Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00766/13.8BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/29/2020
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Frederico Macedo Branco
Descritores:TRANSFERÊNCIA E LOCALIZAÇÃO DE FARMÁCIAS; ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO; PROTEÇÃO DA CONFIANÇA
Sumário:1 – O Tribunal de recurso só deve modificar a matéria de facto quando a convicção do julgador, em 1.ª instância, não seja razoável, isto é, quando seja manifesta a desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando-se assim a devida relevância aos princípios da oralidade, da imediação e da livre apreciação da prova e à garantia do duplo grau de jurisdição sobre o julgamento da matéria de facto.
Com efeito, em sede de recurso jurisdicional o tribunal de recurso, em princípio, só deve alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, após ter sido reapreciada, for evidente que ela, em termos de razoabilidade, foi mal julgada na instância recorrida.
Pretendendo a recorrente que o tribunal ad quem procedesse à alteração da decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto, sempre teria de indicar, além dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, quais os meios de prova que impunham decisão divergente da adotada.

2 - Para que se verifique a violação da Proteção da Confiança, sempre será necessário que o Estado tenha, designadamente, encetado comportamentos capazes de gerar nos privados “expectativas” de continuidade e que as mesmas se mostrem legítimas, justificadas e fundadas em boas razões.
Em concreto, não se vislumbra que a Entidade Pública tenha adotado um comportamento capaz de gerar expectativas legítimas, pois se é verdade que foi à Recorrente atribuído um alvará de farmácia, que posteriormente foi anulado, o que é facto é que, antes de a farmácia abrir, já o Recorrente sabia que o ato tinha sido posto em causa através de um recurso contencioso de anulação, em processo em que foi parte.
Por outro lado e incontornavelmente, as invocadas expetativas não se mostravam legitimas, pela singela razão de que se fundavam num ato declarado ilícito, tanto mais que, de acordo com os normativos então em vigor, a Recorrente nem poderia sequer ter concorrido ao concurso em causa. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:A.
Recorrido 1:MINISTÉRIO DA SAÚDE e Outra
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I Relatório
A., contrainteressada na presente Ação Administrativa Especial, intentada por S., contra o MINISTÉRIO DA SAÚDE tendente, em síntese, à anulação do despacho do Secretário de Estado e da Saúde, de 02.11.2012, que autorizara a abertura da farmácia “(...)”, bem como a sua transferência de localização, não se conformando com a Sentença proferida no TAF de Braga em 5 de setembro de 2019, que veio a julgar procedente a ação, mais tendo anulado o referido Despacho, veio em 12 de dezembro de 2019 a recorrer jurisdicionalmente da mesma para esta instância.
Formula o aqui Recorrente/A. nas suas alegações de recurso, as seguintes conclusões:
DOS FACTOS:
A. Não foram devidamente tidos em linha de conta pelo Tribunal a quo, factos concretizadores de densificadores daqueles outros essenciais, e que são imprescindíveis ao bom conhecimento da causa e à improcedência da ação, nomeadamente os que resultam evidentes da atuação do Infarmed no decurso de todo o iter do procedimento administrativo que culminou no Ato Administrativo constitutivo de direitos e gerador de expectativas da Contrainteressada.
B. Não foram igualmente tidos em devida consideração outros factos que, ainda que instrumentais, resultaram inequivocamente da prova produzida em sede de inquirição de testemunhas, e que, porque indiciários de um comportamento da Administração gerador de legítimas expectativas, são imprescindíveis para confirmar a tutela da confiança que a Contrainteressada reclama.
C. A Sentença recorrida não cuidou igualmente de considerar e apreciar devidamente a factualidade que resulta devidamente documentada no âmbito dos processos judicias correlacionados com a questão em discussão nos Autos, como seja o Recurso Contencioso de Anulação de Ato Administrativo - Processo 1108/02 do TAF do Porto - remetido aos presentes Autos, a título devolutivo - e recebido em 22/09/2017, quer no Procedimento Cautelar para suspensão de ato, que precedeu a presente Acão, que correu termos no tribunal a quo com o n.º 389/13.1BERBRG, e cuja apensação (acaso se entenda não resultar da Lei) foi requerida pela Autora.
D. Os factos que, nos termos do Art.º 5.º n.º 2, decorrem da instrução da causa, sejam notórios, ou de que o Tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções, não carecem de alegação, não precludindo, por essa razão, o direito de os ver considerados pelo Tribunal a quo, que deles não podia deixar de conhecer e por se tratar de matéria factual essencial à boa decisão da causa.
E. A ausência do elenco da matéria de facto assente, de matéria concretizadora da defesa apresentada e essencial à decisão de improcedência da ação, como sejam os factos densificadores da confiança e legítimas expectativas criadas na Contra Interessada por ato administrativo emanado pelo Infarmed, e bem assim da sua frustração, em razão da anulação do mesmo, por motivos que não lhe foram imputáveis. faz incorrer a sentença recorrida em nulidade.
F. A decisão é ela mesma contraditória, ao afirmar que a Recorrente não “mobilizou os argumentos e os factos essenciais que permitissem densificar e concretizar os factos que na sua perspetivas arreigam a alegada criação de expectativas pela entidade demandada ou outra entidade” e de outra sorte considera assentes, factos que cumprem a sobredita função, porque densificadores do comportamento da Entidade Pública - Infarmed - gerador de confiança na Recorrente, e que concretizam e confirmam, inequivocamente, a existência de um situação de confiança e de expectativas legítimas que merecem a tutela consagrada por via da norma ínsita no art.º 6.º do DL 171/2012- factos C, D, E, F, G, H, I, J, M, N, O, R e T da matéria de facto assente.
G. Factos que concretizam e densificam uma atuação do Infarmed, no qual a Contra Interessada sempre confiou, e que criou nesta a convicção da existência de um legítimo interesse, e da manutenção de uma situação de facto que dava como juridicamente sustentada.
H. E que a conduziu à efetivação de um investimento de confiança que se infere, para além do mais, da instrução da causa, mormente do iter procedimental administrativo que levou à concretização da instalação e funcionamento da Farmácia (...).
I. Convicção que não foi abalada pelo mero facto de a Autora ter impugnado o ato, tanto mais que como decorre evidente da prova documental arreigada, mas bem assim da prova testemunhal produzida, sempre o Infarmed atuou de moldes a criar na Contrainteressada a certeza de que a sua posição e os seus direitos estavam legalmente protegidos.
J. À data do concurso, não era exigível à recorrente ter atuado de outra forma que não confiar nas informações e entendimento que a entidade administrativa responsável pelo concurso expressamente afiançou.
K. O INFARMED reconheceu inequivocamente, ab initio, que a recorrente partitular de um legítimo interesse e pretensão que lhe fosse concedida o novo alvará, desde que cumpridos os requisitos impostos.
L. Requisitos que foram integralmente cumpridos, como reconheceu o INFARMED com a autorização da instalação da nova farmácia e atribuição do alvará.
M. Este apenas exigiu à recorrente a assunção dos encargos e custos necessários à instalação de uma farmácia, inter alia:
(i) arrendamento de espaço comercial,
(ii) obras de remodelação para instalação de uma farmácia;
(iii) aquisição de equipamentos e mobiliário;
(iv) contratação de recursos humanos;
(v) aquisição de produtos farmacêuticos e de cosmética
N. A Contrainteressada Concorreu ao Concurso, nas condições, e apresentando a documentação e cumprindo todos requisitos exigidos por aquela entidade - FACTOS ASSENTES C. a F.;
O. A Contrainteressada Concorreu ao Concurso, nas condições impostas pelo Infarmed, apresentou toda a documentação que lhe foi solicitada, e cumpriu todos requisitos exigidos por aquela entidade - FACTOS ASSENTES C. a F.;
P. A Contrainteressada foi admitida pelo Infarmed a Concurso Através do Aviso n.º 14 847-AF/2001, publicado no Diário da República, II Série, n.º 283, de 7 de Dezembro de 2001 - FACTO ASSENTE G
Q. E na sequência da deliberação de 27.09.2002, do Conselho de Administração Infarmed - que homologou a lista de classificação final dos candidatos admitidos ao concurso público para instalação de uma nova farmácia na freguesia de (...), concelho de Guimarães, Distrito de Braga, conforme aviso (nº 10.668) publicado no Diário da República, II série, n.º 240, de 17.10.2002 - a Contrainteressada foi classificada em primeiro lugar - FACTO ASSENTE H e I
R. Nos termos e prazos impostos pela Lei - art.º 13.º da Portaria n.º 936-A/99 de 22 de Outubro - e pelo Infarmed, concretizou a instalação da Farmácia, tendo estado aberta ao público, ininterruptamente, até 28 de Fevereiro de 2012 S. Ao longo de todo o “processo” a Administração, na “pessoa” do Infarmed nunca colocou em causa o legítimo interesse da Contrainteressado, tendo sucessivamente confirmado e defendido, ao ponto de não ter dado voluntariamente execução ao Acórdão do STA que anulou o ato em questão, e de em sede de Execução de Sentença, na qual foi requerido, ter mesmo alegado causas legítimas de inexecução (FACTOS ASSENTE Q. a T.)
T. O MINISTÉRIO DA SAÚDE, atento o desfecho do processo - que afetou outros três farmacêuticos -, aprovou o Decreto-Lei n.º 171/2012 de 1 de Agosto que alterou o Regime Jurídico das Farmácias de Oficina aprovado pelo Decreto-Lei n.º 307/2007, de 31 de Agosto) onde incluiu o regime excecional constante do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 171/2012
U. A previsão normativa do Artigo 6.º é consequência da exigência constitucional que impendia sobre o legislador de não defraudar a legítima confiança que administrados tiveram na atuação da Administração.
V. Na verdade, a Administração nunca deixou de confirmar e defender a existência de um legítimo interesse da Contrainteressada, quer no que diz respeito às legítimas expectativas que decorreram do Ato anulado, quer por via destas, no que diz respeito à sua integração no regime excecional previsto pelo Artigo 6.º do DL 171/2012.
W. Posição que assumiu e defendeu em sede de contestação apresentada pelo Ministério da Saúde nos presentes Autos, e bem assim nos Autos de Processo Cautelar de Suspensão de Eficácia do Despacho Senhor Secretário de Estado da Saúde praticado em 25/10/2012 - Processo n.º 389/13.1BEBRG - que lhe antecederam, cfr. se constata, desde logo, por via da Oposição apresentada pelo INFARMED - vide em particular os Artigos 53º, 54º, 57º, 58º., e 60º a Fls 594 e ss do Processo Físico.
X. Nos termos do n.º 3 do artigo 113.0 do CPTA e 364.° do CPC, o processo cautelar corre sempre por apenso ao processo principal - tal foi, aliás, requerido pela Recorrente no seu RI
Y. Pelo que, respeito do Processo Cautelar n.º 389/13.1BEBRG diga-se que o M.º Juiz a quo não tomou em devida linha de conta a factualidade arreigada pelas partes para aqueles Autos, nomeadamente, entre outros, os que resultam da Oposição apresentada pela Contra Interessada - Artigos 233º a 227.º, que pela sua especial relevância densificam os legítimos interesses cuja proteção e tutela pela lei se reclama – art.º 6º do DL 171/2012 -, e que nessa medida fundamentam a sua defesa da improcedência da Acão, pelo que são essenciais para a boa decisão causa.
Z. O Tribunal a quo não podia, como fez, desconsiderar em absoluto esses factos, que não pode desconhecer, porque lhe são conhecidos ou cognoscíveis em virtude do exercício das suas funções - al. c, do n.º 1, do art.º 5.º
AA. Acresce que, em face da matéria alegada pelas partes nos respetivos articulados, à luz da prova testemunhal produzida e acima transcrita, embora, e considerando a credibilidade que as testemunhas que os prestaram mereceram por parte do Tribunal, conjugada com a análise de todo o acervo documental conhecido, ou cognoscível, e com relevância para a boa decisão da Causa, é evidente que decisão relativa à matéria de facto enferma de erro, por manifesta insuficiência dada a ausência de factos que, pela sua essencialidade, deveriam ter sido dados como assentes por provados, factos cuja apreciação conduziria necessariamente a uma decisão de direito diversa da ora recorrida,
AB. Sem prejuízo do princípio da livre apreciação das provas consagrado no artigo 607.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, a verdade é que construção da convicção do decisor deve ser feita segundo padrões de racionalidade e com uma valoração subjetiva da sucessão de factos e dos vários meios de prova ao seu dispor, devidamente controlada e dominada pelas regras da experiência, por forma a percorrer o iter lógico dos acontecimentos, o que manifestamente não foi o caso.
AC. Razão pela qual a sentença recorrida enferma de erro na fixação da matéria de facto, pois que da confrontação entre os meios de prova produzidos, ou que resultaram da instrução da causa, e os factos dados por provados ou não provados, necessariamente se conclui que o juízo feito está em desconformidade com a prova produzida, AD. À luz da prova testemunhal produzida deveriam ter sido dados como assentes os seguintes factos, cuja apreciação conduziria necessariamente a uma decisão de direito diversa da ora recorrida, Devendo, por essa razão, ser ampliado o elenco de factos provados, corrigindo-se e/ou aditando a matéria de facto assente nos termos seguintes :
a) Deve ser aditado o FACTO D.2 - Sempre foi do conhecimento do Infarmed que a Contra Interessada, à data da sua apresentação ao concurso, era proprietária de farmácia, e sempre lhe garantiu, e aos concorrentes proprietários de Farmácia que essa circunstância não eram impeditiva de se apresentarem ao concurso Farma 2001 - cfr. depoimento da testemunha R. acima transcrito – minuto: 07m09s; e depoimento da testemunha J. acima transcrito – minuto: 14m25s e 16m18s; e cfr. se infere da conjugação destes com o [doc. n.º 1 junto com requerimento de resposta à matéria de exceção] - fl. 217 dos autos físicos
b) Deve ser aditado o FACTO D.3 - O INFARMED impunha, como condição de atribuição de novo alvará, à Contrainteressada e demais concorrentes em situações análogas, alienar o alvará de que era proprietária, no caso de ser colocada em primeiro lugar em algum dos concursos em questão, e pretender avançar com o competente processo de instalação. - cfr. depoimento da testemunha R. acima transcrito – minuto: 07m09s; e cfr. fls 218 e ss dos autos físicos, nomeadamente, Docs. 2, 3, 4 e 6 do Requerimento de exceção
c) Deve ser aditado o FACTO D.4 - A Contra Interessada tinha prazos previamente definidos para apresentar o documento comprovativo do trespasse - cfr. depoimento da testemunha R. acima transcrito – minuto: 08m00s; e Cfr. já mencionados Docs. 4 e 6 do Requerimento de Exceção;
d) Deve ser aditado o FACTO I.2 - Após a homologação e publicação da lista final de candidatos, Contra Interessada tinha prazo de instalação da Farmácia (...), previamente estabelecidos na Lei e na Portaria que regulamentava o Concurso, - Art.º 13 da Portaria n.º 936-A/99 de 22 de Outubro
e) Deve ser aditado o FACTO N.2 - O investimento feito na Farmácia (...) foi realizado na convicção de que, independentemente da impugnação do ato, este não seria anulado, e a farmácia se manteria aberta - cfr. depoimento da testemunha R. acima transcrito – minuto: 16m05
f) Deve ser aditado o FACTO N.3 - Foram contratados Farmacêuticos a título definitivo – contrato sem termo – pois a convicção era a de que a Farmácia nunca seria encerrada.- cfr. depoimento da testemunha R. acima transcrito – minuto: 17m30
g) Deve ser aditado o FACTO N.4 - A filha da Contra Interessada, R., era licenciada em Medicina Dentária, tendo ingressado posteriormente em Ciências Farmacêuticas em virtude de à sua mãe ter sido atribuído o direito à Instalação de Farmácia - cfr. depoimento da testemunha R. acima transcrito – minuto: 13m47s
h) Deve ser aditado o FACTO S.1 - Mesmo depois do Acórdão do STA que anulou o Ato Administrativo constitutivo de direitos, e já em sede de execução do mesmo, o Infarmed invocou causas legítimas de inexecução daquela decisão - cf. documento n.º 3 do RI, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido
i) Deve ser aditado o FACTO T.1 - A atuação do Infarmed e bem assim a sua posição assumida nos sucessivos processos judiciais, foi sempre no sentido de defender aquela que sempre havia sido a sua interpretação da Lei quanto à possibilidade de a Contrainteressada ser admitida a concurso - cfr. se infere de todo iter procedimental de admissão da Contra Interessada a concurso, e consequente emissão de alvará, e bem assim dos doc. 7 e 8 do requerimento de exceção.
j) Deve ser aditado o FACTO T.2 - Em toda esta sucessão de acontecimentos, O Infarmed sempre garantiu à Contra Interessada que o seu direito iria ser salvaguardado - cfr. depoimento da testemunha R. acima transcrito – minuto: 17m30s e 32m42s;
k) Deve ser aditado o FACTO CC.2 - Caso a Contra Interessada antevisse o desfecho – anulação do ato e encerramento da Farmácia (...) – nunca teria vendido a Farmácia de que era antes proprietária, nem teria avançado para a instalação da Farmácia (...) - cfr. depoimento da testemunha R. acima transcrito – minuto: 41m51s
AE. Sendo certo que alteração/aditamento à decisão sobre a matéria de facto pode e deve ser efetuada por este Venerando Tribunal, ao abrigo do disposto no art. 662.º n.º1 do CPC aplicável por força do art. 1.º do CPTA.
AF. Sem prescindir, sempre se dirá que, nos termos do Artigo 590.º n.º 4 do CPC, “Incumbe ainda ao juiz convidar as partes ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, fixando prazo para a apresentação de articulado em que se complete ou corrija o inicialmente produzido.”
AG. Resulta assim desta previsão legal que, sendo o Juiz confrontado com insuficiências ou imprecisões na concretização da matéria de facto alegada pelas partes nos seus articulados, deve proferir despacho convidando-as a apresentar novo articulado com vista à supressão daquelas.
AH. É pacífico e unânime na Doutrina e na Jurisprudência mais atual, a prolação deste despacho se impõem como um verdadeiro dever do Juiz, assente no Princípios da Cooperação e do Dever de Gestão Processual. - nesse sentido vide José António França Pitão e Gustavo França Pitão in Código de Processo Civil Anotado, Tomo I, anotação ao predito artigo 590.º e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06-06-2019 - Processo: 945/14.0T2SNT-G.L1.S1 disponível em http://www.dgsi.pt, que invoca ele próprio toda uma panóplia de Doutrina também ela coincidente com o entendimento que ora se defende.
AI. Assim, sempre se dirá que mal se compreende a motivação que subjaz à solução adotada pelo Meritíssimo Juiz a quo de cuja decisão se recorre pois se por um lado entendeu que a Contra- interessada não mobilizou os argumentos e sobretudos os factos essenciais que permitissem densificar e concretizar os factos que na sua perspetivas arreigam a alegada criação de expectativas pela entidade demandada ou outra entidade (Infarmed), por outro, em sede de Audiência Prévia proferiu despacho saneador (sem que conhecesse imediatamente do mérito da causa) e bem assim despacho a identificar o objeto do litígio e a enunciar o seguinte Tema da Prova: “Dos atos/comportamentos que geraram na Contrainteressada expectativa de continuidade da exploração de uma farmácia, desde que esta preenchesse os requisitos previstos no despacho de 2/11/2012.”
AJ. Daqui decorre a inatacável certeza que era então entendimento do M.º Juiz a quo de que os factos em questão, porque complementares do facto essencial alegado – a existência de um legítimo interesse e de uma legítima expectativa na validade e manutenção do ato - eram passíveis de serem adquiridos por via da instrução da causa, mormente pela prova documental junta, e bem assim por via da produção de prova testemunhal, o que de facto veio a suceder.
AK. Aceitando-se, por mera hipótese de raciocínio, o entendimento plasmado na Sentença proferida pelo Tribunal a quo, de que a narrativa fáctica do articulado da Recorrente não cumpriu cabalmente o ónus que sobre ela impende, ou essa alegação contida na sua contestação era de tal modo deficiente que nem tão pouco permitia identificar os concreto factos densificadores da exceção invocada, o que impunha desde logo a prolação de decisão de mérito; Ou a alegação, embora deficiente, permitia essa identificação, caso em que se impunha a prolação de despacho (pré saneador) com vista a convidar a recorrente ao aperfeiçoamento fáctico do seu articulado.
AL. A omissão daquele despacho de aperfeiçoamento constitui um vício que se projeta na sentença, determinando a anulação da sentença e a devolução do processo ao tribunal recorrido para ampliação da matéria de facto.
DO DIREITO
AM. À data da abertura do concurso para instalação de novas farmácias – FARMA 2001, a Contrainteressada era proprietária do alvará da Farmácia (...), sita na Vila de (...) e que o tinha adquirido anos antes por meios próprios, por contrato de trespasse datado de 26 de Janeiro de 1983. Facto Assente C
AN. Ao conhecer do concurso, decidiu concorrer a dois dos concursos abertos no âmbito do programa FARMA 2001, no caso para farmácias a instalar nas freguesias de (...) e (...)to, ambas no concelho de Guimarães, onde residia e reside ainda hoje.
AO. A Contrainteressada apresentou tempestivamente as respectivas candidaturas, no estrito cumprimento da lei e de todos os requisitos que lhe foram exigidos pelos Avisos de Abertura de Concurso e pelo INFARMED.
AP. Desde o início que o Réu INFARMED conhecia que a Contrainteressada era proprietária há mais de 10 anos (desde 1983) de um alvará da farmácia sita em (...). Condição essa que nunca foi reputada pelo INFARMED como sendo causa de exclusão do procedimento concursal em questão.
AQ. Nunca o INFARMED informou ou advertiu da possibilidade de falta de pressupostos para a recorrente participar no concurso, e mais ainda solicitou, expressamente, de entre vários elementos, a informação se a recorrente e quaisquer outros interessados/candidatos eram proprietários de algum alvará. – Facto Assente C
AR. O entendimento do INFARMED foi igual para todos os interessados no concurso FARMA 2001, não beneficiando a recorrente de qualquer tratamento preferencial ou diferenciado.
AS. De todos os concursos abertos ao abrigo do FARMA 2001, em que dezenas de candidatos nas mesmas condições da Contrainteressada – proprietários de farmácia há mais de 10 anos – foram admitidos, e viram ser-lhes atribuído o direito a instalar Farmácias, apenas 4 foram impugnados e consequentemente anulados, pelo que todos os demais são ainda hoje proprietários dos alvarás que pelo concurso lhes foram atribuídos.
