Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02762/09.0BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/16/2025
Tribunal:TAF do Porto
Relator:PAULO MOURA
Descritores:CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO
Sumário:
I - Para que pudesse ser aplicado o regime especial de caducidade que esteve previsto entre 05/07/2001 e 31/12/2002, através do então n.º 5 do artigo 45.º da LGT, era necessário que a inspeção tributária estivesse a decorrer ou se tivesse iniciado neste hiato de temporal.

II - Como tal não sucedeu no caso dos autos, não é possível aplicar retroativamente uma norma que não estava em vigor no momento em que a inspeção tributária foi realizada à aqui Recorrente
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

«[SCom01...], Lda.», interpõe recurso da sentença que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações adicionais de IVA dos anos de 2001 e 2002, por entender que a sentença fez errada interpretação e aplicação da lei.

Formula nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:
1 - A liquidação de Iva efectuada refere-se aos anos fiscais de 2001 e 2002.
2 - Tal liquidação resultou de um procedimento de inspecção tributária.
3 - O procedimento de Inspecção iniciou-se em 17 de Dezembro de 2004 e o Relatório da Inspecção foi notificado à Recorrente em 2.06.2005 tudo conforme aos factos dados por assentes e provados na Sentença em seus pontos 1 e 6 dos factos assentes.
4 - A Recorrente foi notificada das liquidações em questão nestes autos e relativas a IVA em 2.01.2006.
5 - No limite, o prazo de caducidade do direito de liquidar iniciou-se em 16.06.2005, data limite para a conclusão da Inspecção com emissão do Relatório Final.
6 - Nos termos e por efeito do disposto no Artº 45, no 5 da LGT, na redacção que lhe foi conferida pela Lei 15/2001 de 5/06, o termo do direito de liquidar deu-se na data de 16 de Dezembro de 2005 pois que a caducidade do direito de liquidar operou em 17.12.2005.
7 - Os factos tributários ocorreram em 2001 e 2002 e por isso a lei tributária aplicável é aquela que se encontrava em vigor ao momento em que aqueles ocorreram - Lei 15/2001 de 5/06.
8 - De acordo com o princípio da legalidade, só podem ser cobrados os Impostos quando se verificam os pressupostos aos quais a lei condiciona a existência de uma obrigação fiscal, observadas as garantias dos contribuintes na lei estabelecidas como modo de reacção, não sendo licito e legal proceder a derrogações de tais garantias como direitos adquiridos na vigência de certa lei pois isso quebra a unidade sistemática do direito fiscal.
9 - O facto relevante aqui, e para a ocorrência da caducidade, já não é a ocorrência ou verificação do facto tributário mas uma outra circunstancia posterior; ou seja, o facto relevante é a data limite para a conclusão do processo inspectivo, data essa em que se inicia o prazo de caducidade de seis meses.
10 - A Sentença recorrida, com o devido respeito, fez errada interpretação e aplicação da lei e dessa forma deixando de apreciar e considerar a disposição do no 5 do Artº 45 da Lei Geral Tributária em vigor à data dos factos tributários e que deveria ter determinado a caducidade do direito de liquidar seis meses após o termo da acção inspectiva conforme à determinação da Lei.
Termos em que,
Deve ser concedido provimento ao Recurso Jurisdicional e, em consequência, ser revogada a Sentença Recorrida com todas as legais consequências.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Ministério Público emitiu parecer no sentido de o recurso ser julgado improcedente.

Foram dispensados os vistos legais, nos termos do n.º 4 do artigo 657.º do Código de Processo Civil, com a concordância da Exma. Desembargadora Adjunta e do Exmo. Desembargador Adjunto, atenta a disponibilidade do processo na plataforma SITAF (Sistema de Informação dos Tribunais Administrativos e Fiscais).
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Delimitação do Objeto do Recurso – Questões a Decidir.

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respetivas conclusões [vide artigos 635.º, n.º 4 e 639.º CPC, ex vi alínea e) do artigo 2.º, e artigo 281.º do CPPT] são as de saber se ocorreu a caducidade do direito a liquidar o IVA dos anos de 2001 e 2002.

