Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01609/23.0BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:05/17/2024
Tribunal:TAF do Porto
Relator:PAULO FERREIRA DE MAGALHÃES
Descritores:PROCESSO CAUTELAR; JUÍZO PERFUNCTÓRIO;
TUTELA JURISDICIONAL EFECTIVA;
REQUISITOS DETERMINANTES DO DECRETAMENTO DAS PROVIDÊNCIAS; PRINCÍPIO DA JURIDICIDADE.
Sumário:
1 – Nos termos do artigo 120.º, n.º 1 do CPTA, as providências cautelares são adoptadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente, situação em que, como dispõe o n.º 2 deste normativo, mesmo ainda na eventualidade de terem sido julgados verificados esses requisitos determinantes, sempre a adopção das providências pode ser recusada quando em sede da ponderação dos interesses públicos e privados em presença, for julgado que os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências.

2 - A existência de perigosidade [seja na vertente do receio da constituição de uma situação de facto consumado, seja na vertente da produção de prejuízos de difícil reparação], e da aparência do bom direito [enquanto avaliação sumária da probabilidade de existência do direito invocado] para os interesses que os Requerentes visam assegurar no processo principal, constituem requisitos determinantes para efeitos de ser apreciada a providência requerida, recaindo sempre sobre eles o ónus de fazer a prova sumária desses requisitos.

3 - Para o decretamento de uma providência cautelar têm de ser invocados, e recolhidos pelo Tribunal a quo, em termos de matéria de facto, indícios suficientes da verosimilhança do direito de um funcionário a ver apreciado, precedendo a realização de junta médica, se reúne condições físicas para efeitos de realização de serviços de urgência em Hospital, pois só perante a existência de tais elementos de prova e pertinente enquadramento será possível ao julgador formular um juízo positivo a respeito do direito invocado.

4 - O princípio da legalidade está necessariamente conexionado com outros princípios, como a igualdade e a justiça, também previstos no artigo 266.º, n.º 2 da CRP, e aponta para o princípio mais abrangente da juridicidade da Administração, sendo que os mesmos só relevam, em princípio, na actividade discricionária da Administração, já que no campo vinculado o que importa ver é se a legalidade foi respeitada.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:


Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:


I – RELATÓRIO


«AA» [devidamente identificada nos autos], Requerente no processo cautelar que intentou contra o Centro Hospitalar ..., EPE [também devidamente identificado nos autos], no qual foi requerida a regulação provisória de uma situação jurídica, visando o reconhecimento de situações jurídicas subjectivas directamente decorrentes de normas jurídico-administrativas ou de actos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo, mais concretamente o reconhecimento do seu direito a ser isenta da prestação de trabalho no serviço de urgência e que se abstenha o Requerido de a integrar nas escalas do serviço de urgência, inconformada com a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, pela qual foi recusada a concessão da providência requerida, veio interpor recurso de Apelação.

*
No âmbito das Alegações por si apresentadas, elencou a final as conclusões que ora se reproduzem:

“[...] CONCLUSÕES
a. A Recorrente não se conforma com a douta Sentença que indefere a sua pretensão e, consequentemente, não se decreta a providência cautelar requerida ou qualquer outra.
b. O presente recurso prende-se com o facto de saber se se mostram sumariamente provados factos que permitam concluir pela verificação dos requisitos substantivos de que depende o decretamento de providência cautelar.
c. A aqui Recorrente não se conforma com a douta Sentença recorrida porquanto, contrariamente ao decidido, considera que logrou provar a provável existência do seu direito, nos termos exigidos pelo art.º 362.º, n.º 1, do CPC e, bem assim, demonstrou também os demais pressupostos, pelo que deve ser decretada a providência cautelar requerida.
d. Face ao alegado pela recorrente no seu requerimento inicial e o que resultou indiciariamente provado na douta sentença recorrida - e ressalvado melhor entendimento - parece-nos óbvio a existência do direito da requerente.
e. O que está aqui em apreço e que foi dado como provado é que a Recorrente é uma pessoa comprovadamente doente, de diagnóstico crónico e grave.
f. Pese embora a recorrente concorde com a análise e interpretação dada pela douta Sentença no que concerne à verificação do pressuposto do periculum in mora, entende a recorrente e que discorda totalmente de que o alegado no seu petitório inicial e dado como provado não se mostra suficiente para a verificação do fumus boni iuris.
g. Periculum in mora que, note-se, foi verificado através da prova apresentada pela Recorrente.
h. Ora, é consabido que as providências cautelares têm como caraterística a instrumentalidade, a provisoriedade e a sumariedade.
i. Como refere, e bem, a sentença que agora se recorre, a decisão cautelar deve constituir como garantia da utilidade, de uma decisão definitiva que, sem ela, pode vir a revelar-se incapaz de dar resposta às situações até prolação de uma decisão final.
j. Ora, se o Tribunal a quo considerou verificar-se o requisito do periculum in mora o mesmo não aconteceu com o requisito do fumus boni iuris.
k. Alega a sentença recorrida que, este pressuposto não se verifica em virtude da inexistência de uma junta médica que, para o efeito, ateste que a Recorrente não pode efetivamente, em razão da sua saúde, prestar serviços na unidade de urgência.
l. Primeiro, salvo o devido respeito importa averiguar quem e em que medida deveria ser requerida a Junta Médica-cfr. art.26 da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas.
m. Logo, salvo o devido respeito pela sentença recorrida, não era a Recorrente, mas a Recorrida que deveria pedir a junta médica para o efeito.
n. A decisão devera ter ido no sentido de se decretar a providência cautelar requerida.
o. Note-se que os factos dados como provados mais relevantes foram os previstos nas alíneas n) o) p) q).
p. Era ao Hospital que cabia acionar a Junta Médica.
q. No entanto, em qualquer circunstância, a convocação e realização de junta médica leva tempo.
r. Não se pode dar como provada o fundado receio de lesão grave e de difícil reparação do direito da requerente e depois considerar-se que não há prova indiciária suficiente da existência desse mesmo direito cuja possibilidade de lesão se deu como provada!
s. A prova da provável existência do direito foi suficientemente demonstrada pelos relatórios médicos que foram juntos aos autos, um dos quais refere expressamente a inexistência de condições de saúde da Recorrente para fazer serviços de urgência.
t. E não se pode ignorar que a prova na providência é sumária, provisória e instrumental.
u. Aceita-se que tal prova seja necessária no âmbito de uma ação principal, não numa providência que tem caráter de urgência, precisamente por ter em vista acautelar o periculum in mora que foi efetivamente dado como provado pela sentença.
v. A Recorrente, repita-se, não tinha legitimidade para requerer a junta médica, como se demonstrou, mesmo que o Tribunal a quo considera-se ser condição essencial para que se decretasse a providência cautelar requerida.
w. Aliás, as juntas médicas que a Recorrente tem ido, uma vez que está de baixa média desde a entrada da Providência Cautelar têm mantido a decisão de manter a Recorrente de baixa médica atento o seu estado de saúde.
x. Voltar ao trabalho e inclusive para o serviço de urgência, serviço que não faz há mais de 10 (dez) anos, causariam consequências que colocariam em causa a vida da Recorrente
y. Todos os exames médicos juntos e passados por médicos especialistas referem que a Recorrente não pode exercer as suas funções no serviço de urgência.
z. O que a Recorrente pretende é que das suas escalas de serviço não haja destacamento para o serviço de urgência.
aa. A Recorrente tem atestados por médicos especialistas que comprovam o seu débil estado de saúde e o que poderá acontecer caso esta seja destacada para os serviços de urgência.
bb. Face ao exposto, parece-nos estar verificado o pressuposto de que depende o decretamento de providência cautelar.
cc. Assim, a requerente da providência cautelar deduziu os factos que tornam provável a existência da verificação do fumus boni iuris.
dd. Entende a Requerente estar verificado, de facto, o direito que considera lesado pela atuação administrativa e, consequentemente entende a Recorrente que a ação principal não parece à primeira vista desprovida de fundamento.
ee. Tudo visto e ponderado, fica provada uma lesão “dificilmente reparável” que justifica e carece da tutela provisória conferida pela providência cautelar requerida.
ff. Entenda-se que a lesão que poderá causar à aqui Recorrente a sua integração nos serviços de urgência, sofrendo de uma doença crónica grave e incurável afetam a sua dignidade humana.
gg. A Constituição da República Portuguesa reconhece expressamente o princípio da dignidade da pessoa humana logo no seu artigo 1º, que diz: “Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária”.
hh. O Tribunal a quo considera por não preenchido os estatuído no art.º120 do CPTA nº1, 2ª parte.
ii. Atento o exposto, no caso dos autos, impunha-se ao Tribunal a quo, porque manifestamente verificados os pressupostos de que depende o decretamento de providência cautelar, deferir a providência cautelar.
jj. Pelo que, a douta Decisão recorrida, com todo o respeito pelo Tribunal a quo, além de não ser adequada, não foi oportuna, pelos motivos e fundamentos invocados.
kk. Atento o exposto deverá, pois, a douta Sentença, ser revogada e substituída por despacho que defira o procedimento cautelar e, no demais direito aplicável, mande prosseguir os presentes autos.
ll. Ao decidir como decidiu o Tribunal a quo violou especificamente, o disposto nos artigos, 364.º e 368.º do CPC e art.º1 da Constituição da República Portuguesa.
TERMOS EM QUE, NOS DEMAIS DE DIREITO, QUE V.EXAS DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVERÁ SER JULGADO PROCEDENTE O PRESENTE RECURSO E, POR VIA DELE, SER REVOGADA A SENTENÇA RECORRIDA, DEVENDO, EM SUA SUBSTITUIÇÃO, SER PROFERIDO ACÓRDÃO QUE ALTERE DE DIREITO, JULGANDO PROCEDENTE O PEDIDO FORMAULADO PELA AQUI RECORRENTE FAZENDO-SE ASSIM, A HABITUAL E NECESSÁRIA JUSTIÇA
[...]. ”

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O Recorrido não apresentou Contra Alegações.




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O Tribunal a quo proferiu despacho visando a admissão do recurso interposto, fixando os seus efeitos.

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O Ministério Público junto deste Tribunal Superior não emitiu parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional.

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Com dispensa dos vistos legais [mas com envio prévio do projecto de Acórdão], cumpre apreciar e decidir.

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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, cujo objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas Alegações - Cfr. artigos 144.°, n.° 1 do CPTA, e artigos 639.° e 635.° n.°s 4 e 5, ambos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigos 1.° e 140.°, n.° 3 do CPTA [sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem deva conhecer oficiosamente], sendo que, de todo o modo, em caso de procedência da pretensão recursiva, o Tribunal ad quem não se limita a cassar a decisão judicial recorrida pois que, ainda que venha a declarar a sua nulidade, sempre tem de decidir [Cfr. artigo 149.°, n.° 1 do CPTA] “... o objecto da causa, conhecendo do facto e do direito.”, reunidos que estejam os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas.

