Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00289/23.7BEAVR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/24/2024
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:ROSÁRIO PAIS
Descritores:RAC;
FALTA DE CITAÇÃO;
DÉFICE INSTRUTÓRIO;
Sumário:
I – De acordo com o disposto no artigo 190º, nº 6 do CPPT, e em sintonia com o referido no artigo 195º, alínea e) do CPC (atual artigo 188º, nº 1, alínea e)), para que ocorra falta de citação é necessário que o resptivo destinatário alegue e demonstre que não chegou a ter conhecimento do ato por motivo que não lhe foi imputável.

II – Por isso, o Tribunal deve, ao abrigo do poder/dever de inquisitório, ordenar a realização da prova pertinente para apuramento da verdade dos factos, designadamente e entre outras certamente mais adequadas, a tomada de declarações de parte ao Recorrente.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes da Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


1. RELATÓRIO
1.1. «AA», devidamente identificado nos autos, vem recorrer da sentença proferida em 19.03.2023 no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, pela qual foi julgada improcedente a reclamação que deduziu contra o despacho de 04.04.2023, relativo aos processos de execução fiscal processo n.º ...15, instaurado em 17.08.2017, e apensos, contra si revertidos.

1.2. O Recorrente terminou as suas alegações formulando as seguintes conclusões:
«DO RECURSO DA DECISÃO QUE DISPENSOU A PRODUÇÃO DE PROVA
- Nos art.s 9° a 17° da Reclamação o Executado colocou à apreciação do Tribunal a questão DA FALTA DE CITAÇÃO, tendo alegado que não tomou conhecimento da citação realizada em terceira pessoa, nem foi avisado pela SS que tal citação se havia realizado nos termos do artigo 233.° do Código de Processo Civil.
- O Executado requereu a prestação de declarações de parte, com vista a demonstrar que efectivamente não tomou conhecimento da citação realizada naquela terceira pessoa, nem foi avisado pela SS que tal citação se havia realizado, e fazer prova dos motivos pelos quais não tomou conhecimento.
- O Tribunal, por despacho de 07.06.2023, decidiu: Compulsados os autos considero que, atenta a natureza da matéria controvertida e os elementos juntos aos mesmos, a requerida prestação de declarações de parte mostra-se desnecessária para a decisão da causa, termos em que indefiro a realização da mesma – cfr. artigo 13.°, n.° 1, “a contrario” do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
4°- Pronunciando-se sobre a questão o Tribunal decidiu na sentença final:
(...) Por outro lado, o Reclamante também não prova que a falta de conhecimento da citação ocorreu por facto que não lhe é imputável, como lhe era exigível, por força do n.° 6 do artigo 190.° do CPPT, e nessa medida, recaindo sobre ele o ónus da prova de tal facto sem que o tenha logrado fazer, deverá ser o mesmo valorado contra si. Por tudo o exposto, cumpre improceder o argumento acabado de analisar.
- Os despachos interlocutórios que julguem desnecessária a produção de prova testemunhal, são recorríveis juntamente com o recurso da decisão final. - De acordo com o disposto no artigo 113.°, n.° 1, 2ª parte, do CPPT, se a questão a decidir for também de facto e o processo não fornecer os elementos necessários, o Tribunal deve ordenar as diligências de prova necessárias, nomeadamente a testemunhal e pericial, nos termos do preceituado nos artigos 114.°, 115.°, 116.° e 118.° do CPPT.
- O juiz deve, assim, examinar o processo e aferir da admissibilidade ou não dos meios de prova oferecidos e da necessidade da mesma perante a factualidade controvertida e relevante para a decisão da causa tendo em conta as várias soluções plausíveis da questão de direito.
- A prova requerida pelo executado visava demonstrar factos que são relevantes e essenciais para a decisão da causa, como aliás veio a ser decidido na sentença final, e , como tal, mal andou o Tribunal recorrido ao decidir dispensar a produção da prova requerida.
- Ainda que o Tribunal a quo considerasse que a Reclamação pudesse carecer de concretização acrescida quanto à alegação da matéria, tal consideração não justifica a dispensa da produção da prova, porquanto a falta de citação constituiu matéria de conhecimento oficioso, cabendo ao Tribunal apurar e conhecer os factos necessários ao conhecimento cabal de tal questão – cfr. art. 165° n.° 1 e n.° 4 do CPPT e art. 608° n.° 2 do Código de Processo Civil, sendo que a omissão de tal dever constitui erro de julgamento.
- Para apurar a veracidade dos factos necessários ao conhecimento das questões suscitadas compete também ao Tribunal, atento o disposto nos art°s.13° do CCPT e 99° da LGT, realizar ou ordenar todas as diligências que considerar úteis ao apuramento da verdade, assim se afirmando, sem margem para dúvidas, o princípio da investigação do Tribunal Tributário no domínio do processo judicial tributário, com maior significado em matérias de conhecimento oficioso.
10º - Ao ter julgado que a Reclamação não podia proceder por ausência de “prova que a falta de conhecimento da citação ocorreu por facto que não lhe é imputável”, o Tribunal recorrido incorreu não só em erro de julgamento (por um deficiente juízo valorativo da dispensa de prova testemunhal ou da sua irrelevância para a decisão da causa), como descurou a necessidade de fixação dos elementos de facto pertinentes para a discussão do aspecto jurídico da causa segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito.
11º - Não se mostrando realizadas todas as diligências necessárias ao conhecimento da questão da falta de citação (de conhecimento oficioso), deverá ser ordenada a baixa do processo a fim de serem feitas as diligências de prova e a final decidir de acordo com o que dela resultar.

