Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00032/09.3BEPNF
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/13/2020
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:ACIDENTE DE VIAÇÃO; JULGAMENTO DE FACTO.
Recorrente:Município de (...)
Recorrido 1:Auto T., Lda
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

RELATÓRIO
AUTO T., LDA., com sede na Rua (…), instaurou AÇÃO ADMINISTRATIVA COMUM contra o MUNICÍPIO DE (...), com sede nos Paços (…), AGS, SA, com sede na Rua (…), I. S.A., com sede no Lugar (…) e COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., com sede na Rua (…), pedindo a condenação destes a, solidariamente, lhe pagarem a quantia de € 24.280,51, acrescida de juros legais desde a citação até integral pagamento.
O MUNICÍPIO DE (...) requereu a intervenção acessória provocada da COMPANHIA E DE SEGUROS S.A..
Foi admitida a intervenção acessória provocada da L. S.A..
Na sequência de requerimento da A. foi homologada a desistência do pedido contra a AGS, S.A..
Por sentença proferida pelo TAF de Penafiel foi julgada parcialmente procedente a acção e:
-condenados o R. MUNICÍPIO DE (...) e a Ré, I. S.A. a, solidariamente na proporção respetivamente de 75% e 25%, a pagarem à A. a soma de € 19.280,51, acrescida de juros desde a citação até integral pagamento;
-absolvida a R., COMPANHIA DE SEGUROS, do pedido.
Desta vem interposto recurso pelo Réu Município.

Alegando, formulou as seguintes conclusões:
61.º
Sem prescindir do exposto supra, para onde e por brevidade se faz remissão e se pede a esse Tribunal que sejam aceites como complemento das presentes conclusões, em sucinta síntese poder-se-á concluir que:
1. O Presente recurso é tempestivo e nada obsta à sua aceitação;
2. A meritíssima juíza não presidiu às audiência de julgamento e produção de prova sobre a matéria de facto (produção da prova testemunhal) logo, sem excluir as contradições, incongruências e as imprecisões, é evidente que a meritíssima juiz não percecionou as condições objetivas, subjetivas e psicológicas como foram prestados os depoimentos;
3. A meritíssima juíza, porque não percecionou a produção da prova testemunhal sobre a matéria de facto não poderia decidir da mesma, e ao fazê-lo a sentença enferma de violação dos princípios do juiz natural, da plenitude da assistência do juiz e ainda da imediação, de que são instrumentais os princípios da oralidade e da concentração, uma vez que não podia proferir uma decisão sobre da matéria de facto ou de algo que, de todo, desconhece;
4. Os factos dados como provado nos Pontos 11, 13, 18 e 19 e, os factos dados como não provados nos Pontos 2, 4, 5, 6, 7, 8 e 10, tendo presente o probatório dos autos, acrescida da reapreciação da prova gravada, por falta de fundamentação deverão ser retificados e pelos motivos fundamentados/justificados supra, deverão ser alterados como factos provados, propondo-se a seguinte redação:
“Ponto 11. A plataforma da estrada, constituída pela faixa de rodagem, berma ou valete, no seu limite esquerdo terminava num muro, que era parte integrante da plataforma, e que confrontava com o prédio que se encontra a cota inferior da plataforma da estrada.
“Ponto 13. A hemi-faixa de rodagem da esquerda, atenta a direção de Rua de (...) e Rua de (...), estava em parte livre, entre os montes de terra e a berma ou valeta e o muro da plataforma da estrada, mas estava cortada ao trânsito.”
Ponto 18. O trânsito de veículos na Rua do (...) estava cortado e a anteceder o início da rua, junto à rotunda, havia um sinal ST8a, de desvio de itinerário em direção à Rua de (...), no sentido do Monte do (...) para (...).
“Ponto 19. A hemi-faixa da esquerda, atendo o sentido de marcha do veículo da Autora estava cortado ao trânsito.”
“Ponto 2. As terras resultantes dos trabalhos de escavação, para a abertura da vala, ocupavam a hemi-faixa esquerda, da faixa de rodagem da Rua do (...), impedindo a circulação de trânsito de veículos automóveis.”
Ponto 4. Atenta a circunstância que a abertura da vala provocava um estreitamento da faixa de rodagem da Rua do (...), antes do início dos trabalhos, junto à rotunda, o empreiteiro diligenciou pela colocação do sinal de trânsito ST8a, de desvio de itinerário, e do sinal C2, de trânsito proibido, a anteceder a entrada naquela rua.”
Ponto 5. Os sinais de trânsito eram visíveis por toda a gente, mormente pelos condutores dos veículos que por ali transitavam, que naturalmente infletiam para o lado direito ou esquerdo, seguindo aquela indicação e a sua escolha, isto é, desviavam a sua trajetória passando a circular pela Rua de (...) e/ou Rua da (...).”
Ponto 6. O encarregado das obras, Sr. J., ao aperceber-se que o pesado da Autora começou a entrar pela Rua do (...), e por facilmente verificar que o espaço que estava disponível, no lado esquerdo da faixa de rodagem era manifestamente insuficiente para a passagem do veículo/pesado, começou a gesticular e a fazer sinal ao condutor para não circular/avançar com o veículo por aquela rua.”
Ponto 7. O condutor do veículo/pesado não acatou as ordens, ignorou tais alertas dos trabalhadores do empreiteiro e prosseguiu a sua marcha na Rua do (...), até ficar imobilizado, por impossibilidade de prosseguir, por força da terra colocada na hemi-faixa esquerda, e nas condições que antecederam a queda da viatura.”
Ponto 8. Os rodados do lado esquerdo do veículo/pesado e do reboque, durante esse trajeto, ultrapassavam a hemi-faixa esquerda faixa de rodagem, circulou em cima da berma e, no mínimo, junto ao muro da plataforma da estrada.”
“Ponto 10. O veículo pesado e respetivo reboque ficaram impossibilitados de circular na Rua do (...) devido à terra que foi colocada na hemi-faixa esquerda da faixa de rodagem e porque estava de tal modo encostado ao muro da plataforma da estrada que se tornou impossível a continuidade da sua marcha, por aquela rua/artéria, vendo-se o respetivo condutor forçado a imobiliza-lo.”
5. Tendo presente o probatório dos autos, no qual está evidenciada a responsabilidade do condutor do veículo, consequentemente da Recorrida, na produção da ocorrência do acidente e dos danos sofridos, com o devido respeito, deverá ser aditado como facto provado o seguinte facto, que se propõe e transcreve:
Ponto 37. Independentemente da sinalização vertical de trânsito, denominada de D3a, de sinal obrigatório, de C2, de trânsito proibido e de ST8a, de desvio alternativo, o que obstava à circulação de trânsito na Rua do (...), o condutor também tinha perfeito conhecimento visual das obras que estavam a ser executadas na via pública e que obstavam à passagem da viatura que conduzia.”
6. Em face da prova produzida, conforme justificado supra, para onde se remete, tem-se que existe manifesto erro de julgamento, na apreciação da matéria de facto, e em consequência, dever-se-á proceder à alteração dos factos dados como provados e como não provados, conforme proposto supra e densificado nos números anteriores;
7. Em face da legislação em vigor, verifica-se que a sentença enferma de erro de julgamento de direito, porquanto contende com o disposto no artigo 20.º, da CRP, no artigo 605.º, da CPC, aplicável “ex vi” do artigo 1.º do CPTA e, n.º 2, do artigo 3.º, do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15.10, daí que, por falta de fundamento, deve ser declarada nula ou, no mínimo, anulada;
8. Em face da prova produzida nos autos, com o devido respeito, tem-se que não estão verificados os pressupostos que permitam imputar a responsabilidade da ocorrência à Recorrente sendo que, é inequívoco e cristalino, a mesma se deveu a culpa exclusiva do condutor da Recorrida porquanto, apesar da sinalização existente no local, de trânsito proibido, de sentido único e de desvio alternativo do trânsito, da circulação automóvel estar devidamente cortada acresce ainda o facto do condutor ter conhecimento prévio ou antecipado e visual das obras que decorriam na Rua do (...) e que foi mandado parar por parte dos trabalhadores que executavam os trabalhos, a quem não obedeceu e de forma temerária teimou em circular naquela via e apenas ficou imobilizado quando o veículo embateu com a parte direita do veículo na terra amontoada na hemi-faixa da faixa de rodagem, estar no limite da plataforma da estrada, junto, ou em cima, do muro e não se poder desviar mais, e neste contexto, foi o principal e único responsável pelo acidente, devendo pois ser excluída a responsabilidade da Recorrente;
9. A execução das obras na via pública estavam devidamente sinalizadas, com os sinais de trânsito, a anteceder a rua onde decorriam as obras, denominados de D3a - sentido obrigatório, de C2 - trânsito proibido e de ST8a - desvio alterativo de trânsito e as obras eram perfeitamente visíveis a qualquer pessoa ou condutor, logo a Recorrente cumpriu com as suas obrigações legais e o acidente somente ocorreu devido a manifesta falta de diligência e culpa exclusiva do condutor, neste caso da Recorrida, e neste contexto, com todo o respeito, não estão verificados os pressupostos de ilicitude, culpa e de nexo de causalidade, subjacentes à responsabilidade civil do Estado, pelo que, a Recorrente, deverá ser absolvida dos factos que lhe são imputados;
10. Em face do probatório dos autos e legislação aplicável, repondo-se a merecida e reclamada justiça, a presente ação deverá ser julgada totalmente improcedente com a total absolvição da Recorrente e dos demais réus.
Nestes termos e nos demais de direito que suprirão, o presente recurso deverá merecer provimento, consequentemente a sentença deverá ser revogada e substituída por outra, decidindo-se conforme o probatório dos autos e com as precedentes alegações e conclusões.
Assim fazendo,
JUSTIÇA!

A Autora juntou contra-alegações, concluindo:
1. A não coincidência entre o Magistrado que preside à produção da prova e aquele que julga, pode resultar de motivos vários, sejam eles ligados ao cargo, a razões de saúde, transferência, sanção disciplinar ou promoção
2. Relevante é que a descoincidência se fique a dever a motivos com suporte legal inerentes à organização e funcionamento da Magistratura, com apoio em normas gerais e abstractas e regulamentos dimanados dos órgãos jurídico-constitucionais competentes.
3. O Juiz, segundo as regras da competência e organização judiciária, for concluso o processo ou que o receber na sequência de movimentação judicial ou distribuição interna, tem o dever de proferir sentença no prazo legalmente estatuído para o efeito (art.° 605 do CPC).
4. O recorrente não alega que não se tenha verificada alguma das exceções previstas no artigo 605 do CPC.
5. Sem prejuízo, o proferimento da sentença final por juiz diferente do que decidiu a matéria de facto poderá constituir, quanto muito, numa simples nulidade processual, inominada ou secundária, que não constitui objecto admissível do recurso.
6. Não constituindo com certeza uma nulidade da sentença porque não prevista no artigo 615º do CPC.
7. E mesmo que pudesse constituir uma nulidade (uma outra nulidade que não a da sentença), a mesma teria que ser invocada junto do Tribunal que proferiu a sentença, o que o Recorrente não fez, pelo que tal nulidade ou irregularidade sempre estaria sanada definitivamente e transitada em julgado.
8. O objecto do recurso está delimitado pelas suas conclusões., sendo estas que balizam o conhecimento da decisão por parte deste Tribunal.
9. O recorrente, nas suas alegações não cumpre o formalismo de especificar, nas suas conclusões, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (artigo 640º, nº 1 do CPC.).
10. Pelo que, deve o recurso ser rejeitado no que se refere à pretensão da recorrente quanto à impugnação à matéria de facto (artigo 640º, n° 1 do CPC.).
11. O tribunal aprecia livremente as provas, decidindo segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.
12. Só em casos extremos é que a Relação poderá alterar a matéria de facto dada como assente pelo julgador da 1a instancia e apenas quando se verifique que as respostas dadas não têm qualquer fundamento face aos elementos de prova trazidos ao processo ou que estão totalmente desapoiadas face ao que se produziu em audiência de julgamento.
13. No presente recurso, o Recorrente pretende ver alterada a resposta dada a 11 factos (entre factos provados e não provados) o que, no fundo significa, que o Recorrente pretende é transformar este recurso num novo julgamento - o que não pode ser de todo.
14. Como bem salienta a sentença recorrida, a prova produzida em julgamento foi valorada em função da convicção adquirida pelo Tribunal acerca da sua correspondência com a realidade.
15. A convicção do Tribunal encontra-se devidamente fundamentada, as provas foram criticamente e criteriosamente valoradas e analisadas face à prova produzida em julgamento, designadamente através dos depoimentos prestados.
16. A Rua do (...) encontrava-se aberta à circulação, pela sua faixa esquerda, atento o sentido do veículo da autora.
17. É de salientar o depoimento das testemunhas F. e Eng. F. e ao facto de, antes de ter surgido o veículo da autora, ter circulado pela Rua (...), pelo menos, duas viaturas.
18. Refere a testemunha F. que entrou na via e "seguiu o desvio e o que os funcionários no local o mandaram avançar.
19. A testemunha J. diz que entrou na via e que o sinal (o colocado na rotunda) tinha a direção para santa Marinha (o sentido do veículo do autor) e que os funcionários que estavam no local também o mandaram avançar.
20. Estas duas testemunhas circularam na Rua do (...) momentos antes de ter surgido o veículo do autor, referindo que a sinalização indicava o sentido de Santa marinha (sentido do veículo do autor), mais frisando que o funcionário da Ré I., SA mandaram avançar.
21. A testemunha M. também se referiu quanto á sinalética existente e ao facto de a circulação não se encontrar cortada, antes se encontrava aberta circulação, e daí ter avançado.
22. A testemunha Eng. F., testemunha do recorrente, também referiu que passavam veículos ligeiros.
23. Também esta testemunha refere que não havia sinalização antes da obra.
24. E mais referindo que havia um funcionário a controlar o transito.
25. Ora, face à prova produzida em audiência de julgamento, somos forçados a concluir que Tribunal bem andou na decisão que proferiu, nem vemos sequer qualquer justificação plausível para que o recorrente pretenda a alteração por si preconizada, pretensão essa que não tem a mínima correspondência com a prova produzida.
26. Temos assim que a alteração à matéria de facto pretendida pelo recorrente deve ser julgada improcedente, senão rejeitada liminarmente, conforma acima exposto.
