Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00835/22.3BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/24/2025
Tribunal:TAF do Porto
Relator:MARIA FERNANDA ANTUNES APARÍCIO DUARTE BRANDÃO
Descritores:AÇÃO ADMINISTRATIVA CONTRA O INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, IP;
SUBSÍDIO DE DOENÇA;
ACERTO DA SENTENÇA RECORRIDA;
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO

«AA», com domicílio na Alameda ..., ..., ..., ..., instaurou acção administrativa contra o Instituto da Segurança Social, IP, com sede na Avenida ..., ..., ..., peticionando o reconhecimento do seu direito a auferir subsídio de doença à razão do valor diário de € 32,55, que não, como erradamente calculou o Réu, no valor diário de € 19,99.
Pugnou:
a) Pela condenação do Réu a reconhecer o direito da Autora a receber, desde 30/10/2019 até 27/02/2022, o pagamento da quantia de € 19.746,46, quando os serviços do Réu processaram à Autora o pagamento da quantia de € 12.211,69;
b) Pela condenação do Réu no pagamento à Autora da quantia de € 7.534,77, acrescida das diferenças do valor diário que se verificarem até pagamento efectivo do valor mensal de € 732,38, ressalvadas as actualizações legais, que se vencerem em momento posterior à propositura da presente acção;
c) Pela condenação do Réu a pagar à Autora os subsídios de férias e de Natal devidos à Autora e não pagos pelo Réu, nos montantes unitários de € 460,00, num total de € 920,00, acrescidos dos que se vencerem posteriormente à propositura da presente acção;
d) Pela condenação do Réu a pagar à Autora as diferenças no valor de subsídios de doença, de Natal e de férias, acrescidos dos juros de mora contados desde a data em que seria devido esse pagamento e até à data do seu efectivo pagamento.
Por decisão proferida pelo TAF do Porto foi julgada totalmente procedente a acção e:
a) Condenado o Réu a reconhecer o direito da Autora a receber, desde 30/10/2019 até 27/02/2022, o pagamento da quantia de € 19.746,46, contrariamente ao por aquele processado, na quantia de € 12.211,69, a título de subsídio de doença;
b) Condenado o Réu a pagar à Autora o diferencial, que se cifra em € 7.534,77, acrescido das diferenças do valor diário que se verificarem até pagamento efectivo do valor mensal de € 732,38, ressalvadas as actualizações legais, que se vencerem em momento posterior ao da propositura da presente acção;
c) Condenado o Réu a pagar à Autora os subsídios de férias e de Natal não pagos, no montante global de € 920,00, acrescidos dos que se vencerem posteriormente à propositura da presente acção; e,
d) Condenado o Réu a pagar à Autora as diferenças no valor dos subsídios de doença, férias e Natal, acrescidos dos juros de mora desde a data de vencimento, e até efectivo e integral pagamento, calculados à taxa legal em vigor.
Desta vem interposto recurso.
Alegando o Réu formulou as seguintes conclusões:
1- A sentença recorrida erra, de forma grosseira, a aplicação da Lei, nomeadamente ao confundir as condições para o cumprimento do prazo de garantia, previstas no art.º 10º do Dec-Lei 28/2004, de 4 de Fevereiro, com a fórmula de cálculo do valor de referência

2- Na verdade, as regras do art 18º do diploma dizem exclusivamente respeito ao cálculo da remuneração de referência e não podem ser aplicadas à contagem do prazo de garantia, que se basta com 6 meses (seguidos ou interpolados ) com registo de remunerações no período anterior à baixa médica.

3- Não sendo legítimo ao tribunal exigir os 6 meses mais os 2 de dilação exigidos apenas para o cálculo da remuneração de referência, consta-se que a A. apresenta efectivamente os 6 meses necessários a perfazer o período de garantia apenas com remunerações dentro do sistema.

4- Aliás, se a A. não apresentasse as remunerações suficientes para completar o prazo de garantia, não poderia o tribunal aplicar o art 11º e totalizar períodos contributivos com recurso a outro sistema de segurança social obrigatório, porque dos factos provados nada resulta que a A. tenha trabalhado noutro sistema.