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Relativamente à matéria de facto, o tribunal, deu por assente o seguinte:
IV – Matéria de facto
Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, consideram-se provados os seguintes factos:
1. Em 24.08.2004 foi emitida a Ordem de Serviço n.º ...14 de onde decorre o seguinte:” PROCEDIMENTO EXTERNO DE INSPECÇÃO
ORDEM DE SERVIÇO
(Art.º 46º do RCPIT)
Nº 57414
(…) DESPACHO
Proceda-se à Inspecção Externa 24/08/2004 (…)
(…)
4 EXTENSÃO – EXERCÍCIOS/PERÍODOS A FISCALIZAR
Exercício(s) 2 1 2 2
5 ÂMBITO DA ACÇÃO INSPECTIVA
(…)
X Parcial
IRS IRC X IVA X (…) Diversos – Despacho DF
(…)
8 Tomei conhecimento do conteúdo desta ordem de serviço, de que me foi entregue cópia
..., 17/12/2004 (Na qualidade de Sócio Gerente (…)” – cfr. fls. 563 do processo de reclamação graciosa (RG) junto aos autos.
2. Em 15.04.2005 o sócio gerente da [SCom01...], Lda. assinou a nota de diligência respeitante ao procedimento inspectivo atinente à Ordem de Serviço n.º ...25 – cfr. fls. 529 do processo de reclamação graciosa (RG) junto aos autos.
3. No cumprimento da Ordem de Serviço n.º ...25, os Serviços da Inspecção Tributária da Direcção de Finanças ... desencadearam procedimento inspectivo a [SCom01...], Lda., tendo sido detectado IVA em falta com recurso a métodos indirectos do período de 2001 no montante de 49.470,00 e IVA do período de 2002, no montante de €33.068,60 - cfr. fls. 35 a 57 do processo de RG junto aos autos.
4. Em 12.05.2005 foi proferido pelos Serviços da Inspecção Tributária da Direcção de Finanças ... relatório da Inspecção Tributária de onde decorre entre o mais, o seguinte: “(…)
IV MOTIVOS E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS
A tributação do exercício de 2001 e 2002 é efectuada com recurso a métodos indirectos previstos no art.° 85° da Lei Geral Tributária, Decreto-Lei nº398/98, de 17 de Dezembro, nos termos do disposto na alínea b) do art.° 87º, alínea c) do art.° 88º e artº90º da Lei Geral Tributária, pelo facto de existirem indícios seguros de que a escrita não reflecte a exacta situação patrimonial e o resultado efectivamente obtido nesses exercícios.
De acordo ainda com a análise efectuada, verificaram-se situações de irregularidade na escrita dos exercícios de 2001 e 2002 que impossibilitam a comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria colectável, em conformidade com o artigo 87.º da referida Lei Geral Tributária.
Verificaram-se as seguintes situações:
Margem Bruta da Venda de mercadorias declarada em 2001 muito abaixo da Margem Bruta obtida em amostragem
Em 2001, os valores declarados são os seguintes: (…) margem bruta sobre o custo (sem desp. Compra) 64,6 %
(…)
A Margem bruta das Vendas de Mercadorias, sobre o Custo, global, (sem despesas de compra) obtida em amostragem foi de 77% (cálculo do qual se dá conta em Anexo 2 e no ponto V deste relatório).
• Queda acentuada na Margem Bruta, sobre custo das Mercadorias, declarada em 2001 relativamente à declarada para 2000. (…)
Margem Bruta sobre o Custo 0,334 (2000), 0,293 (2001), 0,349 (2002)
Por teste ao inventário final do ano de 2001, verificou-se que o mesmo se encontra valorado por preços inferiores ao preço de custo, porquanto se constatou o evidenciado no quadro seguinte: (…)
Para as referências consideradas, em número de 29, verifica-se uma quebra de valor aproximadamente de 500.000$00, relativamente ao preço de factura, não tendo em conta despesas de compra que deveriam onerar também o preço do stock.