III – DO DEMÉRITO DA SENTENÇA RECORRIDA - DA PRESCRIÇÃO DAS DÍVIDAS TRIBUTÁRIAS
ANÁLISE CRÍTICA DA DECISÃO RECORRIDA
12º - Debruçando-se sobre as questões suscitadas em sede de Reclamação – designadamente quanto à aplicação do regime do art. 327º do CC à citação para o processo de execução fiscal – o Tribunal recorrido veio a sufragar o entendimento de que os artigos. 48° e 49° da LGT e art. 187° do CRCSPSS são omissos, nada estipulam, quanto aos efeitos da interrupção da prescrição, razão pela, por força do art. 2° da LGT, se impõe a aplicação do art. 327° do CC, por força do disposto no n.° 2 do art. 11° da LGT.
13° - A decisão recorrida padece de flagrante oposição entre os fundamentos da decisão e a decisão que veio a ser proferida, o que conduz à sua nulidade nos termos do art. 125° do CPPT, porquanto apesar de nela se aludir expressamente à existência de um vazio legal (a uma lacuna), a decisão vem a aplicar o regime do Código Civil, não por recurso ao regime da integração de lacunas (art. 10° do CC), mas por recurso à interpretação (aludindo ao n.° 2 do art. 11° da LGT).
14° - Considerando o Tribunal, como considerou, que a lei é omissa, verificando-se uma lacuna, impunha-se a aplicação do regime do art. 10° do CC e 11° n.° 4 da LGT; Pelo contrário, considerando-se que a lei não é omissa, carecendo apenas de ser interpretada, nesse caso aplicar-se-á o regime previsto no art. 11° n.° 1 e n.° 2 da LGT e o regime geral do art. 9° do CC.
DA INEXISTÊNCIA DE LACUNA LEGAL
15° - Na norma do art. 49° da LGT não padece de lacuna, nela se encontrando perfeitamente expressas as causas e os efeitos do regime da interrupção e suspensão da prescrição, o que por si só conduz à inaplicabilidade da norma especial do art. 327° do CC.
16° - A lacuna pode ser de duas categorias bem definidas (i) de previsão ou (ii) de estatuição, existindo lacuna de estatuição quando a lei, contemplando uma categoria de casos, não formula para esta a consequência jurídica; Se há uma lacuna de estatuição, a lei já se pronunciou pelo seu carácter jurídico, pelo que o que é necessário é apenas determinar o regime que lhe corresponde, através da integração da analogia da lei ou analogia do direito.
17° - O tribunal veio a considerar que, contrariamente ao que sucedia na versão do art. 49° da LGT até à revogação do seu n° 2 pela Lei n° 53-A/2006, a norma não dispõe especificamente sobre os efeitos jurídicos da interrupção do prazo de prescrição, concluindo pela existência de uma lacuna de previsão, na medida em que o Tribunal considera que, apesar da norma do art. 49° da LGT prever as causas de interrupção e suspensão da prescrição, não formula para a interrupção a consequência jurídica.
18º - A norma do art. 49° da LGT – até à alteração da Lei n° 53-A/2006 – igualmente não especificava expressamente (e literalmente) se a prescrição tinha efeito duradouro ou instantâneo e, ainda assim, a jurisprudência maioritária considera unanimemente que da norma extraem-se os efeitos instantâneos da interrupção; A norma do art. 49° da LGT – após a alteração da Lei n° 53-A/2006 – não sofreu alterações significativas face à versão vigente desde 2006, designadamente no que respeita à interrupção da prescrição, donde decorre com clareza que o legislador nunca (em nenhuma versão da norma) atribuiu efeito suspensivo (duradouro) ao facto interruptivo que é a citação em processo de execução fiscal; Da análise comparativa da norma do Art. 49° da LGT (antes e depois da alteração da Lei n° 53-A/2006) não resultam razões válidas para se entender que numa versão se extraem os efeitos da interrupção e noutra não, quando quer de numa quer noutra versão alcança-se perfeitamente a vontade do legislador.
19º - Se o legislador tributário tivesse desejado aplicar a regra especial da “interrupção duradoura” prevista no artigo 327° do CC, tê-lo-ia consagrado expressamente, o que não fez, pois não refere a remissão ou transposição dessa regra ou sequer indícios de que a quisesse transpor para o ordenamento tributário.
20º - O legislador deu sinais claros no sentido de manter o efeito da interrupção da prescrição (instantânea) que vigorava antes do regime introduzido pela Lei n.° 53-A/2006, de 29 de Dezembro, ao aprovar uma norma transitória (o artigo 91.° daquele diploma) que estatui expressamente que a revogação operada (do n.° 2 do artigo 49.° da LGT) só se aplica aos prazos em curso em que haja ocorrido uma causa interruptiva ainda não degenerada em suspensiva (pois condiciona essa circunstância ao facto de ainda não ter decorrido o prazo de um ano de paragem do processo por causa não imputável ao sujeito passivo), donde decorre que a interrupção da prescrição mantém a mesma natureza.
21º - O legislador, intencional e expressamente, previu no art. 49° da LGT o regime da prescrição do crédito tributário e as causas e os efeitos interruptivos e suspensivos da prescrição, pelo que só se pode concluir que o legislador “soube exprimir o seu pensamento de forma adequada” (art. 9° n.° 3 do CC) e que, como tal, não se verifica qualquer lacuna.
22º - Se atentarmos à índole, estrutura e previsão integral da norma do art. 49° da LGT, conclui-se que a expressa previsão dos efeitos da interrupção da prescrição - no sentido de se prever especificamente se a interrupção tem efeitos duradouros ou instantâneos - não se trata de matéria que “devia lá estar”, porquanto, mostrando-se previstas as causas de interrupção e suspensão da prescrição, definição de “interrupção” é encontrada nos termos gerais definidos, ou seja, o efeito regra do artigo 326.°, n.° 1 do CC, por isso resultar das regras gerais de interpretação, aplicando o artigo 11.°, n.° 2, da LGT.
23º - A norma do art. art.° 49.° da Lei Geral Tributária apresenta opções coerentes, expressas na sua letra, indicando os factos interruptivos no n.° 1, a impossibilidade de quanto ao mesmo prazo de prescrição funcionarem dois factos interruptivos, no n.° 3, tudo sem prejuízo de se verificarem um ou mais factos suspensivos da prescrição, indicados no n.° 4.
DA INADEQUAÇÃO DA APLICAÇÃO DA NORMA DO ART. 327º DO CC
24° - A norma do artigo 327° do CC é inaplicável à citação realizada no processo de execução fiscal, quer porque é absolutamente inadequada, quer porque não integra qualquer situação análoga nos termos do art. 10° do Código Civil.
25° - Dois casos dizem-se análogos quando neles se verifique um conflito de interesses paralelo, isomorfo ou semelhante – de modo a que o critério valorativo adotado pelo legislador para compor esse conflito de interesses num dos casos seja por igual ou maioria de razão aplicável ao outro.
26° - A norma do art. 327° do CC consubstancia uma norma especial, em relação ao regime regra definido no art. 326.° do CC., pelo que tratando-se de uma norma especial não poder se estendida por analogia. – art. 11° do CC.
27° - No art. 327° do CC estão em causa hipóteses de interrupção fundadas no exercício judicial do direito pelo credor, em que estamos perante um processo judicial que virá a terminar com uma decisão judicial, o que justifica um regime especial; O processo de execução cível (regulado nos arts. 702º e ss do Código de Processo Civil) tem natureza judicial, é tramitado por uma entidade autónoma e imparcial relativamente ao credor (exequente) e devedor (executado), o Agente de Execução; É a este Agente de execução, enquanto órgão processual, que incumbe a direção e gestão do processo em tudo o que não configure matéria jurisdicional, sendo esta reservada ao juiz.
