Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00061/22.1BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/24/2025
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:PAULO FERREIRA DE MAGALHÃES
Descritores:AGENTE DA PSP;
REGULAMENTO DISCIPLINAR DA PSP;
PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO DISCIPLINAR;
Sumário:
1 - Em consonância com o disposto no artigo 9.º do Código Civil, a interpretação a tirar do n.º 1 do artigo 55.º do RDPSP [tal como assim dispõe o artigo 4.º, n.º 1 do ED aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de janeiro], cuja mesma epígrafe é atinente à prescrição do procedimento disciplinar, deve ser prosseguida em sentido lato, ou seja, não se deve reportar apenas ao direito de instaurar o procedimento disciplinar por parte da entidade administrativa, antes abrangendo todo o período temporal decorrido a partir da data da prática do facto passível de integrar o cometimento de infracção disciplinar, até à prolação da decisão final, daí devendo ser descontados os períodos de interrupção e suspensão do procedimento disciplinar.

2 – Não existe nenhuma falta ou omissão no RDPSP aprovado pela Lei n.º 7/90, de 20 de fevereiro, que ao abrigo do seu artigo 66.º deva ser objecto de suprimento por via de recurso ao direito subsidiário que emerge quer do estatuto disciplinar dos funcionários da Administração Central, quer do Código Penal, dada a suficiência do artigo 55.º do RDPSP em ordem a regular e disciplinar, in totum, a prescrição do procedimento disciplinar.

3 - Em conformidade com o disposto no artigo 198.º, n.ºs 1 e 4 do CPA, tendo o arguido sido notificado da acusação contra si deduzida no dia 01 de outubro de 2018, é com a decisão do Ministro da Administração Interna [que é a entidade competente para decidir o recurso hierárquico, datada de 20 de outubro de 2021], que o procedimento disciplinar vem a alcançar o seu termo final, a qual foi prolatada 19 dias após a completude do prazo prescricional de 3 anos, a que se reporta o artigo
55.º do RDPSP.

4 - Inexistindo qualquer lacuna ou omissão no RDPSP que no domínio da prescrição do procedimento disciplinar fosse determinante do recurso ao direito subsidiário [seja da LTFP, seja do Código Penal], a norma a que se reporta o artigo 55.º [do RDPSP] consagra em si o único desiderato normativo passível de aplicação tendo em vista a contagem do prazo prescricional em causa.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:


I - RELATÓRIO


«AA» [devidamente identificado nos autos] Autor na acção que intentou contra o Ministério da Administração Interna [também devidamente identificado nos autos], inconformado com a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, pela qual foi julgada [a acção administrativa] improcedente e, em consequência, mantidos os efeitos produzidos pelo acto impugnado, consubstanciado no despacho do Diretor Nacional Adjunto da PSP para a Unidade Orgânica de Operações e Segurança, datado de 08 de abril de 2020 [que aplicou ao Autor a pena disciplinar de suspensão por 150 dias, confirmada pelo despacho do Ministro da Administração Interna, datado de 20 de outubro de 2021, que negou provimento ao recurso hierárquico que havia interposto], veio interpor recurso de Apelação.

*

No âmbito das Alegações por si apresentadas, elencou a final as conclusões que ora se reproduzem:

“[…]
III - CONCLUSÕES:
1.ª O presente recurso foi interposto contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra em 11 de Março p.p. que julgou improcedente a ação de impugnação do despacho que aplicou ao ora Recorrente a pena disciplinar de suspensão por 150 dias.
2.ª Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo incorreu em flagrante erro de julgamento ao decidir pela não verificação de nulidade insuprível do procedimento disciplinar quando, na realidade — e tal como decidiu o mesmo Tribunal Administrativo e Fiscal, no âmbito do processo n.º 63/22.8BECBR julgou procedente a verificação da nulidade - o instrutor não podia fundamentar a recusa da consulta do processo pela natureza sigilosa do mesmo e não podia recusar o pedido de prorrogação para apresentação de defesa em virtude do disposto no art.º 214.º/4 da LTFP (aplicável ex vi do art.º 66.º RDPSP), pelo que foram violados os direitos de audiência e defesa do arguido constitucionalmente assegurados.
3.ª Além disso, o aresto em recurso incorreu em erro de julgamento ao julgar improcedente a excepção de prescrição por entender que perante uma lacuna do RD/PSP não era de aplicar o previsto no n.º 5 do art.º 178.º da LTFP, quando, na verdade, resulta claramente do at.º 66.º desse regulamento que tal norma é subsidiariamente aplicável, tanto mais que o TCANorte já teve oportunidade de afirmar que “(…) Está aqui em causa não o direito a instaurar o processo disciplinar, um direito anterior ao procedimento e, portanto, substantivo, mas antes um prazo estabelecido para o próprio procedimento, ou seja, de natureza adjectiva. Pelo que sempre se integraria directamente na Precisão do artigo 55º do Regulamento Disciplinar da PSP. (v. Acórdão do TCANorte, de 20 de Outubro de 2023, Proc. n.º 63/22.8BECBR-S1) e que, ainda que existisse alguma lacuna, a integração mais coerente com o sistema da mesma lacuna passa pela aplicação da LTFP, por força do disposto no n.º 3 do art.º 10.º do Código Civil.
4.ª Por outro lado, ao fixar a matéria de facto sem antes ter permitido ao Recorrente provar a factologia por si alegada na p.i. cuja prova poderia levar o Tribunal a quo a dar por provados factos claramente contrários aos que efectivamente deu e a alcançar uma solução de direito completamente diferente, o aresto em recurso incorreu em flagrante e grave erro de julgamento, procedendo à fixação da matéria de facto em clara violação e desrespeito do princípio da igualdade das partes — consagrado no art.º 6.º do CPTA — e do direito fundamental à tutela judicial efectiva — consagrado no n.º 4
________________________________________________________________________________________________
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
do art.º 268.º da Constituição —, dos quais resulta que a cada parte há-de ser permitido provar, por todos os meios legalmente admissíveis, a factologia em que alicerça a sua posição e que o Tribunal deve ser isento e equidistante em relação a ambas as partes, só podendo formar a sua livre convicção depois de assistir à prova que cada uma das partes produza sobre os factos que alegou.
5.ª Por fim, mais evidente se trona o erro de julgamento em que incorreu o aresto em recurso se se atender a que o mesmo Tribunal, num processo em tudo idêntico aos presentes autos - Proc. n.º 63/22.8BECBR - permitiu a produção da prova testemunhal requerida pelo arguido e deu como provado justamente o oposto, isto é, os factos não ocorreram da forma descrita nos depoimentos constantes do processo administrativo instrutor e que a ordem dada por «BB» fora, a dada altura, retirada (v. págs. 30-31 da sentença proferida pelo TAF de Coimbra, em 1 de Março de 2023, no âmbito do processo n.º 63/22.8BECBR).
[…]”

**

O Recorrido Ministério da Administração Interna apresentou as suas Contra alegações de recurso [sem que tenha apresentado as respectivas conclusões], das quais se extrai, a final e em suma, que a Sentença recorrida não padece de qualquer vício ou erro de julgamento, designadamente dos que lhe são assacados pelo Recorrente, e que o recurso jurisdicional deve ser julgado totalmente improcedente, por não provado, e, consequentemente, ser confirmada a Sentença proferida.

*

O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso interposto, fixando os seus efeitos.

**

O Ministério Público junto deste Tribunal Superior não emitiu parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional.

***

Com dispensa dos vistos legais [mas com envio prévio do projecto de Acórdão], cumpre apreciar e decidir.