27. A responsabilidade dos RR funda-se, essencialmente, em dois pressupostos.
a. O dever de vigilância, fiscalização das vias públicas e devida sinalização dos obstáculos em resultado de trabalho nas vias.
b. E a obrigação de conservar as vias em bom estado de conservação e segurança.
28. Os RR não cumpriram com tais obrigações e que foram causa da ocorrência do acidente.
29. Da factualidade apurada é patente que os RR não sinalizaram convenientemente a existência das obras em curso, nem regularam de forma devida o trânsito que na Rua do (...), onde estava em curso a obra, em violação clara, pelo menos, dos artigos 5° do CE, artigo 9° do CE, artigo 10° do CE, artigo 28° da Lei 2110, artigos 77°, 78°, 82°, 83° e 96 ° do Regulamento do CE
30. Demonstrou-se ainda que a circulação na Rua do (...) era permitida, embora condicionada à faixa esquerda (atento o sentido do veículo do autor)
31. E ao ter permitido a circulação, não acautelou, ainda, o perigo que pudesse resultar daquele condicionamento, mormente quando se trata da circulação de veículos pesados.
32. Por outro lado, resulta mais do que evidente que a via ou estrada não estava em bom estado e em condições de segurança para o trânsito de veículos.
33. O muro de suporte da plataforma não estava preparado para suportar a carga de um veículo pesado.
34. Incumbia ao R. Município a obrigação de vigilância, conservação e adopção de medidas de segurança da via, designadamente de reforço do muro de suporte que cedeu.
35. E se o muro cedeu é evidente que o mesmo não estava em condições de suportar a carga de um veículo pesado.
36. O próprio Município, na averiguação que fez, e cujo relatório se encontra junto aos autos, que a empresa deveria ter averiguado se o trânsito de veículos, forçados a passar por cima da berma, não iria causar uma sobrecarga no referido muro, deveria averiguar se havia necessidade de perviamente proceder ao reforço do muro de suporte da plataforma e que a empresa não cuidou de restringir o trânsito a veículo com determinadas características.
37. Aliás, atente-se que o perigo que o muro apresentava para a circulação, poderia suceder em qualquer altura, houvesse obras ou não. Ou seja, sempre esteve ali
um potencial perigo para a circulação e que o Município sempre ignorou.
TERMOS EM QUE:
Deve improceder, in totum, o recurso interposto, mantendo-se a decisão recorrida.
Com o que se fará JUSTIÇA.

O MP, notificado nos termos e para os efeitos do artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.

Cumpre apreciar e decidir.

FUNDAMENTOS
DE FACTO

Na decisão foi fixada a seguinte factualidade:
1. Na sequência de concurso publico, o MUNICÍPIO DE (...) adjudicou à I. S.A. a execução da empreitada “Infraestruturas Associadas ao Reservatório R5 – Zona 1”. – facto assente K) e J), fls. 87 e ss. do suporte físico dos autos.
2. Tendo para o efeito celebrado em 10.8.2005 o contrato de empreitada, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. – facto assente L e fls. 87 e ss. do suporte físico dos autos.
3. A referida empreitada abrangia a obra de construção da rede publica de águas e de saneamento na Rua do (...), concelho de (...). – facto assente J), facto admitido por acordo.
4. A I. SA celebrou com a Companhia de Seguros S.A. o contrato de seguro, titulado pela apólice RC549014980, tendo por objeto “a garantia da responsabilidade civil extracontratual que, ao abrigo da lei civil, seja imputável ao segurado, através do pagamento das indemnizações que legalmente sejam exigíveis pelos danos patrimoniais ou não patrimoniais resultantes de lesões corporais e/ou materiais por este causadas a terceiros, enquanto na qualidade ou no exercício” da atividade de construção civil / obras publicas, sendo o capital seguro de € 748.196,85, sujeito em todo e qualquer sinistro à dedução da franquia de 10% sobre o valor da indemnização, com o mínimo de € 249,40 e máximo de € 1.246,96, regendo-se pelas condições particulares e especiais e gerais, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, e das quais consta, além do mais,
“Artigo 5.º - Exclusões
1. O presente contrato não cobre a responsabilidade pelos danos:
[…] f) resultantes de acidente de viação […]
o) decorrentes de perdas de exploração, paralisações, perdas financeiras puras (pure finantial losses), perdas de contratos, perdas de mercado ou qualquer perda daí consequente, perdas de imagem e outras perdas de idêntica natureza, designadamente de natureza económica e ainda todo e qualquer dano indireto;”
- factos assentes A) a F), fls. 169 e ss. do suporte físico dos autos.
5. O contrato de seguro titulado pela apólice RC54901480 encontrava-se em vigor em 10 de Fevereiro de 2006. – facto assente G) e fls. 169 e ss. do suporte físico dos autos.
6. O MUNICÍPIO DE (...) celebrou com a COMPANHIA E DE SEGUROS , S.A., agora denominada L. S.A., o contrato de seguro, titulado pela apólice n.º 095/00926785/000, vigente em Fevereiro de 2006, tendo por objeto a garantia das “indemnizações que, ao abrigo da lei civil, sejam exigíveis ao segurado pelos danos patrimoniais e não patrimoniais causados a terceiros, decorrentes de lesões corporais e/ou lesões materiais, em consequência do exercício da sua actividade de camara municipal‖, sendo o capital seguro por sinistro de € 249.400,00, sujeito em todo e qualquer sinistro à dedução da franquia de 10% sobre o valor da indemnização, com o mínimo de € 249,40, regendo-se pelas condições particulares e especiais e gerais, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, e das quais consta, além do mais,
“Artigo 2.º - Exclusões
Para além das exclusões constantes das condições gerais da apólice fical igualmente excluídos os danos resultantes de: […]
- do fornecimento de água […]
- da exploração de redes de esgotos e saneamento; […]
- do controlo de tráfego […]
Ficam ainda excluídos:
[…]
- Os danos causados pelos subcontratantes e subempreiteiros […]”
- facto assente H) e fls. 256 e ss. do suporte físico dos autos.
7. Na manhã do dia 10.2.2006, no âmbito da empreitada “Infraestruturas Associadas ao Reservatório R5 – Zona 1”, foram iniciadas obras na Rua do (...), freguesia de (...), pela empresa I. S.A..
8. As referidas obras traduziam-se na abertura de uma vala localizada no lado direito, atento o sentido Santa Marinha/Seroa, daquela artéria, destinada à instalação da rede de distribuição de água.
9. Em 10.2.2006 encontrava-se em curso na Rua do (...) a obra referida no ponto anterior. – facto assente J).
10. A Rua do (...) tem, aproximadamente, 7 metros de largura.
11. A plataforma da estrada no seu limite esquerdo terminava num muro confrontante com o prédio que se encontra a cota inferior da plataforma da estrada.
12. À medida que escavavam a vala na Rua do (...) os trabalhadores da I. S.A. colocavam as terras à esquerda da vala,
13. Deixando a hemi-faixa de rodagem da esquerda, atenta a direção de Santa Marinha/Seroa, livre numa largura de 4 metros entre os montes de terra e o muro confrontante com a plataforma da via.
14. Atento o sentido de marcha (...) – Monte do (...), a Rua de (...) entronca à esquerda com a Rua do (...).
15. Naquele local, na zona em que a Rua de (...) entronca com a Rua (...) existe uma rotunda na qual se encontra aposto o sinal D3a-obrigação de contornar a placa ou obstáculo pelo lado esquerdo, que obriga os respetivos condutores a circularem de modo a dar a sua esquerda à sua parte central.
16. Face à realização, pela I., SA de trabalhos na faixa de rodagem do lado direito da Rua do (...), no sentido de circulação para Santa Marinha/Seroa, foi colocado um sinal C2- transito proibido na zona em que a Rua da (...) entronca com a Rua do (...), sensivelmente ao centro da hemi-faixa de rodagem do lado direito da Rua do (...), entre a rotunda e o café.
17. E, bem assim, foi colocado do lado direito da rotunda um sinal amovível ST8a - desvio de itinerário direcionado para o lado esquerdo, ou seja, na direção da Rua de (...) atento o sentido de transito Monte do (...) – (...).
18. O transito de veículos na Rua do (...) encontrava-se condicionado e limitado à hemi-faixa de rodagem do lado esquerdo, atento o sentido de marcha do veículo da A., em virtude dos trabalhos de abertura de vala na hemi-faixa do lado direito.
19. A hemi-faixa da esquerda, atendo o sentido de marcha do veículo da A., encontrava-se aberta à circulação.
20. A A. é uma sociedade comercial que se dedica ao transporte rodoviário de mercadorias.
21. A A. é proprietária do veículo de mercadorias/trator com a matrícula XX-XX-XX e do reboque com a matrícula L-XXXXXX – fls. 979 e ss. do suporte físico dos autos.
22. M. é motorista de profissão, sendo em 10.2.2006 funcionário da A., encontrando-se nessa data ao seu serviço. – facto assente M).
23. Pelas 14.15h do dia 10.2.2006 M. conduzia o veículo de mercadorias com a matrícula XX-XX-XX que rebocava o atrelado com a matrícula L-XXXXXX,
24. O trator, atrelado e a carga de pó de pedra que transportava pesavam, aproximadamente, 40 toneladas e tinham uma largura de 2,60 metros.
25. Nessa data o veículo da A. circulava pela Rua de (...), na freguesia de (...), concelho de (...) no sentido (...) – Monte do (...).
26. Ao chegar ao entroncamento que liga a Rua de (...) à Rua do (...), o veículo da A. virou à esquerda para a Rua do (...), (quesito 5.º)
27. Entrando na Rua do (...) pela hemi-faixa esquerda, sem contornar a rotunda (quesito 8.º)
28. E passando a circular pela hemi-faixa esquerda da Rua do (...), em direção a Santa Marinha.
29. Atento o estreitamento da via face aos trabalhos que estavam a ser realizados na hemi-faixa do lado direito, o veículo da A. circulava na Rua do (...) com os rodados do lado esquerdo sobre o limite esquerdo da via junto ao muro.
30. Parte da plataforma da via e do muro aluiu, impedindo a marcha do veículo da A.
31. Pouco tempo depois o veículo da A. e o reboque capotaram para o lado esquerdo, sobre o terreno continuo à estrada e situado em plano inferior a esta.
32. Em consequência do acidente descrito nos pontos anteriores o veículo de mercadorias/trator com a matrícula XX-XX-XX e reboque com a matrícula L-XXXXXX ficaram com a sua lateral esquerda danificada.
33. A A. despendeu na reparação do trator a quantia de € 10.139,85, acrescida de IVA de € 2.129,38. – docs. fls. 33 e ss.
34. A A. despendeu na reparação do atrelado a quantia de € 4.968,00, acrescida de IVA no valor de € 1.043,28. – doc. de fls. 44.
35. Após o acidente e durante a reparação o veículo esteve paralisado.
36. A A. utilizava o veículo de mercadorias/trator com a matrícula XX-XX-XX e o reboque com a matrícula L-XXXXXX na sua atividade.
Em sede de factualidade não provada o Tribunal exarou:
Da discussão da causa não resultaram provados os factos que não constam do ponto IV.1., designadamente os seguintes:
1. A vala escavada pela I. S.A. encontrava-se no meio da Rua do (...).
2. As terras que resultavam dos trabalhos de escavação da vala ocupavam parcialmente a hemi-faixa de rodagem da esquerda da Rua do (...).
3. Além da sinalética referida nos pontos 15 a 17 dos Factos Provados, a existência de obras na Rua do (...) estava sinalizada com sinais verticais e luminosos, sinais de aproximação de obstáculo, pré-sinalização, sinalização avançada e sinais de limitação de obstáculo.
4. Atenta a circunstância de a abertura da vala provocar uma diminuição ou estreitamento da faixa de rodagem da Rua do (...), antes do início dos trabalhos o empreiteiro providenciou pela colocação de um sinal de desvio de transito para a direita na rotunda que antecede a entrada naquela artéria.
5. Tal sinal era visível por toda a gente, nomeadamente pelos condutores dos veículos que por ali iam passando, que naturalmente infletiam para o lado direito seguindo aquela indicação, isto é, desviavam a sua trajetória para a direita, passando a circular pela Rua da (...).
6. Ao aperceber-se que o pesado da A. começou a entrar pela Rua do (...) e por facilmente constatar que o espaço disponível do lado esquerdo da faixa de rodagem era manifestamente insuficiente para a passagem do pesado, o encarregado da obra, Sr. J., começou a gesticular e a fazer sinal ao condutor do pesado para não avançar com o pesado por aquela artéria.
7. O condutor do pesado ignorou tais alertas e prosseguiu a sua marcha pela Rua do (...).
8. Durante esse trajeto os rodados do lado esquerdo do veículo pesado e do reboque ultrapassavam a berma esquerda.
9. E faziam pressão sobre a parte superior do muro de granito em que assentava a berma.
10. A dada altura, aquele pesado e o respetivo reboque ficaram de tal modo encostados ao muro que se tornou impossível a continuidade da sua marcha por aquela artéria, vendo-se o respetivo condutor forçado a imobiliza-lo.
11. A A. esteve privada da sua viatura durante vários meses por não dispor de meios financeiros para a sua imediata reparação.
12. A reparação do trator e o atrelado durou 60 dias, durante os quais o veículo esteve paralisado.
E no que à motivação da factualidade tida por assente respeita consignou:
Como ponto prévio, considerando a entrada em vigor, já após a elaboração do despacho de fixação da matéria assente e da base instrutória, mas antes da realização da audiência final, da revisão ao Código de Processo Civil decorrente da Lei 41/2013 que passou a prever no art. 410.º do CPC que a instrução tem por objeto os temas de prova, a presente decisão da matéria de facto feita na sentença à luz do art. 607.º, n.º 4 do CPC, seguindo a linha orientadora do despacho de fixação da matéria assente e da base instrutória, fá-lo na conjugação do mesmo com o disposto nos arts. 410.º e 596.º do CPC e arts. 5.º, art. 411.º, 413.º e 415.º do CPC. Nessa medida, e também de forma a permitir uma adequada formulação e conjugação da factualidade relevante à decisão da causa, foram introduzidas pontuais modificações na redação da matéria de facto (quando por correspondência ao despacho de fixação da matéria assente e da base instrutória), sempre devidamente motivadas de acordo com o elemento probatório em que se fundaram e considerando a prova que serviu de base à formação da convicção do Tribunal. Do mesmo modo, foram extraídos da redação os juízos conclusivos e a matéria de direito que, em determinados pontos, se detetaram no despacho que foi elaborado em 7.1.2010 e, bem assim, eliminou-se a factualidade que, em suma, consistia numa repetição de factos já considerados.