28° - Pelo contrário, o processo de execução fiscal, apesar de lhe ser atribuída natureza judicial no art. 103º da LGT, é na sua essência organicamente administrativo, na medida em que se materializa na prática de uma série sequencial de atos funcionalmente orientados para cobrança dos créditos previstos no artigo 148.° do CPPT, que é tramitado na sua totalidade pela Administração Tributária, entidade que tem o domínio e a competência para a tramitação do processo e em que intervenção do juiz assume uma natureza verdadeiramente residual.
29º - O processo de execução fiscal tem uma natureza transversalmente oposta aos processos judiciais a que a norma do 327° do CC se aplica, não se tratando, portanto, de casos análogos, pelo que a sua aplicação ao processo de execução fiscal viola o princípio da igualdade que impõe que casos semelhantes ou conflitos de interesses semelhantes devem ter um tratamento semelhante.
30º - Ao contrário do que sucede no âmbito dos processos judiciais que são objecto de aplicação do art. 327° do CC, no processo de execução fiscal não existe qualquer decisão judicial que ponha termo ao processo, pelo que a aplicação da norma do n.° 1 do art, 327° do CC à citação para o processo de execução fiscal cria um inadmissível instrumento de suspensão favorável à Administração Tributária e ao IGFSS que contribuirá para a eternização da pendência do processo, que administrativamente tramita.
31º - A declaração em falhas não pode ser equiparada à “decisão que ponha termos ao processo” para efeitos do n.° do art. 327° do CC, porquanto,
(i) a execução, por definição, não termina, excepto se ocorrer o pagamento da dívida ou a sua anulação (cf. artigo 176.° do CPPT);
(ii) A declaração em falhas (cf. artigo 272.° do CPPT) não é uma forma de extinção do processo de execução, constituindo apenas uma forma de sustar as diligências coercivas por falta de bens penhoráveis naquele momento (pois se mais tarde surgirem novos bens na esfera do devedor, retomam-se as diligências coercivas),
(iii) é o órgão da execução fiscal, isto é, a Administração, isto é, o credor, a entidade que tem o domínio e a competência exclusiva para a tramitação do processo de execução fiscal e para a emissão da declaração em falhas, pelo que cabe ao credor se e quando considera existir fundamento para a declaração do processo em falhas – art. 272º do CPPT.
32° - Acresce que, inexiste no processo de execução fiscal, qualquer válvula de escape que permita ao devedor reagir perante a inércia do credor, tal como sucede no processo judicial executivo, no âmbito do qual se mostra previsto o instituto da deserção da instância (artigo 281.° n.° 5 do Código de Processo Civil) e que, por força do n.° 2 do art. 327° do CC, conduz a que o novo prazo prescricional comece a contar desde a interrupção, nos termos do artigo 326°.
33° - Pelo contrário, no âmbito do processo de execução fiscal inexiste qualquer instituto na lei aplicável ao processo de execução fiscal que conceda ao devedor uma garantia similar à que se mostra prevista no artigo 281.° n.° 5 do Código de Processo Civil e n.° 2 do art. 327° do CC, isto é, inexiste qualquer medida que garanta os direitos do devedor perante a inércia do credor (e simultaneamente entidade competente para a tramitação da execução), o que se impõe por razões de certeza e de segurança.
34° - Enquanto que no domínio das relações jurídico-privadas, uma vez obtido o título executivo, o credor goza de um prazo de prescrição alargado para executar o título obtido (art.° 311.° do Código Civil), diversamente, nas relações jurídico tributárias, aplicando-se o regime do art. 327° do n.° 1 do CC, o credor emite o título executivo (administrativamente), executa-o utilizando os seus próprios serviços e pode manter a execução fiscal pendente por mais de 5, 8, 20 ou 30 anos....
35° - A aplicação da norma do art. 327° do CC não tem cabimento no plano tributário, desde logo porque a citação (aqui, a causa interruptiva), sendo efetuada pela Administração Fiscal, e não ao abrigo de qualquer processo judicial, não tem natureza judicial.
DA ILEGALIDADE DA APLICAÇÃO DO REGIME PRESCRICIONAL CIVIL
36º - Por força do disposto no n.° 4 do art. 11° da LGT e dos princípio da separação de poderes, da legalidade e da reserva de lei (art. 2°, 3°, 110°, n.°1, 111°, n° 1 e 1695° n.° 1 al. b) todos da CRP), a aplicação do regime do art. 327° n.° 1 do CC é ilegal, já que as lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República não são susceptíveis de integração analógica.
37º - As normas que regulam o regime da prescrição da obrigação tributária, inclusivamente as relativas ao regime da sua suspensão e interrupção, inserem-se nas «garantias dos contribuintes», pelo que se inclui na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República legislar sobre essa matéria.
38º - A aplicação do regime do art. 327° do CC, enquanto regime expressamente previsto para as relações jurídicas privadas (e não para as relações juridico-tributárias), consubstancia uma medida de recurso à analogia que é proibida por lei, independentemente do meio através do qual a mesma se faça.
39º - Portanto, não pode o julgador, seja através da integração de lacunas, seja através da interpretação, criar, por aplicação da norma do n.° 1 do art. 327° do CC (e do efeito duradouro da prescrição nele previsto), um regime de suspensão da prescrição, por se tratar de matéria subordinada ao princípio da legalidade e ao princípio da reserva de lei, sob pena da violação das normas constitucionais dos art. 103°, n.° 2, al. i) e n.° 1 do art. 165° da CRP.
DA ADEQUADA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DA NORMA DO ART. 49º DA LGT
40º - Às dívidas perante dívidas da Segurança Social, aplica-se o regime da suspensão e interrupção da prescrição previsto no art. 49° da LGT.
A interpretação da norma está intrinsecamente ao seu elemento literal, isto é, ao sentido do texto da norma, sendo que a letra é sempre o ponto de partida e de chegada para o limite da interpretação, presumindo-se que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados – art. 9° do CC.
41º - Da análise das sucessivas versões da norma resulta que o legislador foi mantendo a previsão da suspensão do prazo de prescrição “Enquanto não houver decisão definitiva ou transitada em julgado, que ponha termo ao processo, nos casos de reclamação, impugnação, recurso ou oposição, quando determinem a suspensão da cobrança da dívida”, donde se depreende que o legislador optou sempre pela suspensão do prazo de prescrição por via força da pendência de oposição à execução fiscal ou da pendência dos processos de reclamação/impugnação/recurso dos actos tributários que dão causa à execução e, consequentemente, que o legislador pretendeu que a citação para a execução fiscal não tenha efeito suspensivo (duradouro) do prazo de prescrição.
42º - Da letra da lei (art. 49° da LGT) decorre que o legislador pretendeu prever que (i) com início de qualquer processo administrativo ou judicial tendente à discussão do acto tributário (reclamação, recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo) e, bem assim, com a citação para a execução fiscal, o prazo de prescrição em curso considera-se interrompido, (ii) enquanto não houver decisão definitiva ou transitada em julgado, que ponha termo ao processo (nos casos de reclamação, impugnação, recurso ou oposição) quando determinem a suspensão da cobrança da dívida, o prazo de prescrição fica suspenso; donde decorre com evidente clareza que só se pode suspender aquilo que está a decorrer.
43° - O facto suspensivo é um facto complexo ou combinado, ao passo que o facto interruptivo é um facto simples ou singular, pelo que, à citação para a execução fiscal não pode, simultaneamente, ser atribuído efeito interruptivo e efeito suspensivo da prescrição.
44° - Se atentarmos à unidade e lógica da norma do art. 49° da LGT,
