veículo da devedora originária, não seriam, em face da prova produzida, bastantes para demonstrar o efectivo exercício da gerência.
A Recorrente insurge-se contra o assim decidido, por entender, no essencial, que os elementos constantes dos autos são de molde a extrair a conclusão de que o Oponente exerceu, no período a que respeitam as dívidas, a gerência de direito e de facto da sociedade devedora originária, não tendo exercido poderes de procurador.
Vejamos.
A execução fiscal a que se reporta a presente oposição destina-se à cobrança coerciva de dívidas provenientes de IRS, retenções na fonte de Dezembro de 2008 e Janeiro de 2009, IMI de 2008 e IVA do período de 2009-06 e o Oponente foi chamado a essa execução através do mecanismo da reversão e com vista à efectivação da sua responsabilidade subsidiária pelo pagamento daquelas dívidas.
É sabido que o regime da responsabilidade subsidiária aplicável é o vigente no momento em que se verifica o facto gerador da responsabilidade (artigo 12.º do Código Civil), pelo que estando em causa dívidas cujos factos constitutivos ocorreram na vigência da Lei Geral Tributária, é de aplicar o regime previsto no artigo 24.º desta Lei.
Este artigo 24.º, n.º 1 da LGT estabelece o seguinte:
“1. Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento. (…)”
Resulta inequivocamente deste normativo legal que a responsabilidade subsidiária é atribuída em função do exercício do cargo de gerente e reportada ao período do respectivo exercício. Ou seja, a gerência de facto constitui requisito da responsabilidade subsidiária dos gerentes, não bastando, portanto, a mera titularidade do cargo, a gerência nominal ou de direito.
Ora, é sobre a administração tributária, enquanto exequente e como titular do direito de reversão, que recai o ónus de alegar e provar os pressupostos que lhe permitem reverter a execução fiscal contra o gerente da devedora originária, designadamente, os factos integradores do efectivo exercício da gerência de facto [de acordo com a regra geral de quem invoca um direito tem que provar os respectivos factos constitutivos - artigo 342.º, n.º 1, do CC e artigo 74.º, n.º 1, da LGT]. Com efeito, não há qualquer presunção legal que faça decorrer da qualidade de gerente de direito o efectivo exercício da função e que faça inverter o referido ónus que recai sobre a administração tributária.
Como se refere no Acórdão do STA (Pleno da Secção do Contencioso Tributário) de 28/2/2007, Recurso n.º 1132/06, a prova da gerência de direito não permite presumir, nem legal nem judicialmente, a gerência de facto, impondo-se ao exequente fazer a respectiva alegação e subsequente prova.
Assim, o que importa apurar é se os factos dados como provados na sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de ... permitem afirmar o exercício da gerência de facto por parte do Recorrido.
Antes de mais, importa referir que a denominada gerência de facto de uma sociedade comercial consistirá no efectivo exercício das funções que lhe são inerentes e que passam, nomeadamente, pelas relações com os fornecedores, com os clientes, com as instituições de crédito e com os trabalhadores, tudo em nome, no interesse e em representação dessa sociedade. Para que se verifique a gerência de facto é indispensável que o gerente use, efectivamente, dos respectivos poderes, que seja um órgão actuante da sociedade, tomando as deliberações consentidas pelo facto, administrando e representando a empresa, realizando negócios e exteriorizando a vontade social perante terceiros - nestes termos, Rúben Anjos de Carvalho, Francisco Rodrigues Pardal, in Código de Processo das Contribuições e Impostos, anotado e comentado, 2ª Edição, Coimbra, 1969, p. 139 - citado, entre outros, nos Acórdãos do TCAN, de 18/11/2010 e de 20/12/2011, Processos n.º 00286/07 e n.º 00639/04, respectivamente.
São, portanto, os gerentes de facto quem exterioriza a vontade das sociedades nos seus negócios jurídicos, são eles quem manifesta a capacidade de exercício de direitos da sociedade, praticando actos que produzem efeitos na esfera jurídica desta.
Da matéria de facto assente, não se nos afigura que, contrariamente ao pretendido pela Recorrente, se possa afirmar o efectivo exercício da gerência da sociedade executada por parte do Oponente a partir da constatação da aposição da sua assinatura em dois requerimentos dirigidos à AT, na qualidade de gerente, relativos a informações de dívidas da sociedade e a dívida de imposto de circulação de uma viatura em nome da sociedade. E a circunstância de o Oponente ter figurado como beneficiário da segurança social também não permite concluir, no caso concreto, pela prática efectiva de actos de gerência.
O despacho de reversão enfatiza a existência da acta n.º 8 da sociedade originária, lavrada em 31/03/2004, em que o Recorrido é nomeado gerente, fixando-lhe uma remuneração líquida de €2.500,00 mensais, permitindo igualmente o uso de qualquer viatura da empresa e respectivo combustível.
Considerando o período a que respeitam as dívidas exequendas, não surpreende que a Recorrente desvalorize a procuração emitida anteriormente a 31/03/2004, em 18/03/2004 – cfr. alíneas B) e E) do probatório.
Partiremos, portanto, da data da nomeação do Recorrido como gerente, em 31/03/2004 – cfr. alíneas A) e E) da decisão da matéria de facto. Sem olvidar que já antes deu entrada no Tribunal Judicial de ... um processo especial de recuperação de empresa apresentado pela sociedade devedora originária – cfr. alínea D) do probatório.