Também para a mercadoria que se encontrava em stock inicial (relação de existências em 31.12.2000), se verificou, por amostragem, uma quebra de valor no stock final (de acordo com a amostra indicada no quadro seguinte): (…)
Efectuado controlo quantitativo, quer em 2001 quer em 2002 a várias mercadorias, foram detectados desvios no consumo face às vendas declaradas para as mesmas.
Tais desvios são a prova clara e inequívoca da omissão de vendas aos registos contabilísticos.
I) Assim, foi efectuado controlo quantitativo aos jogos electrónicos das referências GLK-2002, GLK-6102, GLK-1219, GLK-1319, GLK-9105 e GLK-lll9, mercadoria com um valor significativo, uma vez que o preço de venda praticado era de 4.195$00 para GLK 1319 e de 2.995$00 para as outras referências.
Estas mercadorias foram adquiridas ao fornecedor [SCom02...] Company facturas FL 996-B e FL 965-B, com entrada das mercadorias em 11.04.2001 e 28.11.2001, registos em Compras de l 0.328.667$00, registo n"30 de Abril, processo de USD 45.600,00 e de 7.084.000$00, registo nº9l de Compras em Novembro/2001, processo de USD 32.200,00.
As existências iniciais destas mercadorias encontram-se referidas nas páginas 55 e 56 do inventário físico datado de 31.12.2000.
As existências finais destas mercadorias encontram-se referidas na página 41 do inventário físico datado de 31.12.2001.
Analisadas as Vendas, verifica-se que o consumo declarado é o que se resume no quadro seguinte (e que se discrimina por documento em anexo 3). (…)
Nesta mercadoria a omissão de vendas traduz-se em, aproximadamente, 4.520.000$00, (tendo em conta as unidades em falta e o seu preço de venda unitário (1.456 unid. X 2.995$00 + 38 unid. x 4.195$00). (…)
II) Também para os relógios de referência DN, adquiridos a [SCom03...]) Company, factura nº OIAE2-147-l, registo de Compras 96, de Dezembro de 2001, se constata a omissão de vendas aos registos de contabilidade de 68 unidades, conforme o indicado no quadro seguinte (…)
III) Ainda em 2001, para a mercadoria bonecas de porcelana, refª 18-Baby 1/2/3 com entrada no nº89 de Compras, em Novembro, se verifica o mesmo procedimento de omissão de vendas: (…)
IV) Também no ano de 2002 procedemos a um controlo quantitativo aos brinquedos de referência 12.120, 12.121, 12.125 ou 12.125A, 12.126 e 12.127, mercadoria com um valor significativo, uma vez que o preço de venda praticado era de € 42,50, para a primeira referência, € 45,50 para a terceira e €49, 75 para as restantes referências: (…)
Este consumo é diferente do apurado através das facturas emitidas ( cuja relação se junta em anexo 4) que totalizam 615 unidades vendidas, no conjunto dessas referências.
V) Ainda em 2002, para os brinquedos das referências indicadas no quadro seguinte, adquiridas a [SCom04...]) Limited, com entrada em armazém em Agosto de 2002, registo de Compras nº7 de Agosto, se verifica que as unidades saídas com documento, factura, ficam aquém do consumo declarado, conforme quadro seguinte, e anexo 5: (…)
V. Critérios e cálculos dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos
Face ao exposto no ponto IV deste relatório, a avaliação da matéria tributável do exercício de 2001 e 2002 é efectuada com recurso a métodos indirectos uma vez que, há impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável, nomeadamente no que se refere à quantificação das vendas omissas à escrita, face à irregularidade verificada na escrita, e pelos motivos indicados no ponto anterior.
O critério proposto é o seguinte:
• Aceitam-se os Custos do Exercício declarados, com excepção do CMV em 2002 que será corrigido tendo em conta a subavaliação do inventário de existências em 31.12.2001.
• Os Proveitos do exercício, registados na escrita, são corrigidos tendo em conta a Margem de Lucro, sobre o custo, obtida em amostragem.