conclui-se que a norma do 327° do CC não tem cabimento, porquanto:
(i) a norma do n.° 1 do art. 49° da LGT alude, como causas de interrupção da prescrição, para além da citação, à reclamação e à impugnação da liquidação do tributo e quanto a estas, como está bom de ver, não existe qualquer citação do devedor tributário, o que conduz à inaplicabilidade do regime do art. 327° do CC,
(ii) a norma do n.° 1 do art. 49° da LGT alude, como causas de interrupção da prescrição, para além da citação, à reclamação e recurso hierárquico da liquidação do tributo e estes consubstanciam processos administrativos (e não judiciais), o que conduz à inaplicabilidade do regime do art. 327° do CC,
(iii) a interpretação sufragada pelo Tribunal recorrido, conduziria à perversidade de, às causas de interrupção previstas no n.° 1 do art. 49° da LGT, serem aplicáveis diferentes efeitos à interrupção, nuns casos o regime regra (efeito instantâneo) e noutros o regime excepcional (efeito duradouro), o que não se concede.
45° - Da letra da norma do art. 49° da LGT e da sua unidade e lógica apenas se extrai que a interrupção legalmente prevista tem os efeitos previstos no art. 326° do CC, no sentido de que inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo, porquanto só assim se justifica que tal prazo (reiniciado) possa suspender-se, por exemplo, enquanto não houver decisão definitiva ou transitada em julgado, que ponha termo ao processo, nos casos de reclamação, impugnação, recurso ou oposição, quando determinem a suspensão da cobrança da dívida, OU na pendência de reclamação a que se refere o artigo 276.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário quando desta resulte a impossibilidade de praticar atos coercivos no respetivo processo de execução.
46° - Se se entendesse que a citação tem efeitos interruptivos duradouros da prescrição, ficaria por esclarecer a que casos se aplicam as situações previstas no n.° 4 do art. 49° LGT, caindo-se, até, num vazio legal e na total incongruência da norma.
47° - De acordo o regime geral, a interrupção prefigura-se como instantânea e a suspensão leva a que o prazo não corra enquanto a causa se mantiver (ou seja, reconduz-se a situações de natureza duradoura e não instantânea), pelo que não tendo o legislador optado por prever expressamente a aplicação do regime especial da interrupção duradoura da prescrição, só pode concluir-se pela previsão do regime geral da interrupção instantânea da prescrição.
48° - O Tribunal recorrido incorreu em manifesto erro de julgamento quanto decidiu que à interrupção da prescrição verificada por força do n.°1 do art. 49° da LGT se aplica o regime do art. 327° do CC, porquanto, ainda que o Tribunal considerasse necessário lançar mão da aplicação subsidiária das normas civis à luz do art. 2° da LGT, ou da interpretação da norma do art. 49° da LGT à luz da unidade do sistema (art. 9° do CC), ou da busca na lei civil do significado dos conceitos jurídicos da prescrição nos termos do n.° 2 do art. 11° da LGT, em qualquer dos casos:
(i) O Tribunal não pode interpretar a lei para além daquele que é o seu sentido literal e a interpretação de que a citação no processo de execução interrompe o prazo de prescrição e simultaneamente suspende o prazo de prescrição até ao transito em julgado da sentença que puser termo ao processo (por força do efeito duradouro da interrupção), não tem apoio no texto legal, já que dele não se extrai a mínima vontade do legislador em atribuir efeito duradouro à interrupção;
(ii) O Tribunal não pode interpretar a lei sem atender ao pensamento legislativo e sem considerar as sucessivas redações da lei, que nos conduzem inequivocamente à conclusão de que o legislador, mesmo após a revogação do n.° 2 do art. 49° da LGT (com a redacção introduzida pela Lei n.° 53-A/2006, de 29/12), pretendeu manter o efeito instantâneo da interrupção;
(iii) O Tribunal não pode interpretar a norma em sentido contrário à unidade do sistema normativo; a interpretação sufragada pelo Tribunal recorrido conduz a absurdos jurídicos que conduzem ao esvaziamento das causas de suspensão do prazo prescricional.
(iv) O Tribunal não pode aplicar subsidiariamente uma norma que contempla um regime especial – como é o caso da norma do n.° 1 do art. 327° do CC, pois o recurso à aplicação subsidiária está limitada à aplicação do regime regra (tanto mais que a norma do art. 327° do CC se mostra incompatível com as especificidades do processo de execução fiscal, em tudo divergentes do processo de execução cível);
(v) O Tribunal não pode fazer uma aplicação supletiva das normas civis, suprindo algo que considera não se mostrar previsto na norma do art. 49° da LGT, pois a aplicação supletiva não se mostra legalmente prevista e, in casu, a prescrição constitui matéria de garantia dos contribuintes, sujeita ao princípio da legalidade tributária.
(vi) O Tribunal não pode, independentemente do meio através do qual o faz (interpretação analógica, aplicação subsidiária, interpretação da lei ou busca do conceito jurídico no ordenamento) recorrer à analogia, equiparando a citação para a execução fiscal à citação para o processo de execução cível, pois é ilegal a colmatação de lacunas no domínio coberto pela reserva de lei fiscal.
(vii) O Tribunal, na busca da definição do conceito jurídico utilizado (interrupção da prescrição) nas normas de direito civil, apenas podia aplicar a norma do artigo 326.°, n.° 1 por essa resultar das regras gerais de interpretação, aplicando o artigo 11.°, n.° 2, da LGT.
DA INCONSTITUCIONALIDADE DECORRENTE DA APLICAÇÃO DO REGIME DO ART. 327º DO CÓDIGO CIVIL
49º - A interpretação da norma do art. 49° da LGT segundo a qual aos efeitos da interrupção da prescrição se aplica o n.° 1 do art. 327° do CC – no sentido de que a citação para a execução fiscal interrompe o prazo de prescrição e que este apenas inicia a sua contagem depois da decisão que puser termo à execução - é inconstitucional por violação do princípio da separação de poderes, da legalidade e da reserva de lei (art. 2º, 3º, 110º, n.º1, 111º, nº 1 e 1695º n.º 1 al. b) todos da CRP),
50º - A interpretação da norma do art. 49° da LGT segundo a qual aos efeitos da interrupção da prescrição se aplica o n.° 1 do art. 327° do CC - no sentido de que a citação para a execução fiscal interrompe o prazo de prescrição e que este apenas inicia a sua contagem depois da decisão que puser termo à execução - é inconstitucional por violação dos princípios da justiça, da defesa das garantias processuais, da igualdade e da proporcionalidade (artigos 13º , 18º, 20º, 266º, nº 2 e 268º n.º 4 todos da CRP).
51º - A interpretação da norma do art. 49° da LGT segundo a qual aos efeitos da interrupção da prescrição se aplica o n.° 1 do art. 327° do CC – no sentido de que a citação para a execução fiscal interrompe o prazo de prescrição e que este apenas inicia a sua contagem depois da decisão que puser termo à execução – é inconstitucional por violação do princípio da segurança e certeza jurídica (art. 2º da CRP), e da tutela jurisdicional efectiva (art. 20º da CRP).
52º - Estando em causa nos autos dívidas de 2011 a 2015 e vindo a considerar-se que o Executado foi citado para o processo de execução fiscal em 09.05.2014, já muito que se mostra decorrido o prazo de prescrição (de 5 anos).
Termos em que, dando-se provimento ao recurso,
a) Deve ser revogado o despacho de 07.06.2023 que dispensou a produção de prova, ordenando-se a baixa do processo a fim de serem realizadas as diligências de prova necessárias à decisão da questão jurídica da falta de citação;
b) Deve ser revogada a sentença recorrida e substituída por outro nos moldes propugnados,
Fazendo-se desta forma JUSTIÇA.»