Na sua petição inicial, o Oponente acentua que somente aceitou representar formalmente a empresa até à nomeação de Gestor Judicial, que veio a ocorrer em 28/10/2004, e que todo este circunstancialismo teve consequências e implicações na gerência da sociedade – cfr. alínea G) da decisão da matéria de facto.
Com efeito, da motivação da decisão da matéria de facto resultam vários factos instrumentais que inculcam a ideia de que as decisões finais de administração da empresa passavam pelo Gestor Judicial nomeado.
A acção, que foi apresentada em 29/03/2004, tem como pressuposto a situação económica difícil da empresa, mas que esta ainda seja susceptível de recuperação, por ter viabilidade económica. No entanto, este processo especial de recuperação de empresa confere a possibilidade à sociedade de continuar a exercer a sua actividade e, assim, evitar a deterioração da respectiva situação financeira, patrimonial e contabilística e, em última instância, evitar a insolvência.
Quanto às funções do Gestor Judicial, regia o artigo 35.º do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência (diploma que foi, entretanto, expressamente revogado pelo DL n.º 53/2004, de 18/03), que determinava, além do mais, que ao gestor judicial cumpre orientar a administração da empresa, fazer o diagnóstico das causas da situação em que ela se encontra, ajuizar da sua viabilidade económica e estudar os meios de recuperação mais adequados à prossecução do seu objecto e à salvaguarda dos interesses dos credores.
Independentemente de se ter apurado ou não se era, afinal, na prática, o Gestor Judicial que administrava, de facto, a sociedade devedora originária, impõe-se alertar que devemos concentrar-nos no período da constituição e do pagamento das dívidas exequendas, pois somente esse, verdadeiramente, nos interessa.
A verdade é que nem todos os depoimentos testemunhais terão sido devidamente circunstanciados temporalmente, ficando a dúvida se o Gestor Judicial nomeado não teria tido somente funções fiscalizadoras até à cessação das mesmas com a eventual extinção da instância da providência de recuperação.
Compulsada a decisão da matéria de facto, ressalta o registo de sentença de declaração de falência em 08/03/2006 – cfr. teor da certidão de registo comercial da sociedade, reproduzido parcialmente na alínea A) do probatório.
Neste contexto de falência, enquadramos com facilidade os depoimentos prestados, no sentido de não ser o Recorrido que detinha, efectivamente, o controlo dos destinos da sociedade devedora originária.
Lembramos que as dívidas exequendas se reportam aos anos de 2008 e 2009, portanto, posteriormente à declaração de falência em 2006, suscitando-se, por isso, dúvida fundada se o oponente geria, de facto, a empresa aquando da data limite de pagamento voluntário das dívidas exequendas – cfr. artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da LGT indicado no despacho de reversão.
Perante este circunstancialismo, não vislumbramos que o extracto informático da Segurança Social com o enquadramento do oponente como membro de órgão estatutário e as correspondentes contribuições, no período entre 31/03/2004 e 01/03/2010, bem como os requerimentos dirigidos à Direcção de Finanças de ... e ao Serviço de Finanças de ..., assinados pelo oponente, na qualidade de gerente da sociedade devedora originária [alíneas H), I) e M) da decisão da matéria de facto], assumam a força probatória necessária para se considerar demonstrada a gerência efectiva da mesma pelo Recorrido.
Por conseguinte, não só a Fazenda Pública não provou os factos constitutivos do seu direito, como, pelo contrário, os elementos ínsitos nos autos e na decisão da matéria de facto apontam no sentido de que, nos períodos aqui em causa, o Oponente possa não ter exercido a efectiva gerência da executada originária e, como tal, não poderá ter lugar a sua responsabilização, a título subsidiário, pelo pagamento da dívida exequenda.
Em suma, não tendo resultado provado nos autos que o Oponente exercia, de facto, a gerência da executada originária, praticando os actos próprios e típicos da gerência no período aqui em causa, não pode ser responsabilizado subsidiariamente pelo pagamento das dívidas exequendas e, com tal, deverá concluir-se, como o fez o tribunal a quo, apesar de ter aportado fundamentação diversa, pela ilegitimidade do Oponente para a execução, com a consequente procedência da oposição.
Nesta conformidade, não havendo necessidade de entrar na análise da restante questão, contendente com a “culpa”, julga-se prejudicado o conhecimento das conclusões recursivas respeitantes a essa matéria, impondo-se negar provimento ao presente recurso jurisdicional.

Conclusões/Sumário

I – É à administração tributária que cabe o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais de que depende a reversão, sendo o exercício efectivo de funções de gestão um dos pressupostos da responsabilidade tributária subsidiária dos gestores.
II – Se, no despacho de reversão, se invoca, essencialmente, como fundamento da alegada gerência de facto, a inscrição na Segurança Social como membro de órgão estatutário e a respectiva remuneração pela categoria A, auferida ao serviço da devedora originária no período da constituição e pagamento das dívidas exequendas, esses elementos não permitem, sem mais, que se conclua pelo exercício efectivo de funções de gestão, cabendo à AT o ónus da prova de demonstrar tal exercício efectivo de funções, não bastando a mera afirmação da probabilidade da sua existência.

III. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.

Custas a cargo da Recorrente, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.

Porto, 14 de Março de 2023

Ana Patrocínio
Paula Moura Teixeira
Conceição Soares