***
II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, cujo objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas Alegações - Cfr. artigos 144.º, n.º 1 do CPTA, e artigos 639.º e 635.º n.ºs 4 e 5, ambos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3 do CPTA [sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem deva conhecer oficiosamente], sendo que, de todo o modo, em caso de procedência da pretensão recursiva, o Tribunal ad quem não se limita a cassar a decisão judicial recorrida pois que, ainda que venha a declarar a sua nulidade, sempre tem de decidir [Cfr. artigo 149.º, n.º 1 do CPTA] “… o objecto da causa, conhecendo do facto e do direito.”, reunidos que estejam os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas, e que passam por saber, em suma, se a mesma padece dos erros de julgamento que lhe são imputados em matéria de interpretação e aplicação do direito.

*

III - FUNDAMENTOS
IIIi - DE FACTO
No âmbito da factualidade considerada pelo Tribunal recorrido em sede da Sentença proferida, dela consta o que por facilidade, para aqui se extrai como segue:

“[…]
Factos provados:
Consideram-se provados os seguintes factos, com relevo para a decisão da causa:
1) O A. é agente principal da PSP, com o número de matrícula ...79, e pertence ao efetivo da Força Destacada da Unidade Especial de Polícia do Comando Metropolitano de Polícia do Porto da PSP (FD/UEP/CI/COMETPOR) (cfr. docs. de fls. 19, 24 a 26, no verso, e 205 do processo administrativo).
2) O A. foi escalado para, no dia 02/08/2017, no âmbito de uma equipa do 2.º subgrupo operacional/corpo de intervenção da Força Destacada a que pertence, reforçar o comando distrital da PSP de Braga no policiamento do jogo de futebol amigável entre o Clube 1 e o Clube 2 ..., no Estádio ... (cfr. doc. de fls. 4 a 5, no verso, do processo administrativo).
3) Em 01/08/2017 foi emitida, pelo Comandante do Policiamento, Subcomissário «CC», a Ordem de Operações n.º 1/2017/18, que continha as instruções para a execução do referido policiamento do jogo de futebol, bem como a composição e a articulação das forças de segurança, da mesma constando, além do mais, que “o Policiamento será reforçado com um Subgrupo do CI que, para além de se constituir como reserva no interior do Estádio, fará o enquadramento da Claque afeta ao Clube 2 ... no encaminhamento dos mesmos dos autocarros para o interior do Estádio e vice-versa” (cfr. doc. de fls. 33 a 39 do processo administrativo).
4) O Comandante da Força do Corpo de Intervenção, Subcomissário «DD», elaborou, em 02/08/2017, um Relatório de Serviço acerca das diligências efetuadas no âmbito do referido policiamento, tendo registado as seguintes observações:
“Quando terminou a primeira fase «antes do jogo» e se deu início à fase «durante o jogo», o comandante do policiamento – Subcomissário «CC» – solicitou a presença de uma Equipa no interior do estádio, para assegurar uma reserva direcionada à zona onde se encontravam os GOA’s do Clube 2 ....
Face à solicitação do CMDT do policiamento, dei a ordem ao Chefe «EE» e toda a Equipa, os quais alegaram que por decisão de todo o efetivo apenas entrariam no estádio em cenário de alteração da ordem.
Face à recusa, foi a ordem dada às restantes equipas que assumiram a mesma posição de recusa de entrada no estádio a título de reserva.
Foi dado conhecimento ao CMDT de policiamento da decisão de todo o efetivo, tendo este mantido a reserva no exterior do estádio em ligação com o Comandante de policiamento.
Todas as Equipas ficaram colocadas nas viaturas estrategicamente em frente à porta 13 – local de acesso aos GOA’s do Clube 2 ... –, garantindo o máximo de prontidão em caso de necessidade de entrada.
Durante o policiamento não houve qualquer necessidade de intervenção por parte do Subgrupo”
(cfr. doc. de fls. 4 e 5 do processo administrativo).
5) Remetido o expediente que antecede ao Comando Metropolitano do Porto da PSP, o respetivo Comandante, Superintendente-Chefe «FF», proferiu, em 04/08/2017, despacho a determinar a instauração de processo disciplinar ao A., nos termos do art.º 70.º e segs. da Lei n.º 7/90, de 20/02, ao qual foi atribuído o n.º ...05... (cfr. docs. de fls. 2 e 3 do processo administrativo).
6) No mesmo dia 04/08/2017, foi o A. pessoalmente notificado da instauração do processo disciplinar que antecede (cfr. doc. de fls. 21 do processo administrativo).
7) Em 11/10/2017 foi ouvido, na qualidade de testemunha, no âmbito do referido processo disciplinar, «CC», Subcomissário do Comando Distrital da PSP de Braga, de cujo auto de inquirição consta o seguinte:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(cfr. doc. de fls. 28 do processo administrativo).
8) Em 18/10/2017 foi ouvido, na qualidade de testemunha, no âmbito do referido processo disciplinar, «DD», Subcomissário e Comandante de Subgrupo na Subunidade Operacional da FD/UEP/PRT, de cujo auto de inquirição consta o seguinte:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(cfr. doc. de fls. 29 e 30 do processo administrativo).
9) Em 07/11/2017 foi ouvido, na qualidade de testemunha, no âmbito do referido processo disciplinar, «GG», Superintendente da PSP do Porto e a exercer funções de comando da Subunidade Operacional do CI/FD/UEP/Porto, de cujo auto de inquirição consta, além do mais, o seguinte:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