Assim, as questões suscitada pelo Recorrente e patenteadas nas conclusões apresentadas consistem, em suma e a final, em apreciar e decidir, sobre se a Sentença recorrida padece de erro de julgamento em matéria de direito.


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III - FUNDAMENTOS IIIi - DE FACTO

No âmbito da factualidade considerada pela Sentença recorrida, foram fixados os seguintes factos:

“[…]
Com interesse para a decisão a proferir consideram-se indiciariamente provados os seguintes factos
a) A Requerente exerce funções no serviço de imagiologia do Centro Hospitalar ..., E.P.E., unidade de ..., com a categoria de Técnica Superior de Diagnóstico e Terapêutica de Radiologia, em regime de contrato de trabalho em funções públicas (cfr. PA);
b) Desde o ano de 2010, a Requerente presta o seu trabalho no serviço de consulta externa do serviço de imagiologia da unidade de ..., no horário da manhã (não impugnado);
c) Desde o ano de 2010, que a Requerente não presta o seu trabalho
no serviço de urgência (não impugnado);
d) Em Setembro de 2022, pelo coordenador do serviço de imagiologia foi a Requerente integrada nas escalas para prestação de trabalho no serviço de urgências (não impugnado);
e) Em 7 de Setembro de 2022, a Requerente solicitou isenção de trabalho no serviço de urgências em razão da idade (cfr. doc. nº ... e ... juntos com o r.i.-que se dá aqui por inteiramente reproduzido);
f) Em 28 de Outubro de 2022, foi emitida a Informação nº ...22 (cfr. doc. nº ... junto com a r.i.- que se dá aqui por inteiramente reproduzida);
g) Sobre a Informação referida em f), foi proferido despacho a determinar a emissão de parecer pela Medicina do Trabalho (cfr. doc. nº ... junto com o r.i.);
h) Em 7 de Novembro de 2022, a Requerente solicitou autorização para trabalhar a tempo parcial com a duração de 21 horas semanais, por um período de dois anos, por padecer de doença autoimune crónica em que os sintomas se intensificam com a exposição a factores de stress (cfr. PA junto a fls. 378 dos autos- requerimento que se dá aqui por reproduzido);
i) Em 5 de Janeiro de 2023, foi proferida a Informação nº
02/01/2023, que se dá aqui por reproduzida (cfr. PA junto a fls. 378 dos autos);
j) Sobre a Informação referida em i), foi proferido despacho a determinar a emissão de parecer pela Medicina do Trabalho (cfr. PA junto a fls.
378 dos autos);
k) Em 18 de Janeiro, 2023, pela Medicina do Trabalho foi elaborada Ficha de Aptidão para o Trabalho, na qual consta “apta” “sem recomendações” e se dá aqui por integralmente reproduzida (cfr. PA junto a fls. 178 dos autos);
l) Pela Medicina do Trabalho, sobre a informação referida em i), foi a Requerente considerada Apta, sem nenhum condicionamento, para o exercício das suas funções, com o seguinte parecer “18-01-2023 A profissional de saúde foi avaliada hoje num exame de Medicina do Trabalho. (..) apresenta deterioração neurocognitiva devido a doença de Behçet, mas não apresenta nenhuma avaliação cognitiva que comporte tal facto.
As avaliações de risco efectuadas a local de trabalho/posto de trabalho da referida profissional de saúde não identificaram risco acrescido de stress ocupacional durante os períodos em que exercerá funções (…) em serviço de urgência.
Pelo que, a profissional de saúde encontra-se apta, sem nenhum condicionamento, para o exercício das suas funções.” ( cfr. PA junto a fls. 178 dos autos);
m) Em 26 de janeiro de 2023, pelo Conselho de Administração da Entidade Requerida foi indeferida a pretensão da Requerente de trabalhar a tempo parcial com a duração de 21 horas semanais, por um período de dois anos (cfr. PA junto a fls. 178 dos autos);
n) No ano de 2006, a Requerente foi diagnosticada com doença de
Crohn (cf. doc. n.º ... junto com o r. i.);
o) No ano de 2015, a Requerente foi diagnosticada com doença de
Behçet (cf. doc. n.º ... junto com o r. i.);
p) Em 25 de Setembro de 2022, pelo C.H. Universitário do Porto, EPE, Unidade Hospital de Santo António, foi emitida declaração médica com o seguinte teor “Declaro para os devidos efeitos que a utente acima identificada tem uma doença de Behçet com envolvimento neurocognitivo, vascular e intestinal sob imunossupressão com azatoprina. A doença tem um padrão flutuante muito relacionada com os momentos de stress e tem indicação para imunossupressão contínua por tempo indeterminado. Por esses motivos somos de parecer que a utente não reúne condições adequadas para fazer serviço de urgência, pois aumenta (e tem sido uma das causas) o risco de agudização da doença e o risco de complicações infeciosas (…)” (cfr. doc. n.º ... junto com r.i.);
q) Em 11 de Janeiro de 2023, pelo C.H. Universitário do Porto, EPE, Unidade Hospital de Santo António, foi emitida declaração médica com o seguinte teor “ Declaro para os devidos efeitos que a utente acima identificada sofre de doença de Behçet com alterações neurocognitivas que se traduzem por episódios confusonais agudos graves que impedem a sua actividade laboral, Está otimizada do ponto de vista imunossupressado e é claramente necessário o repouso pelo que indicamos que peça uma redução do horário laboral para evitar estes quadros que podem condicionar perda cognitiva progressiva” (cfr. doc. nº ... junto com o r.i.);
r) Em 24 de fevereiro de 2023, a Requerente solicitou, novamente, isenção do trabalho no serviço de urgência (cf. doc. n.º ...0 junto com o r. i. –que se dá aqui por inteiramente reproduzido);
s) Em 3 de Maio de 2023, a Medicina do Trabalho considerou não existir informação clinica que justificasse nova avaliação e manteve a avaliação de “Apta” para o exercício das funções nomeadamente para o exercício de funções no serviço de urgência (cfr. doc. n.º ...0 junto com o r.i.-que se dá aqui por inteiramente reproduzido);
t) A Requerente nasceu em ../../1972 (cfr. PA junto a fls. 724 dos autos);