AT. Na verdade, e como aliás sempre foi reconhecido pelo INFARMED, neste e em anteriores concursos abertos para a Instalação de Farmácias, a mera circunstância de à data da candidatura ser proprietário de alvará não era impeditiva de este se apresentar a concurso. Foi este o entendimento que o INFARMED fez sempre da legislação e pressupostos jurídicos para admitir os interessados, entendimento que sempre defendeu Judicialmente, invocando como fundamento, a Base II n.º 3, da Lei n.º 2125, de 20 de Março de 1965:
«3 - A nenhum farmacêutico ou sociedade poderá ser concedido mais do que um alvará. Igualmente nenhum farmacêutico poderá pertencer a mais do que uma sociedade ou pertencer a ela e ser proprietário individual de uma farmácia»
AU. E a partir do qual estabeleceu a regra de interpretação e aplicação das regras do procedimento de concurso, como já o tivera feito em concursos anteriores.
AV. O INFARMED garantiu que:
Os proprietários de alvará há mais de dez anos estavam habilitados ao concurso; E para serem admitidos a instalar nova farmácia, apenas teriam que comprovar a venda da farmácia de que eram proprietários previamente à instalação da nova farmácia, cumprindo desta forma o dito requisito legal.
AW. Mostrava-se apenas necessário que, aquando da emissão de novo alvará atribuído na sequência do referido procedimento concursal, a aqui contrainteressada não fosse já proprietária de nenhum outro, tanto mais que nos termos da Lei então vigente, não era permitida a nenhum farmacêutico a propriedade «de mais do que um alvará».
AX. Resultava evidente a imposição do INFARMED de, como condição de atribuição de novo alvará, a Contrainteressada, e bem assim os demais concorrentes em situações análogas, alienar o alvará de que era proprietária, no caso de ser colocada em primeiro lugar em algum dos concursos em questão, e pretender avançar com o competente processo de instalação, findo o qual lhe seria atribuído novo alvará,
AY. Aliás, tal exigência resultava desde logo da página n.º 3 do processo de candidatura — [doc. n.º 1 junto com requerimento de resposta à matéria de exceção a cfr. fl. 217 dos autos físicos— e de onde decorre que, de entre outros, aquando da entrega da candidatura, era exigido, quando aplicável, a entrega de «Declaração de exercício em Farmácia» e «Declaração de Proprietário de Farmácia». – Facto Assente C.
AZ. E porque assim era, logo aquando da apresentação da documentação necessária para se apresentar a concurso a Contrainteressada juntou Declaração sob compromisso de honra dando conta que «exercia a atividade de Diretora Técnica da Farmácia (...) – (...) desde 1983 até aquela data – 27/01/2001 -» – fr. fl. 218 dos autos físicos - Facto Assente D
BA. Conforme exigência do Infarmed, após a sua classificação na lista definitiva, a recorrente juntou compromisso que iria trespassar a Farmácia de que era proprietária, em data anterior à conclusão do processo de instalação da nova farmácia - cfr. fl. 219 dos Autos físicos Facto Assente J
BB. Este compromisso era condição sine qua non para beneficiar da decisão final de atribuição do alvará.
BC. Daqui resulta que o INFARMED não fez qualquer reserva e admitiu, desde sempre, que não era impeditivo à participação e atribuição de uma farmácia que os farmacêuticos que fosse titulares de um alvará de farmácia.
BD. Bastava, condição ele imposta, que os interessados assumissem o trespasse da farmácia de que eram proprietários em data anterior à conclusão do processo de instalação da farmácia atribuída no concurso FARMA 2001.
BE. Perante a posição assumida e transmitida à recorrente, esta confiou que bastava provar o trespasse - que efetivamente realizou - para que lhe fosse concedido novo alvará, o que veio a concretizar-se.
BF. A posição assumida pelo INFARMED implicava que a recorrente se conformasse com os termos e condições exigidos por aquele, não podendo atuar de outra forma caso quisesse beneficiar do novo alvará.
BG. A pretensa precariedade do ato em virtude da impugnação surge depois da obrigação imposta pelo INFARMED em exigir o trespasse da farmácia que a recorrente era até aí titular e da assunção de encargos e responsabilidade financeira com vista à abertura da nova farmácia atribuída pelo alvará.
BH. Não tivesse cumprido tal exigência e não estariam verificados os pressupostos que o INFARMED entendia como sendo os legais para a plena eficácia do ato entretanto impugnado.
BI. Sem o cumprimento das obrigações impostas pelo INFARMED, o alvará perderia a sua eficácia, não se colocando, assim, qualquer questão de vício procedimental.
BJ. A precariedade do ato é uma consequência das exigências impostas pelo INFARMED que a recorrente confiou serem legais, porque assim era o entendimento firmado por aquele.
BK. De outra forma a recorrente NUNCA TERIA ALIENADO a farmácia de que era titular acabando no final por ficar sem qualquer alvará,
BL. Nem assumiria os encargos e despesas na abertura e exploração da farmácia.
BM. Estas exigências foram impostas e eram fundamento para a atribuição e manutenção do alvará como forma de acautelar o interesse público da comunidade no acesso à farmácia, interesse que a recorrente assegurou até à decisão final de ordem de encerramento.
BN. Reportando-nos à data do concurso, não era exigível à recorrente ter atuado de outra forma que não confiar nas informações e entendimento que a entidade administrativa responsável pelo concurso expressamente afiançou.
BO. O INFARMED reconheceu inequivocamente, ab initio, que a recorrente era titular de um legítimo interesse e pretensão que lhe fosse concedida o novo alvará, desde que cumpridos os requisitos impostos, que foram integralmente cumpridos, como reconheceu o INFARMED com a autorização da instalação da nova farmácia e atribuição do alvará.
BP. Uma vez cumpridos, foi concedido, em 7 de Junho de 2004, nos termos do artigo 14.º da Portaria n.º 936-A/99, o alvará de instalação à Contrainteressada da nova farmácia de (...).
BQ. A recorrente nunca violou um preceito legal, nem regulamentar, como reconheceu o INFARMED, nem nunca foi proprietária de dois alvarás simultaneamente.
BR. Em 25 de Junho de 2004, a «Farmácia (...)» foi aberta ao público, tendo-se mantido ininterruptamente em funcionamento até Janeiro de 2012.
BS. Limitar ou circunscrever os efeitos de anulação do ato de atribuição do alvará sem atender ao comportamento do INFARMED é ignorar que o comportamento da recorrente teve um fundamento e um propósito. Em ambos, foi por indicações e exigências do INFARMED que não tinha à data qualquer razão para colocar em causa.
BT. Aliás, era obrigação da recorrente abrir e manter aberta a farmácia, independentemente das vicissitudes do ato de impugnação contencioso, e se o fez, foi porque tinha um alvará que até à decisão final de anulação era eficaz e do qual resultavam deveres e obrigações que impediam de atuar de outra forma.
BU. A sua qualidade de interessada no concurso FARMA 2001 foi reconhecida pelo INFARMED, tendo a recorrente atuado no estrito cumprimento das exigências por aquele apostas.
BV. Não o fizesse, não existiria ato administrativo que veio a ser a anulado porque nunca teria trespassado a farmácia de que era originalmente titular, porquanto a sua atuação foi reação necessária às exigências do INFARMED e nos prazos por este fixados e pela Lei.
BW. Em toda esta catadupa de acontecimentos, o INFARMED nunca colocou em causa o legítimo interesse da recorrente, tendo-o sucessivamente confirmado e defendido.
BX. INFARMED exigia à recorrente que mantivesse aberta a farmácia em função do interesse público que a sua abertura assegurava, e manteve essa exigência mesmo após a declaração de anulação da atribuição do alvará, tendo por ela pugnado em sede de Execução do Acórdão do STA, alegando Causas Legítimas de Inexecução
BY. O artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 171/2012 1 de Agosto que alterou o Regime Jurídico das Farmácias de Oficina aprovado pelo Decreto-Lei n.º 307/2007, de 31 de Agosto, veio consagrar a possibilidade de atribuição de um alvará, entre outros casos, aos que tiveram «expectativas criadas pela prática de ato administrativo constitutivo de direitos posteriormente anulado (...) desde que em local situado a mais de dois quilómetros da farmácia mais próxima e independentemente da capitação do respetivo município”.
BZ. A aprovação do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 171/2012 é a consequência natural da atuação do INFARMED e do Estado, tendo aquele em todo o concurso FARMA 2001 firmado na recorrente a legítima confiança e expectativa da sua pretensão.
CA. E por isso, na hipótese da norma se refere expressamente que é reconhecida legítima expectativa aos interessados que confiando no ato administrativo constitutivo do direito ao alvará de uma farmácia o tenham perdido por decorrência da anulação do ato administrativo.
CB. A confiança que a recorrente depositou na atuação do INFARMED decorre da inexigibilidade de outro comportamento que não esperar pela plena eficácia do ato administrativo por aquela emanada que lhe reconhecia um direito.
CC. Valem as regras de normalidade ou plausibilidade — id quod plerumque accidi — na medida em que a recorrente agiu sempre na presunção da eficácia do seu direito reconhecido, assumindo com isso os ónus e obrigações emergentes da relação administrativa. Por isso, tem que se retirar força jurídica da presunção de validade do ato administrativo que condicionou e conformou a sua atuação.
CD. Foi o legislador, no caso o Governo, que definiu os pressupostos para a atribuição de um alvará de farmácia, e fê-lo ao abrigo do seu poder legislativo constitucionalmente consagrado.
CE. O entendimento plasmado pelo M.º Juiz a quo na douta sentença recorrida esvazia de conteúdo a norma legal numa clara violação do princípio da separação de poderes.
CF. Aos tribunais não compete determinar quais os pressupostos legais, tão-só interpretar, interpretação que tem que se confinar no âmbito da ratio da norma legal. e esta, é clara, reconhece que há legítimas expectativas de um particular que viu o seu direito suprimido por efeitos de anulação de um ato administrativo.
CG. Quando foi atribuído o alvará que veio a ser anulado, o INFARMED nunca condicionou o mesmo ao desfecho da impugnação contenciosa do ato.
CH. Se a Contrainteressada não se tivesse convencido da legitimidade do ato, não trespassasse a Farmácia de que era proprietária, e não tivesse instalado a nova Farmácia, em suma, se fizesse como o defende a douta sentença, não existiria alvará a anular.
CI. Se agiu como o fez, foi porque o INFARMED lhe disse que o podia ter feito e a ela era reconhecido o direito a abrir a nova farmácia porque era titular de um alvará por aquele concedido e que fazia depender a sua eficácia do cumprimento pontual das exigências e condições impostas.
CJ. O Tribunal a quo na interpretação que faz extravasa o âmbito da lei e os pressupostos que o legislador fixou.
CK. É evidente que a situação de facto subsume-se integralmente no caso da norma e por isso é inatacável a posição jurídica da recorrente.
CL. O ato impugnado, que autorizou abertura acompanhada da transferência de localização de várias farmácias, de entre as quais a Farmácia (...), propriedade da Contrainteressada, e por via do qual que se atribuiu alvará farmácia de (...), é concedido porque existe norma legal que habilitava o Sr. Secretário de Estado e o INFARMED a tomar tal decisão.
CM. Os vícios de que podem padecer o ato administrativo inscrevem-se na legalidade, por incumprimento de disposições e princípios jurídicos; por oposição aos vícios de mérito. Apenas os vícios de legalidade podem ser objeto de sindicância judicial (artigo 3.º, n.º 1 do CPTA).
CN. Dentro dos vícios da legalidade temos os invalidantes, aqueles que afetam potencialmente os efeitos do ato e as meras irregularidades, que não são idóneos a afetar a produção normal de efeitos do ato.
CO. O ato administrativo encerra em si uma força estabilizadora que garante a segurança jurídica e, assim, a tutela a tutela de interesses e direitos dos particulares.
CP. Atendendo ao vício de que padeceu a atribuição do alvará da Farmácia (...), houve um procedimento administrativo que concedeu à recorrente uma posição juridicamente reconhecida de ser titular de um alvará de farmácia.
CQ. Se é certo que o mesmo veio a ser privado de eficácia, tal consequência resulta de um vício latente ao procedimento que era potencial e, que por isso, não deixou de produzir efeitos de direito e de facto que se repercutiram no tempo e de facto na situação da recorrente.
CR. Ao contrário da nulidade que pressupõe a privação de eficácia do ato de forma imediata e irreversível, no ato anulável esta privação é apenas potencial, que por definição é transitória se os mecanismos que conduzem à retirada da eficácia não forem acionados dentro de certos prazos.
CS. A opção pela anulabilidade como regra (artigo 133.º CPA) pressupõe a presunção de legalidade dos seus atos. «O legislador prefere que, regra geral, as ilegalidades cometidas pela Administração não prejudiquem a produção dos efeitos jurídicos pretendidos» (cf. SÉRVULO CORREIA. — Noções de Direito Administrativo. Vol. I (Lisboa: Editora Danubio, 1982). p. 356). São ilegalidades que se sanam pelo tempo e que pressupõe a executoriedade dos efeitos até à declaração de anulabilidade.
CT. É neste estádio de latência que não se pode ignorar a confiança objetiva que um qualquer interessado, como o foi a recorrente, pudesse confiar na certeza e segurança das situações criadas no exercício da função administrativa do INFARMED.
CU. No caso particular, foi a condição imposta por este que atingiu de forma irreversível o património da recorrente: esta teve de «renunciar» à propriedade da sua farmácia em (...) para poder ser titular do alvará da Farmácia de (...), tendo-lhe sido assegurado poder legitimamente investir e montar o novo estabelecimento farmacêutico.
CV. Em momento algum foi condicionada a atuação da Contrainteressada à precariedade do ato, nem colocada em posição de assumir o risco daquela precariedade, até porque para o INFARMED tal precariedade não existia, tendo tratado a recorrente como qualquer outro interessado no âmbito do concurso do FARMA 2001.
CW. Aliás, era pressuposto do concurso a abertura da farmácia como serviço público da comunidade, pelo que não podia a recorrente se recusar a abrir a farmácia sob pena de perder o direito à emissão do alvará.
CX. Por opção do INFARMED NUNCA O PROCEDIMENTO FOI SUSPENSO, SENDO EXIGIDO À RECORRENTE ACTUAR EM CONFORMIDADE COM O ALVARÁ ATRIBUÍDO.
CY. Assim, a declaração de anulabilidade do Supremo Tribunal Administrativo surge como um ato constitutivo, que criou uma situação jurídica nova ao destruir efeitos de direito que até aí vigoravam.
CZ. Não se pode ignorar, como o fez a sentença recorrida, o hiato de tempo e o comportamento do INFARMED em todo o procedimento anulado, repetindo-se que à Contrainteressada não era exigível um outro comportamento.
DA. Esta agiu confiando nos efeitos do ato constitutivo de do direito a abrir a farmácia de (...), DB. E ao ter cumprido as exigências legais e administrativas impostas pelo INFARMED, sedimentou-se na sua esfera jurídica a legítima confiança na plena validade e eficácia do ato e que legitimou que a farmácia estivesse aberta até Janeiro de 2012.
DC. Só se pode falar em precariedade a partir do ato constitutivo que foi a anulação do alvará. Até lá, a recorrente pautou o seu comportamento confiando nos efeitos do ato que beneficiava da presunção de plena validade e eficácia e que condicionava e impunha obrigações à sua atuação.
DD. Um ato administrativo corresponde a uma «estatuição autoritária – todo o ato administrativo se traduz num comando, positivo ou negativo, pelo qual se constituem, se modificam ou extinguem relações jurídicas, se decide um conflito, se fixa juridicamente o sentido de uma situação de facto. Trata-se, portanto duma declaração dotada de supremacia, destinada a fixar para um particular o que é ou não direito; isto é, produz um efeito jurídico imediato» (cf. ROGÉRIO SOARES. — Direito Administrativo (Coimbra: s.n., 1978)pp. 76-77). E este efeito, no que tange a atos constitutivos de direitos, como é o caso, não concede à administração liberdade de os revogar.
DE. Reportando-nos, agora, ao objeto do presente processo não existe qualquer erro de direito. O INFARMED encontra-se obrigado a reconhecer a legítima expectativa da recorrente — como o fez — de atribuir um novo alvará por força dos efeitos anulatórios do alvará de (...), porque a recorrente foi prejudicada nos seus direitos e interesses constitucionalmente protegidos, viu-se privada do seu património por uma atuação ilegal da administração, situação que o Decreto-lei visa exatamente acautelar.
DF. A recorrente encontra-se, assim, no chapéu da hipótese legal que admite a atribuição do alvará, incorrendo num erro de facto e de direito a sentença ora recorrida quando recusa aplicação do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 171/2012.
DG. Esta violação é tanto mais grosseira quando formula uma interpretação contrária à própria lei - legislador ao referir expressamente «respeito pelas expectativas criadas pela prática de ato administrativo constitutivo de direitos posteriormente anulado» está a incluir a situação da recorrente.
DH. A referência a direitos posteriormente anulados pressupõe, na hipótese da norma, situações que se estabilizaram e consolidaram à luz de um ato administrativo. O que sucedeu com a recorrente. Não existe outra interpretação.
DI. Foi vontade do legislador incluir os casos como o da recorrente, pelo que sendo uma lei válida e em vigor, não estava o Tribunal a quo habilitado a revogar a norma legal.
DJ. Tal não é a sua competência por respeito ao princípio da separação de poderes.
DK. A consagração da hipótese e estatutuição da norma legal não resultam do exercício da função administrativa, mas sim da função legislativa e politica, que se encontram, por respeito ao principio da separação de poderes, excluídos do âmbito da jurisdição administrativa.
DL. Ao ter procedido a uma tal interpretação o Tribunal a quo assumiu a veste de legislador ao esvaziar de conteúdo do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 171/2012, violando, assim, os artigos da Constituição e o artigo 3.º, n.º 1 do C.P.T.A. e o artigo 4.º, n.º 3, alínea a), do E.T.A.F. .
DM. Ao ter afastado a aplicação deste artigo 6.º o Tribunal não se está somente a substituir à administração, está-se a substituir ao legislador, em particular, num âmbito em que há uma estrita vinculação à lei da administração e, por efeito espelho, o próprio Tribunal.
DN. A administração atribui o alvará À recorrente porque a isso está vinculada pelo art 6.º do Decreto-Lei n.º 171/2012, vinculação que se estende ao Tribunal.
DO. Não há discricionariedade na apreciação do que se deve entender por expectativas criadas pela prática de ato administrativo constitutivo de direitos posteriormente anulado.
DP. Estas expectativas existem e enquadram-se na hipótese legal, porque foi gorado o direito da recorrente reconhecido pelo INFARMED por força da anulação judicial do ato que atribui o alvará da farmácia de (...).
DQ. Expectativas que estão sobejamente demonstradas e provadas nos presentes autos, não podendo ser outra a decisão que confirmar a validade e eficácia do ato administrativo ora impugnado.
DR. O Tribunal a quo na sua interpretação procede a uma usurpação de funções, transformando-se em legislador ativos, o que lhe está vedado pelo principio da separação de poderes.
DS. A aprovação do Decreto-Lei n.º 171/2012 resulta do exercício de competências legislativas do Governo, nos termos do artigo 198.º, n.º 1, alínea b) da Constituição, por autorização da Assembleia da República concedida pela Lei nº 20/2007 de 12-06 e na sequência do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 612/2011.
DT. A aprovação do Decreto-Lei n.º 171/2012 resulta do exercício de competências legislativas do Governo, nos termos do artigo 198.º, n.º 1, alínea b) da Constituição, por autorização da Assembleia da República concedida pela Lei nº 20/2007 de 12-06 e na sequência do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 612/2011.
DU. Pelo exposto o Tribunal a quo ao interpretar o artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 171/2012, no sentido de excluir a sua aplicação por entender que não há confiança legítima do particular que atuou em conformidade com as exigências impostas pela entidade que emitiu o ato anulado é inconstitucional por violação dos princípios da separação de poderes e da confiança, ambos inscritos no princípio do Estado de Direito democrático, consagrado no artigo 1.º da Constituição.
DV. A hipótese legal inscrita no artigo 6.º visa acautelar os efeitos que se sedimentaram de facto: a recorrente estava obrigada a abrir e manter a farmácia enquanto o ato administrativo fosse eficaz (artigo 39.º, 40.º e 42.º do Regime jurídico das Farmácias de oficina).
DW. Por força desta obrigação legal, a recorrente, legitimamente, confiou na legalidade do ato constitutivo do seu direito, bem como assegurou o interesse público decorrente da abertura e manutenção ao público.
DX. Porque o Estado reconhece, e reconheceu, a necessidade de manutenção da farmácia de (...) aberta, consagrou na hipótese legal do artigo 6.º que a anulação de atos constitutivos de direitos à titularidade de uma farmácia constituíam legítimas expectativas, independentemente da impugnação do ato e consequente anulação.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente, por provado, devendo ser revogada a sentença proferida pela 1. instância, quando recusa aplicação do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 171/2012 à Contrainteressada por ter incorrido em erro na aplicação dos factos ao direito, e em erro de direito, e substituída aquela decisão pela total improcedência do peticionado pela Autora.
Sem prejuízo, deve matéria de facto, por incorretamente apreciada e interpretada, e bem assim pela sua manifesta insuficiência, ser modificada e aditada nos termos requeridos.
Por mera cautela de patrocínio, subsidiariamente, deve ser declarada:
i. Nulidade da Sentença recorrida por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil (ex vi do artigo 140º e 149º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos), por ter omitido, e não ter apreciado factos essenciais que implicariam necessariamente decisão de direito diversa;
ii. Nulidade da Sentença recorrida, na hipótese de não ter havido, como era legalmente obrigatório, de acordo com o n.º 3, do artigo 113.°, do CPTA, apensação do processo cautelar n.º 389/13.1BEBRG, que correu os seus termos na 1.ª Unidade Orgânica, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, nos termos do artigo 195.º do CPC, uma vez que estamos perante uma omissão de uma formalidade obrigatória que influenciou - indevidamente - a Sentença recorrida.
Em todo o caso a Sentença Recorrida, ao interpretar o artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 171/2012, no sentido de excluir a sua aplicação por entender que não há confiança legítima do particular que atuou em conformidade com as exigências impostas pela entidade que emitiu o ato anulado é inconstitucional por violação dos princípios da separação de poderes e da confiança, ambos inscritos no princípio do Estado de Direito democrático, consagrado no artigo 1.º da Constituição.”