5- Assim, existindo período de garantia com recurso apenas às remunerações dentro do sistema, evidente se torna que a regra de cálculo a aplicar é a do nº 1 do art 18º e não a do art 2º, pelo que o Tribunal incorreu em erro de julgamento, devendo a sentença ser revogada.

Termos em que, revogando a sentença recorrida e absolvendo o R. do pedido na sua totalidade fará este Tribunal inteira Justiça.

A Autora juntou contra-alegações, sem conclusões, finalizando assim:
julgando improcedente a apelação, mantendo na íntegra a sentença recorrida, far-se-á
JUSTIÇA,
A Senhora Procuradora Geral Adjunta notificada, nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO

Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
A) No período decorrido entre Abril e Outubro de 2019, a Autora exerceu actividade profissional por conta de outrem a favor da entidade designada “[SCom01...], Unipessoal, Lda.”, com a categoria profissional de “Assist. Srv. Apoio Clientes” (cf. documentos juntos com a petição inicial sob os nºs 2 14);
B) No mês de Abril de 2019 auferiu o vencimento de € 582,44; no mês de Maio de 2019, auferiu a quantia de € 972,04; no mês de Junho de 2019, auferiu a quantia de € 1.214,25; no mês de Julho de 2019, auferiu a quantia de € 846,87; no mês de Agosto de 2019, auferiu a quantia de € 433,74; no mês de Setembro de 2019, auferiu a quantia de € 1.054,33 e no mês de Outubro, auferiu a quantia de € 1.059,16 (cf. idem);
C) Ao longo do período de tempo indicado no ponto anterior, a Autora efectuou os devidos descontos para o Réu, tomando por referência o vencimento médio mensal de € 943,92 (cf. idem);
D) Em Novembro de 2019, e em resultado de doença do foro oncológico, o qual acarretou tratamentos hospitalares periódicos e total incapacidade para o trabalho, a Autora iniciou um período de baixa por doença, o qual se mantém à data da propositura da acção (cf. documento junto com a petição inicial sob o nº 1 e acordo das partes);
E) A partir do dia 30/10/2019, e até à data da propositura da presente acção, os serviços do Réu passaram a conceder à Autora subsídio de doença, à razão diária de € 19,99 (cf. documento junto com a petição inicial sob o nº 15);
F) A 13/01/2022, os serviços do Réu remeteram à Autora uma comunicação, sob a epígrafe “Subsídio de Doença desde 2019-10-30”, e da qual consta, designadamente, o seguinte: “Serve o presente para, e em resposta ao pedido de análise ao subsídio de doença apresentado em 2021-12-29, informar V/Exa que subsídio de doença se encontra calculado em conformidade com as remunerações que constam registadas nesta Instituição e por aplicação das seguintes regras: «Doença – Subsídio diário = (R/180) x 55%, em que R é igual ao total de remunerações registadas nos primeiros 6 meses civis que precedem 2º mês anterior ao do início da incapacidade (os meses necessários para o cálculo são: Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho e Julho de 2019 e só apresenta qualificação e remuneração a partir de Abril de 2019). A percentagem aplicável à remuneração de referência é variável em função da duração da incapacidade, nos seguintes termos: até 30 dias, 55%; de 31 a 90 dias, 60%; de 91 a 365 dias, 70%; mais de 365 dias, 75% (Decreto-Lei 28/2004 de 4 de Fevereiro, nas redacções dadas pelos Decretos-Lei nº 146/2005, de 26 de Agosto e nº 302/2009, de 22 de Outubro).» Uma vez que apenas apresenta 4 meses de remunerações válidas para o cálculo do subsídio de doença, não se verifica qualquer alteração ao valor diário.(...)” (cf. documento junto com a petição inicial sob o nº 16);
G) No ano de 2021, do total de € 800,00, a entidade patronal da Autora não pagou a quantia de € 608,03 a título de subsídio de férias, bem como outro tanto a título de subsídio de Natal, tendo o Réu pago apenas o valor global de € 960,00 (cf. documentos juntos com a petição inicial sob os nºs 18 e 19);
H) A petição inicial foi apresentada neste Tribunal a 19/04/2022 (cf. fls. 1 e seguintes dos presentes autos).
DE DIREITO
É entendimento pacífico na doutrina e jurisprudência, com consagração nos artigos 635.º, n.º(s) 4 e 5, 639.º, n.º(s) 1 e 2 e artigos 1.º, 140.º, n.º 3 e 146.º, n.º 4 do CPTA que o objeto do recurso se encontra delimitado pelas conclusões extraídas da motivação, pelo respetivo recorrente, o que se traduz no impedimento do tribunal ad quem de conhecer de matéria que aí não tiver sido invocada, exceto as situações de conhecimento oficioso, seja de mérito ou de natureza adjetiva.