Para 2001, ao valor das Compras, sem despesas de Compra (contabilizadas nas subcontas 312113 e 31214 e, parte, na subconta 312213), no total de 566.950.470$00 aplicam-se os coeficientes encontrados em estudo da amostragem, em anexo 2 (em 2001 o valor das Compras identifica-se praticamente com o valor do Custo da Mercadoria Vendida; a variação de stocks nesse exercício é praticamente nula).
A amostragem à Margem de Lucro Bruto efectuada teve em conta os seguintes grandes grupos de artigos, comercializados pela empresa: Bonecas de porcelana; artigos de resina; Leitores de cassete, rádios, máquinas calcular, jogos electrónicos, etc; Peluches, Brinquedos, Artigos de decoração, Óculos Sol, Artigos decorativos de Natal e Séries Lâmpadas, e Artigos diversos. (…)
Compras declaradas s/ despesas de compraCoeficienteVendas presumidas
566.950.470$00 1,771.003.500.000$00
Assim, de acordo com o quadro anterior e o seguinte, obteremos um valor estimado de Vendas de, aproximadamente, 1.003.500.000$00:
Relativamente a esse valor vamos ainda considerar as seguintes situações:
a) Dado que se verificaram alguns descontos ao preço de venda efectuados na própria factura, não muito frequentes, (por exemplo factura nº 50108 de 10.01.01), admite-se que a 10% dessas vendas foi concedido abatimento ao preço, de aproximadamente 5%, pelo que retiramos 5.000.000$00 relativo a eventuais descontos (L003.500.000$00 x 10% x 5%).
b) Admite-se ainda, no ano de 2001, uma regularização de existências por artigos partidos e avariados (uma vez que se constata tal situação, verificando-se várias devoluções de clientes, por esse motivo).
Para valorar tal regularização de existências, vamos ter em conta a "destruição de existências" efectuada no final do ano de 2000, no valor de € 37.874,30 (e igual à diferença entre o inventário final de 2000 no valor de € 810.802,69 e o valor considerado para existências iniciais no ano 2001. Ao inventário final, apresentado pelo sujeito passivo para o ano 2000, é necessário retirar a relação das mercadorias destruídas no final desse ano. Consultado o processo em arquivo na D. Finanças verifica-se que na relação de mercadorias destruídas não constam quaisquer jogos electrónicos, não pondo por isso em causa o controlo quantitativo efectuado para aquele tipo de mercadoria evidenciado no ponto IV. deste relatório). Assim, dado que 37.874,30 representa 1,1% do CMV declarado para 2000 (37.874,30 / 3.471.528,20 = 1,1 %) vamos considerar para regularização de existências no ano de 2001, aproximadamente, o valor de 1,1 % do CMV declarado para esse ano, ou seja 3.595.383,09 x 1,1%, 40.000,00, ou 8.000.000$00 (para simplificação de cálculos).
Teremos então um valor presumido de Vendas para 2001: 1.003.500.000$00-
5.000.000$00 - 8.000.000$00 = 990.500.000$00, ou seja, € 4.940.593,20, aproximadamente € 4.939. 700,62 para simplificação de cálculos. (…)
Para 2002, dado que foi declarada uma variação de stocks negativa, significativa, (Existência inicial de€ 776.427,12 e Existência final de€ 466.789,60) e que, portanto, significa que se vendeu o que foi adquirido no período (as compras) mais parte do que existia em stock inicial, pelo que o custo das Vendas em 2002 é igual ao custo do período (= Compras) adicionado a parte do custo do stock inicial, e, por essa razão, consideraremos como ponto de partida para estimativa do valor das Vendas o Custo da Mercadoria Vendida declarado, (a corrigir).
De referir que o valor do stock inicial (inventário final de 2001) se encontra "subavaliado", pelo que vamos admitir que o mesmo incorpora uma desvalorizacão na ordem 10% (tendo em conta a anteriormente relatado no ponto IV deste relatório)
776.427,12 / 0,9: 862.000,00 será o valor do Stock inicial considerado para apuramento do Custo da Mercadoria Vendida.