S., Autora, e aqui Recorrida, veio a apresentar as suas contra-alegações de Recurso e Recurso Subordinado, em 12 de dezembro de 2019, aí tendo concluído:
“A.- A ora Recorrida considera que o despacho impugnado viola o princípio do concurso público consagrado para o licenciamento de novas farmácias; e os princípios da igualdade e da concorrência.
B.- A interpretação adotada e defendida pela Recorrente de que a norma lhe reconhece legitimas expectativas por força da anulação do ato administrativo é claramente inconstitucional por violação do princípio da igualdade, na medida em a exceção ao regime do concurso público não tem fundamento nem na proteção da confiança nem no interesse público.
Do recurso subordinado:
C.- O artigo 6º do DL 171/2012 de 1 de Agosto de 2012 é um ato materialmente administrativo.
Como se refere no douto Parecer do Professor Gomes Canotilho junto aos autos:
«Para este efeito, uma vez que as “situações controvertidas” – as farmácias concretamente em causa, assim como os respetivos interessados -, se encontram (ou devem encontrar) devidamente identificados no INFARMED - Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I. P., bastaria solicitar a esta entidade a lista nominativa daquelas farmácias e dos respetivos interessados. E, se assim fosse, isto é, se o legislador assim tivesse procedido, seria inquestionável estarmos na presença de um ato materialmente administrativo – um ato administrativo contenciosamente impugnável. ».
D.- Nulidade do ato por violação do principio do caso julgado: a autoridade de caso julgado impedia que a contrainteressada fosse classificada no concurso de abertura de farmácia e que por esta via lhe fosse atribuída uma nova farmácia. Quanto a este especto, a entidade administrativa executou os Acórdãos anulatórios, excluindo a contrainteressada, atribuindo o alvará à farmacêutica que havia ficado prejudicada pelo ato administrativo ilegal (ora, Autora) e ordenando o encerramento da farmácia da contrainteressada.
Porém, através da norma transitória, autoriza-se que a contrainteressada obtenha uma nova farmácia; ou seja, através desta norma dá-se uma nova cobertura formal à situação ilegalmente constituída pelo ato anulado.
Sendo aparente e formal a autonomia dos dois procedimentos.
E.- Trata-se de uma renovação do ato disfarçada porque a autorização para a abertura da farmácia de “(...)” tem como pressuposto e fundamentação as “expectativas criadas” pelo ato anteriormente anulado.
F.- A autorização de abertura da mesma farmácia, apesar de ocorrer num procedimento distinto, tem como fim evitar o encerramento da farmácia e a efetividade do decidido.
G.- Nulidade, ou, quando assim se não entenda, a anulabilidade do despacho do Senhor Secretário de Estado da Saúde de 02.11.2012 por ter sido praticado para além do prazo dos 90 dias imposto no artigo 6º do DL 171/2012 de 1 de Agosto: Este prazo não é um prazo procedimental, mas um prazo de fixação da vigência transitória da norma.
H.- Os atos legislativos entram em vigor no dia neles fixado, não podendo, em caso algum, o início da vigência verificar-se no próprio dia da publicação (n.º 1 do artigo 2.º da Lei 74/98, de 11/11).
I.- Os prazos neles previstos para a sua entrada em vigor contam-se a partir do dia imediato ao da sua disponibilização no sítio da Internet gerido pela Imprensa Nacional-Casa da Moeda, S. A. (artigo 2.º, n.º 4 da Lei 74/98, de 11/11).
J.- Violação do direito de audiência prévia: A Autora, ora Recorrente, devia ter sido ouvida no procedimento que deu origem aos atos cuja suspensão de eficácia vem requerida, porque é titular do direito de exploração de uma farmácia de (...), na sequência do concurso público, ao qual a Contrainteressada não podia sequer ter concorrido.
L.- Violação de princípios constitucionais: A sentença em apreço entende que a Recorrente não concretizou e densificou em que consistia a violação dos princípios da igualdade, boa fé, justiça, proporcionalidade e confiança. A Recorrente fez esta concretização e densificação nos arts. 119º e 111º a 114º da petição inicial.
M.- A ora Recorrente ao invocar a violação do princípio da igualdade, concretizou e densificou em que consiste esta violação: é claramente inconstitucional por violação do princípio da igualdade, na medida em a exceção ao regime do concurso público não tem fundamento nem na proteção da confiança nem no interesse público. Tal solução sob forma legislativa não pode deixar de ser qualificada como um benefício ou uma medida de proteção de um conjunto de farmacêuticos em detrimento de outros que são obrigados a obter a sua farmácia através do concurso público.
NESTES TERMOS deverá o presente recurso improceder e proceder o recurso subordinado.”