A matéria de facto provada resultou da conjugação dos elementos documentais juntos aos autos com o depoimento das testemunhas ouvidas. Mais foram dados como provados os factos resultantes de acordo das partes ou admissão por acordo expresso ou pela não impugnação dos factos (art. 574.º, nº 2 CPC), considerando-se, além do mais, para esse efeito a matéria de facto assente fixada no despacho de 7.1.2010.
A prova documental foi valorada em concordância com o disposto nos arts. 362.º e ss. do CC, concretamente o art. 376.º do CC, na medida em que não vieram impugnados, dando-se conta da sua relevância para a demonstração do facto no respetivo ponto do probatório.
Neste contexto teve-se em consideração que a versão factual que terá correspondência à realidade é não só adequada a obter múltiplas provas, como coerente com todas as provas e perspetivas e dotada de maior probabilidade.
Quanto à prova testemunhal realizada, a mesma foi valorada em função da convicção adquirida pelo Tribunal acerca da sua correspondência com a realidade. Nesta medida, importa reter que foram, essencialmente, valorados os depoimentos na medida em que incidiam sobre circunstâncias ou eventos que a testemunha constatou por si própria e a sua credibilidade foi avaliada em função de circunstâncias objetivas (conformidade do depoimento com as regras da experiencia, probabilidade de ocorrência dos factos, o grau de corroboração ou infirmação dos factos afirmados por outros meios de prova, a sua coerência interna e externa) e subjetivas (em face do interesse no resultado da causa, as relações da testemunha, a sua pertença a grupo de interesses, as relações sociais com as parte) e das condições psicológicas evidenciadas pela testemunha.
Isto posto, quanto às obras realizadas na Rua do (...) a factualidade enunciada nos pontos 7 a 9 dos Factos Provados resultou da conjugação do documento de fls. 87 e ss. do suporte físico dos autos, correspondente ao contrato de empreitada celebrado entre o MUNICÍPIO DE (...) e a I., S.A., do facto assente J) e, bem assim, do depoimento das testemunhas dos Município, F., e do empreiteiro, F., ambos com funções no acompanhamento da obra, revelando pois, nesta matéria, razão de ciência e apresentando um depoimento consentâneo com a prova documental, coerente e objetivo. Revelaram, de forma concordante, que o início daquela frente de obra, na Rua do (...), se deu na manha do acidente e os trabalhos em que a mesma consistia. De notar que quanto ao lado da via em que os trabalhos de abertura de vala estavam a ser executados não existia, verdadeiramente, divergência entre as partes, sendo certo que não só tal resulta do auto de participação de acidente de viação a fls. 11 do suporte físico dos autos como todas as testemunhas ouvidas, incluindo as da A. que revelaram ter estado no local – M., F. e J. -, também o confirmaram.
A prova dos factos constantes dos pontos 10 a 13 dos Factos Provados assentou, no que às distâncias concerne no teor do auto de participação de acidente de viação a fls. 11 do suporte físico dos autos e que foram, in loco, atestadas pela entidade policial sem que a A. ou as RR. lograssem demonstrar diversas medições. Quanto à forma de como os trabalhos eram executados e ocupada a via foi considerado não só esse mesmo auto de participação como as fotografias de fls. 85 retiradas no local e dia do sinistro, conjugados com os depoimentos dos trabalhadores da R., I., S.A., J. e F., que, nesta parte, se revelaram coerentes entre si e consentâneos com a prova documental. De facto, revelaram que os trabalhos se cingiam ao lado direito da via (atento o sentido do veiculo da A.), não estando ocupada a hemi-faixa da esquerda e, em conformidade com o auto de participação, o tribunal face aos indícios existentes, dotados de precisão e concordância, considerou provada a colocação das terras no lado esquerdo da vala.
Neste âmbito retenha-se que da prova produzida, seja documental, seja testemunhal, não resultou que a vala se encontrasse no meio da Rua do (...), sendo certo que todas as testemunhas ouvidas a este respeito, especificamente os trabalhadores do empreiteiro, atestaram que a hemi-faixa de rodagem do lado esquerdo se encontrava livre. Nessa medida, não ficou provada a matéria constante dos pontos 1 e 2 dos Factos não provados.
Quanto ao ponto 11 dos Factos provados o Tribunal revelou, essencialmente, as fotos de fls. 83 e 218 juntas ao suporte físico dos autos e de cuja conjugação resulta, de forma clara, que a plataforma da Rua do (...) confronta com um muro, que delimita a estrada do terreno contiguo atestando que este se encontra a cota inferior, que se verifica estar, na área em que caiu o veiculo, ligeiramente elevado em relação à plataforma da estrada. De notar que a demonstração deste facto conduziu a que o Tribunal, quanto aos pontos 8 e 9 dos Factos não provados, não considerasse que a plataforma da via comportasse, nesse lado esquerdo, berma e que esta assentasse nesse muro, pois que é visível que a plataforma da estrada tem como limite esse muro e das fotos resulta (face à cota superior do muro em relação à estrada) a sua clara distinção. De resto, para esta consideração foi tido em conta o auto de participação e de cujo desenho, que se revela bastante esclarecedor e completo, se denota que a plataforma da estrada conflui com o muro, não vindo indicada a existência de berma.
A prova da matéria dos pontos 14 e 15 referente à descrição do acesso à Rua do (...) pela Rua de (...), a existência da rotunda e da sinalética de obrigação de contornar o obstáculo implantada na própria rotunda, resultou da conjugação do auto de participação a fls. 11, das fotografias de fls. 219, 932 e as plantas de implantação e fotografias aéreas juntas a fls. 992 e ss. do suporte físico dos autos. De resto, nesta matéria os depoimentos das testemunhas da A., M., F., J., porque consonantes com a prova documental existente foram, nessa medida, revelados para a conformação da convicção do Tribunal.
Os Factos 16 e 17, quanto à sinalização temporária colocada pela I., foram provados pela conjugação das fotografias de fls. 932 nos quais se verifica a existência dos sinais amovíveis de transito proibido (C2) e de desvio com indicação para a esquerda, com os depoimentos das testemunhas do A., M., F. e J..
Refira-se que, pese embora se tenha considerado a à data existente relação profissional da testemunha M. com a A., o que poderia diminuir a sua credibilidade, o depoimento do mesmo revelou-se concretizado, espontâneo e constante, coerente com a prova documental e com os depoimentos das restantes testemunhas do A.. Com efeito, as testemunhas indicadas revelaram ter passado no local quase simultaneamente ao condutor do veículo da A. e descreveram a sinalética ali colocada de forma homogénea quer entre si, quer com os elementos documentais existentes.
Estes fatores de veracidade da versão enunciada pela A. quanto à colocação do sinal de transito proibido apenas na hemi-faixa da direita e do desvio de transito para o lado esquerdo aposto no lado direito, conduziram a que o Tribunal não se convencesse quanto à hipótese trazida aos autos pelos RR. Com efeito, é de reter que de forma manifestamente discordante com a prova documental existente as testemunhas J., A. e F. indicaram que o desvio de transito se encontrava direcionado para o lado direito, na direção da Rua da (...), sem que lograssem explicar a dissonância do seu depoimento com as fotografias juntas aos autos.
Essa falta de compatibilidade com os elementos documentais, a incoerência dos depoimentos, a relação de anterior dependência profissional em relação à R. I., e quanto à testemunha F. a circunstancia de o mesmo se apresentar a relatar apenas o que teria ouvido dizer, não revelando conhecimento direto da factualidade sobre que depunha, conduziram a que o Tribunal afastasse a credibilidade dos depoimentos. Por esse motivo, e não existindo quaisquer elementos nos autos que atestassem qualquer outra sinalética relativa às obras na Rua do (...), ficou por demonstrar a factualidade que às Rés cabia provar e vertida nos pontos 3 a 5 dos Factos não provados.
A matéria vertida nos pontos 18 e 19 resultou, além do mais, da conjugação dos elementos probatórios que determinaram a prova dos factos 12 a 17, ou seja, em face da demonstrada localização dos trabalhos e da sinalética ali aposta, o Tribunal aferiu os condicionamentos ao nível da circulação à faixa esquerda de rodagem. Retenha-se que a única testemunha que referiu que o transito na Rua do (...) estaria cortado nos dois sentidos foi F., mas novamente o seu depoimento não foi considerado por resultar de “um ouvir dizer” que não encontrou qualquer outro suporte probatório. Ademais, as testemunhas da A. foram, nesta matéria, coerentes e consistentes, revelando depoimentos concretizados e uniformes, nos quais não se detetaram contradições, e que notaram que face à sinalética existente e aos sinais dos trabalhadores do empreiteiro, o transito de veículos se fazia, alternadamente nos dois sentidos, pela hemi-faixa de rodagem da esquerda da Rua do (...).
Os factos provados nos pontos 20 e 36 resultaram, essencialmente, do depoimento da testemunha M. que, sendo funcionário da A., depõe com conhecimento direito sobre a atividade por esta exercida, vindo atestada por J. enquanto cliente da A., de forma que objetiva e subjetivamente se revelou convincente.
Os factos 23 a 31 traduzem-se, essencialmente, na dinâmica do sinistro em causa nos autos, tendo a convicção do Tribunal quanto a esta matéria sido alicerçada na conjugação do auto de participação, das fotografias de fls. 13. e 83 e ss. do suporte físico dos autos, com os depoimentos de M., F. e J.. Com efeito, os múltiplos fatores pertinentes, como a espontaneidade e tempestividade das declarações, a sua constância e coerência interna, a sua verosimilhança, decorrente da ausência de contraste com outros elementos probatórios que apontassem no sentido contrário, logrou convencer o Tribunal da sua veracidade.
Neste conspecto, o Tribunal notou a existência de três depoimentos concretizados e coerentes, reveladores de conhecimento direto em relação à factualidade sobre que depunham, dado terem realizado o mesmo trajeto do veículo da A. praticamente de forma sucessiva e sem lapso temporal digno de registo.
Assim, a descrição do percurso realizado pelo veículo pela testemunha M., foi confirmado pela testemunha J. que se encontrava a indicar a direção ao condutor do pesado no veículo que o antecedia. Ambos notaram, ainda, a passagem do veículo de F. em momento anterior ao do camião da A., tendo sido tal circunstância confirmada pelo próprio condutor de tal viatura.
Todos os depoimentos foram uniformes quanto à permissão de circulação na Rua do (...) na direção de Santa Marinha pela hemi-faixa de rodagem da esquerda, sem necessidade de contornar a rotunda em face do condicionamento de transito na hemi-faixa direita, o que, de resto, resultou também da conduta dos trabalhadores da R. que se encontravam a gerir o transito. De facto, as testemunhas indicadas, a este respeito, foram uniformes em indicador que os trabalhadores da I. S.A. sinalizavam aos condutores a possibilidade de circular naquela hemi-faixa de rodagem “em contramão”. De resto, o que se verificou é que a circulação nessa faixa de rodagem e sentido, se é certo que não existia sinal de circulação alternada, não se mostrava proibida pela sinalética de transito ali colocada. Com efeito, o que o Tribunal reteve é que o sinal temporário de desvio de trânsito para a Rua de (...) - face à sua localização na rotunda nas imediações do sinal de transito proibido – era, essencialmente, destinado a desviar o transito que circulava pela Rua da (...), no sentido Monte de Pilar – (...), e que não podia entrar na Rua do (...), para a Rua de (...), não tendo sido colocada qualquer sinalética de desvio de transito ou de proibição de transito para quem circulasse no sentido em que o fazia o veiculo da A.. Ora, num contexto em que, essencialmente, a sinalética de contornar pela esquerda implantada na rotunda estava desativada pela proibição de transito na hemi-faixa de rodagem do lado direito e em face do local da colocação do sinal temporário de desvio de transito e do seu sentido para a Rua de (...), sem que se demonstrasse a possibilidade de inversão de marcha a quem já subia a Rua de (...) ou a existência de direção alternativa de desvio nesse sentido, é perfeitamente compreensível que a interpretação dada a esse sinal de desvio de transito, para quem circulava pela Rua de (...) no sentido (...) – Monte do (...), fosse a de ser permitida a circulação pela hemi-faixa de rodagem da esquerda da Rua do (...) na direção de Santa Marinha.
Nesta medida, a versão dos factos trazida aos autos pela A. foi confirmada pela testemunha que conduzia a viatura, em moldes consonantes com o demais suporte probatório carreado aos autos, nomeadamente quanto a ter tomado a Rua do (...) pela hemi-faixa de rodagem da esquerda.
Da conjugação das fotos de fls. 83 e ss. e 218 juntas ao suporte físico dos autos com o depoimento da testemunha, M., foi também possível aferir que o veículo circulava com os rodados do lado esquerdo no limite da plataforma, e não por cima do muro de suporte. Com efeito, as fotografias de fls. 83 e 84, tiradas com o veiculo imobilizado permitem verificar que todos os rodados se encontram no limite da plataforma e, dado que todos os rodados de um pesado se encontram no mesmo alinhamento, o facto de o rodado na parte da plataforma e muro que aluiu aparentar estar mais exteriorizado não é mais que uma questão de perspetiva. De resto, face à largura do veiculo, matéria que apesar de alegada pelos RR. foi demonstrada pela credibilidade atribuída à própria testemunha do A., e à largura da hemi-faixa de rodagem (4 metros) que se encontrava livre, estamos perante um cenário em que existia ainda um espaço livre de mais de 1 metro e que permitia que a circulação do pesado não se fizesse pelo muro, mas sim pela plataforma da via. Nesta matéria, o Tribunal considerou ainda que das fotografias indicadas resulta de forma clara que não foi (só) o muro que aluiu, mas sim a própria plataforma da via, o que, em face das regras da experiencia, é apto a determinar a paralisação da marcha do veiculo e face à progressão da área de aluimento da plataforma da via teve como efeito a queda do veiculo para o seu lado esquerdo. Tudo em consonância com a descrição da factualidade feita pela testemunha M..