E, sendo CMV = Ei + Compras – Ef
Teremos CMV (corrigido) = 862.000,00 + 2.925.509,00 -466.789,00 = 3.320.720,00
Tendo em conta que o tipo de mercadoria comercializada pelo sujeito passivo em 2002 foi semelhante à comercializada em 2001, teremos em consideração os mesmos coeficientes a aplicar. Assim:
E dado que os valores para 2001 traduzem a relação seguinte, coeficiente que adoptaremos para 2002 (e que já entra em linha de conta com descontos e regularização de existências): (…)
Deste modo, propõem-se os seguintes valores para efeitos de IV A, em 2001 e em 2002:
IVA - IMPOSTO SOBRE O VALOR ACRESCENTADO
Face ao referido, resulta IVA em falta no ano de 2001 e de 2002, presumido, no valor total de € 82.538,60 determinado nos termos do artº 82º do CIVA.
E, presumindo-se que as Vendas omissas à escrita, (presumidas), no valor de €291.000,00 em 2001 e de € 183.709,00 em 2002, se distribuem equitativamente ao longo do ano, dado se desconhecer o momento da transacção das vendas omissas à escrita para simplificação de cálculos, teremos a base tributável em falta e IVA em falta:
2001 2002
Vendas omissas291.000,00 183.709,00
IVA a 17 %49.470,00 15.615,60
IVA a 19 %- 17.453,00
IVA em falta49.470,00 33.068,60
(em 2002, para simplificação de cálculos considera-se que as Vendas omissas, distribuídas uniformemente ao longo do ano, foram tributadas nos primeiros seis meses à taxa de 17% e nos restantes 6 meses tributadas a 19%). (…)
VIII. Direito de audição (…)
b) Tributação por métodos indirectos
O cálculo da margem bruta, global, declarada, sem despesas de compra, teve em conta não só as compras (sem despesas de compra) mas a questão da variação de stocks ser praticamente nula no exercício (variação de existências = € 3.498,73) que representa 0,1 % das compras consideradas.
A cotação usada nos cálculos efectuados no relatório de inspecção é a utilizada nos registos da escrita da empresa, conforme se retira e confirma da informação contida no extracto de conta corrente das compras. Daí que a evolução da cotação do dólar em nada interfere nos cálculos apresentados para a margem de lucro bruto, na amostragem. A variação do preço do dólar terá reflexo ao nível dos resultados financeiros (custos ou proveitos). A classificação das mercadorias em grupos de artigos contestada pelo sujeito passivo através de mapa apresentado não se encontra devidamente apoiada com documentos de prova. De referir ainda que os valores aí indicados pela empresa naos e referem a 100 % das compras registadas mas sim a 96 % desse valor. (…)” -– cfr. fls. 35 a 57 do processo de RG junto aos autos.
5. Fazem parte integrante do relatório do procedimento inspectivo a que se alude em 4) os Anexos I a V – cfr. fls. 490 a 525 do processo de RG junto aos autos.
6. Os Serviços da Inspecção Tributária da Direcção de Finanças ... remeteram a [SCom01...], Lda. o ofício n.º ....5/0507 respeitante à notificação do relatório do procedimento inspectivo, recepcionado em 2.06.2005 – cfr. fls. 526 a 528 do processo de RG junto aos autos.
7. Notificada do relatório do procedimento inspectivo, a [SCom01...], Lda., apresentou junto do Director de Finanças ... pedido de revisão da fixação da matéria colectável com recurso a métodos indirectos relativamente aos exercícios de 2001 e 2002 - cfr. fls. 184 a 190 do processo físico.
8. Em 18.10.2005 foi emitido parecer pelo perito da [SCom01...], Lda. – cfr. fls. 202 do processo físico.
9. No âmbito do pedido de revisão a que se alude em 7), foi emitido em 2.11.2005 parecer pelo perito da Fazenda Pública – cfr. fls. 198 a 201 do processo físico.