A., Contrainteressada, aqui Recorrente, veio em 20 de janeiro de 2020 apresentar Contra-alegações de Recurso relativamente ao Recurso subordinado, aí tendo concluído:
“A. A conclusão da Autora/Recorrida de que o artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 171/2012 de 1 de Agosto, que alterou a Lei n.º 26/2011 de 16 de Junho, é um ato materialmente administrativo não está correta, porque não se encontram verificados todas as características exigidas pela doutrina e pelo artigo 120.º CPA na versão anterior a 2015 e o atual 148.º para que se possa qualificar o mesmo como ato administrativo.
B. Não é a determinação dos destinatários e concretude do seu objeto, ou seja, ausência do carácter geral e abstrato que afasta a natureza legal de uma norma.
C. O facto do teor do artigo 6.º permitir a identificação do caso concreto em nada afeta o seu carácter legislativo, uma vez que visa habilitar o ente competente a atribuir ou manter o direito à abertura e funcionamento de uma farmácia.
D. A norma do art.º 6.º reconhece o inquestionável interesse juridicamente tutelado da contrainteressada decorrente da violação da sua confiança, mas também não prescinde de uma mediação administrativa, limitando-se a cumprir o requisito inexorável imposto pelo princípio da legalidade.
E. Sem este, não existiria norma habilitante que conferisse poder à administração para atribuir o direito de abrir ou manter em funcionamento uma farmácia.
F. A execução da norma não a esgota, nem a consome a não ser pelo decurso do tempo, isto porque no prazo de vigência depende sempre da iniciativa da administração.
G. O artigo 6.º comporta várias previsões, a proteção da saúde pública e garantia da manutenção da assistência farmacêutica à população de determinado local,
H. Em todas as previsões legais excecionais é previsto um regime transitório e a título inovador face ao regime geral prescrito no artigo 25.º e seguintes do mesmo diploma legal.
I. Com este artigo 6.º prevê-se um novo enquadramento jurídico e não a mera execução de uma lei geral pré-existente dirigido a uma situação específica com vista à realização de interesses e valores juridicamente tutelados
J. A confiança legítima fundada em situações anteriormente constituídas é “obrigatória para o legislador, exigindo-se uma ressalva ou uma regulamentação transitória sob pena de incorrer inconstitucionalidade, por violação de direitos, liberdades e garantias ou dos princípios da segurança e da proteção de confiança legítima, enquanto subprincípios do Estado de Direito.
K. A delimitação subjetiva dos destinatários é uma característica das leis-medida atenta a sua concretude, pelo que a mera menção de intenção de resolver concretos e pré-identificados casos da vida em nada beliscam a verificação dos elementos substantivo e formal que permitem distinguir o artigo 6.º do DL 171/2012 de um ato administrativo.
L. O artigo 6.º dá guarida a uma pretensão legitima fundada na violação do princípio da confiança e visa, a título subsidiário, reintegrar a situação de facto e de direito postergada pela atuação do Estado.
M. A violação do valor de confiança e legitimo interesse que se deve reconhecer à contrainteressada, bem como o facto de, em iguais situações, farmacêuticas em igualdade de circunstância que a aqui contrainteressada, não terem visto a sua posição jurídica prejudicada, são condições suficientes para justificar o regime excecional.
N. Neste sentido, a pretensão e interesse tutelado em nada bule com os efeitos de caso julgado de uma decisão judicial, isto porque os efeitos conducentes ao reconhecimento do direito da contrainteressada visam a reintegração da situação anterior
O. À decisão do Acórdão proferido pelo STA em 02.05.2006, já transitada em julgado, foi dado cumprimento em sede de Execução de Sentença que correu termos no TAF do Porto, sob o nº 2504/08.8BEPRT, 2ª Unidade Orgânica, 6º Juiz, tendo daí sido retiradas todas as consequências jurídicas atinentes à decisão de anulação do Ato Administrativo impugnado.
P. Por essa mesma via, foi concedido à Autora o direito de instalar farmácia na freguesia de (...), concelho de Guimarães, direito que concretizou com a instalação da Farmácia (...), e que goza hoje de forma plena.
Q. Por via da norma transitória constante do artigo 6.º do DL 171/2012 foi a Administração habilitada a praticar novo Ato, distinto daquele outro impugnado, e por via do qual permitiu à Contrainteressada, no respeito pelas legítimas expectativas criadas, a abertura de Farmácia, com transferência de localização para a freguesia de (...).
R. Este novo ato tem na sua génese pressupostos de facto e de direito diversos – a tutela da frustração de legítimas expectativas criadas por ato administrativo, posteriormente anulado e bem assim (ainda que não expressamente consignado na referida norma) o respeito pelo princípio da igualdade.
S. Quer da norma do artigo 6.º do DL 171/2012, como do ato administrativo que nela se suporta, não resulta qualquer ofensa do caso julgado, nem do princípio da prevalência das decisões dos tribunais.
T. A contagem do prazo de 90 dias concedido ao “membro do Governo responsável pela área de saúde” regula-se pelas regras do Código de Processo Administrativo, em particular do Artigo 72.º, n.º 1, al. b),
U. Nos termos do artigo 7.º do DL 171/2012, este diploma entrou em vigor no dia 2 de Agosto de 2012, dia seguinte à sua publicação, pelo que, nos termos do supracitado Artigo o prazo previsto no Artigo 6.º do DL 171/2012 para a prática do ato impugnado apenas terminaria no dia 11.12.2012!
V. É manifesta a tempestividade do ato impugnado, que seria igualmente válido, ainda que praticado para lá do dito prazo ordenador de 90 dias.
W. Do ato administrativo impugnado não resulta na esfera jurídica da Autora qualquer consequência jurídica favorável ou desfavorável, em nada prejudica ou afeta um qualquer seu direito legalmente protegido, e inexistia qualquer interesse seu direto, digno de efetiva tutela, que justificasse a sua audição.
X. Pelo que não era, não é, nem nunca poderá, como pretende, ser considerada interessada, para efeitos da audição prévia prevista no artigo 100,ª do CPA.
Y. A Sentença Recorrida não merece qualquer reparo, ao entender que a invocação pela Autora de Princípios Constitucionais pretensamente violados pelo Ato Administrativo foi feita em sentido abstrato sem densificar e concretizar em que medida tal violação ocorre.
Z. Não resulta do Ato Administrativo em apreço qualquer ofensa a qualquer dos Princípio Constitucionais invocados, cuja concretização não chega sequer a ser feita pela Autora.
AA. A norma do artigo 6.º do DL 171/2012 de 01.08 não está ferida de qualquer Inconstitucionalidade.
Termos em que deverá improceder totalmente o Recurso Subordinado.”
Por Despacho de 26 de fevereiro de 2020 é proferido Despacho de Admissão do Recurso e Recurso Subordinado, mais se tendo então sustentado a decisão recorrida, atentas as nulidades suscitadas em sede de Recurso Independente.

O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 6 de março de 2020, nada veio dizer, requerer ou Promover.

Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, designadamente, no que concerne à fixação da matéria de facto, igualmente suscitando a verificação de usurpação de funções por parte do Tribunal, mais entendendo que terá sido indevidamente interpretado o artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 171/2012, em termos inconstitucionais, por violação dos princípios da separação de poderes e da confiança, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo considerou a seguinte factualidade:
De facto:
Factos provados.
Com interesse para a apreciação da causa, fixa-se a seguinte matéria de facto, que se julga assente, por provada:
A. Por aviso n.º 7968-AF/2001, publicado no Diário da República, II série, n.º 137, de 15/06/2001, foi aberto concurso público para a instalação de uma Farmácia no lugar de (...), concelho de Guimarães - por acordo.
B. À data da abertura do concurso para instalação da farmácia referenciada em A), a Contrainteressada era proprietária do alvará da Farmácia “(...)”, sita na freguesia de (...), (...) – prova testemunhal; motivação da matéria de facto;
C. Entre outros documentos, aquando da entrega da candidatura, era exigível aos candidatos, quando aplicável, a entrega de “declaração de exercício em farmácia” e “declaração de proprietário de farmácia” – cfr. fl. 217 dos autos físicos [doc. n.º 1 junto com requerimento de resposta à matéria de exceção].
D. Aquando da apresentação da documentação necessária para se apresentar a concurso, a Contrainteressada juntou declaração escrita sob compromisso de honra, datada de 27.07.2001, dando conta que “exercia atividade de Diretora técnica da Farmácia (...) – (...) desde 1983 até aquela data – 27/01/2001” – cfr. fl. 218 dos autos físicos [doc. n.º 2 junto com requerimento de resposta à matéria de exceção].
E. Em 08.11.2001, reuniu o júri do concurso que verificou a conformidade da documentação apresentada de acordo com as exigências constantes do aviso de abertura do concurso, e decidiu notificar os candidatos inscritos na tabela anexa à respetiva ata para suprir deficiências do requerimento de admissão ao concurso e/ou da documentação anexa – Cfr. Doc. n.º 2 do RI.
F. Em 06.12.2001, o júri do concurso procedeu à análise e avaliação das candidaturas realizadas e entregues e a elaboração da lista de admitidos e excluídos para efeitos de publicação em Diário da República – Cfr. Doc. n.º 2 do RI.
G. Através do aviso n.º 14847-AF/2001, publicado em Diário da República n.º 283, II série, de 07 de Dezembro de 2001, foi publicada a seguinte lista de candidatos admitidos ao concurso público para instalação de uma nova farmácia no lugar de (...): A., A.; A.; A.; A.; C.; C.; C.; L.; M.; M.; O.; P.; S. – cfr. doc. n.º 2 do RI e facto não controvertido atentas as posições exaradas pelas partes nos respetivos articulados.
H. Por deliberação de 27/09/2002, o Conselho de Administração do Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento (hoje, Infarmed - Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos da Saúde, I.P) homologou a lista de classificação final dos candidatos admitidos ao predito concurso público para instalação de uma nova farmácia na freguesia de (...) concurso público – facto não controvertido atenta a posição exarada pelas partes nos respetivos articulados; documento n.º 1 do RI.
I. Através do aviso n.º 10668, publicado em Diário da República, 2.ª série, n.º 240, de 17 de Outubro de 2002, foi tornada pública a lista de classificação final dos candidatos admitidos ao concurso público para instalação de uma nova farmácia no lugar de (...), figurando a ora Autora classificada em 4.° lugar e a Contrainteressada em 1.º lugar, conforme se extrai:
(Dá-se por reproduzido o documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Artº 663º nº 6 CPC)
– facto não controvertido atenta a posição exarada pelas partes nos respetivos articulados; documento n.º 1 do RI
J. Conforme exigido por ofício com a referência DIL/LIC/CR, remetido pelo Infarmed à aqui Contrainteressada, a Contrainteressada juntou, após a sua classificação na lista definitiva, compromisso que iria trespassar a Farmácia de que era proprietária, em data anterior à conclusão do processo de instalação da nova farmácia – cfr. fl. 219 [doc. n.º 3 junto com requerimento de resposta à matéria de exceção].
K. Em 10.12.2002, a ora Autora intentou no Tribunal Administrativo do Círculo do Porto recurso contencioso de anulação, que correu termos sob o processo n.º 1108/02, peticionando a anulação da deliberação que homologou a lista de classificação final dos candidatos admitidos ao concurso público para a instalação de uma nova farmácia no lugar de (...), freguesia de (...), concelho de Guimarães – facto não controvertido atenta a posição exarada pelas partes nos respetivos articulados; documento n.º 2 do RI
L. Nesse recurso contencioso, a Autora indicou como Contrainteressadas as duas primeiras classificadas no concurso, designadamente a candidata classificada em primeiro lugar da lista, A., ora Contrainteressada, além de demandar o Infarmed - por acordo
M. Em 15.12.2003, a aqui Contrainteressada, na qualidade de primeiro outorgante, celebrou juntamente com O., na qualidade de segundo outorgante, e P., na qualidade de terceiro outorgante, contrato denominado de “trespasse”, mediante o qual a primeira declarou que é dona e legítima possuidora de um estabelecimento comercial de farmácia com a denominação de “Farmácia (...)”, instalada no Largo (...), na freguesia de (...), (...), cujo funcionamento se encontra autorizado pelo alvará número 3839, emitido pelo Infarmed e concedido a si em 22.06.1987, e que o transmite a favor do segundo outorgante, por trepasse, o referido estabelecimento comercial, pelo preço de 300.000,00€ [trezentos mil euros] – cfr. fls. 233 a 236 dos auto físicos [doc. n.º 4 junto com requerimento de resposta à matéria de exceção].
N. No ano de 2004, a aqui Contrainteressada instalou a “Farmácia de (...)” na Rua (...), na freguesia de (...), concelho de Guimarães, Distrito de Braga, tendo assumido, com vista à instalação e manutenção em funcionamento de tal estabelecimento comercial, encargos relacionados com a contratação de recursos humanos e aquisição de produtos farmacêuticos e de cosmética – prova testemunhal
O. Por sentença de 08.04.2005, o Tribunal Administrativo do Círculo negou provimento ao recurso contencioso – por acordo.
P. Em 02/05/2006, o Supremo Tribunal Administrativo concedeu provimento ao recurso jurisdicional e ao recurso contencioso, anulando a decisão de homologação da lista de classificação dos concorrentes ao concurso público para instalação de uma farmácia na freguesia de (...), com o seguinte teor que ora se transcreve na parte que releva:
(Dá-se por reproduzido o documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Artº 663º nº 6 CPC)
(…) – cf. Documento n.º 2 do RI; facto não controvertido atenta a posição exarada pelas partes nos respetivos articulados.
Q. O acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo transitou em julgado – cf. documento n.º 2 do RI, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
R. Não tendo sido dado execução voluntária pelo IFARMED ao Acórdão anulatório, a ora Autora, em 17.11.2008, apresentou no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto petição de execução com vista à execução do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, que motivou o processo 2504/08.8BEPRT, contra o Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento, indicando como Contrainteressadas A. de Freitas e Maria Margarida Rebelo Vaz Baptista de Vieira e Brito – cf. documento n.º 3 do RI, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
S. A aqui Autora deduziu no processo executivo referenciado no ponto anterior as seguintes pretensões que ora se transcrevem na parte que releva:
“A. A condenação dos executados a:
a. Praticar os seguintes atos e operações, no prazo de 30 dias, de modo a dar execução ao acórdão do STA de 02.05.2006 (processo n.º 1147/05-12), que julgou procedente a pretensão da Autora em sede de recurso contencioso de anulação da deliberação do Conselho de Administração do INFARMED, de 27 de Setembro de 2002, que homologou a lista de classificação final dos concorrentes admitidos ao “Concurso Público para Instalação de uma Farmácia no lugar e freguesia de (...), concelho de Guimarães, Distrito de Braga”, cujo Aviso foi publicado com o n.º 7968-B/2001 (2.ª série), no DR II, 1.º suplemento, n.º 137 de 15 de Junho de 2001:
i. Reformular a lista de classificação final do concurso, classificando-se a exequente em primeiro lugar;
ii. Excluir do concurso as Contrainteressadas por, á data de abertura do concurso serem proprietárias de outra farmácia;
iii. Homologar nova lista de classificação final e emitir o alvará relativo à farmácia de (...) em nome da exequente;
b. Pagar a exequente a quantia de € 649.817,98 (seiscentos e quarenta e nove mil, oitocentos e dezassete euros e noventa e oito cêntimos), a título de danos patrimoniais sofridos, bem como a quantia vincenda de €10.000,00 (dez mil euros) mensais até à emissão do alvará da farmácia de (...) em nome da exequente, acrescida de juros legais.
B. A declaração de nulidade, por violação do caso julgado, de todos os atos subsequentes ao ato anulado e que permitiram à primeira classificada no concurso – a Contrainteressada A. – a instalação da farmácia de (...), designadamente:
a. A notificação da Contrainteressada A. para proceder à instalação da farmácia, por ofício de 3/4/2003;
b. A prorrogação do prazo inicial de instalação, por despacho de 11/7/2003;
c. O pedido de vistoria da Contrainteressada A., a 5/1/2004;
d. A vistoria realizada pelo executado INFARMED a 1/6/2004;
e. A emissão do alvará relativo à farmácia de (...) em nome da Contrainteressada A.;
– cf. documento n.º 3 do RI, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
T. Por sentença de 24/11/2010, foi julgado (i) improcedente o exposto pela entidade executada e das Contrainteressadas particulares no que concerne à invocação da existência de causa legítima de inexecução (ii)) a execução parcialmente procedente e, e consequência, o Infarmed foi condenado a retomar o procedimento concursal “no âmbito da retoma do procedimento em apreço (…) a proferir nova decisão sobre a matéria – homologação da lista de classificação final dos concorrentes ao concurso público para instalação de uma farmácia no lugar da freguesia de (...), concelho de Guimarães, situação que deverá ocorrer no prazo de 90 dias, declarando-se a nulidade do todos os atos subsequentes ao ato anulado e que permitam à contrainteressada A. a instalação da Farmácia em (...), Guimarães, o que significa que no mesmo prazo acima apontado, deve ser proferida decisão que determine o encerramento da farmácia da aqui Contra -interessada A. e a anulação do respetivo alvará, ordenando-se na mesma altura a emissão do competente alvará a favor do candidato que ficar classificado em 1.º lugar, não se fixando, por ora, qualquer sanção pecuniária compulsória para o caso de não cumprimento, dado que a matéria constante dos autos não apresenta elementos decisivos que justifiquem tal imposição (…) – cf. documento n.º 3 do RI, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
U. Na sequência da execução do acórdão do STA, de 02.05.2006, e retomado o procedimento concursal, a nova lista de classificação final dos candidatos admitidos ao concurso público para a instalação da farmácia na freguesia de (...) foi homologada pelo Conselho Diretivo do IFARMED em 13 de Janeiro de 2011, tendo sido publicada em Diário da República, II Série, n.º 21 – 31 de Janeiro de 2011 – cf. Aviso n.º 3228/2011 da página do Diário da República; cfr. documento n.º 4 do r.i., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzida.
V. De acordo com a nova lista de classificação final, a ora Autora ficou classificada em 2.° lugar, e a aqui Contrainteressada foi excluída, com a menção de que tal sucedia em execução do Acórdão do STA de 02.05.2006, conforme se extrai do Aviso n.º 3228/2011 publicado em diário da república, 2.º série, n.º 21, de 31.01.2011, com o seguinte teor que se reproduz na parte que releva:
(Dá-se por reproduzido o documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Artº 663º nº 6 CPC)
cfr. documento n.º 4 do r.i., cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzida.
W. Em 13.01.2011, pela deliberação n.º 007/CO/2011, do Conselho Diretivo do INFARMED, o conselho diretivo da Entidade Demandada deliberou: “(…) ordenar o encerramento da farmácia (...), sita na Rua (...), freguesia de (...), concelho de Guimarães, distrito de Braga, e anular o respetivo alvará n.º 4737, concedido em 07 de Junho de 2004 a favor da farmacêutica Dra. A. , diferindo-se, porém, a produção de efeitos de tais encerramento e anulação à data da abertura ao público da farmácia que vier a ser instalada pelo candidato vencedor, em obediência a razões de salvaguarda de interesse público e de cobertura farmacêutica e por forma a acautelar o acesso contínuo e ininterrupto da população ao medicamento.
Mais delibera, considerando o facto de a execução do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 02 de Maio de 2006, deve ocorreu no prazo de 90 (noventa) dias, bem como a circunstância de nos processos judiciais a interessada já se ter pronunciado sobre todas as questões que relevam para esta decisão, não promover a audiência prévia da interessada” – Cfr. doc. n.º 5 junto com o RI.
X. A Contrainteressada intentou processo cautelar contra o Infarmed, tendo indicado como Contrainteressadas C. e S., peticionado a suspensão de eficácia da deliberação referida no ponto anterior, que correu termos sob no TAF de Braga sob o processo n.º 738/11.7BEBRG – cfr. doc. n.º 5 do RI.
Y. Por sentença proferida em 13.07.2011, foi julgado improcedente o referido processo cautelar, decisão que foi confirmada por acórdão proferido em 21.10.2011 pelo TCA Norte – cfr. docs. n.ºs 5 e 6 do RI.
Z. A Contrainteressada intentou neste Tribunal ação administrativa especial, que correu termos sob o processo n.º 765/11.4BEBRG, com vista a impugnar o ato referenciado em W), cuja instância veio a ser extinta por deserção – conhecimento em virtude do exercício das funções jurisdicionais [consulta via SITAF ao processo referenciado].
AA. Uma vez que a classificada em 1.º lugar [C.] desistiu do procedimento concursal, a ora Autora foi notificada para apresentar os documentos relativos ao processo de instalação da farmácia na freguesia de (...), concelho de Guimarães, distrito de Braga - por acordo.
BB. No início do ano de 2012, a Autora abriu ao público a “Farmácia (...)” – cf. Prova testemunhal
CC. No ano de 2012, foi encerrada compulsivamente a farmácia “(...)” – prova testemunhal.
DD. Por ofício remetido com aviso de receção, a Autora apresentou junto do Ministro da Saúde e do Infarmed um requerimento, com o teor constante do documento n.º 7 do R.I que se dá por integralmente reproduzido, no qual termina peticionando o seguinte:
“Para efeitos do disposto do art. 61.º e ss. do CPA, a Requerente requer a seguinte informação:
A) O infarmed propôs a abertura, transferência ou manutenção em funcionamento de alguma farmácia ao abrigo do disposto no art. 6.º do DL n.º 171/2012, de 1/8?
B) Esta proposta foi deferida por V. Exa.?”
EE. Por ofício de 02/01/2013, do Ministério da Saúde, recebido pela Autora em 04/01/2013, o Ministério da Saúde veio informar que o Infarmed tomou a deliberação 142/CD/2012 de 25.10.2012, ao abrigo e nos termos do disposto no artigo 6.º do DL n.º 171/2012, de 01.08, e que, por despacho do secretário de Estado da Saúde de 02.11.2012, fora autorizada (consoante os casos) a abertura, transferência ou manutenção em funcionamento, de várias farmácias, entre as quais, e no que importa, a farmácia (...), sita na R. (…), freguesia de (...) concelho de Guimarães, distrito de Braga – doc n.º 10 do R.I.
FF. Em 25/10/2012, o Conselho Diretivo do Infarmed deliberou propor à apreciação do secretário de Estado da Saúde que, em caso de concordância, autorize no prazo de 90 dias contados da data da entrada em vigor do DL n.º 171/2012, de 01.08, a abertura, transferência ou manutenção em funcionamento (conforme o caso) das farmácias (…), (…), do (…), (...), sob expressa condição de o local destinado à concretização da abertura, transferência ou manutenção em funcionamento das farmácias respeita, efetivamente, a condição expressamente imposta pela norma, ou seja, situar-se a mais de dois quilómetros da farmácia mais próxima e independentemente da capitação do respetivo município, constando da deliberação n.º 142/CO/2012, o seguinte que ora se transcreve na parte que releva: “
a) O Decreto-Lei n.º 171/2012, de 1 de agosto, que procedeu à segunda alteração ao Decreto - Lei n.º 307/2007, de 31 de agosto, que estabelece o regime jurídico das farmácias de oficina, veio consagrar, no seu artigo 6.º sob a epígrafe “Norma transitória”, que: (…)
(Dá-se por reproduzido o documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Artº 663º nº 6 CPC)
c) Em concreto, e após levantamento efetuado nesse sentido, foram 6 (seis) as situações apuradas e subsumíveis àquele fundamento – respeito pelas expectativas criadas pela prática de ato administrativo constitutivo de direitos posteriormente anulado, e que, sendo assim, poderão beneficiar do regime em causa, a saber: (…)
iv) Farmácia (...), sita na Rua (...), freguesia de (...), concelho de Guimarães, distrito de Braga, com o alvará n.º 4737, concedido em 07 de junho de 2004 a favor da farmacêutica Dra. A., no âmbito do Concurso Público para instalação de nova farmácia aberto por meio do Aviso n.º 7968- AF/2001, publicado no Diário da República, 2.ª Série, Suplemento, n.º 137, de 15 de junho; (…)
d) As farmácias identificadas nos pontos (…) iv) (…) da supra alínea c), encontram-se, neste momento, encerradas ao público; (…)
(Dá-se por reproduzido o documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Artº 663º nº 6 CPC)
l) Os proprietários das farmácias em apreço e melhor identificadas nos pontos i) a v) da supra alínea c), vieram manifestar o seu propósito em beneficiar do regime transitório em causa, requerendo a abertura ou manutenção em funcionamento da farmácia, acompanhadas, nos casos aplicáveis, da respetiva transferência de localização por forma a dar cumprimento à condição expressamente imposta pela norma de verificação da distância mínima de dois quilómetros em relação à farmácia mais próxima, indicando, desde logo, o local (loja) concretamente pretendido para o efeito, ou, nos casos em que tal não foi possível desde já designar, pelo menos, o concreto e delimitado âmbito de circunscrição geográfica por referência ao qual será feita a ulterior indicação do local (loja), o que fizeram nos termos a seguir indicados: (…)
iv) Farmácia (...): Abertura, acompanhada de transferência de localização, para Rua (...), freguesia de (...), concelho de Guimarães, distrito de Braga (junta documento comprovativo da distância mínima exigida) (…)
Delibera propor à apreciação de Sua Excelência o Secretário de Estado da Saúde que: Em caso de concordância, e com fundamento no respeito pelas expectativas criadas pela prática de ato administrativo constitutivo de direitos posteriormente anulado, autorize, no prazo de 90 dias contados da data da entrada em vigor do diploma, a abertura, transferência ou manutenção em funcionamento, (conforme o caso) das supra identificadas farmácias (...), (…), do (…), (...) e (…), nos termos e para as localizações desde já indicadas pelos interessados, e melhor constantes da alínea l).
2. Que a autorização referida no número anterior seja concedida sob expressa condição de o local destinado à concretização da abertura, transferência ou manutenção em funcionamento das farmácias respeitar, efetivamente, a condição expressamente imposta pela norma, ou seja, situar-se a mais de dois quilómetros da farmácia mais próxima e independentemente da capitação do respetivo município. Lisboa, 25 de Outubro de 2012 (…)” – cf. Doc. n.º 11 junto com o RI.
V) Com referência a esta proposta, os Serviços do Ministério da Saúde elaboraram, em 31/10/2012, um parecer cujo teor, em parte, segue:
«1. O INFARMED, I.P., através do seu ofício n.º 042381, de 23.10.2012, remeteu a S. Excelência o Secretário de Estado da Saúde a proposta relativa ao assunto mencionado em epígrafe, solicitando, em caso de concordância, a sua autorização.
2. A esta proposta corresponde a posterior Deliberação de igual teor do Conselho Diretivo do INFARMED, I.P., n.º 142/CD/2012, de 25.10.2012, que aqui se dá por integralmente reproduzido
(…)
4. Ora, os casos mencionados [na] deliberação em apreço que são submetidos à autorização de Sua Excelência o Secretário de Estado da Saúde são corretamente enquadrados e fundamentados legalmente no disposto na norma transitória do citado art.º 6.º do Dec. Lei n.º 171/2012, acima transcrito, concretamente no segmento que dispõe que "Em casos devidamente fundamentados em razões (. .. ) de respeito pelas expectativas criadas pela prática de ato administrativo constitutivo de direitos posteriormente anulado …”
5. Com efeito, resulta do expendido na Deliberação em apreço, em particular do exposto nas suas alíneas c), d), e), f), g), i) e h), que o caso das farmácias acima identificados, sob o ponto de vista jurídico e legal, se enquadrariam no transcrito segmento normativo do art. 6 do Dec. -Lei na 171/2012, uma vez que, conforme é salientado na citada alínea e): "Tratam-se, em síntese, todas as referidas situações, de casos em que os farmacêuticos nelas identificados concorreram aos respetivos concursos públicos para instalação de nova farmácia, no âmbito dos quais, a final, e observadas que foram as formalidades aplicáveis, consumaram essa instalação, mas em que, em virtude da impugnação do ato administrativo no qual veio a radicar o seu direito à instalação da farmácia, viram, em consequência, e em sede de execução judicial, ser afetado esse mesmo direito.
6. Por conseguinte, consideramos que a Deliberação do Conselho Diretivo do INFARMED, I.P., se encontra devidamente fundamentada de facto e de direito, nos termos do disposto no art.º 6.° do Dec.-Lei n.º 171/2012, ao abrigo do qual, caso assim superiormente seja entendido por S. Excelência o Secretário de Estado da Saúde, poderá ser autorizada a referida Deliberação/Proposta em apreço, antes do decurso do prazo de vigência da referida norma, que é 90 dias, contados a partir de 2 de Agosto, data da entrada em vigor do acima citado diploma legal, sendo que, o termo da vigência e possibilidade de aplicação do presente regime transitório ocorrerá assim em 2 de Novembro.” – cf. Doc. n.º 10 do R.I.
GG. Informação essa que mereceu, em 2/11/2012, o despacho do Secretário de Estado da Saúde que segue: «Autorizo com os fundamentos e nos termos dos pontos 1 e 2 da deliberação do CD do Infarmed.» – cf. Doc. n.º 10 do R.I.
HH. No dia 02.07.2013, por deliberação do conselho diretivo do Infarmed, IP. foi autorizado o processo de abertura e instalação da farmácia na Rua (...), freguesia de (...), concelho de Guimarães, distrito de Braga, com a nova denominação “Farmácia da (...)”, tendo em 15.07.2015 a aqui Contrainteressada sido notificada de que dispunha do prazo de um ano para proceder a instalação da farmácia e requer vistoria - cfr. fls. 302 e 303 dos autos físicos [comunicação do Infarmed junta aos autos a comunicar circunstâncias supervenientes à prática do ato impugnado].
II. Em 2016, a aqui Contrainteressada procedeu à instalação e abertura ao público da farmácia denominada da “(...)”, sita na Rua (...), freguesia de (...) – prova testemunhal.