1.3. O Recorrido Instituto Gestão Financeira Segurança Social, IP., notificado do presente recurso não apresentou contra-alegações.


1.4. O DMMP junto deste TCAN teve vista dos autos e remete para o parecer emitido pelo STA com o seguinte teor:
«1. Objeto do recurso
Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, datada de 19.07.2023, que julgou improcedente a presente reclamação de atos do órgão de execução fiscal, instaurada contra o despacho datado de 04.04.2023, que indeferiu o requerimento do reclamante suscitando as questões de reconhecimento de falta de citação, de prescrição das dívidas em execução e de falta de preenchimento dos pressupostos da reversão, relativo aos processos de execução fiscal contra si revertidos por despacho do Coordenador da Secção de Processo Executivo de ... do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. de 08.05.2014
Cumpre emitir parecer sobre as questões colocadas pelo recorrente, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações.
2. Alegações do recorrente
Nas suas alegações o recorrente impugna a sentença que julgou improcedente a reclamação judicial, mas também o despacho interlocutório datado de 5.06.2023 que indeferiu a diligência por si requerida de prestação de depoimento de parte.
Ou seja, o recurso interposto pelo reclamante assenta em dois fundamentos:
- ao ter julgado que a reclamação não podia proceder por ausência de “prova que a falta de conhecimento da citação ocorreu por facto que não lhe é imputável”, o tribunal recorrido incorreu não só em erro de julgamento (por um deficiente juízo valorativo da dispensa de prova testemunhal ou da sua irrelevância para a decisão da causa), como descurou a necessidade de fixação dos elementos de facto pertinentes para a discussão do aspecto jurídico da causa segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito;
- o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento quando decidiu que à interrupção da prescrição verificada por força do n.º1 do artigo 49.º da LGT se aplica o regime do artigo 327.º do Código Civil, porquanto as matérias referentes à interrupção e suspensão da prescrição encontram-se suficientemente reguladas na LGT, não se exigindo, por inexistência de qualquer lacuna o recurso à aplicação subsidiária das regras do Código Civil, sendo que tal regime, caso assim se não entenda, se traduz na consagração de um prazo ilimitado e, como tal, violador dos princípios constitucionais da igualdade e da segurança jurídica.
Decorre do artigo 644.º do CPC, aplicável ex vi do artigo 2º, alínea e) do CPPT que tal despacho interlocutório pode ser impugnado conjuntamente com a decisão final, pelo que importará conhecer de tal recurso.
3. Recurso do despacho interlocutório
3.1. Como se deixou dito, o recorrente «AA» vem interpor recurso da sentença do TAF de Aveiro, que julgou a reclamação de atos do órgão de execução fiscal improcedente, para o Supremo Tribunal Administrativo, bem como do despacho interlocutório datado de 5.06.2023 que indeferiu a diligência por si requerida de prestação de depoimento de parte.
Todavia, como se referiu, o reclamante impugna igualmente o despacho interlocutório que indeferiu a diligência de prova por si oferecida, por considerar que a diligência requerida de declarações de parte se mostrava desnecessária para a decisão da causa.
3.2. O reclamante defendeu que a citação para a execução fiscal se terá verificado por carta registada com aviso de receção, tendo o aviso sido assinado por terceira pessoa, sem que, no entanto, tenham sido cumpridas as regras impostas à realização da citação, sustentando que desconhece a identidade de quem recebeu a carta, não tendo tomado conhecimento da citação realizada naquela terceira pessoa, concluindo pela falta da citação.
A douta sentença recorrida decidiu que o reclamante não provou que a falta de conhecimento da citação ocorreu por facto que não lhe é imputável, como lhe era exigível, por força do n.º 6 do artigo 190.º do CPPT, e nessa medida, recaindo sobre ele o ónus da prova de tal facto sem que o tenha logrado fazer, deverá ser o mesmo valorado contra si.
Em sede de recurso vem impugnar o despacho interlocutório que julgou desnecessária a produção de prova por considerar que a requerida diligência de declarações de parte se mostrava desnecessária para a decisão da causa. E concluiu que não se mostrando realizadas todas as diligências necessárias ao conhecimento da questão da falta de citação, deverá ser ordenada a baixa do processo a fim de serem feitas as diligências de prova e a final decidir de acordo com o que dela resultar.
Ora, de tal conclusão resulta que o recorrente questiona o juízo valorativo da dispensa de prova testemunhal ou da sua irrelevância para a decisão da causa. Ou seja, questiona a apreciação da prova por parte do tribunal a quo, defendendo que a mesma foi incorretamente julgada.
Tendo sido interposto recurso do despacho que indeferiu a diligência de declarações de parte e da sentença que julgou improcedente a reclamação judicial, aquele logra prioridade de conhecimento sobre este, na medida em que o seu provimento pode implicar a anulação do processado ulterior. Todavia, ao contrário do pretendido pelo recorrente, a realização da diligência de prova requerida em nada alteraria a factualidade apurada, uma vez que resulta demostrado que a citação foi efetuada na morada correta, mas em pessoa diversa do citando.
Nestes termos, concluímos que a eventual procedência do recurso do despacho interlocutório não seria susceptível de modificar a decisão final que decidiu julgar improcedente a reclamação judicial instaurada.
4. Prescrição das dívidas exequendas
4.1. O recorrente defende a prescrição das dívidas exequendas e assenta a sua argumentação em dois considerandos:
- as matérias referentes à interrupção e suspensão da prescrição encontram-se suficientemente reguladas na Lei Geral Tributária, não se exigindo, por inexistência de qualquer lacuna que cumpra integrar ou suprir, o recurso à aplicação subsidiária das regras do Código Civil;
- a interpretação do n.' 1 do artigo 327.' do Código Civil, da qual resulta que com a citação ou qualquer notificação realizada no processo de execução fiscal o prazo de prescrição não corre, traduz-se, na prática, na consagração de um prazo ilimitado e, como tal, violador dos princípios constitucionais da igualdade e da segurança jurídica.
4.2. É jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo que o ato de citação no processo de execução fiscal tem um duplo efeito relativamente ao prazo de prescrição: efeito interruptivo instantâneo e efeito suspensivo duradouro.
Como se decidiu no acórdão do STA de 2.09.2020 (P. 0705/19.2BELLE):
“A jurisprudência reconhece à interrupção da prescrição decorrente da citação do executado (n.º 1 do artigo 49.º da LGT) um duplo efeito: a inutilização para a prescrição de todo o tempo até então decorrido (efeito instantâneo, decorrente do n.º 1 do artigo 326.º do CC) e o novo prazo de prescrição não voltar a correr enquanto não transitar em julgado a decisão que puser termo ao processo (efeito duradouro, decorrente do n.º 1 do artigo 327.º do CC).
O reconhecimento desse efeito duradouro não viola os princípios constitucionais da legalidade, da certeza e da segurança jurídicas nem as garantias dos contribuintes.”
4.3. O recorrente propugna que o referido duplo efeito atribuído ao ato de citação fere princípios constitucionais dado que, na prática, torna o prazo de prescrição ilimitado.
Na verdade, a lei tributária não contém uma definição de prescrição e nada estipula quanto aos efeitos dos factos interruptivos e suspensivos do respetivo prazo, porquanto tal matéria pressupõe a aplicação do direito comum.
Tendo o acórdão n.º 122/2015 do Tribunal Constitucional decidido não julgar inconstitucionais as normas constantes do artigo 49.º, números 1 e 2 da Lei Geral Tributária (na redação anterior à da Lei n.º 53-A/2006, de 29/12), “na interpretação segundo a qual a apresentação de impugnação judicial protela o início do prazo de prescrição para o momento em que a impugnação judicial transitar em julgado, e de que a subsequente pendência de processo de execução fiscal, por sua vez, protela ainda mais o início do prazo de prescrição, para o momento em que o processo de execução fiscal terminar, quando tenha sido neste processo de execução fiscal que se verificou o facto com efeito interruptivo da prescrição que ainda perdura […] por não se mostrar ofendido o princípio da segurança jurídica nem cabendo a invocação das expetativas legítimas do contribuinte a ver prescrita a dívida tributária na pendência do processo de impugnação judicial, ou, bem assim, do processo de execução fiscal que prosseguirá os seus termos em face da improcedência daquela impugnação.”1 Disponível em www.tribunalconsütucional.pt
Assim, ao contrário do defendido pelo recorrente, como acentua o Tribunal Constitucional, as causas da interrupção da prescrição e os seus efeitos não contendem com as garantias de defesa e protecção jurisdicional do contribuinte, pois não impedem o andamento de nenhum processo nem interferem com a prolação da decisão respetiva.
4.4. Em suma, importa concluir que a sentença recorrida, ao decidir que as dívidas exequendas não estão prescritas, fez correta interpretação dos preceitos legais aplicáveis, pelo que não merece censura.
5. Conclusão
Em face do exposto, somos do parecer que deve ser negado provimento ao recurso interposto e, em consequência, ser mantida a douta sentença do TAF de Aveiro.».