Nesta matéria não se atribuiu credibilidade aos depoimentos de J. e A., testemunhas dos RR. que afirmavam um conhecimento direto da factualidade dado estarem no local, em face da sua manifesta dissonância com a prova documental existente especificamente as fotografias indicadas, da sua incoerência e, em suma, da ausência de sinais de veracidade que permitissem atestar a factualidade vertida nos pontos 6. a 10 dos Factos não provados. Efetivamente, essa falta de credibilidade resultou não só da incoerência ao nível da sinalética, como de os mesmos terem revelado depoimentos dissonantes quanto a quem teria alertado o condutor (teria sido o encarregado, mas depois também a testemunha José, para depois ser apenas o encarregado de obra), e, bem assim, em manifesto desacordo com as testemunhas da A., F. e J., relativamente às quais não existiam circunstancias subjetivas que fizessem questionar a sua versão da factualidade.
A factualidade dos pontos 32 a 35, referente aos danos sofridos, resultou da conjugação das fotografias de fls. 13, 20 e ss., 84 e ss. dos quais resulta, de forma clara, os danos sofridos pelo trator e atrelado, resultantes do capotamento da mesma face ao aluimento das terras. Atendeu-se, neste ponto, aos depoimentos de M., interveniente do acidente, que pormenorizou, na medida do possível, os danos existentes, conjugado com os depoimentos de R., cuja razão de ciência resulta de ser socio gerente da serralharia onde a reparação do atrelado foi realizada, e A., que participou na reparação do trator, que confirmaram os danos e valores despendidos pela A. na reparação e apostos nos documentos de fls. 33 e ss. e 44 do suporte físico dos autos. Atente-se que, não obstantes os documentos contabilísticos juntos aos autos, não se logrou demonstrar que, conforme alegado, os montantes suportados a título de IVA tivessem sido deduzidos pela A. e, nessa medida, estes não tivessem sido suportados por aquela.
As regras da experiência ditaram a demonstração da paralisação da viatura durante a sua reparação. Todavia não mais que isso pois que quanto aos pontos 11 e 12 dos Factos não provados a A. apenas a testemunha R. referiu que a reparação do atrelado teria durado aproximadamente 10 dias, sem que a testemunha A. lograsse indicar o período de reparação do trator. Por esse motivo, face à insuficiência da prova não se demonstrou a matéria em causa.
X
DE DIREITO
Está posta em causa a sentença que julgou parcialmente procedente a acção.
Atente-se no seu discurso fundamentador:

IV.1. Da responsabilidade civil extracontratual do MUNICÍPIO DE (...) e da I. S.A.

O A., invocando responsabilidade civil extracontratual decorrente da omissão dos deveres de manutenção, conservação, sinalização e regulação do transito na via municipal, pede a condenação dos Réus ao pagamento da quantia global de € 24.280,51, acrescidas de juros de mora a contar desde a data da citação e até integral e efetivo pagamento.
De acordo com o princípio geral da lei civil em matéria de aplicação da lei no tempo, na falta de disposição em contrário, a lei só se aplica aos factos futuros, entendendo-se como tais os factos que se produzem após a entrada em vigor da norma (art. 12.º, n.º 1, do Código Civil). Deste modo, atendendo a que a Lei n.º 67/2007 não dispõe de modo diverso, a mesma aplicar-se-á aos factos fundamentadores de responsabilidade que se venham a produzir após a sua entrada em vigor. Considerando que o facto fundamentador da responsabilidade nos autos é o acidente ocorrido em Fevereiro de 2006, temos que nessa data a concretização da responsabilidade civil extracontratual era feita, em geral, pelo Decreto-Lei n.º 48051, de 21.11.67 – aplicável, por isso, à situação em causa nos autos - que estabelecia o princípio de que «o Estado e demais pessoas colectivas públicas respondem civilmente perante terceiros pelas ofensas dos direitos destes ou das disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, resultantes de actos ilícitos culposamente praticados pelos respectivos órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse exercício» (art. 2.º).
Ora, na vigência do DL 48051 (antes da entrada em vigor do n.º 5 do art. 1.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro) numa obra pública executada por empreitada em que o dono da obra é uma autarquia local e o empreiteiro uma pessoa coletiva de direito privado, no que respeita à responsabilidade civil extracontratual, há que distinguir entre o dono da obra e o empreiteiro. Ao primeiro, enquanto pessoa coletiva de direito público, tem aplicação o disposto Decreto-Lei n.º 48051, de 21 de Novembro de 1967. Mas já quanto ao segundo, apenas têm aplicação as regras gerais da responsabilidade civil extracontratual, previstas nos artigos 483.º e seguintes do CC.
Esta circunstância leva-nos à aplicação nos presentes autos de dois regimes de responsabilidade, a saber o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e das demais entidades públicas por danos resultantes do exercício da função administrativa no que concerne à responsabilidade do 1.º Réu e o regime da responsabilidade civil extracontratual previsto no Código Civil quanto à 3.ª Ré.
Atente-se que tanto a responsabilidade civil extracontratual do Estado e pessoas coletivas públicas por factos ilícitos praticados pelos seus órgãos ou agentes, como a responsabilidade extracontratual por facto ilícito prevista na lei civil assentam nos mesmos pressupostos, sem prejuízo das especialidades resultantes das normas próprias relativas à responsabilidade dos entes públicos. Esses pressupostos, cumulativos, são o facto, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
No que se reporta ao facto a sua verificação há-de derivar de um evento dominável pela vontade, uma ação ou omissão, sendo que no caso da responsabilidade das pessoas coletivas será resultante do exercício de uma atividade regulada por normas de direito administrativo ou de uma ação ou omissão praticada no exercício de funções e por causa desse exercício (artigo 2.º, n.º 1 do DL 48051). As omissões apenas originam o dever de indemnizar quando se verifique o condicionalismo do art.º 486.º CC, segundo o qual «As simples omissões dão lugar à obrigação de reparar danos, quando, independentemente dos outros requisitos legais, havia, por força da lei ou de negócio jurídico, o dever de praticar o acto omitido».
Acrescentando-se que, nos termos do artigo 6.º do DL 48051 “consideram-se ilícitos os actos jurídicos que violem as normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis e os actos materiais que infrinjam estas normas e princípios e ainda as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração” e conforme dispõe o artigo 483.º do CC, o acto ilícito pressupõe a violação dos direitos de outrem ou de uma disposição legal destinada a proteger interesses alheios.
Tendo presente os termos em que a presente ação se mostra deduzida, quanto à responsabilidade do 1.º Réu, dúvidas não existem que nos autos estamos perante uma "operação material" regulada por normas de direito público já que se prende com alegada omissão de cuidado na manutenção/segurança de via e/ou de adequada sinalização de obras naquela via de trânsito, omissão essa regulada por normas de direito público e que se integra no âmbito da chamada "gestão pública" do ente público enquanto atividade desenvolvida por pessoas coletivas de direito público com atribuições e competências nesse âmbito [cfr. arts. 13.º, 16.º, al. b), 18.º, n.º 1, al. a) da Lei n.º 159/99, de 14.09].
Com efeito, nos termos dos normativos acabados de citar, encontram-se a cargo dos municípios responsabilidades no domínio dos transportes e comunicações, que abrangem deveres de gestão de ruas e arruamentos sob a sua jurisdição, designadamente o dever legal de assegurar a vigilância, fiscalização, sinalização e conservação das vias publicas (vd. neste sentido, entre muitos outros, os Acs. do TCA Norte de 25.3.2010, P. 00341/05.0BEPNF, de TCA Sul de 22.10.2009, P. 05287/09). Refere-se, assim, no acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 25.2.2010, P. 00636/05.3BECBR (sumário), que sobre o município “impendem deveres de adequada e legal manutenção e sinalização, mediante efectiva vigilância, limpeza e conservação da infra-estrutura rodoviária sob sua jurisdição, na qual se incluem não só as faixas de rodagem, mas igualmente as demais infra-estruturas a elas associadas, mormente as bermas e valetas e, naturalmente, os aquedutos e caixas de recolha de águas porventura nelas existentes.”
Acrescente-se que dispõe o art. 5.º, n.º 1 e 2 do Código das Estradas que os
1 - Nos locais que possam oferecer perigo para o trânsito ou em que este deva estar sujeito a restrições especiais e ainda quando seja necessário dar indicações úteis, devem ser utilizados os respectivos sinais de trânsito.
2 - Os obstáculos eventuais devem ser sinalizados por aquele que lhes der causa, por forma bem visível e a uma distância que permita aos demais utentes da via tomar as precauções necessárias para evitar acidentes”.
No art. 9.º do CE prevê-se quanto à “Suspensão ou condicionamento do trânsito” que,
1 - A suspensão ou condicionamento do trânsito só podem ser ordenados por motivos de segurança, de emergência grave ou de obras ou com o fim de prover à conservação dos pavimentos, instalações e obras de arte e podem respeitar apenas a parte da via ou a veículos de certa espécie, peso ou dimensões.
2 - A suspensão ou condicionamento de trânsito podem, ainda, ser ordenados sempre que exista motivo justificado e desde que fiquem devidamente asseguradas as comunicações entre os locais servidos pela via.
3 - Salvo casos de emergência grave ou de obras urgentes, o condicionamento ou suspensão do trânsito são publicitados com a antecedência fixada em regulamento.
E no art. 10.º do CE sob a epigrafe “Proibição temporária ou permanente da circulação de certos veículos”
1 - Sempre que ocorram circunstâncias anormais de trânsito, pode proibir-se temporariamente, por regulamento, a circulação de certas espécies de veículos ou de veículos que transportem certas mercadorias.
2 - Pode ainda ser condicionado por regulamento, com carácter temporário ou permanente, em todas ou apenas certas vias públicas, o trânsito de determinadas espécies de veículos ou dos utilizados no transporte de certas mercadorias.
3 - A proibição e o condicionamento referidos nos números anteriores são precedidos de divulgação através da comunicação social, distribuição de folhetos nas zonas afectadas, afixação de painéis de informação ou outro meio adequado.
Bem assim, prescreve o art. 28.º, n.º 1 da Lei n.º 2110 (Regulamento Geral das Estradas e Caminhos Municipais), que “1.ª Os locais das vias municipais que possam oferecer perigo para o trânsito, ou onde este tenha de ser feito com precaução, deverão ser assinalados por meio de placas com os sinais fixados na legislação em vigor”.
A sinalização de trânsito encontra-se regulada nos termos do Regulamento de Sinalização do Trânsito (Decreto Regulamentar n.º 22-A/98, de 01.10, na redação vigente à data dos factos) e que a respeito da sinalização temporária – isto é, aquela que se destina a prevenir os utentes da existência de obras ou obstáculos ocasionais na via pública e a transmitir as obrigações, restrições ou proibições especiais que temporariamente lhes são impostas – estabelece que “as obras e obstáculos ocasionais na via pública devem ser convenientemente sinalizados, tendo em vista prevenir os utentes das condições especiais de circulação impostas na zona regulada pela sinalização temporária” (arts. 77.º, n.º 1 e 78.º, n.º 1).
Nos seus arts. 82.º e ss. o Regulamento prevê os tipos e regras de sinalização temporária, que compreende, entre o mais, a sinalização de aproximação e a sinalização de posição e a sinalização final.
De notar que o art. 83.º do Regulamento impõe que ¯sempre que existam obras e obstáculos ocasionais na via pública, a zona onde estes se situam deve ser antecedida pela colocação de sinalização de aproximação‖ (n.º 1) que compreende a pré-sinalização – que será utilizada sempre que haja necessidade de fazer desvio de circulação ou mudança de via de trânsito ou sempre que a natureza e a importância de um obstáculo ocasional ou a zona de trabalhos o exijam (art. 84.º, n.º 1 do Regulamento), fazendo-se com recurso aos sinais de indicação previstos no art. 90.º, n.º 3 e onde se incluem os sinais ST7 – pré-sinalização de desvio de itinerário, ST8a e ST8b de desvio de itinerário e ST10 – circulação alternada –, a sinalização avançada – que será colocada após a pré-sinalização e apenas é dispensada nos casos em que as obras e obstáculos ocasionais, pela sua natureza e extensão, não impliquem condicionamento de trânsito e possam ser identificados com segurança através da sinalização de posição, que se concretiza nos sinais de perigo constantes no art. 90.º, n.ºs 1 e 2, sendo obrigatória a colocação do sinal A23 de trabalhos na via – e a sinalização intermédia – colocada sempre que as condições da via ou a natureza das obras e obstáculos imponham o recurso à limitação de velocidade, proibição de ultrapassar ou outras proibições, precedendo a sinalização de posição (arts. 83.º a 86.º).
Por sua vez, a sinalização de posição será utilizada sempre que haja quaisquer obras ou obstáculos ocasionais na via pública, que deve delimitar convenientemente o obstáculo ou a zona de obras, bem como as suas imediações, por forma bem definida, nas direções paralela e perpendicular ao eixo da via, fazendo-se com recurso aos sinais de obrigação previstos no capítulo II do Regulamento e aos dispositivos complementares previstos no artigo 93.º do Regulamento (art. 87.º).
Já o art. 96.º estabelece, nos seguintes termos os princípios de colocação da sinalização,
“a) A sinalização de aproximação deve ser colocada de modo que as posições relativas entre a pré-sinalização, a sinalização avançada e a sinalização intermédia sejam respeitadas;
b) O primeiro sinal de sinalização avançada deve ser colocado à distância de 600 m ou 400 m antes do obstáculo ocasional ou da zona de obras, conforme se trate, respectivamente, de auto-estradas ou das restantes vias públicas; com excepção das auto-estradas, a distância atrás indicada pode ser reduzida para 150 m fora das localidades e para 30 m dentro das localidades; […]
d) A sinalização de posição deve ser colocada na proximidade imediata da zona de perigo e balizá-la de forma conveniente;
e) A sinalização final deve ser colocada à distância de 100 m após a zona de obras ou de obstáculos ocasionais; […]”
Em face dos normativos expostos é notório que existe um dever de vigilância e fiscalização quanto ao desenrolar de obras na via pública e de devida sinalização dos obstáculos, designadamente aqueles que sejam resultado de trabalhos na via. E essa sinalização deve obedecer às prescrições legais em vigor, designadamente aquelas acabadas de citar.
Ademais tomadas as medidas necessárias e adequadas a assegurar a utilização das infraestruturas rodoviárias sob gestão municipal num contexto de segurança e diminuição do perigo que os mesmos sejam passíveis de representar, sinalizando o perigo na circulação e a assegurando a adequada fiscalização e manutenção da via de forma a, estando a mesma aberta ao transito, este se faça em condições de segurança.