Tribunal Central Administrativo Norte
Secção de Contencioso Administrativo
u) Desde 5 de Junho de 2023, a Requerente encontra-se incapacitada para a sua actividade profissional por doença natural (cfr. doc.s nº 12 e 13 juntos com o r.i.-que se dão aqui por reproduzidos).
Factos Não Provados
Com relevância para a decisão a proferir Inexistem
Motivação
A matéria de facto indiciariamente provada resulta da posição assumida por cada uma das partes nos seus articulados, bem como dos documentos juntos aos autos pela Requerente e pelo teor do Processo Administrativo, conforme referido em cada uma das alíneas da matéria de facto indiciariamente provada.
[...]”

**
Tendo subjacente o disposto no artigo 662.º, n.º 1 do CPC, procedemos à densificação da alínea r) do probatório, como segue:
“r1) É do seguinte teor o requerimento da Requerente datado de 24 de fevereiro de 2023:
“[…]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida][Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[…]”
Subsecção de Contencioso Administrativo Social

: Centro Hospitalar ..., EPE

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Por constar dos autos factualidade que julgamos ser relevante, aditamos ao probatório, seguindo a temporalidade dele constante, o facto s1), como segue:

“s1) O Médico do Trabalho, «BB», efectuou um relatório, que consta como doc. n.º ...1 junto com o Requerimento inicial – e cujo teor aqui se dá por integralmente enunciado -, que é atinente a informação clínica em torno da Requerente, por si coligida e que visa a consideração pelo Requerido ora Recorrido do pedido de trabalho a tempo parcial com a duração de 21 horas e isenção de trabalho do serviço de urgência requerido pela Requerente.”

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IIIii - DE DIREITO

Está em causa a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, pela qual, com referência ao pedido formulado a final do Requerimento inicial pela Requerente no sentido de ser regulada provisoriamente a sua situação, mais concretamente o seu direito a ser isenta da prestação de trabalho no serviço de urgência e que se abstenha o Requerido de a integrar nas escalas do serviço de urgência, veio a julgar pela sua improcedência.

É fundamento para a concessão de tutela cautelar, por via da adopção da/s providência/s requerida/s, desde logo, que o Tribunal aprecie da ocorrência de periculum in mora [numa das suas duas vertentes], e que indague da aparência do bom direito invocado pelo Requerente, no sentido de aferir sobre se é provável que a pretensão por si formulada, que é causa/fundamento do processo principal, venha a ser julgada procedente, requisitos estes que são de verificação cumulativa, e neste sentido, sendo julgado não verificado um deles, fica prejudicado o conhecimento do outro.



Constituindo os recursos jurisdicionais os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, por via dos quais os recorrentes pretendem alterar as sentenças recorridas, nas concretas matérias que os afectem e que sejam alvo da sua sindicância, é necessário e imprescindível que no âmbito das alegações de recurso os recorrentes prossigam de forma clara e objectiva as premissas do silogismo judiciário em que se apoiou a decisão recorrida, por forma a evidenciar os erros em que a mesma incorreu.

Neste patamar.

Conforme assim deflui das conclusões suas Alegações de recurso apresentadas pela Recorrente, o cerne da sua pretensão encerra-se no pressuposto de que o Tribunal a quo errou no julgamento por si prosseguido em torno da decisão de dar por não verificado o requisito atinente à aparência do direito, em termos de, a final, não ser assim provável a procedência da acção.

Para tanto e em suma, sustentou a Recorrente que tendo sido dado como provado pela Sentença Recorrida que é uma pessoa doente, de diagnóstico crónico e grave, e que está verificado o requisito da perigosidade, que não lhe pode ser imputado a si [à Recorrente] a inexistência de uma junta médica que aprecie a sua incapacidade física para o exercício de funções no serviço de urgência.

Como assim resulta da Sentença recorrida, o Tribunal a quo identificou como questão a decidir, saber se se encontravam preenchidos os requisitos de concessão da providência cautelar requerida.

Tratando os autos de um processo cautelar, que se caracteriza pela sumariedade da sua instrução, e estando assim em causa a apreciação da tutela cautelar requerida pela Requerente ora Recorrente, o que importava assim ser prosseguido, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 120.º, n.ºs 1 e 2 do CPTA, era saber, a final, se estavam ou não verificados todos os requisitos, que são de verificação cumulativa, tendentes à adopção da providência cautelar por parte do Tribunal.

E tal foi efectuado, como assim julgamos, no âmbito do julgamento prosseguido pelo Tribunal a quo, nos estritos termos em que o mesmo veio a fundamentar a sua decisão, e é por via dessa fundamentação, de facto e de direito colhida pelo Tribunal a quo, que se aprecia neste Tribunal de recurso sobre se incorreu o mesmo em algum erro de julgamento.