10. Em 8.11.2005 foi proferida decisão pelo decisor do procedimento de revisão de onde decorre entre o mais o seguinte: “(…) Nos termos e para os efeitos do n.º 6 do artigo 92.º da Lei Geral Tributária, concordo com o parecer do perito da Administração Tributária e indefiro a reclamação do contribuinte e mantenho os valores fixados com base no relatório da inspecção tributária de 12.05.2005 (…)2 – cfr. fls. 203 a 206 do processo físico.
11. Na sequência do procedimento inspectivo que se alude em 3. foi emitida em 3.12.2005 a liquidação adicional de IVA n.º .....035 do período de 0109, no montante de €4.121,90, n.º -----037, do período de 0110, no montante de €4.121,98, n.º .....039, do período de 0111, no montante de €4.121,79, n.º .....041, do período de 0112, no montante de €4.127,87, n.º .....043, do período de 0201, no montante de €2.602,40, n.º .....045, do período de 0202, no montante de €2.602,59, n.º .....047, do período de 0203, no montante de €2.602,55, n.º .....049, do período de 0204, no montante de €2.602,56, n.º .....051, do período de 0205, no montante de €2.602,65, n.º .....053, do período de 0206, no montante de €2.601,89, n.º ......055, do período de 0207, no montante de €2.908,01, n.º .....057, do período de 0208, no montante de €2.908,04, n.º .....059, do período de 0209, no montante de €2.908,10, n.º .....061, do período de 0210, no montante de €2.908,15, n.º .....063, do período de 0211, no montante de €2.908,34, n.º .....065, do período de 0212, no montante de €2.912,99, e respectivas liquidações de juros compensatórios n.º .....036, do período de 0109, no montante de €760,46, n.º .....038, do período de 0110, no montante de €738,34, n.º .....040, do período de 0111, no montante de €713,80, n.º .....042, do período de 0112, no montante de €689,52, n.º .....044, do período de 0201, no montante de €420,73, n.º ......046, do período de 0202, no montante de €405,79, n.º ......048, do período de 0203, no montante de €390,81, n.º .....050, do período de 0204, no montante de €374,84, n.º .....052, n.º .....052, do período de 0205, no montante de €360,38, n.º .....054, do período de 0206, no montante de €343,81, n.º .....056, do período de 0207, no montante de €368,08, n.º .....058, do período de 0208, no montante de €351,35, n.º .....060, do período de 0209, no montante de €333,52, n.º .....062, do período de 0210, no montante de €317,35, n.º .....064, do período de 0211, no montante de €300,08, n.º .....066, do período de 0212, no montante de €282,68 - cfr. fls. 541 e 544 do processo físico.
12. As liquidações a que se alude em 11., foram remetidas a [SCom01...], Lda. por carta registada com aviso de recepção e foram recepcionadas em 2.01.2006 – cfr. fls. 174 a 177 do processo físico e fls. 531 a 533 do processo de RG junto aos autos.
13. Das liquidações descritas em 11. foi deduzida reclamação graciosa – cfr. fls. 2 a 11 do processo de RG junto aos autos.
14. Em 19.07.2007 foi deferida parcialmente a reclamação graciosa a que se alude em 13., tendo sido decidida a anulação das liquidações de IVA do período de 0101, 0102, 0103, 0104, 0105, 0106, 0107, 0108 e respectivas liquidações de juros compensatórios e mantidas as liquidações do período de 0109, 0110, 0111, 0112 e todas as liquidações do período de 2002– cfr. fls. 564 a 567 do processo de RG junto aos autos.
15. Na sequência da decisão que recaiu sobre a reclamação graciosa foi anulada a liquidação de IVA do período de 0101, 0102, 0103, 0104, 0105, 0106, 0107, 0108 e respectivas liquidações de juros compensatórios – cfr fls. 573 a 589 do processo de RG junto aos autos.