*
Dispensados os vistos legais, nos termos do artigo 36º, nº 2, do CPTA, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.
*
2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do Recorrente, cumpre apreciar e decidir se a sentença recorrida enferma de erros de julgamento, por um lado, ao não ter determinado a produção e prova quanto à alegada falta de citação e, por outra banda, ao concluir que as dívidas exequendas não se encontram prescritas, por força do efeito interruptivo duradouro atribuído à citação.


3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO
3.1.1. Factualidade assente em 1ª instância
A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de facto:
«FACTOS PROVADOS
1) Entre 2011 e 2013 foram instaurados na SPEA- IGFSS contra a devedora originária [SCom01...], LDA, com o NIPC ...89, para cobrança coerciva de dívidas ao Sistema de Segurança Social, os processos de execução fiscal nº ...15 [Contribuições - 2011/06] e apensos - n.º ...23 [Juros - 2011/06], n.º ...83 [Contribuições - 2011/07 a 2011/09], n.º ...91 [Cotizações - 2011/07 a 2011/09], n.º ...65 [Cotizações - 2011/010 a 2012/01], n.º ...73 [Contribuições - 2011/10 a 2012/01], n.º ...19 [Contribuições - 2011/01 a 2011/03, 2011/05 a 2012/01], n.º ...94 [Cotizações - 2011/02, 2011/03, 2011/05 a 2012/01], n.º ...59 [Contribuições - 2012/02 a 2012/04], n.º ...67 [Cotizações - 2012/02 a 2012/04], n.º ...10 [Contribuições - 2012/05 e 2012/06], n.º ...29 [Cotizações - 2012/05 e 2012/06], n.º ...93 [Cotizações - 2012/06 e 2012/07], n.º ...07 [Contribuições - 2012/06 e 2012/07], n.º ...55 [Contribuições - 2012/08 a 2012/10], n.º ...63 [Cotizações - 2012/08 a 2012/10], n.º ...12 [Cotizações - 2012/11 e 2012/12], n.º ...20 [Contribuições - 2012/11 e 2012/12], n.º ...62 [Cotizações - 2012/11 a 2013/01], n.º ...89 [Contribuições - 2012/11 a 2013/01], n.º ...97 [Cotizações - 2013/01 a 2013/03], n.º ...00 [Contribuições - 2013/01 a 2013/03], n.º ...72 [Cotizações - 2013/02], n.º ...02 [Contribuições - 2013/02], n.º ...99 [Cotizações – 2013/02 a 2013/05], n.º ...10 [Contribuições – 2013/02 a 2013/05], n.º ...91 [Contribuições – 2013/05 a 2013/08], n.º ...05 [Cotizações – 2013/05 a 2013/08], n.º ...63 [Cotizações – 2013/06 a 2013/08] e n.º ...80 [Contribuições – 2013/06 a 2013/08] - Cf. certidões de dívida e despacho de reversão juntos a fls. 1 a 276 do Processo de Execução Fiscal (PEF) e informação constante a pág. 4 a 7 do sitaf.

2) Em 17.03.2014 foi o ora Reclamante notificado para o exercício do direito de audição prévia em sede de reversão, no processo n.º ...15 e apensos (...83, ...91, ...65, ...73, ...19, ...94, ...59, ...67, ...10, ...29, ...93, ...07, ...55, ...63, ...12, ...20, ...62, ...89, ...97, ...00, ...99, ...10, ...91, ...05, ...63 e ...80) - Fls. 165 a 167 do PEF.

3) Em 28.03.2014 o ora Reclamante, por ofício remetido sob registo postal n.º RD.............12PT, exerceu o direito de audição prévia - Fls. 168 a 174 do PEF.

4) Foi proferido despacho de reversão contra o ora Reclamante, relativamente ao processo n.º ...15 e apensos (...83, ...91, ...65, ...73, ...19, ...94, ...59, ...67, ...10, ...29, ...93, ...07, ...55, ...63, ...12, ...20, ...62, ...89, ...97, ...00, ...99, ...10, ...91, ...05, ...63 e ...80), pelo valor global de € 423.293,47, sendo a quantia exequenda de € 375.410,24, e o total de acrescidos de € 47.883,23 - cfr. Fls. 165 a 167 e 175 do PEF;

5) A SPEA-IGFSS remeteu o ofício de citação pessoal por reversão por via postal registada com o aviso de receção n.º RF.........863PT, tendo por base os processos constantes no ponto antecedente, do qual se extrata o seguinte:
“(...) OBJECTO FUNÇÃO DA CITAÇÃO Pelo presente fica citado(a) do que é executado por reversão nos termos do Art.º 160 do C. P. P. T., na qualidade de Responsável Subsidiário para, no prazo de 30 (trinta) dias a contar desta citação, pagar a quantia exequenda do 375.410,24 EUR de que era devedor(a) o(a) executado(a) infra indicado(a), ficando ciente de que se o pagamento se verificar no prazo acima referido, não lhe serão exigidos juros de mora nem custas. Mais fica citado de que poderá requerer o pagamento em regime prestacional nos termos do Art.º 196º do C.P.P.T. e Art. 13º do Decreto-Lei nº 42/2001 do 9 do fevereiro, e/ou a dação em pagamento nos termos do Art. 204º do mesmo código ou então deduzir oposição judicial com base nos fundamentos previstos no Art.º 204º do Código do Procedimento e do Processo Tributário. Informa-se ainda que, nos termos do n.º 4 do artigo 22.º da Lei Geral Tributária a contar da data da citação, poderá apresentar reclamação graciosa ou deduzir impugnação judicial com base nos fundamentos previstos no Art.º 99º e prazos estabelecidos nos artigos 70º e 102º do C.P.P.T.. Decorrido aquele prazo sem que tenha sido efetuado o pagamento da divida exequenda, para alem do perder o benefício da dispensa do pagamento dos juros de mora e acrescido, e sem que exista, nos termos do Art.° 169° do C. P. P. T., motivo para suspender a execução, a mesma prosseguirá a tramitação legal, designadamente para efeitos da PENHORA DE BENS e demais diligencias prescritas no Código do Procedimento e do Processo Tributário.
(...)
IDENTIFICAÇÃO DA DÍVIDA EM REVERSÃO QUANTIA EXEQUENDA: 375.410,24 € ACRESCIDOS: 47.883,23 € TOTAL: 423.293,47 €.
O Total de Acrescidos é constituído por juros do mora e custas processuais. Os juros de mora estão calculados com referência ao mês de maio de 2014, continuando-se a vencer juros per cada mês de calendário ou fração. As custas são atualizadas em função da fase processual e encargos. Sobre as coimas e multas não incidem juros de mora. (...)” – cfr. Fls. 176 a 183 do PEF.

6) Em 09.05.2014 o ofício de citação identificado no ponto antecedente foi assinado por «BB», com o número de identificação ...21, na morada Rua ..., ..., ... ... – cfr. Fls. 184 e 185 do PEF.

7) Em 16.01.2023 o Reclamante remeteu, via email, à Secção de processo Executivo de ..., requerimento com vista a: a) ser declarada a nulidade insanável por falta de citação; b) ser declarada a prescrição das dívidas; c) ser declarada a ilegalidade da reversão das dívidas contra o executado. - Fls. 333 a 443 do PEF.