(…)
(cfr. doc. de fls. 51 e 52 do processo administrativo).
10) Notificado para prestar declarações, na qualidade de arguido, o A. compareceu, para esse efeito, no Comando Metropolitano do Porto, no dia 28/11/2017, tendo aí afirmado que “não pretende prestar declarações neste ato, podendo vir a fazê-lo posteriormente” (cfr. docs. de fls. 72 e 83 do processo administrativo).
11) Em 12/02/2018 foi ouvido, na qualidade de testemunha, no âmbito do referido processo disciplinar, «HH», agente principal da PSP do Porto, de cujo auto de inquirição consta, além do mais, o seguinte:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

(cfr. doc. de fls. 126 e 127 do processo administrativo).
12) Prestaram também declarações, enquanto testemunhas, no âmbito do referido processo disciplinar, «II», dirigente da ASPP, e «BB», Subintendente a exercer as funções de comandante da Força Destacada da UEP no Porto (cfr. autos de inquirição de testemunha de fls. 59 e 141 do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido). 13) Em 12/03/2018, o A., por intermédio da sua mandatária, requereu ao instrutor que o processo disciplinar lhe fosse facultado “para exame e sob condição de não divulgar o que dele conste”, ao abrigo do art.º 200.º da LGTFP (cfr. doc. de fls. 147 e 148 do processo administrativo).
14) Em 16/03/2018, o instrutor do processo disciplinar decidiu indeferir o pedido que antecede, ao abrigo do n.º 1 do art.º 62.º do Regulamento Disciplinar da PSP (RD/PSP), aprovado pela Lei n.º 7/90, de 20/02, conjugado com o art.º 12.º do mesmo diploma legal (cfr. doc. de fls. 149 do processo administrativo).
15) Em 22/03/2018, o A., por intermédio da sua mandatária, apresentou reclamação da decisão que indeferiu o pedido de exame do processo disciplinar, alegando a falta de fundamentação da decisão e uma errada interpretação e aplicação do direito, por violação do art.º 66.º do RD/PSP (cfr. doc. de fls. 155 a 157 do processo administrativo).
16) Em 06/04/2018, o instrutor do processo proferiu o seguinte despacho:
“Reportando-me ao assunto em epígrafe, em resposta às reclamações apresentadas contra o meu indeferimento para exame dos processos disciplinares em referência, na fase em que se encontram, comunico a V. Exa., depois de devidamente analisadas as referidas reclamações e com o devido respeito, que mantenho o despacho de indeferimento do exame requerido, ao abrigo do n.º 1 do art.º 62.º do Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Pública, aprovado pela Lei n.º 7/90, de 20 de fevereiro, conjugado com o art.º 12.º do mesmo diploma legal, considerando a especificidade desta norma”
(cfr. doc. de fls. 158 do processo administrativo).
17) Em 09/04/2018, o A., por intermédio da sua mandatária, apresentou recurso da decisão que indeferiu o pedido de exame do processo disciplinar, dirigido ao Comandante Metropolitano da PSP do Porto, reiterando a falta de fundamento da decisão e uma errada interpretação e aplicação do direito, por violação do art.º 66.º do RD/PSP (cfr. doc. de fls. 166 a 168 do processo administrativo).
18) Por despacho de 23/04/2018, foi determinada a notificação do A. para esclarecer e especificar qual o fim e para que efeitos pretendia a consulta dos autos disciplinares em fase de instrução (cfr. doc. de fls. 169 do processo administrativo). 19) Em 10/05/2018, o A., por intermédio da sua mandatária, apresentou resposta à notificação que antecede, alegando, além do mais, o seguinte:
“(…) Ora, uma das razões que nos levam a solicitar o exame dos mencionados processos disciplinares é o seu número elevado, isto é, o facto de se tratar de vinte e um processos disciplinares em que a mandatária que patrocina os vinte e um elementos policiais, todos na qualidade de arguidos, é a mesma.
E, assim, o propósito ou finalidade da consulta ou exame na fase de instrução servirá seguramente para garantir a melhor organização das defesas de cada um dos arguidos se vierem a ser deduzidas acusações.
Dizendo por outras palavras, o direito preparatório de defesa que cada um dos arguidos detém nesta fase de instrução permitir-lhes-á conhecer todos os elementos constantes do processo, a matéria de facto e o libelo preparatório, dando-lhes ainda a possibilidade de aferir da eventual junção de documentação essencial, requerer outras diligências probatórias essenciais à descoberta da verdade material e colaborar nessa descoberta da verdade material juntamente com o Senhor Oficial instrutor do processo, antes que sejam deduzidas acusações.
Uma outra razão que nos leva a requerer o exame dos procedimentos disciplinares prende-se com o facto de esses elementos constantes dos processos disciplinares poderem ser os elementos que fundamentaram o eventual libelo acusatório que contra cada um dos arguidos poderá vir a ser deduzido.
(…)
O exame do processo servirá assim para melhor enquadrar e preparar a defesa de cada um dos arguidos às acusações que contra eles possam vir a ser deduzidas” (cfr. doc. de fls. 173 a 175 do processo administrativo).
20) Por despacho de 23/05/2018, o Comandante Metropolitano da PSP do Porto indeferiu o recurso do A., com fundamento em que, “analisado cuidadosamente o esclarecimento prestado, não acolho os argumentos apresentados para o acesso e exame intempestivo dos respetivos autos, uma vez que o efeito útil dessa pretensão é satisfeito na eventual fase de defesa que possa vir a ocorrer” (cfr. doc. de fls. 176 do processo administrativo).
21) Em 07/06/2018, o A., por intermédio da sua mandatária, apresentou recurso hierárquico do despacho de 23/05/2018, dirigido ao Diretor Nacional da PSP, reiterando o pedido de exame e consulta do processo disciplinar (cfr. doc. de fls. 183 a 186, no verso, do processo administrativo).
22) Em 05/07/2018, o Diretor Nacional da PSP, em substituição, proferiu despacho de rejeição do recurso hierárquico que antecede, por inadmissibilidade legal (cfr. doc. de fls. 190 a 192 do processo administrativo).
23) Em 06/09/2018, o A., por intermédio da sua mandatária, apresentou recurso hierárquico do despacho de 05/07/2018, dirigido ao Ministro da Administração Interna, pedindo a revogação do ato recorrido e o deferimento do pedido de exame e consulta do processo disciplinar (cfr. doc. de fls. 195 a 201, no verso, do processo administrativo).
24) Em 26/09/2018 foi deduzida acusação contra o A., no âmbito do processo disciplinar n.º ...05..., da qual consta, além do mais, o seguinte:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(cfr. doc. de fls. 210 a 212 do processo administrativo).