E em torno da questão colocada pelo Tribunal a quo, e que neste domínio passava por saber se no caso em apreço se verificavam os requisitos consignados no artigo 120.º, n.ºs 1 e 2 do CPTA, ou seja, se se encontravam [ou não] preenchidos, com vista ao decretamento da providência cautelar requerida, tal efectivamente sucedeu.

Efectivamente, tendo enunciado o regime jurídico que julgou ser convocável para efeitos da decisão a proferir, a saber, a apreciação e decisão da requerida tutela cautelar tendo por base a verificação dos requisitos a que se reporta o artigo 120.º, n.ºs 1 e 2 do CPTA, em face do discurso fundamentador que o Tribunal a quo veio a aportar na Sentença recorrida, decidiu conforme para aqui se extracta, na sua essencialidade, o que segue:

Início da transcrição
“[...]
Pretende a Requerente que a Entidade Requerida se abstenha de a incluir, de imediato, nas escalas para o exercício de funções no serviço de urgência, atenta a sua idade e a sua condição clínica.
[...]
Conforme resulta do probatório supra, a Requerente exerce, no horário da manhã, funções no serviço de consulta externa do serviço de imagiologia, com a categoria de Técnica Superior de Diagnóstico e Terapêutica de Radiologia, e, desde o ano de 2010, que não presta o seu trabalho no serviço de urgência, mas, em Setembro de 2022, o coordenador do seu serviço integrou-a nas escalas para o exercício de funções no serviço de urgência.
A Requerente sofre de doença de Behçet, tendo sido inicialmente, mais concretamente no ano de 2006, diagnosticada com doença de Crohn.
A doença da Requerente, conforme declarações médicas, tem envolvimento vascular, intestinal e neurocognitivo, apresentando esta alterações neurocognitivas que se traduzem por episódios confusionais agudos graves que impedem a sua actividade laboral, nomeadamente o exercício de funções no serviço de urgência, uma vez que esta doença tem um padrão flutuante relacionado com momentos de stress, devido aos quais se agudiza e, assim, aumenta o risco de complicações infeciosas.
A opinião sufragada, e supra referida, não é secundada pela Medicina do Trabalho que considera a Requerente apta para o exercício das suas funções, designadamente para a prestação de trabalho no serviço de urgência.
Não pode olvidar-se que o exercício de funções da Requerente no serviço de urgência até à prolação de decisão no processo principal, como aliás é admitido pela Entidade Requerida, configura fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado, por se perspectivar impossível, a reintegração no plano dos factos da situação preexistente, caso a Requerente venha a obter vencimento na acção principal.
[...]
Assim, na situação em análise, ocorrerá consequência semelhante, ou seja, verificar-se-á a impossibilidade de recuperação do tempo, decorrido até ao trânsito em julgado da decisão proferida no processo principal, em que a
Requerente se viu obrigada a exercer funções
Assim, considera-se verificado o requisito do periculum in mora.
Importa, agora, averiguar o preenchimento do requisito consagrado na segunda parte, do n.º 1, do artigo 120º do CPTA, concernente ao fumus boni iuris (aparência do bom direito).