Estas normas de atribuição de competências de administração, conservação, fiscalização e sinalização de infraestruturas rodoviárias, não podem deixar de ser consideradas como normas de proteção, destinadas pois também a proteger os direitos subjetivos daqueles que utilizam aquelas infraestruturas. Pelo que o seu incumprimento representará não só uma omissão ilegal, como também ilícita.
Como decorre da factualidade apurada encontravam-se a ser realizadas na Rua do (...) as obras de abertura de uma vala localizada no lado direito, atento o sentido Santa Marinha/Seroa, daquela artéria, destinada à instalação da rede de distribuição de água, obras essas abrangidas pelo contrato de empreitada “Infraestruturas Associadas ao Reservatório R5 – Zona” celebrado entra o 1.º e 3.º Réus. Daí que, em consonância com os normativos acabados de enunciar, designadamente os art.°s 77.º e ss. do Regulamento de Sinalização de Trânsito, exista um dever de sinalizar convenientemente as obras e obstáculos e, bem assim, os condicionamentos de transito que estes implicam – tais como a proibição de circular numa das hemi-faixas ou em determinado sentido ou de circulação alternada (nos dois sentidos) pela mesma hemi-faixa - alertando os utentes das vias para a existência desses constrangimentos no trânsito.
O que resulta da matéria fáctica provada é que as obras existentes no local onde ocorreu a queda do veículo da A. e os constrangimentos ao nível da circulação rodoviária naquela via que as mesmas comportavam se encontravam insuficientemente sinalizadas à data em que ocorreu o acidente. E mais que não estava assegurada a capacidade da via para suportar o transito que ali passava.
Com efeito, apenas vem provado que no entroncamento da Rua de (...) com a Rua (...) foi colocado um sinal C2- transito proibido na zona em que a Rua da (...) entronca com a Rua do (...), sensivelmente ao centro da hemi-faixa de rodagem do lado direito da Rua do (...), entre a rotunda e o café, e do lado direito da rotunda um sinal amovível ST8a - desvio de itinerário direcionado para o lado esquerdo, ou seja, na direção da Rua de (...) atento o sentido de transito Monte do (...) – (...). Além desta sinalização não se deu como provado que existisse, nas circunstâncias de tempo e lugar em causa, outra sinalização que alertasse para as obras e obstáculos, designadamente para a impossibilidade de circulação de pesados na via.
O respeito dos sinais de trânsito pelas entidades responsáveis pelas vias, exigem uma sinalização suficiente e adequada à prevenção das situações de perigo para o trânsito provocadas pelas obras a serem realizadas e pelos obstáculos criados à circulação, ou falta de condições de segurança das mesmas. Compreendem-se, assim, os diferentes tipos de sinalização e as regras na sua colocação.
Em conformidade com os normativos expostos o sinal ST8a de desvio de itinerário integra a pré-sinalização e o sinal C2 de trabalhos na via a sinalização intermédia, devendo estes ser colocados em respeito do art. 96.º do Regulamento de Sinalização de Trânsito, isto é, quanto ao sinal ST8a a distância superior à da sinalização avançada (que no caso é de 400 m, ou 30 metros, antes do obstáculo ocasional ou da zona de obras) e o sinal C2 será colocado antes da sinalização de posição (esta é colocada na proximidade imediata da zona de perigo e baliza-la convenientemente).
Não só é manifesto que os sinais não foram colocados no local adequado, como não se assegurou a pré-sinalização - incluindo, já que dada a impossibilidade de inverter a marcha na rotunda a única solução que não implicasse a circulação alternada na hemi-faixa da esquerda da Rua do (...) seria desviar o transito da Rua de (...) para a Rua da (...), quer o sinal ST7 – pré-sinalização de desvio de itinerário, quer o sinal ST8a com direção para a direita -, nem a sinalização avançada - pois que as obras em causa implicavam o condicionamento de trânsito e tao pouco foi colocado o sinal A23 de trabalhos na via, nem a sinalização de posição.
Acrescente-se que a existência de deficientes condições de circulação rodoviária designadamente para veículos pesados deve determinar a suspensão ou condicionamento do trânsito ou a proibição temporária ou permanente da circulação de certos veículos nos termos do art. 9.º e 10.º do CE e, naturalmente, ser acompanhada da colocação de sinalização C3B- transito proibido a automóveis pesados, C3C – transito proibido a automóveis de mercadorias, C3D – transito proibido a automóveis de mercadorias de peso total superior a (…).
À míngua de sinalização que satisfizesse a necessidade seja de alertar que se avizinhava um condicionamento ao trânsito, seja da proibição de circulação na via, é notório ter sido omitido o dever de fiscalização, vigilância e sinalização adequada do local onde se encontravam a ser realizadas as obras e onde se deu o acidente dos autos.
Acrescente-se que demonstrado o aluimento da plataforma da via, aquando da passagem do veiculo pesado, é notório que a estrada não se encontrava em bom e seguro estado de circulação, ou seja, a plataforma da estrada não suporta a carga a que está sujeita e, nessa medida, não asseguradas, de modo duradouro, as condições de segurança da circulação rodoviária.
De notar que não obstante estarem em causa obras executadas pelo empreiteiro, nem por isso sai afastada a responsabilidade do 1.º Réu pelo cumprimento dos deveres de vigilância, fiscalização e sinalização de obras e obstáculos na via pública e de garantir a circulação rodoviária em segurança.
Com efeito, verificamos supra que aos municípios estão atribuídas responsabilidades nos domínios da fiscalização, vigilância, sinalização e conservação das vias sob a sua jurisdição, competindo-lhes zelar e garantir a adequada e legal manutenção e sinalização das vias. De acordo com as disposições combinadas das normas dos artigos 2.º da Lei n.º 2110 de 19.8.1961, que aprovou o Regulamento Geral das Estradas e Caminhos Municipais, e 13.º, 16.º, al. b), 18.º, n.º 1, al. a) da Lei n.º 159/99, é das atribuições das câmaras municipais velar pela segurança do trânsito, de peões e veículos, nas ruas e demais vias municipais, competindo-lhe, portanto, tomar todas as medidas necessárias e adequadas para o efeito. Estas atribuições e competências definidas por lei são, nos termos previstos no art. 29.º. do CPA, irrenunciáveis e inalienáveis.
É, aliás, jurisprudência uniforme que os municípios têm o dever legal de assegurar a vigilância e sinalização das vias municipais mesmo quando nestas estejam a ser executadas obras por terceiros. Como se disse no Ac. do TCA Sul de 22.10.2009, P. 05287/09 ¯o dever de sinalização temporária de trabalhos, obras e obstáculos ocasionais existentes nas estradas municipais não cessa nem se suspende durante a execução das obras adjudicadas pela Câmara, pois a sinalização da via pública é um acto de gestão pública que compete, em termos da lei, à entidade pública‖. Ou seja, a gestão, conservação, manutenção, fiscalização e sinalização da via publica municipal é, de forma inalienável e irrenunciável, da responsabilidade do Município.
Já quanto à existência de um dever a cargo da 3.ª Ré, cuja omissão possa importar a sua responsabilidade pelos danos causados (cf. art. 483.º, n.º 1 e 486.º do CC), note-se que o art. 5.º, n.º 2 do Código das Estradas estabelece que os obstáculos eventuais devem ser sinalizados por aquele que lhes der causa.
Mais se note que, ao abrigo dos mais elementares deveres de cuidado, zelo e diligência, na realização de obras, especialmente na via pública, devem ser adotadas as medidas necessárias a assegurar a não ocorrência de prejuízos para terceiros e a salvaguardar que a execução decorre com a necessária e adequada segurança para o trânsito. Estando, assim, e de acordo com a experiência comum, a cargo dos responsáveis por essas obras, especiais deveres de vigilância e fiscalização incluindo na sinalização.
Como vimos, na Rua do (...) a execução dos trabalhos cabia à 3.ª Ré pelo que dúvidas não existem quanto à responsabilidade da 3.ª Ré pela devida sinalização dos obstáculos que criou com a execução da obra e pela sua vigilância e fiscalização, isto é, pela adoção das medidas e diligências necessárias a que esta se desenvolva e seja executada da melhor forma e garantindo a segurança de todos.
Já não lhe será associável, todavia, qualquer responsabilidade na garantia das condições de circulação na plataforma da via no que à hemi-faixa esquerda da mesma respeita, isto é, na sua falta de capacidade para suportar a carga a que está sujeita, pois que, como resulta do probatório, a intervenção da 3.ª Ré, cingiu-se à hemi-faixa direita e o certo é que o 1.º Réu não demonstrou nestes autos que, por via do contrato, a intervenção da Ré abrangesse a totalidade da plataforma da estrada, incumbindo a esta também um dever de conservação e manutenção da via.
Assim, estando a cargo dos 1.º e 3.º Réus os deveres de vigilância, fiscalização e sinalização de obstáculos e obras, e do 1.º Réu ainda o dever de manutenção e conservação da plataforma da via, verificada que está na factualidade apurada a sua omissão, encontra-se preenchido o primeiro pressuposto.
Face à demonstração do facto nos termos supra enunciados, dúvidas não soçobram quanto à sua ilicitude.
Nos termos do artigo 6.º do DL 48051 “consideram-se ilícitos os atos jurídicos que violem as normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis e os atos materiais que infrinjam estas normas e princípios e ainda as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração” e, conforme dispõe o artigo 483.º do CC, o ato ilícito pressupõe a violação dos direitos de outrem ou de uma disposição legal destinada a proteger interesses alheios.
De notar que na vigência do DL 48051 era unanime a leitura conjugada do art. 6.º com os arts. 2.º e 3.º que permitia concluir que a ilicitude não se refere só ao desvalor objetivo da conduta do lesante – a ilicitude objetiva -, mas também ao resultado lesivo desta conduta – a ilicitude subjetiva, ou seja, para haver ilicitude é também necessário que a Administração tenha lesado posições jurídicas substantivas dos particulares. Assim, a ilicitude não se basta com a mera ilegalidade, antes pressupõe a violação de um direito subjetivo ou de um interesse legalmente protegido, isto é, uma norma que se destine a proteger o interesse de outrem.
Para que haja ilicitude é necessário que a norma violada tenha entre os seus fins o de proteger o interesse do particular, sendo uma questão de interpretação determinar se a norma, além de impor uma obrigação jurídica à Administração, serve apenas o interesse público ou tutela também interesses privados, reconhecendo ou concedendo posições subjetivas aos particulares.
Também no domínio do Código Civil a ilicitude traduz-se na reprovação da conduta do agente no plano geral e abstrato da lei, podendo consistir na violação de um direito de outrem ou de qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios. No caso da violação de lei que protege interesses alheios tratam-se de leis que não conferem um direito subjetivo a essa tutela - designadamente as leis de trânsito e leis administrativas –, que visam principalmente a proteção de interesses coletivos, mas não deixam, também, de atender aos interesses particulares de indivíduos ou de grupos e visam prevenir o simples perigo de dano, em abstrato.
Neste concreto tipo de ilicitude é indispensável que se verifiquem três requisitos: primeiro, que à lesão dos interesses do particular corresponda a violação de uma norma legal; segundo, que a tutela dos interesses particulares figure entre os fins da norma violada, não seja mero reflexo dos interesses coletivos; terceiro, que o dano se tenha registado no círculo de interesses privados que a lei visa tutelar.
Ora, a verificação da omissão da sinalização adequada face ao dever imposto pelos normativos supra enunciados e que delimitam os tipos de sinais e as regras da sua colocação, e a omissão dos deveres de manutenção e conservação das estradas municipais é suficiente para a consideração da ilicitude da conduta.
Demonstrado, pela matéria fáctica provada, que apenas existia no local uma proibição de transito pela hemi-faixa da direita e um sinal de desvio colocado no lado direito na rotunda e com indicação de sentido para o lado esquerdo – ou seja, permitindo concluir a quem circulava na Rua de (...) que o desvio seria para entrar para a Rua do (...) pelo lado esquerdo da rotundo (e sem que se demonstrasse a informação dos trabalhadores da R. em sentido contrário) -, é manifesto que não foram respeitadas as regras de sinalização prescritas no Regulamento de Sinalização de Transito, sendo igualmente violados os deveres de cuidado necessários a evitar o evento.
Ademais, apurado o aluimento da plataforma da estrada à passagem de um veiculo não reunindo esta as condições de segurança necessárias à circulação, é notório que foram omitidos os deveres vigilância, fiscalização, conservação e manutenção das vias públicas por forma a que o piso da via reúna condições de segurança, ou, pelo menos, que não as reunindo o transito se mostre condicionado e devidamente sinalizado.
Assim, da factualidade apurada é notório ter a conduta omissiva violado o disposto nos arts. 5.º, n.º 1 e 2, 9.º e 10.º do Código da Estrada, 77.º, n.ºs 1 e 2, 78.º, n.º 1, 82.º, 83.º, 84.º, n.ºs 1 e 2, 85.º, n.º 1 e 2, 86.º, n.º 1 e 2, 87.º n.º 1 e 2, 90.º, n.º 3, 96.º do Regulamento de Sinalização de Transito, e bem assim, os deveres objetivos de cuidado, fiscalização e vigilância, manutenção e conservação.
Esta conclusão é suficiente para considerar ilícita a conduta do Réu, Município, face ao disposto no art. 6.º do DL 48051.
Quanto à 3.ª Ré encontramo-nos em face da segunda modalidade de ilicitude – violação de norma destinada a proteger interesses alheios. Ora, a matéria supra exposta é suficiente para considerar demonstrado que à lesão dos interesses do particular corresponde a violação de uma norma legal.
Não existem, igualmente, dúvidas que o disposto no art. 5.º, n.º 2 do Código da Estrada e os normativos citados e que regem a sinalização temporária, embora protejam em primeira linha interesses coletivos de segurança rodoviária, destinam-se, ainda, a tutelar os interesses particulares, designadamente de circulação rodoviária em segurança por forma a que não ocorram danos. E que, necessariamente, o dano se registou no círculo de interesses privados que a lei visa tutelar, já que o veiculo da A. não se encontrava a circular em espaço vedado ao público ou reservado a outras pessoas, mas antes num espaço e via públicos.
Assim, preenchidos estes requisitos é a conduta das 1.ª e 3.ª Rés ilícita.
Quanto ao pressuposto da culpa, esta consiste no nexo de imputação ético-jurídica que liga o facto ilícito à vontade do agente, exprimindo uma ligação reprovável ou censurável da pessoa com esse facto, aferida nos termos do artigo 487.º do CC (ex vi artigo 4.º, n.º 1 do citado DL 48.051).