IV – Do Direito
No que ao direito concerne e no que aqui releva, discorreu-se em 1ª instância:
“(...)
A) Da violação do disposto no artigo 6.º do DL n.º 171/2012, de 01/08, em consequência de o ato ter sido praticado para além do prazo de 90 dias nele previsto
(...)
Nesta medida, forçoso será concluir que, tendo sido o ato impugnado emanado em 2 de novembro de 2012, não foi praticado para além do prazo de 90 dias legalmente estabelecido para o efeito, revelando-se, por isso, válido temporalmente e tempestivamente exercida a competência pelo seu órgão decisor.
Sendo assim, improcede a alegação de que o ato padece de nulidade por lhe faltar um elemento essencial (a prática de ato dentro do prazo legal), em consequência da improcedência do argumento da extemporaneidade da sua prática, nem a decisão impugnada padece de vício gerador de anulabilidade (violação de lei), conforme igualmente invocado com base nos artigos 3.º e 135.º do CPA.
B. Do alegado vício de incompetência do órgão que praticou o ato administrativo impugnado
(...)
Assim sendo, no caso sub judice, a prolação do despacho impugnado da autoria do Secretário de Estado da Saúde, datado de 02.11.2012, foi proferido ao abrigo de delegação de competências/poderes, configurando-se esta como legal, donde não ocorre o invocado vício da incompetência relativa do autor do ato.
Termos em que improcede a imputada ilegalidade de incompetência relativa.
C) Da (alegada) preterição do direito ao exercício da audiência prévia
(...)
Deste modo, não se encontrando no procedimento em causa a Autora constituída como interessada, nem revelando possuir interesse direto e principal (posição a que se atribuiu à destinatária do ato, aqui Contrainteressada, ou/e o particular que despoletou o procedimento em causa) nem secundário com especial direito à tutela conferida pelo artigo 100.º do CPA, não lhe pode ser reconhecida a qualidade ou estatuto de interessada com legitimidade para intervir no procedimento, designadamente, para efeitos do exercício do direito de audiência prévia.
Em face dos argumentos ora avançados, julga-se improcedente o apontado vício formal tendente à alegada e não demonstrada preterição do direito de audiência prévia.
D. De vícios geradores de inconstitucionalidade do artigo 6.º do DL n.º 171/2012, de 01.08 atinentes à (falta de) generalidade e abstração
(...)
Sem descurar que a citada norma regula uma relação jurídica constituída em momento anterior à sua publicação, no caso em apreço não é minimamente alegado nem demonstrado de forma consubstanciado que o art. 6.º do Decreto-Lei n.º 171/2012 atinja de forma inadmissível e arbitrária os direitos e expectativas legítimos dos cidadãos, ofendendo o princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima, valores fundamentais do Estado de Direito Democrático (art. 2.º da CRP) e que poderia colocar entraves à emanação de uma norma ou lei retroativa.
Deste modo, por aqui também naufraga a posição da Autora.
E. Do erro nos pressupostos de facto e de direito em virtude de a situação contemplada nos autos não se integrar no âmbito do artigo 6.º do DL n.º 171/2012, de 01.08
A Autora, no capítulo que dedicou à violação do princípio do caso julgado, refere que a situação em causa nos autos não atesta que existem razões materiais que impunham a proteção da confiança da Contrainteressada.
Após descrever os requisitos que o Tribunal Constitucional tem vindo a enunciar para haver lugar à tutela jurídico-constitucional da “confiança”, refere que tais requisitos não se verificam no caso em concreto, na medida em que:
“i) o Estado não encetou um comportamento capaz de gerar expectativas: se é certo que foi atribuído um alvará da farmácia ao particular que posteriormente foi anulado, esse particular, ainda antes de abrir a farmácia teve conhecimento que o ato tinha sido posto em crise através de um recurso contencioso de anulação.
ii) Na execução de sentença encetada pelo Infarmed, foi a Contrainteressada acatando a homologação da nova lista de classificação final válida;
iii) As expectativas nunca poderiam ser legítimas porque se fundavam num ato ilegal;
iv) O particular nem sempre podia ter concorrido ao concurso em causa;
v) o particular foi notificado do ato de exclusão do concurso público em causa e não reagiu contenciosamente, pelo que se conformou, deixando consolidar-se na Ordem Jurídica essa exclusão, pelo que, como é evidente, ninguém pode ser detentor de um alvará por via de um concurso no qual não é parte.
vi) O INFARMED ordenou o encerramento da farmácia da Contrainteressada e o processo cautelar para suspender a eficácia desse encerramento foi julgado improcedente por decisão judicial transitada em julgado;
vii) Existem razões de interesse – defesa da legalidade e o princípio do caso julgado – que justificam a não continuidade da exploração da farmácia pela Contrainteressada.”
Temos, assim, que, duma correta leitura petição inicial e do poder que assiste ao tribunal em sede do enquadramento jurídico da causa no que tange à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito decorrente do art. 5.º do CPC, se nos afigura que, neste compêndio, a Autora imputa o erro nos pressupostos de direito, por entender que a situação material da Autora não é consentânea a admitir a aplicação do artigo 6.º do DL n.º 171/2012, por não merecer esta a tutela da confiança legítima subjacente àquele normativo legal.
Assim importa apreciar e decidir o vício de violação de lei por erro nos pressupostos de direito, por entender a Autora que não se verificam e/ou são ilegais os pressupostos de direito constantes no ato impugnado, porque a situação factual não se subsumir ao critério do artigo 6.º do mencionado DL.
Recuperando a norma que serviu de suporte legal ao ato impugnado, o artigo 6.º do Dl n.º 171/2012, de 01.08, preceitua que no “(…)respeito pelas expectativas criadas pela prática de ato administrativo constitutivo de direitos posteriormente anulado, membro do Governo responsável pela área da saúde pode, no prazo de 90 dias contados da data da entrada em vigor do presente diploma, mediante proposta do INFARMED, autorizar a abertura, transferência ou manutenção em funcionamento de uma farmácia, desde que em local situado a mais de dois quilómetros da farmácia mais próxima e independentemente da capitação do respetivo município.
A par das demais condições previstas no referido artigo que legitimam a autorização para a abertura transferência ou manutenção em funcionamento de uma farmácia, que também se pode fundamentar em razões de proteção da saúde pública, de garantia da manutenção da assistência farmacêutica à população de determinado local, as partes não contestam que o pressuposto legal fundado no ato foi a necessidade de tutelar as alegadas expectativas criadas na Contrainteressada pela prática de ato administrativo constitutivo de direitos posteriormente anulado.
Importa ressalvar que, embora não resulte de forma expressa do seu teor, está em causa na norma – como objetivo - a sua aplicação a situações que patenteiem a necessidade de tutelar as legítimas expectativas de determinados beneficiários de ato “administrativo constitutivo de direitos posteriormente anulado” até porque, pela própria natureza, expectativas que não se assumem como legítimas, não podem granjear a proteção do direito.
Em todo o caso, foi nesta linha que se posicionou o ato impugnado, na medida em que o ato ora em crise não deixou de se repousar e estribar-se na própria deliberação n.º 142/CD/2012 do IFARMED, datada de 25.10.2012, ao qual, nos termos legais, competia fundamentar a aplicação do artigo 6.º do DL n.º 171/2012, de 01.08, sendo que a deliberação n.º 142/CD/2012 sustentou, numa primeira linha de força que, nas várias situações analisadas – nas quais se incluía a da farmácia (...) -, os farmacêuticos concorreram para a instalação da farmácia e, decorridos os trâmites, procedeu-se à sua instalação, mas que, posteriormente, foi anulado o ato em que radicava o direito de instalação da farmácia; numa segunda dimensão, pormenorizou a deliberação que o fundamento de anulação da deliberação do conselho de Administração do Infarmed, I.P., datada de 27.09.2012, que homologou a lista de classificação final dos candidatos admitidos aos respetivos concursos, conforme preconizado por acórdão do STA, foi a violação da base II, n.º 3 da Lei n.º 32125, de 20 de Março de 1965, tratando-se de fonte normativa hierarquicamente superior à portaria n.º 936-A/99, de 22 de Outubro, culminando, posteriormente, e em sede de execução de sentença, no encerramento das (seis) farmácias em causas.
Na deliberação e parecer fundamentado do INFARMED, entendeu esta entidade que os proprietários de farmácia tiverem de encerrar as suas farmácias em virtude da anulação de atos administrativos constitutivos de direitos nas suas esferas jurídicas, em casos em que a referida anulação não resultou de qualquer ato ou facto imputável aos administrados, referindo mesmo que “no âmbito dos respetivos procedimentos concursais e de instalação, agiram de boa fé e confiaram na atuação da Administração”.
Concluiu assim o Infarmed, por entendimento que foi trilhado pela entidade demandada, que a “anulação veio a resultar na frustração das legítimas expectativas criadas pela prática de atos administrativos constitutivos de direitos na esfera jurídica daqueles particulares, que, neles legitimados e sustentados, consumaram a instalação das farmácias, a sua posição merece ser tutelada, sendo precisamente esse um dos objetivos almejados pela norma legal em questão”.
Assim, também o Infarmed reconheceu a necessidade de aplicar a norma em causa por entender que havia motivação suficiente para atribuir tutela a uma situação, como a dos autos, em que as legítimas expectativas haviam sido defraudadas com a anulação judicial dos primários atos que foram da sua autoria e que permitiram o licenciamento e instalação da farmácia “(...)”.
Cientes das posições das partes, importa atender ao âmbito do princípio de proteção da confiança legítima para, num segundo momento, descortinar os elementos subjetivos que se associa a esse preceito legal e constitucional, ponderando as particularidades associadas à participação dos beneficiários dos atos constitutivos de direito no próprio processo judicial em que ocorreu a anulação judicial e de que foram tal modela a aplicação daquele princípio.
Estabelece o artigo 266.°, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa que "os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem atuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé".
Este princípio é igualmente reconhecido pelo art. 6.°-A, n.°1, do Código do administrativo (CPA), ao estabelecer que:
“1. No exercício da atividade administrativa e em todas as suas formas e fases, a Administração Pública e os particulares devem agir e relacionar-se segundo as regras da boa fé.
2. No Cumprimento do disposto nos números anteriores, devem ponderar-se os valores fundamentais do direito, relevantes em face das situações consideradas, e, em especial:
a) A confiança suscitada na contraparte pela atuação em causa;
b) O objetivo a alcançar com a atuação empreendida".
No âmbito da atividade administrativa, são geralmente reconhecidos os seguintes pressupostos da tutela da confiança: um comportamento gerador de confiança, a existência de uma situação de confiança legítima, a frustração da confiança por parte de quem a gerou, a efetivação de um investimento de confiança.
(...)
Aqui chegados e cientes destes considerandos de enquadramento, impõe-se, então, que nos interroguemos da procedência da argumentação expendida pela Autora para sustentar a tese que esgrimiu nos autos, designadamente a de saber se o facto de, em suma, a Contrainteressada ter sido parte do processo judicial no qual terminou com a anulação, pelo STA, do ato de homologação da lista de classificação, tendo nele intervenção em momento anterior à própria atribuição do direito de instalação e respetivo alvará, constituiu um obstáculo ao reconhecimento do pressupostos de legitimas expectativas de que depende a atribuição da autorização para a abertura da farmácia em causa.
Como vimos, o ato do Secretário de Estado da Saúde estriba-se na fundamentação expressa na deliberação do Conselho Diretivo do INFARMED, I.P., na qual se menciona que o ato constitutivo de direitos da contrainteressada foi anulado por violar o princípio da hierarquia das fontes normativas e que a contrainteressada agiu de boa-fé e confiou na atuação da Administração e que, por via disso, frustrou-se as suas legítimas expectativas.
Com efeito, foi olvidado pela Administração um dado essencial e relevante na equação dos autos e que contende com a atribuição (ou não) à Contrainteressada da posição de beneficiária de ato constitutivo de direito com legítimas expectativas na prática e com a manutenção na ordem jurídica do “direito” à instalação da farmácia, e que se prende com a intervenção desta [aqui contrainteressada] no processo judicial no qual foi determinada a anulação da deliberação do ato de classificação dos concorrentes no dito procedimento concussão, que é o ato constitutivo do direito que será titulado pelo alvará, após o processo de instalação e abertura ao público – cfr. artigos 11.º, 12.º a 15.º da portaria n.º 936-A/99.
Com efeito, o ato em causa tem subjacente que está em causa a prática de um ato constitutivo de direitos que, não obstante a sua anulação, desde a sua prática criou legítimas expectativas na sua manutenção e produção dos respetivos efeitos jurídicos.
Admite-se que a Contrainteressada foi beneficiária de ato constitutivo de direito (veja-se a definição legal hoje inclusa no artigo 167.º, n.º 3, do CPA/2015) de ato que vigorou na ordem jurídica durante um lapso temporal até ser expurgado da ordem jurídica por efeito constitutivo da sentença de anulação, atenta a atribuição de uma situação jurídica de vantagem.
Sucede que, não pode ser reconhecida à situação jurídica material da Contrainteressada o regime previsto no referido artigo 6.º do DL n.º 171/2012, de 01.08, precisamente por não se poder afirmar que é (era) titular de legítimas expectativas decorrente da prática de tal ato constitutivo de direito, pois a mesma foi citada na qualidade de parte/contrainteressada na ação principal no qual veio a ser proferido acórdão anulatório datado de 02.05.2006 [facto assente em P], ou seja, teve oportunidade de participar no processo que levou à anulação do ato, pelo que não se pode concluir que desconhecia a precariedade da sua situação ou que tenha um interesse legítimo na prática e manutenção do ato, sendo que expectativas, nessas condições, não se podem considerar merecedoras de especial proteção.
O ato que viria a ser anulado por Acórdão do STA proferido em 02.05.2006 – deliberação de homologação da classificação final na qual a Contrainteressada figurava em primeiro lugar – foi, no prazo de reação contenciosa, impugnado pela Autora, ficando os intervenientes processuais, sobretudo a Contrainteressada, consciente da precariedade da sua situação.
E como explicam Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, a propósito dos beneficiários dos atos consequentes, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2017, págs. 1287 e 1289:
“Coloca-se, entretanto, a questão de saber em que termos deve ser delimitada a categoria dos "beneficiários de boa-fé de atos consequentes", para o efeito da aplicação do regime do n.º 3 do presente artigo. Com efeito, foi suscitada na doutrina a questão de saber se os beneficiários diretos do ato anulado, que intervieram no processo de anulação como contrainteressados, podem, ainda assim, ser qualificados como "beneficiários de boa-fé de atos consequentes", para o efeito de serem preservados dos efeitos da anulação ao abrigo do disposto no preceito aqui em análise (l629).
Já em momento anterior à vigência do CPTA, o STA tinha firmado entendimento em sentido contrário a tal possibilidade, por referência à previsão, então em vigor, da alínea i) do n.º 2 do artigo 133.º do CPA de 1991, nos seguintes termos: «A restrição contida na alínea i) é manifestamente ditada por razões de proteção de expectativas legítimas na manutenção do ato consequente e esta proteção só pode justificar-se em relação a terceiros em relação ao processo que teve por objeto o ato anulado. Na verdade, os contrainteressados que intervêm no processo são necessariamente conhecedores da litigiosidade sobre as suas posições subjetivas, pelo que a eventual anulação do ato (como a sua manutenção) não pode constituir para eles uma surpresa. Nestas condições, se os contrainteressados com intervenção no processo devem estar precavidos quanto à possibilidade de a decisão do mesmo ser contrária às suas pretensões, não há razão para proteger as eventuais expectativas infundadas que tenham formado relativamente a uma decisão favorável”.
Pela nossa parte, parece-nos que esta posição é, ainda hoje, fundada. A proteção da confiança dos beneficiários de atos consequentes pressupõe, na verdade, que estes tenham usufruído da situação que em seu benefício foi constituída sem razoavelmente poder contar que ela pudesse vir a ser posta em causa. É por isso que, no Direito comparado, é apenas em relação à situação de terceiros em relação ao caso julgado formado pela sentença de anulação que se discute a questão da proteção dos beneficiários de boa fé de atos consequentes. É, assim, natural que também seja esse o tipo de situação que o n.º 3 do presente artigo visa proteger quando se refere aos beneficiários de boa-fé de atos consequentes.
Com FREITAS DO AMARAL, não temos, assim, dúvidas de que, na sequência da anulação contenciosa de um ato administrativo, estão excluídos do âmbito de proteção dos beneficiários de atos consequentes desse ato "os contrainteressados diretos do processo de anulação, cujas expetativas não se podem considerar merecedoras de especial proteção.
Diretamente nomeados ou promovidos em consequência do ato impugnado, não se pode deixar de admitir que tais indivíduos bem reconhecerão, desde logo, a precariedade da sua situação, não se podendo por isso apresentar credores de especial tratamento baseado na proteção da confiança"(I631).
Não nos parece, na verdade, de admitir que os beneficiários diretos do ato anulado, que no processo impugnatório figuraram como contrainteressados, possam ver protegida dos efeitos da anulação, que também a eles vincula com autoridade de caso julgado, a situação que, posteriormente, em seu benefício tenha sido constituída por um ato consequente do ato anulado, como se fossem terceiros de boa fé em relação ao caso julgado da sentença anulatória” – realce nosso.
Ora, caso em apreço, cita-se as referidas posições doutrinárias e jurisprudencial, não no sentido de a mesma ser transporta de imediato ao caso dos atos, que apenas tem reflexo no âmbito do regime da impossibilidade de manutenção de atos consequentes em sede de processo de execução [embora, como se leu, o próprio acórdão citado “a eventual anulação do ato não pode constituir para eles uma surpresa”, retirando a necessidade de tutela das expectativas], mas para salientar e corroborar a posição aqui assumida que a participação da Contrainteressada no processo judicial que culminou na anulação tem por efeito que tome conhecimento que a manutenção desse mesmo ato é uma álea dependente de uma (sempre) incerta decisão judicial, agravada in casu pelo próprio enquadramento jurídico da questão objeto de apreciação pelo Supremo Tribunal Administrativo, exigindo esforço hermenêutico na articulação de regimes legais [portaria e lei superior].
Com a emanação do ato e a rápida (no prazo legal) impugnação judicial, no qual viria a ser posteriormente anulado, a Contrainteressada não ficou constituída como beneficiária de uma situação merecedora de tutela da confiança legítima, antes estava ou devia estar advertida da situação precária em cujo contexto de manutenção dos efeitos do ato colocado sob apreciação judicial não era seguro nem certo, pelo que a eventual anulação do ato em causa não lhe pôde causar qualquer frustração das expectativas legítimas firmada com aquela prática.
Com efeito, o princípio em análise opera em relação aos atos jurídicos, passando, fundamentalmente, pela emissão de um juízo de valor aplicado a uma conduta de um sujeito de direito quando confrontada com um determinado comportamento anterior.
Não obstante a administração afirmar que o comportamento que deu causa à ilegalidade apenas a si se deve, e que a Contrainteressada não concorreu ou lhe é imputável a causa de invalidade, tal não altera a resolução do caso, admitindo-se até que, fora as situações patológicas de falsas declarações ou conluios ou outras situações equiparáveis, a prática de um ato ilegal é, por regra [sem descuidar da figura da culpa do lesado], imputável à própria Administração [presumindo-se aliás culpa leve na sua prática – vide artigo 10.º, n.º 2, da Lei n.º 67/2007, de 31.12], podendo havendo lugar, conforme os casos, verificados os demais pressupostos, à responsabilidade civil do ente administrativos pela prática do ato administrativo ilegal e cuja prática provocou danos suscetíveis de reparação.
Contudo, na situação em presença deve ser observado e ponderado todo o circunstancialismo envolvido à prática do ato ulteriormente anulado e aos factos juridicamente relevantes e imediatos a que se seguiram à sua prolação, designadamente a existência de um processo declarativo impugnatório que veio abalar a confiança ou segurança, do ponto de vista objetivo e para um cidadão mediano, que resulta da emanação de um ato com determinado conteúdo favorável, pelo simples facto de determinado direito [que não se consolidara por efeito de ausência de impugnação no prazo legal] se tornar litigioso e portanto que depende de uma definição judicial cuja certeza no resultado não pode ser, na maioria dos casos, como sucedeu, tomada como garantida.
Note-se que os autos dão conta que foi impugnada a deliberação datada de 27.09.2002, de homologação da classificação final no âmbito do procedimento concursal para a abertura de farmácia de (...), publicada em 17.10.2002 e impugnada em 12.12.2002, isto é, menos de dois meses após a sua publicação, ficando a partir desse momento – i.e. e já quando procedeu à outorgada do contrato de trespasse da sua anterior farmácia, quando lhe foi atribuído o consequente ato alvará [concedido em 07.06.2004] e mesmo quando efetivou a abertura ao público cfr. factos assentes em M), N) e W) – detentora e consciente da precaridade do benefício que foi destinatária e que resultava do ato sindicado em Tribunal, pelo que não se pode arvorar nem aspirar a possuir legítimas expectativas com a prática do ato anulado, porquanto, com a sua impugnação, tornou-se evidente a precaridade da sua situação em face dos interesses controvertidos.
A aplicação do princípio da proteção da confiança está dependente de vários pressupostos, desde logo, o que se prende com a necessidade de se ter de estar em face de uma confiança “legítima”, o que passa, em especial, pela sua adequação ao Direito e que a confiança na estabilidade do próprio ato seja plausível, não podendo invocar-se a violação [nem ser portadora a Contrainteressada] do princípio da confiança quando este radica na prática de um ato que logo que foi praticado foi objeto, no prazo legal [antes de se formar caso decidido], de sindicância judicial, colocando a parte interessada e com legitimidade processual à consideração do Tribunal um litígio em tribunal, ficando a Contrainteressada advertida que a sua situação de que era beneficiária não era definitiva nem consolidada, antes precária, cabendo ao Tribunal dizer, em definitivo o direito, que, por litigioso, não era, até então, constituinte de legítimas expectativas.
Dependendo a norma que prevê a atribuição da autorização da abertura/manutenção e transferência de farmácias [regime instituído pelo artigo 6.º do DL n.º 171/2012, 01.08], na interpretação aqui sufragada, da presença de legítimas expectativas do beneficiário de ato constitutivo de direito que foi anulado, é evidente que a precaridade da situação em causa revelada com a prática do ato que lhe conferiu uma situação jurídica favorável [ato constitutivo de direito], não permite reconhecer a Contrainteressada como titular de legítimas expectativas advindas da prática e manutenção do ato administrativo que veio a ser anulado, conforme é exigido pelo artigo 6.º do DL n.º 171/2012, de 01.08.
Deste modo, a situação da Contrainteressada não preenche o requisito/pressuposto material previsto no artigo 6.º do DL n.º 171/2012, de 01.08, pelo que não pode beneficiar de um ato autorizativo praticado ao seu abrigo.
Nestes termos, procede o apontado vício de erro nos pressupostos de direito, o que conduz, nos termos do artigo 135.º do CPA, à anulação do ato impugnado.
F. Da alegada violação do caso julgado
Entende a Autora que o artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 171/2012, autorizando a abertura e a transferência de localização da farmácia da Contrainteressada, regula uma situação que foi já decidida pelos tribunais, em termos que a autoridade do caso julgado impedia que à fosse atribuída uma nova farmácia.
(...)
Assim como a norma não viola o princípio da hierarquia das fontes, nem contraria o regime legal das execuções de sentença pela administrativa pública, consagrada no artigo 173.º e ss. do CPC, uma vez que a norma não tem aptidão para atingir o efeito reconstitutivo da sentença que foi plenamente alcançado com a sua graduação no primeiro lugar.
Por todas essas razões, também não se divisa qualquer ofensa ao julgado anulatório, o que permite afastar a invocada ofensa ao caso julgado como causa de nulidade do ato (art. 133.º, n.º 2, al. h) do CPA) e de inconstitucionalidade do artigo 6.º do DL n.º 107/2012, de 01.08.
G. Da alegada violação de princípios constitucionais.
Neste domínio, a Autora sustenta que com a prática do ato em crise a Entidade Demandada violou o princípio da igualdade, boa-fé, justiça, proporcionalidade e confiança, sendo assim nulo por ofenda do conteúdo essencial de um direito fundamental (artigo 133.º, n.º 2, alínea d) do CPA).
(...)
Ante o exposto, sem necessidade de mais indagações, por falta de concretização e densificação do alegado, não se vislumbra que se verifique qualquer violação dos referidos princípios.
H. Da violação dos preceitos que ditam a abertura do procedimento concursal
A Autora imputa ainda a violação do artigo 25.º do Dl n.º 30/2007, de 31 de Agosto, na redação dada pelo DL n.º 171/2012, de 01 de Agosto, e artigo 3.º, n.º 1, da Portaria n.º 352/2012, de 30.10, em virtude de ter sido autorizada a abertura de farmácia, acompanhada de transferência da sua localização, prescindindo-se do concurso público, o que era legalmente imposto.
Assiste razão à Autora.
É por demais evidente que o ato em crise se estribou no artigo 6.º do DL n. 171/2012, de 01.08, ao abrigo do qual, naturalmente, a atribuição do direito à abertura, manutenção e transferência de farmácia não está dependente de prévia realização de procedimento concursal aberto à concorrência, submetido às regras próprias estabelecidas, entre o mais, na Portaria nº 352/2012 de 30.10, mas antes está subordinada à verificação ou preenchimento das condições previstas nesse mesmo dispositivo legal.
Todavia, em perfeita consonância com o predito afirmado quanto ao erro nos pressuposto de direito, que conduz à indelével conclusão que a situação captada nos autos e no ato impugnado não é passível de validamente se subsumir à previsão do artigo 6.º já referido, por arrastamento, fica demonstrado que a atribuição do direito à abertura da instalação de abertura da farmácia da aqui Contrainteressada, acompanhada (ou não) de transferência da sua localização, estava dependente – porque exigível legalmente - de prévia realização de concurso publico.
Ora, embora tal não despolete a violação do artigo 81.º, alínea f), da CRP, dado que em tal norma não se consagra qualquer obrigação especifica de a instalação das farmácia depender do prévio concurso público, nem das demais normas do CCP citadas pela Autora, que são inaplicáveis à situação sub judice [vide âmbito de aplicação do CCP], não se pode escamotear que a emanação do ato com o conteúdo sindicado nos autos, que se traduz na atribuição do direito à instalação/abertura, independentemente da sua efetiva concretização desse procedimento concurso, in casu e a contrario exigível, gera a violação do artigo 25.º, n.1 do Dl n.º 307/2012, de 30.08. e artigo 3.º, n.º 1 da Portaria n.º 352/2012, de 30.12, determinante igualmente da anulação do ato.”