Actualmente, o fumus, isto é, a ponderação perfunctória acerca do carácter bem fundado da pretensão principal, tem de ser analisado na sua vertente positiva, já que, conforme elemento literal do art. 120º do CPTA; se exige que “seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente.”, ou seja, o julgador tem que concluir existir probabilidade de êxito da acção principal, por se constatar uma aparência de que, o Requerente ostenta, o direito que considera lesado pela actuação administrativa.
Alega a Requerente, em suma, que, atentos os seus 51 anos de idade e o disposto no nº2 do art. 8º do DL 62/79, deve ser dispensada de trabalhar nos serviços de urgências e, ainda, que não sendo a medicina ocupacional especializada na doença de Behçet não pode contrariar relatórios médicos emitidos por médicos especialistas e a prestação de serviço na urgência vai agravar o seu estado de saúde de forma irreversível.
Por sua vez, a Entidade Requerida sustenta que o nº 8 do art. 3º do Acordo Colectivo de Trabalho nº 93/2019 só permite que a Requerente obtenha dispensa de trabalho nos serviços de urgências quando atingir os 55 anos de idade e, ainda, que o nº 4 do art. 8º do DL 62/79 exige que a doença esteja devidamente comprovada por atestado da junta médica.
[...]
A Requerente solicitou a dispensa de trabalho no serviço de urgência em razão da idade.
A Requerente nasceu no dia ../../1972, pelo que tem 51 anos de idade e, assim, sustenta que tem direito a ser dispensada da prestação de trabalho no serviço de urgência atento o regime legal consagrado no nº 2 do art.
8º do DL nº 6/79, de 30.03, supra transcrito.
[...]
Conforme já referido supra, relativamente ao requisito idade do profissional de saúde para dispensa de trabalho nos serviços de urgência, o DL nº 62/79 e o Acordo Colectivo de Trabalho nº 93/2019 não são coincidentes, sendo o regime deste menos favorável ao trabalhador na medida em que exige que o profissional de saúde tenha idade superior a 55 anos, só que, acontece que esta matéria não é uma das matérias previstas no nº 3 do art. 13º do CT, pelo que tem o Acordo Colectivo de Trabalho nº 93/2019 a capacidade de afastar o elemento idade previsto no DL nº 62/79.
Assim, após a entrada em vigor do Acordo Colectivo de Trabalho nº 93/2019, os profissionais de saúde integrados na carreira especial de técnicos superiores das áreas de diagnóstico e terapêutica só adquirem o direito de obter dispensa da prestação de trabalho nos serviços de urgência quando atingem idade superior a 55 anos.
Ora, tendo a Requerente 51 anos de idade não é, assim, esta titular do direito de dispensa de realização de trabalho no serviço de urgência por razão da idade, pelo que a sua pretensão não poderia ter sido satisfeita pela Entidade Requerida, considerando que estamos no âmbito de poderes vinculados da Administração, a qual está obrigada ao cumprimento do princípio da legalidade, e, consequentemente, não é provável que a pretensão formulada pela Requerente, no seu requerimento inicial, venha em sede de acção principal a ser julgada procedente pelo invocado fundamento de ter atingido os 51 anos e preencher o previsto no nº 2 do art. 8º do DL 62/79, de 30.03.
Vejamos agora o segundo fundamento alegado pela Requerente, ou seja, esta é portadora de doença autoimune, com carácter crónico, a qual se agravará, de forma irreversível, perante o stress acrescido a que estará sujeita ao prestar trabalho no serviço de urgência, conforme declarações de médicos especialistas a exercer funções no serviço nacional de saúde.
Conforme o disposto no nº 4 do art. 8º do DL nº 62/79, de 30.03, supra transcrito, “O pessoal que, não tendo ainda atingido a idade fixada no nº 2, invoque motivos de saúde, devidamente comprovados por junta médica requerida para o efeito, pode ser dispensado, temporária ou definitivamente, de trabalhar em serviço de urgência.”.
Conforme resulta do probatório supra, a Requerente, desde o ano de 2006, sofre de doença crónica autoimune, inicialmente diagnosticada, em instituição do serviço nacional de saúde, como doença de Crohn e posteriormente diagnosticada como doença de Behçet, a qual é flutuante e se agrava em momentos de stress acrescido.
Acontece é que, de acordo com a norma supra transcrita, para que um profissional de saúde possa gozar do direito de dispensa de prestação de trabalho nos serviços de urgência por motivos de saúde, tem que ver a sua incapacidade por doença para esta especifica prestação de trabalho reconhecida por uma junta médica dirigida para este especifico efeito, ou seja, tem o estado de saúde do profissional de saúde de ser avaliado por uma junta médica que determinará se a doença de que este padece não lhe permite trabalhar no serviço de urgência.
Dos autos nada resulta, bem como nada foi alegado pelas partes, quanto à Requerente ter sido avaliada por junta médica requerida para o efeito.
Assim, enquanto a Requerente não obtiver uma declaração de junta médica, realizada especificamente para tal efeito, de que, devido à sua doença, não pode realizar trabalho nos serviços de urgência, não pode a mesma aproveitar do regime legal constante do nº 4 do art. 8º do DL nº 62/79, de 30.03.
Pelo supra discorrido, não se afigura provável que este segundo argumento invocado pela Requerente venha a ser julgado procedente no processo principal, pelo que não se encontra demonstrado o carácter bem fundado da pretensão que a mesma pretende fazer valer naquele e, por conseguinte, a aparência do bom direito de que se arroga, o que conduz à não verificação do fumus boni iuris.
Deste modo, considera-se não verificado o requisito exigido pela segunda parte do n.º 1, do artigo 120º do CPTA, pelo que, e consequentemente, considera-se, atenta a natureza cumulativa dos pressupostos, prejudicado o conhecimento do requisito “ponderação dos interesses públicos e privados em presença”. Pelo exposto supra, no juízo de ponderação a realizar à luz do n.º 2, do artigo 120º do CPTA, conclui-se pelo indeferimento da providência requerida.
[...]“
Fim da transcrição

Ou seja, e sinteticamente, o Tribunal a quo julgou não verificado o requisito do fumus iuris, por não resultar dos autos que tenha sido realizada junta médica, ónus esse que recaía sobre a Requerente ora Recorrente [porque a sua não realização pelo Recorrido não lhe aproveitou], e que constituiu o fundamento com que julgou improcedente o pedido de tutela cautelar requerida.

Mas o assim julgado não pode manter-se, pois efectivamente, assiste total razão à Recorrente.

Vejamos então.

Como assim resulta do probatório, a Requerente ora Recorrente formulou ao Requerido, em diversas temporalidades em referência, pedido de isenção de trabalho no serviço de urgência em 07 de setembro de 2022 [Cfr. alínea e) do probatório], pedido de trabalho a tempo parcial em 07 de novembro de 2022 [Cfr. alínea h) do probatório], e pedido de isenção de trabalho no serviço de urgência em 24 de fevereiro de 2023 [Cfr. alíneas r) e r1) do probatório].

O pedido de exercício de funções a tempo parcial foi indeferido em 26 de janeiro de 2023 [Cfr. alínea m) do probatório].

Do requerimento que a Requerente ora Recorrente apresentou em 24 de fevereiro de 2023 extrai-se, em sede dos fundamentos do pedido, entre o mais:

- que em 14 de outubro de 2022 fez um pedido de isenção de trabalho em serviço de urgência, por razões de saúde, mas do qual ainda não obteve resposta, e que torna a requerer que lhe seja autorizado o pedido;
- que volta a anexar o atestado médico do especialista de doenças autoimunes onde refere vir descrita a sua situação clínica.