8) Em 20.03.2023, foi produzida pelos Serviços da SPEA-IGFSS a informação/proposta n.º ...36/VL/2023 com o assunto “Análise Prazo Prescricional”, da qual se extrata o seguinte:
“(...)
Face ao supra exposto, propõe-se o indeferimento do requerimento no que à arguição de nulidade insanável por falta de citação, diz respeito, por não se verificar qualquer nulidade nos termos da al. a) do n.º 1 do art.º 165.º do CPPT.
Tendo em conta o efeito interruptivo, com eficácia instantânea, da notificação para audição prévia, nos termos do n.º 2 do artigo n.º 187º do CRCSPSS, conjugado com a eficácia duradoura da citação, enquanto facto interruptivo do prazo de prescrição, nos termos do n.º 1 do art.º 327º do Código Civil, deve ser declarada a exigibilidade para o responsável subsidiário, e por isso não prescrita, a dívida contida nos processos n.º processo n.º ...15 e apensos.
Mais se propõe o indeferimento do requerimento no que a falta de verificação dos pressupostos de que depende a reversão, uma vez que se o executado/revertido considera que a reversão é ilegal, deveria, no prazo de 30 dias após a citação pessoal em reversão apresentar oposição judicial, nos termos do art.º 203º com os fundamentos do art.º 204º, ambos do CPPT. Não o tendo feito, tal prazo encontra-se precludido.
Propõe-se ainda, a notificação do despacho que recair sobre esta informação à Mandatária do revertido”. - Fls. 444 a 455 do PEF.

9) Em 20.03.2023 a Coordenadora da Secção de Processo Executivo de ... do IGFSS-Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P, proferiu despacho de indeferimento do requerimento apresentado. – Fls. 444 do PEF.

10) Em 06.04.2023, por ofício remetido sob o registo postal nº RF.........96PT, o qual foi rececionado em 10-04-2023, a SPEA_IGFSS notificou a mandatária do executado do teor do despacho, a que alude o ponto antecedente. - Fls. 515 a 580, do PEF.

11) Em 15.05.2023 a quantia exequenda ascendia a € 355.561,20, sendo € 214.312,39 a título de quantia exequenda e € 141.248,81 a título de juros de mora – Fls. 581 a 585 do PEF.

12) Em 20.04.2023, o Reclamante remeteu via email a petição inicial da presente reclamação para a Secção de Processo Executivo de ... do IGFSS-Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P. – Cf. págs. 353 a 407 do sitaf.
1.2) FACTOS NÃO PROVADOS
Com relevância para a decisão da causa julgam-se não provados os seguintes factos:
A) A SPEA_IGFSS remeteu ao reclamante carta registada nos termos do artigo 233.º do Código de Processo Civil.
Motivação
O Tribunal formou a sua convicção relativamente a cada um dos factos dados como provados tendo por base a análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos, os quais não foram objeto de impugnação, no processo de execução fiscal apenso, bem como no posicionamento das partes, assumido nos respetivos articulados, conforme discriminado nos vários pontos da fundamentação de facto.
O facto dado como não provado indicado na alínea A) resulta da total ausência de prova.».