Assim,
Avança-se, já, que carece de razão o Recorrente.
Com efeito, a sentença proferida não padece de censura.
O Tribunal a quo julgou a ação procedente e condenou a Recorrida:
A) A reconhecer o direito da A. a receber desde 30.10.2022 até 27.02.2022, o pagamento da quantia de € 19.746,46, quando os serviços da Ré processaram à A. o pagamento da quantia de € 12.211,69.
B) No pagamento à A. da quantia de € 7.534,77, acrescida das diferenças do valor diário que se verificarem até pagamento efetivo do valor mensal de 732,38, ressalvadas atualizações legais, que se vencerem em momento posterior à distribuição da presente ação.
C) A pagar à A. os subsídios de férias e de Natal devidos à A. e não pagos pela Ré, nos montantes unitários de € 460,00, num total de € 920,00, acrescidos dos que se vencerem posteriormente à distribuição da presente ação.
D) A pagar à A. as diferenças no valor dos subsídios de doença, de Natal e de Férias, acrescidos dos juros de mora contados desde a data em que seria devido esse pagamento, até à data do seu pagamento efectivo à A..
A factualidade levada ao probatório não foi posta em crise.
Como se disse, pretende a Autora, com a presente acção, que lhe seja reconhecido o direito a auferir subsídio de doença, enquanto persistir a situação causadora de incapacidade absoluta para o trabalho, à razão diária de € 32,55, ao invés do montante diário de € 19,99 calculado pelo Réu, bem como ao correspondente pagamento, retroactivo e para futuro.
O cerne do presente litígio prende-se com a interpretação a dar à formulação do artigo 18° do Decreto-Lei n° 28/2004, de 4 de fevereiro, na redacção actualmente em vigor.
Prescreve tal artigo o seguinte:
“Artigo 18.° - Remuneração de referência
1 - A remuneração de referência a considerar é definida por R/180, em que R representa o total das remunerações registadas nos primeiros seis meses civis que precedem o 2.° mês anterior ao mês em que teve início a incapacidade temporária para o trabalho.
2 - Em caso de totalização de períodos contributivos, se os beneficiários, no período de referência indicado no número anterior, não apresentarem seis meses com registo de remunerações, a remuneração de referência é definida por R/(30 x n), em que R representa o total das remunerações registadas desde o início do período de referência até ao dia que antecede a incapacidade temporária para o trabalho e n o número de meses a que as mesmas se reportam.
3 - (Revogado).
4 - (Revogado).
5 - Na determinação do total de remunerações registadas não são consideradas as importâncias relativas aos subsídios de férias, de Natal ou outros de natureza análoga.”
Como alegado pelo Recorrente, o facto é que, no caso vertente, estamos perante uma questão de interpretação, razão pela qual há que atender às regras previstas no artigo 9.º do Código Civil que, por uma questão de facilidade de exposição, aqui transcrevemos:
“Artigo 9º
Interpretação da lei
1 - A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2 - Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3 - Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”
Com efeito, a letra da lei funciona como ponto de partida e como limite da interpretação - na expressão de José Oliveira Ascensão, “[a] letra não é só o ponto de partida, é também um elemento irremovível de toda a interpretação” - Introdução e Teoria Geral, 13.ª ed., Almedina, 2005, pág. 396 -.
Onde o legislador não legisla, não deve o intérprete legislar, não podendo ser tomado em conta o pensamento legislativo que não recolha na letra da lei um mínimo de correspondência textual (artº 9º/2 do Código Civil).
Segundo este preceito, relativo à interpretação da lei, não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso; assim, mesmo quando o intérprete “...se socorre de elementos externos, o sentido só poderá valer se for possível estabelecer alguma relação entre ele e o texto que se pretende interpretar”- cfr. João Baptista Machado, em Introdução ao Direito Legitimador, 1983-189.