Ora, sobre este pedido, a Medicina do Trabalho do Requerido emitiu informação manuscrita, datada de 03 de maio de 2023, de onde se extrai a consideração de não existir informação clínica que justifique nova avaliação [para além daquela que já tinha sido objecto de análise e que mereceu a sua informação datada de 18 de janeiro de 2023, tendo mantido a Requerente como “Apta” para o exercício das funções nomeadamente para o exercício de funções no serviço de urgência, o que assim foi acolhido pelo Requerido, e com o que não se conforma a Requerente.

Com efeito, com o que deparamos é que, por um lado, o Tribunal a quo apreciou e decidiu que a Requerente não estava abrangida pelo disposto no artigo 8.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 62/79, de 30 de março, por ainda não ter a ora Recorrente 55 anos de idade, e que não é a mesma, por isso, titular do requerido direito de dispensa de realização de serviço de urgência, e que estava assim o Requerido ora Recorrido vinculado a indeferir o pedido, não sendo por essa razão provável a procedência da acção principal.

Por outro lado, apreciou e decidiu ainda o Tribunal a quo, em torno da sintomatologia de doença invocada pela Requerente ora Recorrente, levando em conta que desde o ano de 2006 que a mesma sofre de doença crónica autoimune, inicialmente diagnosticada, em instituição do serviço nacional de saúde, como doença de Crohn e posteriormente diagnosticada como doença de Behçet, a qual é flutuante e se agrava em momentos de stress acrescido, mas que em face do disposto no artigo 8.º, n.º 4 do Decreto-Lei n.º 62/79, de 30 de março, ou seja que por não ter ainda 55 anos de idade, embora padecendo de doença incapacitante, que o seu pedido não podia ser deferido, por a sua incapacidade por doença para esta especifica prestação de trabalho não ter sido reconhecida por uma junta médica dirigida para este especifico efeito, ou seja, tem o estado de saúde do profissional de saúde de ser avaliado por uma junta médica que determinará se a doença de que este padece não lhe permite trabalhar no serviço de urgência.

Como assim resulta da fundamentação aportada na Sentença recorrida e que foi extraída a partir da interpretação prosseguida em face do disposto no artigo 8.º, n.º 4 do Decreto-Lei n.º 62/79, de 30 de março, “… enquanto a Requerente não obtiver uma declaração de junta médica, realizada especificamente para tal efeito, de que, devido à sua doença, não pode realizar trabalho nos serviços de urgência, não pode a mesma aproveitar do regime legal …”, sendo este a final, concretamente, o fundamento para a inverificação do fumus iuris, já que no requerimento datado de 24 de fevereiro de 2023, para fundamentação do pedido de dispensa de serviço de urgência, a Requerente apenas invocou o seu debilitado estado de saúde, e já não a sua idade.

Como assim julgamos, é manifesto o erro de julgamento em que incorreu o Tribunal a quo, pois que atenta a factualidade dada como provada, constante do probatório sob as alíneas e) a l) e n) a s), é ao Requerido que cabe submeter a Requerente, por manifesta urgência, à perspectivada junta médica, a formar por um colégio e para cujo âmbito a mesma pode indicar um médico por si escolhido, para efeitos de integrar essa junta médica.

É neste sentido o teor do disposto no artigo 26.º da LTFP, aprovada pela Lei n.º 35/2024, de 20 de junho, e que é aplicável à situação em apreço, e que o Tribunal a quo não convocou para efeitos da prossecução do julgamento por si empreendido, o que veio a inquinar a decisão por si formada em termos de não ter por verificado o fumus iuris.

Com efeito, em face dos sucessivos requerimentos que a Requerente ora Recorrente foi apresentando ao Requerido ora Recorrido tendo subjacente a invocação da diminuição da sua capacidade física [e que eram acompanhados de atestados médicos], e com o que visava, face ao pedido de 24 de fevereiro de 2023, uma isenção de trabalho no serviço de urgência, não pode a Medicina do Trabalho dar a Requerente como “Apta sem recomendações”, sem que tenha posto em causa, sequer, qualquer dos atestados médicos que a mesma [Requerente] remeteu ao Requerido com os seus requerimentos, daí extraindo consequências, designadamente, fundamentando no parecer a ser presente ao Conselho de Administração do Requerido, que o enunciado nesses atestados médicos é falso ou cientificamente incorrecto.

Como assim apreciou o Tribunal a quo, se o relevante [e assim também julgamos] é a realização de uma junta médica que aprecie o estado de saúde da Requerente, que como ela refere compromete o exercício das suas funções no serviço de urgência, em face do pedido que a Requerente formulou ao Requerido, pelo menos em 24 de fevereiro de 2023, o Presidente do Conselho de Administração do Requerido, enquanto dirigente máximo da instituição onde a Requerente exerce funções, em prossecução até do direito à protecção na doença de que beneficia a Requerente [e que cabe ao Requerido ora Recorrido garantir], devia ter promovido, obrigatoriamente, a sua submissão a uma junta médica, estivesse ou não a trabalhadora em exercício de funções.

De maneira que, neste conspecto, porque a situação da Requerente é merecedora do decretamento de tutela cautelar, já que cabe à sua entidade patronal submetê-la, e com carácter de urgência, a uma junta médica, numa avaliação sumária, julgamos assim que é provável que a pretensão formulada pela Requerente, em sede da acção principal, venha a ser julgada procedente, por estar verificado, para além do periculum in mora, também o fumus iuris, e como assim ainda julgamos, efectuada a ponderação de interesses em presença também o requisito a que se reporta o artigo 120.º, n.º 2 do CPTA.