Nos termos dos artigos 2.º e 4.º do DL 48051 se o titular do órgão ou agente do facto ilícito agiu no exercício das suas funções e, por causa delas, com mera negligência, há lugar a responsabilidade exclusiva da Administração (embora caiba ação de regresso se houver procedido com diligência e zelo manifestamente inferiores àqueles a que se achavam obrigados).
«Agir com culpa significa, pois, atuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito. E a conduta é reprovável quando pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, se concluir que ele podia e devia ter agido de outro modo» (cf. A. Varela, in RLJ, ano 102º, p.58 e segs.).
O apelo do legislador ao conceito de bom pai de família, vertido no n.º 2 daquele artigo 487.º do CC, implica, no âmbito da responsabilidade civil extracontratual de entes públicos, a comparação do comportamento ilícito apurado com o que seria exigível a um funcionário ou agente zeloso e cumpridor (cf. neste sentido, por ex., o Ac. STA de 13.05.99, P. 38081).
Como se disse no Ac. do TCA Norte de 25.03.2010 (P. 00341/05.0BEPNF) “afirmar a existência de culpa numa conduta ilícita - seja por violação das prescrições legais estabelecidas, seja por violação das regras de ordem técnica ou de prudência comum que deveriam ter sido adotadas - implica a formulação dum juízo de reprovação por se reputar que o funcionário/agente, naquele circunstancialismo concreto, tinha obrigação de conformar o seu comportamento de modo a não violar aquelas regras e que o não fez”.
Ainda no âmbito do DL 48051 observou-se no Ac. do STA de 7.12.1999 (P. 44836), “a responsabilização da Administração por ilícitos (acções ou omissões no âmbito da gestão pública não depende necessariamente da individualização, pelo lesado, dos representantes ou agentes da Administração a quem sejam imputáveis factos ilícitos concretos, podendo também resultar da chamada falta do serviço, naquelas situações em que os danos verificados não são susceptíveis de serem imputados a este ou àquele comportamento em concreto de um qualquer agente administrativo, antes são consequência do mau funcionamento generalizado do serviço administrativo em causa”. “A culpa do serviço deve ser apreciada em abstracto, atendendo-se ao standard de rendimento médio que seria exigível nas circunstâncias do caso concreto. Para definir o padrão de comportamento exigível poderão considerar-se as normas internas do serviço, os relatórios relativos a índices de produtividades quaisquer outros elementos de aferição, não sendo de excluir que se atendam a dados comparativos com serviços congéneres. [...] faz depender a responsabilidade por funcionamento anormal do facto de não ter sido adoptado o comportamento que era razoavelmente de exigir, face às circunstâncias do caso e aos padrões médios de resultado; isto é, tem-se em consideração, como ponto de referência, o que normalmente poderia ter sido realizado, para efeito de evitar a produção dos danos, em função dos meios e o modelo de organização de que o serviço dispunha no momento em que ocorreu o facto lesivo.” (Carlos Alberto Fernandes Cadilha, in Regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas, pp. 132 e 133).
Considerando estarem a cargo dos 1.º e 3.º Réus os deveres de vigilância, fiscalização e sinalização de obstáculos e obras, e do 1.º Réu ainda o dever de manutenção e conservação da plataforma da via, necessário se torna mostrar se a violação dos mesmos, através da conduta omissiva ilícita, lhes são atribuíveis a título de culpa.
Atente-se, no entanto, que valem aqui as denominadas presunções de culpa.
Com efeito, no domínio do direito privado e a respeito do art. 487.º do CC, tem sido, maioritariamente, considerado pela jurisprudência que a prova da inobservância de leis ou regulamentos faz presumir a culpa na produção dos danos decorrentes de tal inobservância, dispensando a concreta comprovação da falta de diligência (Acs. do STJ de 28/05/74, in BMJ 2372-231, de 20/12/90, in BMJ 402-558, de 10/01/91, in BMJ 403-334, de 26/02/92, in BMJ 414-533, de 10/03/98, in BMJ 475-635, ou de 09/07/98, in BMJ 479-592). É que, embora em matéria de responsabilidade civil extracontratual a culpa do autor da lesão em princípio não se presuma, tendo de ser provada pelo lesado (art. 487.º, n.º 1, do Cód. Civil), a posição deste é frequentemente aliviada por intervir aqui, facilitando-lhe a tarefa, a chamada prova de primeira aparência (presunção simples): se esta prova aponta no sentido da culpa do lesante, passa a caber a este o ónus da contraprova. Para provar a culpa, basta assim que o prejudicado possa estabelecer factos que, segundo os princípios da experiência geral, a tornem muito verosímil, cabendo ao lesante fazer a contraprova, no sentido de demonstrar que a atuação foi estranha à sua vontade ou que não foi determinante para o desencadeamento do facto danoso. Isto não está sequer em contradição com o disposto no art. 342.º do Cód. Civil, que consagra um critério de normalidade no que respeita à repartição do ónus da prova, no sentido de que aquele que invoca determinado direito tem de provar os factos que normalmente o integram, tendo a parte contrária de provar, por seu turno, os factos anormais que excluem ou impedem a eficácia dos elementos constitutivos do direito.
Estabelece-se, ainda, no art. 493.º, n.º 1 do CC, a presunção de culpa relativamente à omissão de deveres de vigilância. Nas situações abrangidas pela referida presunção de culpa, verifica-se uma inversão das regras relativas ao ónus da prova, estabelecidas no art. 342º do C.Civil, ou seja, ao lesado incumbe, apenas, o ónus da prova do facto que serve de base à presunção, entendida como o facto conhecido de que se parte para firmar o facto desconhecido, cabendo ao autor da lesão a prova principal de que não teve qualquer culpa no acidente gerador dos danos, bem como a de que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias, adequadas a evitar o acidente, ou de que este se deveu a caso fortuito ou de força maior só por si determinante do evento danoso (cfr. Ac. STA de 11.04.2002 – Rec. 48.442). Ou seja, a referida presunção legal pode ser ilidida pelo R., nos termos da parte final do citado art. 493º, nº 1 (“salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua”).
A aplicabilidade desta presunção legal à responsabilidade civil extracontratual da Administração, concretamente das autarquias locais, por atos ilícitos de gestão pública, constitui hoje orientação pacífica do Supremo Tribunal Administrativo, sedimentada a partir do Ac. do Pleno de 29.04.98 – Rec. 36.463. Assim, terá a Administração que demonstrar que os seus agentes cumpriram o dever de fiscalizar, de forma sistemática e adequada, a coisa móvel ou imóvel à sua guarda, ou que o evento danoso se ficou a dever a caso fortuito ou de força maior que teria igualmente provocado o dano ainda que não houvesse culpa sua (cfr. Ac. de 12.12.2002 – 930/02).
Ora, como resultou do probatório e das considerações tecidas a respeito dos demais pressupostos da responsabilidade, a conduta dos Réus violou o disposto nos arts. 5.º, n.º 2 do Código da Estrada, 77.º, n.ºs 1 e 2, 78.º, n.º 1, 82.º, 83.º, 84.º, n.ºs 1 e 2, 85.º, n.º 1 e 2, 90.º, n.º 3 e 96.º do Regulamento de Sinalização de Trânsito, e bem assim, os deveres objectivos de cuidado, fiscalização e vigilância.
Para afastar as presunções de culpa decorrentes da inobservância de leis ou regulamentos e, bem assim, a prevista no art. 493.º, n.º 1 do CC, os Réus teriam que provar que o facto de as obras, os condicionamentos de trânsito que elas determinavam e, não estarem sinalizados em consonância com as disposições legais e regulamentares e, bem assim, quanto ao 1.º Réu a omissão de manter e conservar a estrada dotando a plataforma da via das condições necessárias a suportar toda a circulação rodoviária que ali era admitida, não teria sido determinante para o evento, que cumpriram o dever de sinalizar, fiscalizar, manter e conservar de forma sistemática e adequada, a coisa à sua guarda, ou que o evento danoso se ficou a dever a fatores estranhos à sua vontade ou a caso fortuito ou de força maior que teria igualmente provocado o dano ainda que não houvesse culpa sua.
Ora, a este respeito os Réus nada demonstraram ao nível do cumprimento dos deveres que sobre si recaíam.
Atente-se que não foi demonstrada a colocação de qualquer outra sinalética, vg. sinais verticais e luminosos, sinais de aproximação de obstáculo, pré-sinalização, sinalização avançada e sinais de limitação de obstáculo, e o sinal de desvio de transito para a direita na rotunda que antecede a entrada naquela artéria, nem que os trabalhadores da 3.ª Ré tivessem de qualquer forma obstado à circulação do veículo por aquela hemi-faixa.
Não foi alegado, nem demonstrada qualquer fiscalização das obras, nem qualquer tipo de atividade de manutenção e conservação da plataforma da via pelos serviços municipais, nem sequer que a obra tivesse sido sinalizada de acordo com o plano, ordens e instruções.
Também a 3.ª Ré nada alegou e demonstrou nos autos que pudesse afastar a sua culpa no incumprimento dos deveres de sinalização, demonstrando que o evento danoso se ficou a dever a fatores estranhos à sua vontade.
Daí que, em consonância com o circunstancialismo factual apurado e quadro legal referido, não se vislumbra que qualquer dos R. tivesse adotado a diligência necessária a evitar o evento danoso e, consequentemente, o seu comportamento é culposo.
No que respeita ao nexo de causalidade entre o facto ilícito e culposo e o dano, a nossa ordem jurídica acolhe a teoria da causalidade adequada, segundo a qual a causa de um dano é a condição que, abstratamente, se mostre apta a produzi-lo. Essa adequação obtém-se a partir de um juízo de prognose a posteriori, baseado no conhecimento médio e na experiência comum, e tomando em conta as circunstâncias do caso.
Segundo esta teoria, dominante na jurisprudência e na doutrina, “o dano considerar-se-á efeito do facto lesivo se, à luz das regras práticas da experiência e a partir das circunstâncias do caso, era provável que o primeiro decorresse do segundo, de harmonia com a evolução normal (e, portanto, previsível) dos acontecimentos‖ (in Fernando Pessoa Jorge, Ensaio sobre..., pág. 392 e 393, Antunes Varela, Das obrigações em Geral, vol. I, 10.ª ed., Almedina, Coimbra, 2003, pág. 617).
“A teoria da causalidade adequada — pelo menos na sua formulação mais generalizada — parte da situação real posterior ao facto e, normalmente, ao dano e afirma a conexão entre um e outro, desde que seja razoável admitir que o segundo decorreria do primeiro, pela evolução normal das coisas‖. Por isso no artigo 563.º do Código Civil, “o legislador quis afirmar uma ligação positiva, em termos de juízo de probabilidade, entre o facto lesivo e o dano” (Pessoa Jorge, Ensaio…, pág. 411 e segs.)
Na formulação negativa da teoria da causalidade adequada, de harmonia com a doutrina de Ennecerus-Lehmann, a condição deixará de ser causa do dano sempre que seja de todo indiferente para a produção do dano e só se tenha tornado condição dele, em virtude de outras circunstâncias extraordinárias. O que afasta os danos que não são consequência normal do facto, mas antes o resultado de uma evolução extraordinária, imprevisível e, portanto, improvável (os chamados desvios fortuitos).
Contudo, o nexo de causalidade adequada subsiste ainda que o facto ilícito não seja produtor do dano, desde que seja a causa adequada de outro facto que o produz, tendo o segundo origem na oclusão do primeiro, ou como consequência provável dele segundo o curso normal dos acontecimentos.
Regressando aos autos, decorre do probatório que que o veiculo da A. circulava pela Rua de (...), na freguesia de (...), concelho de (...) no sentido (...) – Monte do (...) e ao chegar ao entroncamento que liga a Rua de (...) à Rua do (...) virou à esquerda, entrando na Rua do (...) pela hemifaixa esquerda, sem contornar a rotunda e passando a circular pela hemifaixa esquerda da Rua do (...), em direção a Santa Marinha. Atento o estreitamento da via face aos trabalhos que estavam a ser realizados na hemifaixa do lado direito, o veiculo da A. circulava na Rua do (...) com os rodados do lado esquerdo sobre o limite esquerdo da via junto ao muro verificando-se que parte da plataforma da via e do muro aluiu, impedindo a marcha do veiculo da A. e pouco tempo depois o veiculo da A. e o reboque capotaram para o lado esquerdo, sobre o terreno continuo à estrada e situado em plano inferior a esta.
Como se viu supra, em sede de apreciação do facto omissivo, concluiu-se que a sinalização existente era insuficiente para alertar seja a aproximação das obras existentes na Rua do (...) e a necessidade de desvio de transito para quem circulava no sentido do veiculo da A. para a Rua da (...), seja para dar a conhecer (atempadamente) impossibilidade de circular na hemi-faixa da direita e de circulação alternada (nos dois sentidos) pela hemi-faixa da esquerda, seja para obstar à circulação naquela hemi-faixa de rodagem (num ou nos dois sentidos) ou por veículos pesados. O aluimento parcial da plataforma da via à passagem de um veículo que nela não se encontrava impedido de transitar é também demonstrativo da falta de condições de segurança e da insuficiente manutenção e conservação da via.
Daí que, à luz das regras da experiência, é notório que foi, por um lado, a falta de sinalização e, por outro, a falta de condições de conservação e manutenção da via que conduziu a que o veículo da A. circulasse pela hemi-faixa de rodagem esquerda da Rua do (...) e, face ao aluimento da plataforma, determinasse o capotamento do veiculo e os danos que infra se apurarão.
A falta de sinalização dos obstáculos e de fiscalização, manutenção e conservação da via tornando-a segura para a circulação rodoviária é, assim, causa adequada à ocorrência do acidente dos autos.
As circunstâncias em que se deu o embate e que se mostram provadas permitem, com certeza e segurança, concluir que foi, por um lado, a ausência de sinalização e, por outro, a falta de condições de conservação e segurança da via que originou o acidente e os danos à A.. Com efeito, se o local estivesse convenientemente sinalizado, alertando para o estreitamento da via por força das obras ali a serem executadas e para a impossibilidade de face a essas obras não ser possível circular por aquela via e, bem assim, não estando a hemi-faixa restante apta à circulação rodoviária tivesse sido suspenso ou proibido ali o trânsito, ou – sendo permitida essa circulação - estivesse condicionado o transito a determinadas viaturas, é possível concluir que os danos não tivessem ocorrido, pois que o veiculo da A., conduzido pelo seu funcionário, naturalmente não teria entrado e circulado pela Rua do (...) nos termos em que o fez.