E refere José Lebre de Freitas, in BMJ 333º-18 “A “mens legislatoris” só deverá ser tida em conta como elemento determinante da interpretação da lei quando tenha o mínimo de correspondência no seu texto e no seu espírito”.
Assim, presumindo-se que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, ao abrigo do n.º 3 do mencionado artigo 9.º, é notório concluir no sentido de que a fórmula de determinação da designada “remuneração de referência” manifesta-se de fulcral importância, para a situação em apreço, porquanto será a base de incidência das percentagens previstas no artigo 16° do mesmo diploma legal, e que sustentam o cálculo do montante de subsídio de desemprego a atribuir ao trabalhador em situação de incapacidade.
No caso concreto, e conforme decorre do probatório, o período contributivo da Autora decorreu entre abril e outubro de 2019, ou seja, um total de 7 meses.
Efectivamente, logo em novembro desse ano, deparou-se a Autora com uma doença do foro oncológico, que a incapacitou para o exercício da sua actividade profissional.
Considerando a forma de cálculo prevista no artigo 18°, supratranscrito, verificou o Tribunal que o 2° mês anterior ao mês em que teve início a incapacidade temporária para o trabalho corresponde a agosto de 2019.
Os meses de remuneração a considerar para a Autora corresponderiam aos de fevereiro a julho de 2019, para efeitos do previsto no n° 1 do artigo 18° do DL 28/2004, de 4 de fevereiro.
Contudo, a Autora apenas iniciou o seu período contributivo em abril de 2019, isto é, não apresenta seis meses com registo de remuneração precedentes ao 2° mês em que teve início a situação de incapacidade. Consequentemente, impõe-se a aplicação do n° 2 do artigo 18° da referida lei à concreta situação da Autora, para cálculo da remuneração de referência, que não o n° 1 da mesma norma, conforme o fez o Réu.
A remuneração de referência da Autora a considerar, para cálculo do subsídio de doença, corresponde a R/(30 x n), ou seja, € 6.834,57 / (30 x 7) = € 32,55, que não os € 19,99 considerados pela Entidade Demandada.
Assiste, pois, à Autora o direito a auferir os devidos diferenciais entre o subsídio de doença efectivamente pago e aquele que é devido, à luz da lei, retroactivamente, o que perfaz já a quantia de € 7.534,77, bem como para futuro, tendo por base a supra determinada remuneração de referência.
Assiste ainda razão à Autora, no que tange aos proporcionais de subsídio de férias e de Natal.
Na verdade, estabelece o artigo 15° do DL 28/2004, de 4 de fevereiro (na redacção actualmente em vigor), o seguinte:
“A atribuição da prestação compensatória dos subsídios de férias, de Natal ou de outros de natureza análoga depende, cumulativamente, de:
a) Os beneficiários não terem direito, em consequência de doença subsidiada, ao pagamento daqueles subsídios, no todo ou em parte, pelo respectivo empregador, por força do disposto em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou noutra fonte de direito laboral;
b) O respectivo empregador não ter pago os subsídios, por força do disposto em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou noutra fonte de direito laboral.”
Conforme foi dado como provado, no ponto G), a entidade patronal da Autora não lhe pagou a totalidade dos montantes devidos a título de subsídio de férias e de Natal, conforme aliás declarou ao Réu, e como decorre da alínea a) do n° 2 do artigo 255° do Código do Trabalho.
Assim e de acordo com o previsto no artigo 15° do DL 28/2004, de 4 de fevereiro, assiste razão à Autora quando reclama do Réu o pagamento dos devidos diferenciais atinentes à parte dos proporcionais de subsídio de férias e de Natal não pagos pela entidade patronal.
Por outro lado, aos montantes reclamados acrescem os juros de mora, vencidos e vincendos, até efectivo e integral pagamento, calculados à taxa legal em vigor.
Tal equivale a dizer que não foram violadas pela sentença recorrida as normas legais invocadas pelo Recorrente.
Improcedem as Conclusões das alegações pois não se deteta no julgado qualquer erro, muito menos grosseiro e ostensivo.

DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Custas pelo Recorrente.
Notifique e DN.

Porto, 24/4/2025

Fernanda Brandão
Rogério Martins
Isabel Jovita