Com efeito, atento o estado dos autos, mormente, a natureza da providência cautelar requerida, o tribunal leva a cabo uma apreciação sumária da prova apresentada, sendo que esta tem de ter relevância para a questão decidenda, considerando a pretensão da Requerente e o confronto entre os seus interesses e do interesse público que cabe ao Requerido prosseguir em toda a sua dimensão axiológica, avaliada em função das circunstâncias de facto concretas alegadas de parte a parte, e dos factos provados, ainda que indiciariamente, não sobrevindo assim, como julgamos, nenhuma razão para que em sede da ponderação dos interesses em presença, possa obstar a que o Requerido não possa isentar a Requerente do exercício de funções no serviço de urgência, pelo menos até que a junta médica a constituir venha a emitir parecer fundamentado sobre o seu estado de saúde, e em particular, habilitando a final o Requerido a decidir sobre se essa sintomatologia é ou não determinante da prolação de uma decisão/deliberação em torno da isenção de serviço de urgência, como lhe foi requerido.

Como refere José Carlos Vieira de Andrade, in A Justiça Administrativa (Lições), pág. 303, “[...] não se trata aqui de ponderar o interesse público com o interesse privado, mesmo que muitas vezes o interesse do requerido seja o interesse público e o interesse do requerente seja o interesse privado: o que está aqui em conflito são os resultados ou os prejuízos que podem resultar para os interesses, da concessão ou a recusa da concessão, para todos os interesses envolvidos, sejam públicos, sejam privados. [...] o que está em causa não é ponderar valores ou interesses entre si, mas danos ou prejuízos e, portanto, os prejuízos reais, que numa prognose relativa ao tempo previsível de duração da medida, e tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, resultariam da recusa ou da concessão (plena ou limitada) da providência cautelar.”

Termos em que, por julgarmos estar em causa uma evidente predominância do direito à protecção na saúde por parte da Requerente ora Recorrente, deve assim ser jugado procedente o pedido de tutela cautelar por si requerido, devendo proceder-se à regulação provisória da situação da Requerente, assente no reconhecimento do seu direito a ser isenta da prestação de trabalho no serviço de urgência e que se abstenha o Requerido de a integrar nas escalas do serviço de urgência, quando assim for sujeita a junta médica convocada pelo Requerido para efeitos da avaliação da sua condição física, e esta, em parecer médico fundamentado, assim venha a apreciar e a decidir.

Ou seja, esta regulação provisória manter-se-á em sede de concessão de tutela cautelar, até que o Requerido ora Recorrido venha a emitir decisão/deliberação visando a apreciação do requerimento da Requerente datado de 24 de fevereiro de 2023, em que na base da sua essência decisória, esteja o parecer fundamentado da junta médica a constituir.

De maneira que, tem assim de proceder a pretensão recursiva da Recorrente, e de ser revogada a Sentença recorrida.

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E assim formulamos as seguintes CONCLUSÕES/SUMÁRIO:

Descritores: Processo cautelar; Juízo perfunctório; Tutela jurisdicional efectiva; Requisitos determinantes do decretamento das providências; Princípio da juridicidade.

1 – Nos termos do artigo 120.º, n.º 1 do CPTA, as providências cautelares são adoptadas quando haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e seja provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente, situação em que, como dispõe o n.º 2 deste normativo, mesmo ainda na eventualidade de terem sido julgados verificados esses requisitos determinantes, sempre a adopção das providências pode ser recusada quando em sede da ponderação dos interesses públicos e privados em presença, for julgado que os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências.

2 - A existência de perigosidade [seja na vertente do receio da constituição de uma situação de facto consumado, seja na vertente da produção de prejuízos de difícil reparação], e da aparência do bom direito [enquanto avaliação sumária da probabilidade de existência do direito invocado] para os interesses que os Requerentes visam assegurar no processo principal, constituem requisitos determinantes para efeitos de ser apreciada a providência requerida, recaindo sempre sobre eles o ónus de fazer a prova sumária desses requisitos.

3 - Para o decretamento de uma providência cautelar têm de ser invocados, e recolhidos pelo Tribunal a quo, em termos de matéria de facto, indícios suficientes da verosimilhança do direito de um funcionário a ver apreciado, precedendo a realização de junta médica, se reúne condições físicas para efeitos de realização de serviços de urgência em Hospital, pois só perante a existência de tais elementos de prova e pertinente enquadramento será possível ao julgador formular um juízo positivo a respeito do direito invocado.

4 - O princípio da legalidade está necessariamente conexionado com outros princípios, como a igualdade e a justiça, também previstos no artigo 266.º, n.º 2 da CRP, e aponta para o princípio mais abrangente da juridicidade da Administração, sendo que os mesmos só relevam, em princípio, na actividade discricionária da Administração, já que no campo vinculado o que importa ver é se a legalidade foi respeitada.

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IV – DECISÃO

Nestes termos, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, Acordam em conferência:

A) em CONCEDER PROVIMENTO ao recurso interposto pela Recorrente «AA»;
B) Em revogar a Sentença recorrida;
E em substituição,
C) Em julgar procedente o pedido de adopção de tutela cautelar formulado pela Requerente, nos termos da fundamentação expendida supra.


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Custas a cargo do Recorrido – Cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.

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Notifique.

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Porto, 17 de maio de 2024.

Paulo Ferreira de Magalhães, relator
Maria Fernanda Brandão
Rogério Martins