Em suma, os danos apenas ocorreram como resultado e consequência da conduta omissiva dos Réus, não tendo estes logrado provar que a mesma foi ou era de todo indiferente para a produção dos danos e que só se tornou condição deles em virtude de outras circunstâncias extraordinárias, razão pela qual se encontra demonstrado o nexo de causalidade.
Como se sabe, «[p]ara haver obrigação de indemnizar, é condição essencial que haja dano, que o facto ilícito culposo tenha causado um prejuízo a alguém» (cf. Antunes Varela, Das Obrigações em geral, Vol. I, Coimbra, 1986, p. 557). Os danos tanto podem ser patrimoniais como morais.
«Alude-se ao dano patrimonial ou material para abranger os prejuízos que, sendo susceptíveis de avaliação pecuniária, podem ser reparados ou indemnizados, senão directamente (mediante restauração natural ou reconstituição específica da situação anterior à lesão) pelo menos indirectamente (por meio de equivalente ou indemnização pecuniária). Ao lado destes danos pecuniariamente avaliáveis, há outros prejuízos (como as dores físicas, os desgostos morais, os vexames, a perda de prestígio ou de reputação, os complexos de ordem estética), que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a perfeição física, a honra ou o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização» (cf. Antunes Varela, Das Obrigações em geral, Vol. I, Coimbra, 1986, p. 561)
O critério da indemnização é o da restauração natural, sendo a indemnização em dinheiro apenas atribuível quando a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos, ou seja, excessivamente onerosa (art.º 3.º, n.º 2, RRCEEEP).
Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos patrimoniais, mas também aos danos não patrimoniais, abrangendo os danos já produzidos à data da acção e os danos que ainda venham a ocorrer (art. 3.º, n.º 3 RRCEEEP), e abarcando o dano emergente, ou seja a perda ou diminuição de valores que já integravam o património do lesado mas também os lucros cessantes, ou seja as vantagens que o lesado deixou de perceber em consequência do facto ilícito.
Ora, demonstrou-se que em consequência do acidente descrito nos pontos anteriores o veiculo de mercadorias/trator com a matricula XX-XX-XX e reboque com a matricula L-XXXXXX ficaram com a sua lateral esquerda danificada e que a A. despendeu na reparação do trator a quantia de € 10.139,85, acrescida de IVA de € 2.129,38 e na reparação do atrelado a quantia de € 4968,00, acrescida de IVA no valor de € 1.043,28. Ou seja, estamos perante danos patrimoniais, na modalidade de danos emergentes, e a sua reparação, nos termos dos arts.. 562.º e 566.º do Código Civil, passa pela indemnização dos montantes gastos pela A. para reparar a sua viatura.
Assim, a A. logrou provar que na sequência da conduta ilícita dos Réus sofreu danos, designadamente na sua viatura, e que se computam na quantia de € 18.280,51.
Invocou, igualmente, ter sofrido danos resultantes da privação do uso do veículo.
A questão da ressarcibilidade dos danos sofridos em razão da privação de uso é matéria discutida amplamente nos Tribunais comuns, e que não tem merecido tratamento unívoco. Assim, após o Ac. do STJ de 19-11-2009 (Proc. 31/04.1TVLSD.S1), em que se considerou que a mera privação do uso de um veículo, independentemente da demonstração de factos reveladores de um dano específico emergente ou de um lucro cessante, não é suscetível de fundar a obrigação de indemnização, veio no Ac. de 09-03-2010 (Proc. 1247/07.4TJVNF.P1.S1) a evoluir-se no sentido de que, para a atribuição de indemnização pela privação do uso é de exigir a prova de danos efetivos e concretos (situação vantajosa frustrada/teoria da diferença), bastando como critério de atribuição do direito à indemnização a demonstração no processo que, não fora a privação, o lesado usaria normalmente a coisa, vendo frustrado esse propósito.
Merece por nós adesão a doutrina do último dos citados arestos, devendo acrescentar-se que, salvo casos excecionais em que se demonstre que o lesado, por circunstâncias estranhas, deixou posteriormente de poder conduzir ou por qualquer forma, por si ou por outrem, de aproveitar o veículo, se deve presumir que o teria normalmente utilizado.
Provados os concretos prejuízos, ou reflexos negativos na situação patrimonial do lesado, resultantes da privação de uso de veículo, será nessa base que deverá ser calculada a indemnização, com recurso à teoria da diferença (art. 566.º, n.º 2 do CC). Se aqueles prejuízos não estiverem demonstrados, então o cálculo da indemnização por equivalente em dinheiro, necessária para reparar o dano de privação de uso deverá ser feito por recurso ao critério equitativo, para que subsidiariamente remete o art. 566.º, n.º 3 do CC.
Decorreu do probatório que, em consequência do acidente, o veículo e atrelado da A., que esta utilizava na sua atividade ficou, durante o tempo de reparação, impedido de circular, Não se apurou, no entanto, a duração deste impedimento na utilização da viatura.
Ou seja, o A. provou que sofreu danos específicos e computou este dano em € 6.000,00, correspondentes a uma paralisação de 60 dias a 100 €/dia.
Entende, no entanto, o Tribunal que esta quantia é manifestamente exagerada. Com efeito, a A. não logrou demonstrar a duração do impedimento, se este foi de apenas 1 dia ou de 1 mês ou outra duração, desconhecendo-se também em que moldes era utilizada da viatura.
Assim, computa o Tribunal, como adequado, os prejuízos sofridos pela privação do uso na quantia de € 1.000,00, correspondentes a uma paralisação de 10 dias à quantia diária de € 100,00.
Da factualidade alegada pelos Réus decorre, ainda, que estes alegam a culpa do lesado na produção ou agravamento dos danos.
Dispõe o art. 570.º, n.º 1 do CC que quando o comportamento culposo do lesado tenha concorrido para a produção ou agravamento dos danos causados, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas tenham resultado, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída. O n.º 2 do art. 570.º estabelece que se a responsabilidade se basear numa simples presunção de culpa, a culpa do lesado, na falta de disposição em contrário, exclui o dever de indemnizar.
Ora, analisados os elementos do probatório não se deteta onde resida a culpa do condutor da viatura da A., quer que este tivesse desrespeitado a sinalética ou se encontrasse a conduzir a sua viatura não prestando atenção à via e nem às condições de largura da via, nem tão pouco foram demonstrados os alegados alertas dos funcionários da 3.ª Ré.
Ou seja, não se demonstrou qualquer facto que permita ao Tribunal concluir pela culpa, ou pela concorrência da culpa, da A. que eliminasse ou diminuísse a responsabilidade de qualquer dos 1.º e 3.º Réus. Sendo assim, necessariamente, a indemnização deve ser concedida.
Quanto à medida da culpa, e consequências que advieram, de cada um dos Réus, temos que o acidente se deveu, por um lado à falta de sinalização – imputada a ambos os Réus - e, por outro, à falta de condições de conservação e manutenção da via, cuja responsabilidade era do Município. Ora, considerando o exposto temos que a culpa do Município é superior à da I. S.A. e, nessa medida, à luz do disposto no art. 497.º, n.º 2 do Código Civil, computa-se em 75% a responsabilidade do Município e em 25% a da R. I. S.A.
Às quantias supra indicadas devidas à A. a título de indemnização, acrescem juros moratórios à taxa legal devidos desde a citação até integral pagamento, nos termos do art. 805.º n.º 2, al. a) e 3 do CC.

IV.2. Da transferência da responsabilidade da I. S.A. para a Seguradora

A 4.ª Ré sustentou, a título de exceção peremptória, que à luz do art. 5.º, n.º 1 al. f) das Condições Gerais a responsabilidade está excluída do contrato, que o contrato de seguro não cobre paralisações (art. 5.º, n.º 1, al. o) das Condições Gerais) e que à indemnização que a I. venha a pagar terá que ser deduzida a franquia.
Como decorre do probatório a 3.ª Ré celebrou com a 4.ª Ré contrato de seguro tendo por objeto a garantia da responsabilidade civil – danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes de lesões corporais ou materiais causados a terceiros - que, ao abrigo da lei, seja imputável à 2.ª Ré na qualidade ou no exercício da atividade de construção civil (art. 2.º das Condições Gerais).
O art. 5.º das Condições Especiais do contrato de seguro dispõe na al. f) do seu número 1 que ficam excluídos do contrato os danos resultantes de acidente de viação.
Não temos dúvidas que o sinistro dos autos corresponde a um acidente de viação, na medida em que se trata de um evento inesperado que ocorre em uma via envolvendo veículos ou entre veículos e pedestres (ou animais), ou ainda, entre veículo e qualquer obstáculo presenta nas proximidades desta via.
Mas será que se encontra incluído na causa de exclusão prevista no contrato de seguro?
Porque se trata em primeiro lugar de apurar o que concretamente pretenderam os Réus, o sentido das suas declarações obtém-se a partir da sua interpretação, realizada segundo as disposições dos arts. 236 a 238 do CC, que consagram de forma mitigada o princípio da impressão do destinatário.
A regra contida no nº 1 do art. 236 do CC, para o problema básico da interpretação das declarações de vontade, é a seguinte: o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante. Excetuam-se apenas os casos de não poder ser imputado ao declarante, razoavelmente, aquele sentido (nº 1), ou o de o declaratário conhecer a vontade real do declarante (nº 2) (cfr. os profs. P. Lima e A. Varela, in “CC Anotado, Vol. 1º, 3ª ed., pág. 222”).
Por conseguinte, na interpretação dos contratos prevalecerá, em regra, a vontade real do declarante, sempre que for conhecida do declaratário. Faltando esse conhecimento, o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um destinatário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante (cfr., por ex., Acs do STJ de 14/1/97, in “C.J., ano V, tomo I, pág.46” e de 22/1/97, in “C.J., ano V, tomo I, pág. 258”).
Neste âmbito, deve recorrer-se para a fixação do sentido das declarações a determinados tópicos, ou seja, à “ordem envolvente da interação negocial”, como a letra do negócio, as circunstâncias do tempo, lugar e outras, que precederam a sua celebração ou são contemporâneas desta, bem como as negociações respectivas, a finalidade prática visada pelas partes, o próprio tipo negocial, a lei, os usos e costumes por ela recebidos, bem assim o comportamento posterior dos contraentes.
Nos negócios formais, se o sentido da declaração não tiver reflexo ou expressão no texto do documento, ele não pode ser deduzido pelo declaratário e não deve por isso ser-lhe imposto (art. 238 do CC). Isto significa que a letra do negócio (o texto do documento) surge como limite à validade de sentido com que o negócio deve valer, nos termos gerais da interpretação. Optou-se por uma orientação objectiva porque se pretende apurar qual o sentido a atribuir à declaração considerada relevante para o direito, em face dos termos que a constituem.
Por seu turno, a aplicação do art. 237 do CC confina-se, como, desde logo, resulta da sua epígrafe, aos casos duvidosos. A sua doutrina não prevalece contra as regras do art. 236 do CC, aplicando-se apenas se estas não puderem definir o sentido da declaração, ou seja, “vale para os casos em que a declaração, consultados todos os elementos utilizáveis para a sua interpretação de harmonia com o critério fixado no artigo anterior, comporta ainda dois ou mais sentidos, baseados em razões de igual força” (vide os profs. P. de Lima e A. Varela, in “ob. cit., pág. 224”).
Tomando estas considerações normativas por referência, não existe qualquer elemento interpretativo que nos permita excluir o acidente dos autos da norma de exclusão da abrangência do contrato de seguro. O normativo é claro, estão excluídos os acidentes de viação, sem que haja qualquer restrição designadamente quanto a viaturas ou respetivo proprietário envolvido nos mesmos.

Face ao exposto, os danos sofridos pela A., porque resultantes de um acidente de viação encontram-se excluídos do contrato de seguro celebrado pela 3.ª Ré com a 4.ª Ré.
Razão pela qual não cabe à 4.ª Ré o ressarcimento dos danos à A. que sejam da responsabilidade da 3.ª Ré, antes devendo o seu pagamento ser feito pela 3.ª Ré, procedendo a excepção peremptória inominada invocada.
X
Vejamos.
Da não coincidência entre o Magistrado que preside à produção da prova e aquele que julga -
Neste particular apenas cabe dizer que não existe fundamento legal para, com base no princípio estatuído no artigo 605º do CPC, recomendar que seja o juiz do julgamento da matéria de facto a elaborar a respectiva sentença, sendo apenas de sustentar que ao juiz que, segundo as regras da competência e organização judiciária, for concluso o processo ou que o receber na sequência de movimentação judicial ou distribuição interna, tem o dever de proferir sentença no prazo legalmente estatuído para o efeito (art.º 605º do CPC).
De resto, o proferimento da sentença por juiz diferente do que decidiu a matéria de facto poderia constituir, quando muito, uma simples nulidade processual, inominada ou secundária, que não constitui objecto admissível do recurso.
Não integrando uma nulidade da sentença porque não prevista no artigo 615º do CPC, tem de ser desatendida esta argumentação.
E mesmo que pudesse constituir uma nulidade (uma outra nulidade que não a da sentença), a mesma teria que ser invocada junto do Tribunal que proferiu a sentença, o que o Recorrente não fez, pelo que tal nulidade ou irregularidade sempre estaria sanada definitivamente e transitada em julgado.
De salientar ainda que o processo foi distribuído em 09/01/2019 à Senhora Juíza (conforme consulta no SITAF), por o mesmo integrar o acervo dos processos atribuídos à equipa de magistrados judiciais para recuperação de pendências, criada pelo DL 81/2018, de 15 de outubro, sendo que, nos termos do especificamente previsto no nº 1 do artº 3º deste diploma, “Cabe às equipas de recuperação de pendências a tramitação dos processos pendentes de decisão final, ainda que tenham sido realizadas diligências de prova”, norma especial que visa assegurar o objetivo de recuperação dessas pendências excessivas com resultados expressivos num curto espaço de tempo, a que se refere o preâmbulo do diploma.