Atentas as nulidades suscitadas, sustentou o tribunal de 1ª Instância a sua Sentença, nos seguintes termos, que aqui se ratificam:
“A Contrainteressada alega que a ausência do elenco da matéria de facto assente de determinada factualidade alegadamente concretizadora da defesa apresentada e essencial à decisão, que identifica, faz incorrer a sentença recorrida em nulidade.
Ora, embora não subsuma a nenhuma das situações tipificadas como geradoras de nulidade da sentença, constante no artigo 615.º, n.º 1, do CPC, não se afigura que a situação reportada comine a sentença com a nulidade.
Como é sabido, o n.º 1, do art. 615.º do Código de Processo Civil (CPC), consagra as causas de nulidade da sentença, preceituando que é nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido. Tais vícios não se podem confundir com erros de julgamento, que são erros quanto à decisão de mérito explanada na sentença, decorrentes de má perceção da realidade factual e/ou na aplicação do direito, de forma que o decidido não corresponde à realidade ontológica ou normativa.
A situação referida pela Contrainteressada consubstancia a alegação de eventual erro de julgamento de facto, por errada valoração e apreciação da prova, pelo que não incorre a sentença em nulidade no domínio apontado.
A Contrainteressada imputa, a título subsidiário, a omissão de pronúncia, a gerar igualmente a nulidade da sentença.
No tocante ao vício consagrado na alínea d) - omissão ou excesso de pronúncia -, cumpre referir, quanto ao excesso de pronúncia tal ocorre quando o Tribunal aprecie ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Só há nulidade, por omissão de pronúncia, quando o tribunal não conheça de questões que devesse apreciar, e não também quando omita o tratamento de razões ou argumentos esgrimidos pelas partes.
Acresce que, como já referia ALBERTO DOS REIS [Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 3ª Ed., 1981, p. 55 e p. 143], impõe-se distinguir, por um lado entre “questões” e, por outro, “razões ou argumentos” […] [-] o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar as suas pretensões”.
Ora, como decorre do teor da sentença, salvo melhor entendimento o tribunal cumpriu o dever funcional de apreciar e resolver as questões submetidas à sua apreciação e enunciou as razões jurídicas consistente no seu entendimento, ponderando os meios probatórios constantes dos autos e todos os elementos considerados essenciais para a ilação jurídica que as partes pretendem extrair em abono das suas teses. Deste modo, salvo melhor entendimento, entende-se que a sentença não padece da aludida nulidade.
Alega ainda a Contrainteressada a preterição de formalidade obrigatória consubstanciada na apensação do processo cautelar n.º 389/13.1BEBRG aos presentes autos, nos termos do artigo 195.º do CPC, radicando a repercussão de tal omissão na decisão final na circunstância de o Tribunal alegadamente não ter considerado a factualidade por si alegada na providência cautelar. Ora, salvo melhor entendimento, entende-se que não foi omitido nenhum ato com relevo na decisão proferida, considerando que, ademais, “nem o julgamento da matéria de facto, nem a decisão final proferida no procedimento cautelar, têm qualquer influência no julgamento da ação principal” (cfr. artigo 364.º, n.º 4, do CPC, aplicável ex vido artigo 1.º do CPTA), pelo que o Tribunal na decisão proferida e ora recorrida não tinha que atender à factualidade apurada em sede cautelar, e por maioria de razão, à matéria alegada pelas partes no mesmo processo cautelar. Deste modo, em virtude de não ser descrita a preterição de qualquer formalidade suscetível de influir no exame ou na decisão da causa, não se afigura procedente a assacada causa de nulidade processual.”

Vejamos:
Em síntese, o Tribunal a quo julgou procedente a presente ação, e em consequência, anulou o despacho do Secretário de Estado e da Saúde, de 02.11.2012, na parte respeitante à autorização para abertura da farmácia “(...)”, acompanhada de transferência de localização.

Da Matéria de Facto
No que aqui releva, pugna desde logo a Recorrente pela alteração da matéria dada como provada, nos seguintes termos:
a) Deve ser aditado o FACTO D.2 - Sempre foi do conhecimento do Infarmed que a Contra Interessada, à data da sua apresentação ao concurso, era proprietária de farmácia, e sempre lhe garantiu, e aos concorrentes proprietários de Farmácia que essa circunstância não eram impeditiva de se apresentarem ao concurso Farma 2001;
b) Deve ser aditado o FACTO D.3 - O INFARMED impunha, como condição de atribuição de novo alvará, à Contrainteressada e demais concorrentes em situações análogas, alienar o alvará de que era proprietária, no caso de ser colocada em primeiro lugar em algum dos concursos em questão, e pretender avançar com o competente processo de instalação.
c) Deve ser aditado o FACTO D.4 - A Contra Interessada tinha prazos previamente definidos para apresentar o documento comprovativo do trespasse
d) Deve ser aditado o FACTO I.2 - Após a homologação e publicação da lista final de candidatos, Contra Interessada tinha prazo de instalação da Farmácia (...), previamente estabelecidos na Lei e na Portaria que regulamentava o Concurso, - Art.º 13 da Portaria n.º 936-A/99 de 22 de Outubro
e) Deve ser aditado o FACTO N.2 - O investimento feito na Farmácia (...) foi realizado na convicção de que, independentemente da impugnação do ato, este não seria anulado, e a farmácia se manteria aberta
f) Deve ser aditado o FACTO N.3 - Foram contratados Farmacêuticos a título definitivo – contrato sem termo – pois a convicção era a de que a Farmácia nunca seria encerrada.
g) Deve ser aditado o FACTO N.4 - A filha da Contra Interessada, R., era licenciada em Medicina Dentária, tendo ingressado posteriormente em Ciências Farmacêuticas em virtude de à sua mãe ter sido atribuído o direito à Instalação de Farmácia
h) Deve ser aditado o FACTO S.1 - Mesmo depois do Acórdão do STA que anulou o Ato Administrativo constitutivo de direitos, e já em sede de execução do mesmo, o Infarmed invocou causas legítimas de inexecução daquela decisão
i) Deve ser aditado o FACTO T.1 - A atuação do Infarmed e bem assim a sua posição assumida nos sucessivos processos judiciais, foi sempre no sentido de defender aquela que sempre havia sido a sua interpretação da Lei quanto à possibilidade de a Contrainteressada ser admitida a concurso
j) Deve ser aditado o FACTO T.2 - Em toda esta sucessão de acontecimentos, O Infarmed sempre garantiu à Contra Interessada que o seu direito iria ser salvaguardado
k) Deve ser aditado o FACTO CC.2 - Caso a Contra Interessada antevisse o desfecho – anulação do ato e encerramento da Farmácia (...) – nunca teria vendido a Farmácia de que era antes proprietária, nem teria avançado para a instalação da Farmácia (...)

Como resulta, entre muitos outros do sumariado no recente acórdão deste TCAN nº 01952/15.1BEPRT, de 17-04-2020, “O Tribunal de recurso só deve modificar a matéria de facto quando a convicção do julgador, em 1.ª instância, não seja razoável, isto é, quando seja manifesta a desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando-se assim a devida relevância aos princípios da oralidade, da imediação e da livre apreciação da prova e à garantia do duplo grau de jurisdição sobre o julgamento da matéria de facto.
Com efeito, em sede de recurso jurisdicional o tribunal de recurso, em princípio, só deve alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, após ter sido reapreciada, for evidente que ela, em termos de razoabilidade, foi mal julgada na instância recorrida.
Pretendendo a recorrente que o tribunal ad quem procedesse à alteração da decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto, sempre teria de indicar, além dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, quais os meios de prova que impunham decisão divergente da adotada.”
Em bom rigor, e como se verá infra em pormenor, e tal como referenciado no Acórdão deste TCAN nº 10/13.8BEMDL, de 17-04-2020, “(...) as questões suscitadas mostram-se predominantemente redundantes, sem acrescentar nada de substancial à factualidade provada, não infirmando o decidido, nem fragilizando a convicção firmada pelo tribunal a quo. (cfr. artº 685º-B, nº1, do CPC – Atual Artº 640º).