16. No âmbito do processo de execução fiscal n.º ...41, instaurado para cobrança das liquidações a que se alude em 11., foi apresentada a garantia bancária n.º ..............2179 para garantir o pagamento até ao montante de €107.864,86 – cfr. fls. 299 do SITAF
17. Com a prestação da garantia descrita em 16., a [SCom01...], Lda., suportou encargos no montante de €9.604,62 – cfr. fls. 299, 310, 328, 348 do SITAF.

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Factos não provados
Não resultaram provados quaisquer outros factos não assentes supra.

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Motivação da decisão de facto
O Tribunal considerou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos, que não foram impugnados, assim como, no PA junto aos autos e ainda na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados [cfr. artigo 74º da Lei Geral Tributária (LGT)], também são corroborados pelos documentos juntos, cfr. predispõe o artigo 76º n.º 1 da LGT e artigo 362º e seguintes do Código Civil.

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Apreciação jurídica do recurso.

Alega a Recorrente que ocorreu caducidade do direito a liquidar o IVA dos anos de 2001 e 2002, em virtude de ser aplicável o disposto no n.º 5 do artigo 45.º da Lei Geral Tributária, na redação dada pela Lei n.º 15/2001, de 5 de junho, tendo os factos tributários ocorrido na vigência desta norma, por isso sendo aplicável aos factos tributários em apreço.
Alega, ainda, a Recorrente que o facto relevante para que ocorra a caducidade é a data limite do processo inspetivo, na qual se inicia o prazo de caducidade de seis meses, tendo a sentença efetuado errada interpretação e aplicação da norma, pelo que deveria ter determinado a caducidade do direito a liquidar o IVA, seis meses após o termo da ação inspetiva.
A sentença recorrida decidiu que não ocorria a caducidade, tendo dito:
«Com a alteração decorrente da Lei n.º 32-B/2002 de 30.12, o n.º 4 passou a dispor que “O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto.”
Ora, esta nova redacção do preceito é já aplicável no presente caso, dado que se trata de prazo que estava em curso no início da vigência da lei que introduziu tal alteração, não havendo aqui qualquer aplicação retroactiva da nova disposição legal – cfr. segmento final do n.º 2 do artigo 12 do Código Civil.
Neste sentido já se decidiu em Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA de 17.03.2011, rec. nº 01076/09.
Com efeito, aí se decidiu que “Entendemos pois que à determinação do termo inicial de contagem do prazo de caducidade do direito à liquidação de IVA relativo a Fevereiro e Junho de 2002 se aplica o disposto no n.º 4 do artigo 45.º da Lei Geral Tributária, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, não se consubstanciando tal aplicação numa aplicação retroactiva daquela disposição legal, pois que o facto extintivo do direito a liquidar não é instantâneo, ao contrário do alegado (cfr. conclusão 2.ª das alegações de recurso), uma vez que o efeito extintivo do direito de liquidar apenas opera no termo do prazo e este estava ainda em curso à data da entrada em vigor da lei nova”
Assim, e no caso presente, estando em questão IVA do ano de 2001 e 2002 o prazo de caducidade há-de contar-se a partir de 1.01.2002, terminando em 1.01.2006 e em 1.01.2007.
Acresce que, a contagem do prazo de caducidade do direito à liquidação suspende-se com a notificação ao sujeito passivo da ordem de serviço ou do despacho determinante do início do procedimento de inspecção tributária, retomando-se a respectiva contagem no dia seguinte ao do termo do procedimento, excepto quando a duração do procedimento de inspecção tributária se prolongar para além dos seis meses, caso em que não se verifica o efeito suspensivo (cfr. artigo 46.º n.º 1, da LGT).
(…)
Ora, alega a Impugnante que foi ultrapassado o prazo do procedimento inspectivo, tendo ocorrido assim a caducidade do direito à liquidação.
Retornando ao caso dos autos, informa-nos o probatório que a ordem de serviço foi assinada em 17.12.2004 pelo sócio gerente, tendo o relatório sido notificado à Impugnante em 2.06.2005 (cfr. pontos 1) e 6) da factualidade assente).