3.2. DE DIREITO
3.2.1. Da falta de citação
O Recorrente começa por evidenciar o seu inconformismo relativamente à decisão de indeferimento da realização da requerida prestação de depoimento de parte, pois visava demonstrar factos relevantes e essenciais para a decisão da causa, sendo certo que competia ao Tribunal realizar ou ordenar todas as diligências que considerasse úteis ao apuramento da verdade material; daí que, não se mostrando realizadas todas as diligências necessárias ao conhecimento da questão da falta de citação, ocorre défice instrutório, devendo ser ordenada a baixa dos autos à 1ª instância.
Expressa o artigo 660º do Código de Processo Civil que «O tribunal só dá provimento à impugnação das decisões interlocutórias, impugnadas conjuntamente com a decisão final nos termos do n.º 3 do artigo 644.º, quando a infração cometida possa modificar aquela decisão ou quando, independentemente dela, o provimento tenha interesse para o recorrente.».
No caso, podemos antecipar que o recurso na parte referente à falta de citação deve proceder, por ocorrer défice instrutório, e, por lógica consequência, também o recurso do despacho interlocutório há de ser provido.
Apreciando a questão da arguida falta de citação, considerou a Meritíssima Juiz do Tribunal a quo, no que agora releva, o seguinte:
«O Reclamante alega que a citação para a execução fiscal se terá verificado por carta registada com aviso de receção, tendo o aviso sido assinado por terceira pessoa, sem que, no entanto, tenham sido cumpridas as regras impostas à realização da citação, nomeadamente não ter sido efetuada a devida identificação do terceiro a quem a carta foi entregue, e não terem sido anotados os elementos constantes do cartão de cidadão, bilhete de identidade ou de outro documento oficial que permita a notificação.
Mais sustenta que desconhece a identidade de quem recebeu a carta, não tendo tomado conhecimento da citação realizada naquela terceira pessoa, e que não foi avisado pela SPEA_IGFSS que tal citação se havia realizado, concluindo pela falta da citação.
Vejamos.
Dispõe o artigo 191.º do CPPT sob a epígrafe “Citações por Via Postal”, no que aos autos releva, o seguinte:
(…)
3 - A citação é pessoal:
(…);
b) Na efetivação da responsabilidade solidária ou subsidiária;
(…)
Por sua vez, o n.º 1 e 3 do artigo 192.º do mesmo diploma refere que:
1 - As citações pessoais são efetivadas nos termos do Código de Processo Civil, em tudo o que não for especialmente regulado no presente Código.
(…)
3 - A citação considera-se efetuada, nos termos do artigo anterior, na data certificada pelo distribuidor do serviço postal ou, no caso de ter sido deixado aviso, no 8.º dia posterior a essa data, presumindo-se que o citando teve conhecimento dos elementos que lhe foram deixados, sem prejuízo de fazer prova da impossibilidade de comunicação da alteração do seu domicílio ou sede. (…)”.
A citação é o ato pelo qual se chama a juízo alguém demandado numa dada ação, dando-lhe conhecimento dos termos da mesma e concedendo-lhe prazo para se defender [cf. artigo 228º do Código de Processo Civil (CPC) e artigos 35.º, n.º 2, e 189º do CPPT].
As regras referentes à citação das pessoas singulares encontram-se disciplinada nos artigos 225.º e seguintes do (CPC), aplicáveis por remissão do n.º 1 do artigo 192.º do CPPT.
Dispõe o artigo 225.º do CPC o seguinte:
1 - A citação de pessoas singulares é pessoal ou edital.
2 - A citação pessoal é feita mediante: a) Via eletrónica, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º; b) Entrega ao citando de carta registada com aviso de receção, seu depósito, nos termos do n.º 5 do artigo 229.º, ou certificação da recusa de recebimento, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo; c) Contacto pessoal do agente de execução ou do funcionário judicial com o citando.
3 - É ainda admitida a citação promovida por mandatário judicial, nos termos dos artigos 237.º e 238.º.
4 - Nos casos expressamente previstos na lei, é equiparada à citação pessoal a efetuada em pessoa diversa do citando, encarregada de lhe transmitir o conteúdo do ato, presumindo-se, salvo prova em contrário, que o citando dela teve oportuno conhecimento.
(…)”.
Por seu turno consagra o artigo 228.º do CPC, no que para aqui releva, que:
(…)
2- A carta pode ser entregue, após assinatura do aviso de receção, ao citando ou a qualquer pessoa que se encontre na sua residência ou local de trabalho e que declare encontrar-se em condições de a entregar prontamente ao citando.”
3 - Antes da assinatura do aviso de receção, o distribuidor do serviço postal procede à identificação do citando ou do terceiro a quem a carta seja entregue, anotando os elementos constantes do cartão do cidadão, bilhete de identidade ou de outro documento oficial que permita a identificação.
4 - Quando a carta seja entregue a terceiro, cabe ao distribuidor do serviço postal adverti-lo expressamente do dever de pronta entrega ao citando. (…)”.
Ante o exposto, sendo a citação pessoal efetuada por carta registada com aviso de receção nos termos do CPC, dirigida ao citando e endereçada para a sua residência, a carta pode ser entregue ao citando ou a qualquer pessoa que se encontre na sua residência ou local de trabalho e que declare encontrar-se em condições de a entregar prontamente ao citando.
Acresce que, se a citação for efetuada em pessoa diversa do citando, deverá, como vimos, ser enviada carta registada ao citando comunicando-lhe (i) a data e o modo por que o ato se considera realizado, (ii) o prazo para oferecimento da defesa e as cominações aplicáveis à falta desta (iii) o destino dado ao duplicado, e (iv) a identidade da pessoa em quem a citação foi realizada, nos termos do artigo 233º do CPC.
A citação postal assim efetuada considera-se efetuada no dia em que se mostre assinado o aviso de receção e tem-se por efetuada na própria pessoa do citando.
Sendo que, mesmo que o aviso tenha sido assinado por terceiro, presume-se, salvo demonstração em contrário, que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário (cf. art.º 230.º, n.º 1 do CPC).
No caso em análise o Reclamante não contesta a sua morada à data da notificação, invocando apenas a falta de cumprimento das regras impostas à realização da citação.
Ora, tal como decorre do acervo probatório, em 09.05.2014 foi enviado ofício de citação o qual foi recebido na morada Rua ..., ..., ... ..., e assinado por «BB», com o número de identificação ...21 [facto 6) do probatório].
Ou seja, é incontestável que a citação foi efetuada na morada correta, mas em pessoa diversa do citando.
Resulta, todavia, dos autos que não foi enviada ao citando a carta registada a que alude o artigo 233.º do CPC [facto A) não provado].
Ora, o envio desta (segunda) carta registada - no prazo de dois dias úteis, após a citação efetuada em pessoa diversa do citando, constitui uma formalidade complementar que visa reforçar os mecanismos de conhecimento da pendência da execução fiscal contra si instaurada, não constituindo condição da citação, nem do início da contagem do prazo da apresentação de defesa.
Isto é, o não cumprimento do preceituado no mencionado normativo do artigo 233.º do CPC não gera falta de citação, a qual se considera efetuada na data da assinatura do aviso de receção, (cf. artigo 192.º, n.º 3 do CPPT).
Veja-se, neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29/9/2022, proferido no processo nº 1996/09.2TBCSC-C.L1-2, disponível em www.dgsi.pt.
Note-se que, nos termos do n.º 1 do artigo 188.º do CPC há falta de citação (i) Quando o ato tenha sido completamente omitido; (ii) Quando tenha havido erro de identidade do citando; (iii) Quando se tenha empregado indevidamente a citação edital; (iv) Quando se mostre que foi efetuada depois do falecimento do citando ou da extinção deste, tratando-se de pessoa coletiva ou sociedade, e, (v) Quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe seja imputável.
Também o n.º 6 do artigo 190.º do CPPT refere que, “Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, só ocorre falta de citação quando o respetivo destinatário alegue e demonstre que não chegou a ter conhecimento do ato por motivo que lhe não foi imputável.
Ora, tendo resultado provado que a citação foi efetuada, em terceira pessoa, é certo, em 09.05.2014, é manifesto que não se verifica nenhuma das situações a que alude o artigo 188.º do CPPT.
Desde logo, é possível constatar de forma objetiva que o ato não foi omitido, não houve erro na identidade do citando, não foi empregue a citação edital, nem a citação ocorreu após o falecimento do citando.
Por outro lado, o Reclamante também não prova que a falta de conhecimento da citação ocorreu por facto que não lhe é imputável, como lhe era exigível, por força do n.º 6 do artigo 190.º do CPPT, e nessa medida, recaindo sobre ele o ónus da prova de tal facto sem que o tenha logrado fazer, deverá ser o mesmo valorado contra si.».
Ora, como resulta do acervo normativo transcrito na sentença, está consagrada a presunção legal de que, nos casos em que a citação é realizada em pessoa diversa do citando que se encontre na sua residência ou local de trabalho, este tem oportuno conhecimento desse ato. No entanto, a lei também assegura a possibilidade de o citando ilidir aquela presunção, através da prova do contrário, ou seja, pela demonstração de que não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe é imputável.
No caso vertente, o Recorrente alegou desconhecer a identidade da pessoa que assinou o aviso de receção que acompanhou a carta destinada à sua citação e, bem assim, que não teve conhecimento da citação realizada naquela terceira pessoa.
Perante esta alegação, é patente que o Recorrente se propôs ilidir a referida presunção legal, pelo que incumbia ao Tribunal ordenar as diligências probatórias pertinentes para esse efeito, em observância do que dispõem os artigos 13º, nº 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e 99º, nº 1, da LGT, designadamente e entre outras certamente mais adequadas, a tomada de declarações de parte ao ora Recorrente.
Em suma, «Admitindo-se que a presunção legal de que teve conhecimento da citação é ilidível, e cabendo tal prova ao interessado [artigos 233.º (actual 225.º), n.º 4 e 238.º (actual 230.º), n.º 1 do CPC], impõe-se a produção da prova por ele oferecida na petição inicial, para, após, ser apurado se o invocado desconhecimento da citação ocorreu por facto que não lhe é imputável.» - cfr. acórdão deste TCAN de 12.02.2015, rec. 00309/13.3BECBR, disponível em www.dgsi.pt.
Nesta conformidade, deve o presente recurso ser julgado procedente, com as consequentes anulação da sentença recorrida, nos termos do artigo 662º, nº 2, alínea c) do Código de Processo Civil, revogação do despacho interlocutório que julgou desnecessária a produção de prova requerida e baixa dos autos à 1ª instância para, após a produção da prova que seja reputada pertinente e ampliação da matéria de facto (provada e/ou não provada), ser proferida nova decisão, se a tanto nada mais obstar.
Em face do que vai decidido, resulta prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas neste recurso.
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Assim, preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I – De acordo com o disposto no artigo 190º, nº 6 do CPPT, e em sintonia com o referido no artigo 195º, alínea e) do CPC (atual artigo 188º, nº 1, alínea e)), para que ocorra falta de citação é necessário que o resptivo destinatário alegue e demonstre que não chegou a ter conhecimento do ato por motivo que não lhe foi imputável.
II – Por isso, o Tribunal deve, ao abrigo do poder/dever de inquisitório, ordenar a realização da prova pertinente para apuramento da verdade dos factos, designadamente e entre outras certamente mais adequadas, a tomada de declarações de parte ao Recorrente.

5. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso, anular a sentença recorrida e revogar o despacho interlocutório recorrido, ordenando a baixa dos autos à 1ª instância para o apontado efeito.

Custas a cargo do Recorrido, nos termos do artigo 527º, nº 1 e 2 do Código de Processo Civil, as quais não incluem a taxa de justiça devida nesta sede, uma vez que não contra-alegou.

Porto, 24 de abril de 2024

Maria do Rosário Pais – Relatora
Cristina Paula Travassos de Almeida Bento Duarte – 1ª Adjunta
Ana Paula Rodrigues Coelho dos Santos – 2ª Adjunta