É certo que resulta do nº 1 Artº 662º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, que por força do disposto no artigo 140º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos “A decisão do tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação:
a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 685.º-B, a decisão com base neles proferida;
b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insuscetível de ser destruída por quaisquer outras provas; (…)”

Em qualquer caso, as limitações à intervenção modificativa da matéria de facto dada como provada por parte do Tribunal de Recurso, resulta da circunstância deste estar privado da oralidade e da imediação determinante da decisão de primeira instância.

Com efeito, é incontornável que a gravação da prova, por sua natureza, não fornece todos os elementos que foram diretamente percecionados por quem julgou em primeira instância e que ajuda na formação da convicção sobre a credibilidade dos testemunhos.

Como defende Antunes Varela, no Manual de Processo Civil, 2ª edição, página 657:
“Esse contacto direto, imediato, principalmente entre o juiz e a testemunha, permite ao responsável pelo julgamento captar uma série valiosa de elementos (através do que pode perguntar, observar e depreender do depoimento, da pessoa e das reações do inquirido) sobre a realidade dos factos que a mera leitura do relato escrito do depoimento não pode facultar”.

Por outro lado, o respeito pela livre apreciação da prova por parte do tribunal de primeira instância, impõe um especial cuidado no uso dos seus poderes de reapreciação da decisão de facto, e reservar as alterações da mesma para os casos em que ela se apresente como arbitrária, por não estar racionalmente fundada, ou em que seja seguro, de acordo com as regras da lógica ou da experiência comum, que a decisão não é razoável.

Aqui chegados, analisada a prova fixada, não se vislumbra que a mesma impusesse respostas diversas das que foram dadas pelo Tribunal a quo, não se evidenciando qualquer erro, muito menos grosseiro na apreciação da prova, sendo que a factualidade que se pretende introduzir, é, conforme os casos, inútil, redundante, de direito ou conclusiva.

Em qualquer caso, e como se sustentou já em 1ª instância, quaisquer eventuais deficiências na fixação da matéria de facto, ao contrário do invocado, não determinaria a nulidade da Sentença, mas porventura, não mais do que erro de julgamento de facto, o que ainda assim, se não reconhece.

No entanto, e para que não possam subsistir quaisquer dúvidas, infra se analisará sumariamente, caso a caso, cada um dos factos que a Recorrente pretendia incorporar na matéria de facto dada como provada:
FACTO D.2 - Sempre foi do conhecimento do Infarmed que a Contra Interessada, à data da sua apresentação ao concurso, era proprietária de farmácia, e sempre lhe garantiu, e aos concorrentes proprietários de Farmácia que essa circunstância não eram impeditiva de se apresentarem ao concurso Farma 2001;
O referido, mostra-se irrelevante e conclusivo, pois que independentemente do que possa ter sido “assegurado” pelo INFARMED, essa circunstância não condiciona o tribunal relativamente a qualquer decisão que possa adotar, em função do legalmente estatuído.
FACTO D.3 - O INFARMED impunha, como condição de atribuição de novo alvará, à Contrainteressada e demais concorrentes em situações análogas, alienar o alvará de que era proprietária, no caso de ser colocada em primeiro lugar em algum dos concursos em questão, e pretender avançar com o competente processo de instalação.
Mais uma vez a eventual fixação do referido facto mostrar-se-ia irrelevante e conclusivo, sem qualquer influencia no sentido da decisão a proferir.

FACTO D.4 - A Contra Interessada tinha prazos previamente definidos para apresentar o documento comprovativo do trespasse
“Facto” Irrelevante, relativamente ao sentido do decidido e a decidir e conclusivo.

FACTO I.2 - Após a homologação e publicação da lista final de candidatos, Contra Interessada tinha prazo de instalação da Farmácia (...), previamente estabelecidos na Lei e na Portaria que regulamentava o Concurso, - Art.º 13 da Portaria n.º 936-A/99 de 22 de Outubro
Questão de “direito”, insuscetível de ser incluído nos “factos Provados”.

FACTO N.2 - O investimento feito na Farmácia (...) foi realizado na convicção de que, independentemente da impugnação do ato, este não seria anulado, e a farmácia se manteria aberta
“Facto” irrelevante, e conclusivo, uma vez que as decisões, mormente judiciais, não podem atender às convicções de cada um dos candidatos, mormente quando a referida convicção havia assentado, confessadamente, num determinado desfecho de Ação judicial.

FACTO N.3 - Foram contratados Farmacêuticos a título definitivo – contrato sem termo – pois a convicção era a de que a Farmácia nunca seria encerrada.
“Facto” igualmente irrelevante por se limitar, mais uma vez, a assentar numa mera convicção do candidato.

FACTO N.4 - A filha da Contrainteressada, R., era licenciada em Medicina Dentária, tendo ingressado posteriormente em Ciências Farmacêuticas em virtude de à sua mãe ter sido atribuído o direito à Instalação de Farmácia
“Facto” irrelevante e conclusivo

FACTO S.1 - Mesmo depois do Acórdão do STA que anulou o Ato Administrativo constitutivo de direitos, e já em sede de execução do mesmo, o Infarmed invocou causas legítimas de inexecução daquela decisão
“Facto” Irrelevante, pois que a circunstância do INFARMED ter alegadamente invocado “causas legitimas de inexecução daquela decisão” não poderia condicionar as decisões que pudessem vir a ser processual e procedimentalmente proferidas em momento ulterior.

FACTO T.1 - A atuação do Infarmed e bem assim a sua posição assumida nos sucessivos processos judiciais, foi sempre no sentido de defender aquela que sempre havia sido a sua interpretação da Lei quanto à possibilidade de a Contrainteressada ser admitida a concurso
“Facto” irrelevante e conclusivo

FACTO T.2 - Em toda esta sucessão de acontecimentos, O Infarmed sempre garantiu à Contra Interessada que o seu direito iria ser salvaguardado
“Facto” irrelevante e conclusivo, pois que na matéria de facto dada como provada, não são atendíveis quaisquer “garantias” eventualmente asseguradas pelo INFARMED.
FACTO CC.2 - Caso a Contra Interessada antevisse o desfecho – anulação do ato e encerramento da Farmácia (...) – nunca teria vendido a Farmácia de que era antes proprietária, nem teria avançado para a instalação da Farmácia (...)
“Facto” inútil e conclusivo.
Em face de tudo quanto supra se expendeu, não se reconhece pois a necessidade, vinculação ou utilidade de introdução de qualquer dos factos que a Recorrente pugnou por incorporar na matéria dada como provada, sendo que mesmo que assim não fosse, ainda assim os referidos “factos” não teriam a virtualidade de alterar o sentido da decisão proferida ou a proferir.

Acresce que se não reconhece qualquer dos restantes vícios suscitados relativos à factualidade dada como provada.

Dos Vícios de Direito
A sentença recorrida julgou procedente a ação e anulou o despacho objeto de impugnação, na parte respeitante à autorização para abertura da farmácia “(...)”, acompanhada de transferência de localização.

Desde logo, e por ser o normativo à volta do qual assenta o essencial da discussão de direito esgrimida pelas partes, desde já se transcreve o Artº 6º Decreto-Lei n.º 171/2012 de 1 de agosto, por forma a permitir uma mais eficaz e efetiva visualização do que se mostra controvertido:
“(Norma transitória)
Em casos devidamente fundamentados em razões de proteção da saúde pública, de garantia da manutenção da assistência farmacêutica à população de determinado local ou de respeito pelas expectativas criadas pela prática de ato administrativo constitutivo de direitos posteriormente anulado, o membro do Governo responsável pela área da saúde pode, no prazo de 90 dias contados da data da entrada em vigor do presente diploma, mediante proposta do INFARMED, autorizar a abertura, transferência ou manutenção em funcionamento de uma farmácia, desde que em local situado a mais de dois quilómetros da farmácia mais próxima e independentemente da capitação do respetivo município.”

A este respeito, há desde logo um conjunto de circunstâncias, referenciadas na decisão de 1ª instância, que compromete incontornavelmente a pretensão da Recorrente.

Com efeito, em concreto, se é certo que foi originariamente atribuído à aqui Recorrente um alvará da farmácia que posteriormente foi anulado, o que é facto é que a mesma, ainda antes de abrir a farmácia teve conhecimento que o ato tinha sido posto em crise através de um recurso contencioso de anulação, em face do que a sua precaridade potencial era manifesta, comprometendo assim potencialmente as suas expetativas.

Assim sendo, as invocadas expetativas da Recorrente na manutenção do alvará nunca poderiam ser legítimas por se fundavam num ato que veio a ser declarado ilegal.

Efetivamente, o tribunal a quo entendeu que a situação da aqui Recorrente não preenchia o requisito/pressuposto material previsto no art. 6º do DL nº 171/2012 de 1/8, o que não significa que tenha ignorado ou inaplicado o referido normativo, antes tendo entendido que não se aplicava à situação em apreciação, o que aqui se ratifica.

Com efeito, a Sentença recorrida limitou-se a interpretar o referido normativo no sentido de que se teriam de verificar legítimas expectativas do beneficiário do ato constitutivo de direito, o que não foi entendido como estando preenchido na situação controvertida, em face do que se não verificou qualquer usurpação de funções.

Entendeu pois o tribunal que a Recorrente não era titular de legítimas expectativas advindas da prática e manutenção do ato administrativo que veio a ser anulado, tanto mais que não poderia ignorar a precaridade da sua situação, atento o então pendente Recurso Contencioso anulatório.

Defende a Contrainteressada, aqui Recorrente, que “A se pugnar pelo entendimento da douta sentença estar-se-ia a esvaziar do conteúdo a norma legal numa clara violação do princípio da separação de poderes”, o que se não reconhece, pois que legitimas expetativas poderia ter alguém relativamente a um ato que veio judicialmente a ser declarado ilícito, em processo no qual a Recorrente foi parte.

Relativamente à proteção da Confiança que terá sido posta em causa pela decisão recorrida, sempre se dirá que o próprio Tribunal Constitucional já por diversas vezes se pronunciou sobre os requisitos que terão de estar preenchidos para que haja lugar à tutela jurídico-constitucional da “confiança”.

Com efeito, como resulta, entre outros, dos Acórdãos proferidos pelo Tribunal Constitucional nºs 287/90; 128/2009 e 3/2010, para que se verifique a invocada violação da Proteção da Confiança, sempre será necessário que o Estado tenha, designadamente, encetado comportamentos capazes de gerar nos privados “expectativas” de continuidade e que as mesmas se mostrem legítimas, justificadas e fundadas em boas razões.

Aqui, em concreto, não se vislumbra que a Entidade Pública em questão, tenha adotado um comportamento capaz de gerar expectativas legitimas, pois se é verdade que foi à Recorrente atribuído um alvará de farmácia, que posteriormente foi anulado, o que é facto é que, antes de a farmácia abrir, já ao Recorrente sabia que o ato tinha sido posto em causa através de um recurso contencioso de anulação, em processo em que foi parte.

Por outro lado e incontornavelmente, a invocadas expetativas não se mostravam legitimas, pela singela razão de que se fundavam num ato declarado ilícito, tanto mais que, de acordo com os normativos então em vigor, a Recorrente nem poderia sequer ter concorrido ao concurso em causa.

Finalmente, no que concerne ao art. 6º do DL nº 171/2012, diga-se que, em bom rigor, e ao contrário do invocado pela Recorrente, o tribunal não revogou, nem o poderia ter feito, o referido normativo, antes se tendo limitado, legitimamente, a interpretar o mesmo.

Do mesmo modo, não se pode acompanhar a afirmação feita pela Recorrente, de acordo com a qual “o Tribunal a quo ao interpretar o artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 171/2012, no sentido de excluir a sua aplicação por entender que não há confiança legítima do particular que atuou em conformidade com as exigências impostas pela entidade que emitiu o ato anulado é inconstitucional por violação dos princípios da separação de poderes e da confiança”.

Na realidade e sem prejuízo de tudo quanto supra ficou expendido, não basta invocar a verificação em abstrato de qualquer violação de princípio ínsito em lei ordinária ou constitucional, importando que a sua verificação seja densificada e demonstrada, o que não ocorreu.

Como tem vindo a ser reconhecido pela generalidade da Jurisprudência (Vg. o Acórdão do TCA - Sul nº 02758/99 19/02/2004) “não é de conhecer por omissão de substanciação no corpo de alegação, a violação dos princípios Constitucionais, designadamente por interpretação desconforme mormente à Lei Fundamental, se o Recorrente se limita a afirmar a referida desconformidade de interpretação e de aplicação, sem apresentar, do seu ponto de vista, as razões de facto e de direito do discurso jurídico fundamentador nem, sequer, a modalidade a que reverte o vício afirmado.”

No mesmo sentido aponta, igualmente, o Acórdão do STA nº 00211/03 de 29/04/2003, onde se refere que “por omissão de substanciação no articulado inicial e nas alegações de recurso, não é de conhecer da questão da inconstitucionalidade e/ou interpretação desconforme à CRP de normas de direito substantivo …, na medida em que a Recorrente se limita a afirmar, conclusivamente, a referida desconformidade sem que apresente, do seu ponto de vista, as razões de facto e de direito do discurso jurídico fundamentador nem, sequer, a que modalidade reverte o vício afirmado”.

Assim, até por falta de concretização e densificação do alegado, não se vislumbra que se verifique qualquer violação de princípios, mormente constitucionais.
Em qualquer caso, se a Recorrente entende que foi induzida em erro pelo INFARMED, e se é certo que não pode almejar manter na sua posse um alvará que foi judicialmente declarado como tendo sido obtido por via ilícita, pode, isso sim, e se for caso disso, procurar obter, nos termos da Lei n.º 67/2007, de 31.12, uma compensação indemnizatória, desde que faça prova do preenchimento de todos os pressupostos da responsabilidade civil, em decorrência da prática de ato que entenda ter sido causador de danos suscetíveis de reparação.

Considerou ainda o tribunal a quo que terá havido violação do art. 25º/1 do DL 307/2012 de 30/8 e art. 3º/1 da Portaria 352/2012 de 30/12, por ter sido omitida a prévia realização de concurso público.

Efetivamente, como resulta do artigo 25 nº 1 do DL 307/2007 de 31.08, e do nº 1 do artigo 3º da Portaria 352/2012 de 30 de Outubro, o licenciamento de novas farmácias é precedido de concurso público, em face do que viabilizar a abertura de farmácias, sem qualquer concurso público, subverte todo o regime jurídico vigente, consubstanciando-se na violação dos referidos normativos.

No que concerne à colateral questão suscitada, consubstanciada na suposta ausência de apensação do processo cautelar n.º 389/13.1BEBRG à presenta Ação principal, de acordo com o n.º 3, do artigo 113.°, do CPTA, o que determinaria a nulidade da Sentença, diga-se que a referida apensação se mostra meramente instrumental, sendo que a tramitação e decisão de Providência Cautelar, por assentar em pressupostos diversos da Ação Principal, não interfere, nem condiciona esta, pelo que, naturalmente, não influenciou a Sentença Recorrida.

Acresce que, estando a Providência Cautelar devidamente incorporada no SITAF, a sua consulta pelas partes e pelo tribunal é uma realidade insofismável, em face do que se mostra reforçada a afirmação de que a apensação é um ato meramente instrumental, em face do que a eventual ausência formal de tal ato, não determina, nem poderia determinar, a invalidade do processo principal.
Em face de tudo quanto precedentemente ficou expendido, acompanha-se o decidido pelo tribunal a quo, em face do que se negará provimento ao Recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

Em decorrência da decisão que se proferirá, ficou prejudicada a análise do Recurso Subordinado, a qual se mostraria agora, inútil, redundante e de nenhum efeito.
* * *
Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao Recurso Independente, não se conhecendo o Recurso Subordinado, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente A. Guimarães

Porto, 29 de maio de 2020


Frederico de Frias Macedo Branco
Nuno Coutinho
Rogério Martins (Em substituição)