Assim, atenta a duração do procedimento inspectivo (não excedendo os 6 meses) em conjugação com os normativos legais supra elencados, conclui-se que o prazo do direito à liquidação encontrou-se suspenso, por força do nº 1 do artigo 46.º da LGT durante 167 dias.
Nesta senda, e resultando da matéria de facto assente, pontos 11) e 12), que a Impugnante foi notificada das liquidações aqui controvertidas em 2.01.2006, terminando o prazo sem qualquer suspensão em 1.01.2006 e em 1.01.2007, é evidente que à data da notificação das liquidações ainda não tinha ocorrido o prazo de caducidade, improcedendo o que vem alegado.».

Apreciando.
A Recorrente invoca a aplicação do disposto no n.º 5 do artigo 45.º da Lei Geral Tributária, na redação que teve pelo período de cerca de um ano e meio, mais exatamente entre o dia 5 de julho de 2001 e o dia 31 de dezembro de 2002, conforme se pode verificar pela Lei n.º 15/2001, de 5 de junho, que aditou aquele n.º 5 e pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro, que revogou a dita norma.
Ora, na data em que a Recorrente foi inspecionada já tal norma não se encontrava em vigor. Assim, o gerente da Recorrente assinou uma Ordem de Serviço relativa à inspeção em apreço no dia 17 de dezembro de 2004 (vide ponto 1 do probatório), tendo o Relatório de Inspeção sido notificado no dia 2 de junho de 2005 (vide ponto 6 do probatório). Por sua vez, as liquidações impugnadas foram notificadas no dia 2 de janeiro de 2006.
Portanto, tendo cessado a vigência do regime especial de caducidade então previsto no n.º 5 do artigo 45.º da LGT, no dia 1 de janeiro de 2003, tal regime não pode ser aplicado a factos posteriores. Isto, independentemente de a inspeção se reportar ao período de tempo em que tal norma esteve em vigor. Ou seja, se os impostos inspecionados se reportavam ao período compreendido entre o dia 5 de julho de 2001 e o dia 31 de dezembro de 2002, mas se a inspeção só ocorreu depois desta última data, não é possível fazer retroagir uma norma que à data da inspeção aqui em apreço (dezembro de 2004), já não estava em vigor.
A pretensão da Recorrente para que seja aplicado um regime jurídico, que não estava em vigor na data em que a inspeção foi realizada, não encontra acolhimento no regime de aplicação das leis no tempo, uma vez que o facto relevante para aplicação do regime em apreço, é a inspeção tributária.
Para que pudesse ser aplicado o regime especial de caducidade que esteve previsto entre 05/07/2001 e 31/12/2002, através do então n.º 5 do artigo 45.º da LGT, era necessário que a inspeção tributária estivesse a decorrer ou se tivesse iniciado neste hiato de temporal. Como isso não sucedeu no caso dos autos, não é possível aplicar retroativamente uma norma que não estava em vigor no momento em que a inspeção tributária foi realizada à aqui Recorrente.
Em face do exposto, o recurso não merece provimento.
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No concerne a custas, atenta a improcedência total do recurso, é a Recorrente a responsável pelas custas do recurso – vide artigo 527.º, nos. 1 e 2 do e 529.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
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Nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do Código de Processo Civil, elabora-se o seguinte sumário:
I - Para que pudesse ser aplicado o regime especial de caducidade que esteve previsto entre 05/07/2001 e 31/12/2002, através do então n.º 5 do artigo 45.º da LGT, era necessário que a inspeção tributária estivesse a decorrer ou se tivesse iniciado neste hiato de temporal.

II - Como tal não sucedeu no caso dos autos, não é possível aplicar retroativamente uma norma que não estava em vigor no momento em que a inspeção tributária foi realizada à aqui Recorrente.
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Decisão
Termos em que, acordam em conferência, os juízes da Subsecção Tributária Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
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Custas a cargo da Recorrente.
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Porto, 16 de janeiro de 2025.

Paulo Moura
Irene Isabel das Neves
Jorge Monteiro da Costa