Do erro de julgamento de facto -
Conforme tem sido sistematicamente entendido, quer pela doutrina quer pela jurisprudência, no que respeita à modificação da matéria de facto dada como provada pela 1ª instância, o Tribunal de recurso só deve intervir quando a convicção desse julgador não seja razoável, isto é, quando seja manifesta a desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando-se, assim, a devida relevância aos princípios da oralidade, da imediação e da livre apreciação da prova, bem como à garantia do duplo grau de jurisdição sobre o julgamento da matéria de facto - acórdão do STA, de 19/10/2005, proc. 0394/05. Aí se refere, no que aqui releva, que “o art. 690º-A do CPC impõe ao recorrente o ónus de concretizar quais os pontos de facto que considera incorretamente julgados e de indicar os meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa da recorrida. Este artigo deve ser conjugado com o 655° do CPC que atribui ao tribunal o poder de apreciar livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto. Daí que, dos meios de prova concretamente indicados como fundamento da crítica ao julgamento da matéria de facto deva resultar claramente uma decisão diversa. É por essa razão que a lei utiliza o verbo “impor”, com um sentido diverso de, por exemplo, “permitir”. Esta exigência decorre da circunstância de o tribunal de recurso não ter acesso a todos os elementos que influenciaram a convicção do julgador, só captáveis através da oralidade e imediação e, muitas vezes, decisivos para a credibilidade dos testemunhos. (É pacífico o entendimento dos Tribunais da Relação, neste ponto. Só deve ser alterada a matéria de facto nos casos de manifesta e clamorosa desconformidade dos factos assentes com os meios de prova disponibilizados nos autos, dando assim prevalência ao princípio da oralidade, da prova livre e da imediação - cfr. Abrantes Geraldes “Temas da Reforma do processo Civil, II vol., 4ª edição, 2004, págs. 266 e 267
Este entendimento tem sido seguido pela generalidade da jurisprudência (...): “A garantia do duplo grau de jurisdição não subverte, nem pode subverter, o princípio da livre apreciação das provas e não se pode perder de vista que na formação da convicção do julgador entram, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova e fatores que não são racionalmente demonstráveis”, de tal modo que a função do Tribunal da 2.ª instância deverá circunscrever-se a “apurar a razoabilidade da convicção probatória do 1.° grau dessa mesma jurisdição face aos elementos que agora lhe são apresentados nos autos” Acórdão de 13/10/2001, em Acórdãos do T. C. vol. 51°, pág. 206 e ss..)”.
Na verdade, decorre do regime legal vertido nos arts. 140º e 149º do CPTA que este Tribunal ad quem conhece de facto e de direito sendo que na apreciação do objeto de recurso jurisdicional que se prende com a impugnação da decisão de facto proferida pelo tribunal a quo se aplica ou deve reger-se, na ausência de regime legal especial, pelo regime que se mostra fixado em sede da legislação processual civil nesta sede. Ora com a revisão do CPC operada pelo DL 329-A/95, de 12/12, e pelo DL 180/96, de 25/09, foi instituído, de forma mais efectiva, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto. Importa, porém, ter presente que o poder de cognição deste Tribunal sobre a matéria de facto ou controlo sobre a decisão de facto prolatada pelo tribunal a quo não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento de facto, sendo certo que da situação elencada (impugnação jurisdicional da decisão de facto - artº 690º-A do CPC) se distinguem os poderes previstos no n.º 2 do artº 149º do CPTA que consagram solução diversa e de maior amplitude da que se mostra consagrada nos artº 712º e 715º do CPC. Assim, pese embora tal regime e situações diversas temos, todavia, que referir que os poderes conferidos no artº 149º/2 do CPTA não afastam os poderes de modificação da decisão de facto por parte deste Tribunal ao abrigo do artº 712º do CPC por força da remissão operada pelos arts. 1º e 140º do CPTA porquanto o TCA mantém os poderes que assistem ao tribunal de apelação no âmbito da fixação da matéria de facto quando esta constitui objeto ou fundamento de recurso jurisdicional. Daí que sobre o Recorrente impenda um especial ónus de alegação quando pretenda efetuar impugnação com aquele âmbito mais vasto, impondo-se-lhe, por conseguinte, dar plena satisfação às regras previstas no artº 690º-A do CPC. É que ao TCA assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal a quo desde que ocorram os pressupostos vertidos no artº 712º/1 do CPC, incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objecto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos.
A este propósito e tal como sustentado pelo Prof. Mário Aroso e pelo Cons. Fernandes Cadilha “(…) é entendimento pacífico que o tribunal de apelação, conhecendo de facto, pode extrair dos factos materiais provados as ilações que deles sejam decorrência lógica (…). Por analogia de situação, o tribunal de recurso pode igualmente sindicar as presunções judiciais tiradas pela primeira instância pelo que respeita a saber se tais ilações alteram ou não os factos provados e se são ou não consequência lógica dos factos apurados. (…) ” (em ob. cit., pág. 743).” (…) “Retomando o que supra fomos referindo sobre a amplitude dos poderes de cognição do tribunal de recurso sobre a matéria de facto temos que os mesmos não implicam um novo julgamento de facto, porquanto, por um lado, tal possibilidade de conhecimento está confinada aos pontos de facto que o Recorrente considere incorretamente julgados e desde que cumpra os pressupostos fixados no artº 690º-A n.ºs 1 e 2 do CPC, e, por outro lado, o controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialeticamente na base da imediação e da oralidade.
Os poderes de modificabilidade da decisão de facto que o artigo 712º do CPC atribui ao tribunal superior envolvem apenas a deteção e correção de pontuais, concretos e excepcionais erros de julgamento e não uma reapreciação sistemática e global de toda a matéria de facto.” “Para que seja alterada a matéria de facto dada como assente é necessário que, de acordo com critérios de razoabilidade, apreciando a prova produzida “salte à vista” do Tribunal de recurso um erro grosseiro da decisão recorrida, aparecendo a convicção formada em 1ª instância como manifestamente infundada”.
E como ressalta ainda do sumário do proc. nº 00242/05.2BEMDL, de 22/02/2013, acolhido por este TCAN em 22/05/2015 no âmbito do proc. 840/05.4BEVIS I. “Como tem sido jurisprudencialmente aceite, a garantia do duplo grau de jurisdição não subverte o princípio da livre apreciação das provas (art. 655º, n.º 1 do CPC) já que o juiz aprecia livremente as provas e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto, sendo que na formação dessa convicção não intervêm apenas fatores racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que em caso algum podem ser importados para o registo escrito, para a gravação vídeo ou áudio.
II. Será, portanto, um problema de aferição da razoabilidade, à luz das regras da ciência, da lógica e da experiência da convicção probatória do julgador no tribunal «a quo», aquele que, no essencial, se coloca em sede de sindicabilidade ou fiscalização do julgamento de facto pelo tribunal “ad quem”.
Voltando ao caso concreto, o Recorrente pretende impugnar a matéria de facto dada como provada e não provada.
Sucede que, como acima se deixou registado, o Tribunal a quo fundamentou, exaustivamente, quer a matéria de facto provada como a não assente, explicando ao detalhe como formou a sua convicção.
Como bem salienta a sentença, a prova produzida em julgamento foi valorada em função da convicção adquirida pelo Tribunal acerca da sua correspondência com a realidade.
A convicção do Tribunal encontra-se devidamente fundamentada, as provas foram criticamente analisadas e criteriosamente valoradas, designadamente através dos depoimentos prestados.
Relativamente à questão se a faixa esquerda da Rua do (...), atento o sentido do veículo da Autora, se se encontrava ou não aberta à circulação de trânsito, é de salientar o depoimento das testemunhas F. e Eng. F. e ao facto de, antes de ter surgido o veículo da Autora, terem circulado pela Rua (...), pelo menos, duas viaturas.
Refere a testemunha F. que entrou na via e “seguiu o desvio” e que os funcionários no local o mandaram avançar.
A testemunha J. diz que entrou na via e que o sinal (o colocado na rotunda) tinha a direção para Santa Marinha (o sentido do veículo do Autor) e que os funcionários que estavam no local também o mandaram avançar.
Estas duas testemunhas circularam na Rua do (...) momentos antes de ter surgido o veículo do Autor, referindo que a sinalização indicava o sentido de Santa Marinha (sentido do veículo do Autor), mais frisando que o funcionário da Ré I., SA mandou avançar.
A testemunha M. também se referiu quanto à sinalética existente e ao facto de a circulação não se encontrar cortada, antes se encontrando aberta, e daí ter avançado.
A testemunha Eng. F., testemunha do Recorrente, também referiu que passavam veículos ligeiros.
Também esta testemunha refere que não havia sinalização antes da obra.
E mais referindo que havia um funcionário a controlar o trânsito.
Temos assim que a alteração à matéria de facto pretendida pelo Recorrente nos está vetada.
Na verdade, não se detetando qualquer erro, pelo menos que seja ostensivo, manifesto, palmar, respeitar-se-á a livre convicção do Julgador.
Não se bulirá, por isso, no probatório.
Em suma:
-Os poderes dados à Relação sobre a alteração da matéria de facto provada em 1ª instância têm que se cingir a casos de flagrante desconformidade entre o que foi produzido em termos de prova e aquilo que foi dado como assente;
-Só em casos extremos é que a Relação poderá alterar a matéria de facto dada como provada pelo julgador da 1ª instância e apenas quando se verifique que as respostas dadas não têm qualquer fundamento face aos elementos de prova trazidos ao processo ou que estão totalmente desapoiadas do que se produziu em audiência de julgamento;
-No presente recurso, o Recorrente pretende ver alterada a resposta dada a 11 factos (entre provados e não provados) o que, no fundo significa, que pretende transformar este recurso num novo julgamento - o que não pode ser de todo;
-Como sentenciado, a prova produzida em julgamento foi valorada em função da convicção adquirida pelo Tribunal acerca da sua correspondência com a realidade;
-Tal equivale a dizer que a senhora Juíza cumpriu a obrigação que sobre si impendia: discriminou na sentença, os factos que considerou provados e não provados, analisou (de forma clara e especificada) criticamente a prova e expôs os fundamentos que foram decisivos para a formação da sua convicção em relação a cada facto (artigo 607º/3, 4 e 5 do CPC), explicitando, desse modo, não só a respectiva decisão como, também, os motivos que a determinaram.
Do erro de julgamento de direito -
A responsabilidade dos RR funda-se, essencialmente, em dois pressupostos:
-o dever de vigilância, fiscalização das vias públicas e insuficiência da sinalização dos obstáculos em resultado de trabalho nas vias; e
-a obrigação de manutenção das vias em bom estado de conservação e segurança.
Os RR não cumpriram com tais obrigações.
Da factualidade apurada é patente que os RR não sinalizaram convenientemente a existência das obras em curso, nem regularam de forma devida o trânsito na Rua do (...), onde estava em curso a obra.
Inexistiam sinais verticais e luminosos (artº 77º/2), inexistia sinalização de aproximação de obstáculo (artº 83º), inexistia pré-sinalização (artº 84º), inexistia sinalização avançada (artº 85º) e inexistiam sinais de delimitação do obstáculo (artº 87).
Mas o certo é que, apesar das obras em curso, demonstrou-se que a circulação na Rua do (...), embora condicionada à faixa esquerda, atento o sentido do veículo da Autora, era permitida.
E ao ter permitido a circulação, não acautelou, ainda, o perigo que pudesse resultar daquele condicionamento, mormente quando se trata da circulação de veículos pesados.
Por outro lado, revelou-se que a via ou estrada não estava em bom estado e em condições de segurança para o trânsito de veículos.
Com efeito, o muro de suporte da plataforma não estava preparado para suportar a carga de um veículo pesado.
Incumbia ao Réu Município a obrigação de vigilância, conservação e adoção de medidas de segurança da via, designadamente de reforço do muro de suporte que cedeu.
E se o muro cedeu é evidente que o mesmo não estava em condições de suportar a carga de um veículo pesado como era o dos autos.
O Réu Município não pode, assim, eximir-se à sua responsabilidade.
Aliás, atente-se que o perigo que o muro apresentava para a circulação, poderia suceder em qualquer altura, houvesse obras ou não. Ou seja, sempre esteve ali um potencial perigo para a circulação, que o Município sempre ignorou.
No mais, a transcrição que fizemos da sentença atesta que analisou com detalhe os pressupostos da responsabilidade civil, razão pela qual se afasta o erro de julgamento de direito que lhe vem imputado, mormente ao nível do artigo 20.º, da CRP, que não foi minimamente densificado, e também nos termos dos artigos 605.º, do CPC, aplicável ex vi do artigo 1.º do CPTA e n.º 2 do artigo 3.º do DL 81/2018, de 15/10.
Como concluído “(…) analisados os elementos do probatório não se deteta onde resida a culpa do condutor da viatura da A., quer que este tivesse desrespeitado a sinalética ou se encontrasse a conduzir a sua viatura não prestando atenção à via e nem às condições de largura da via, nem tão pouco foram demonstrados os alegados alertas dos funcionários da 3.ª Ré.
Ou seja, não se demonstrou qualquer facto que permita ao Tribunal concluir pela culpa, ou pela concorrência da culpa, da A. que eliminasse ou diminuísse a responsabilidade de qualquer dos 1.º e 3.º Réus. Sendo assim, necessariamente, a indemnização deve ser concedida.
Quanto à medida da culpa, e consequências que advieram, de cada um dos Réus, temos que o acidente se deveu, por um lado à falta de sinalização – imputada a ambos os Réus - e, por outro, à falta de condições de conservação e manutenção da via, cuja responsabilidade era do Município. Ora, considerando o exposto temos que a culpa do Município é superior à da I. S.A. e, nessa medida, à luz do disposto no art. 497.º, n.º 2 do Código Civil, computa-se em 75% a responsabilidade do Município e em 25% a da R. I. S.A. (….).
Assim, “(…) a conduta dos Réus violou o disposto nos arts. 5.º, n.º 2 do Código da Estrada, 77.º, n.ºs 1 e 2, 78.º, n.º 1, 82.º, 83.º, 84.º, n. ºs 1 e 2, 85.º, n.ºs 1 e 2, 90.º, n.º 3 e 96.º do Regulamento de Sinalização de Trânsito, e bem assim, os deveres objectivos de cuidado, fiscalização e vigilância.
Daí que, por falta de fundamento, tenham de improceder as conclusões da alegação.
DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso
.
*
Custas pelo Recorrente.
*
Notifique e DN.
*
Porto, 13/11/2020


Fernanda Brandão
Hélder Vieira
Helena Canelas (com a seguinte declaração de voto:
Voto a decisão, não subscrevendo, no entanto, integralmente, os considerandos tecidos quanto aos termos em que, de princípio, o tribunal de recurso pode ou deve operar o seu conhecimento quanto à impugnação do julgamento da matéria de facto).