25) O A. foi pessoalmente notificado da acusação que antecede no dia 01/10/2018 e a sua mandatária foi da mesma notificada em 02/10/2018, por correio eletrónico (cfr. docs. de fls. 214 e 215 do processo administrativo).
26) Em 03/10/2018, o A. solicitou “fotocópias do processo na íntegra” e, na mesma data, a sua mandatária solicitou o envio do processo disciplinar digitalizado, pedido que foi satisfeito em 08/10/2018, mediante a remessa, por correio eletrónico, do processo disciplinar n.º ...05... digitalizado de fls. 2 a 208 (cfr. docs. de fls. 217 a 220, no verso, do processo administrativo).
27) Em 24/10/2018, o A., por intermédio da sua mandatária, requereu, junto do instrutor do processo, a prorrogação do prazo, que terminava em 30/10/2018, para apresentação de defesa, nunca inferior a cinco dias úteis, ao abrigo do n.º 4 do art.º 214.º da LGTFP, aplicável por força do art.º 66.º do RD/PSP, alegando que “necessita de mais prazo para elaborar a defesa dos seus constituintes, dada a especial complexidade que os processos apresentam e tendo em conta a extensão dos factos, dos elementos de prova e da gravidade das acusações imputadas aos arguidos” (cfr. doc. de fls. 228 do processo administrativo).
28) Em 26/10/2018, o instrutor decidiu indeferir o pedido que antecede, ao abrigo do n.º 1 do art.º 81.º do RD/PSP, por ser a lei ao caso aplicável, e por entender que,
“atenta a norma referida, (…) o legislador estabeleceu um prazo que pode variar de 10 a 20 dias, de acordo com a complexidade do processo, tendo sido desde logo concedido o prazo máximo” (cfr. doc. de fls. 231 do processo administrativo).
29) Em 30/10/2018, o A. apresentou a sua defesa escrita, na qual pugnou pelo arquivamento do processo disciplinar, tendo, ainda, requerido a inquirição e reinquirição de testemunhas e a junção de documentos (cfr. doc. de fls. 234 a 255, no verso, do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por reproduzido). 30) Foram juntos ao processo disciplinar documentos que haviam sido solicitados pelo A. na sua defesa, nomeadamente:
˗ escalas de serviço/detalhe dos Chefes «JJ» e «KK»;
˗ informação referente à reunião entre o Clube 5... e o comando da PSP da esquadra ..., por não ter sido elaborada ata da reunião; ˗ ordem de operações n.º 21, de 02/05/2015 (Clube 1); ˗ ordem de operações n.º
44/2016, de 11/08/2016 (Clube 3...-Clube 4...);
˗ ordem de operações n.º 14/2018, de 14/02/2018 (Clube 3...-Clube 4...);
˗ ordem de operações n.º 48/2017, de 20/07/2017 (Clube 3...-Clube 2 ...); ˗ relatório do policiamento desportivo do dia 02/08/2017, elaborado pelo respetivo Comandante, Subcomissário «CC», do qual consta que “há a registar a recusa da FD da UEP/CI do COMETPOR em constituir-se como reserva no interior do Estádio, permanecendo os mesmos no exterior deste, auxiliando no resto que lhes foi solicitado”
(cfr. docs. de fls. 275 a 279, no verso, 281, 282 a 287, no verso, 292 a 301, 302 a 313, 314 a 321, no verso, e 288 a 290 do processo administrativo).
31) Prestou declarações, em 04/12/2018, no âmbito do processo disciplinar, a testemunha «LL», Superintendente-Chefe da PSP, arrolada pelo A. na sua defesa, de cujo auto de inquirição consta o seguinte:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(cfr. doc. de fls. 329 do processo administrativo).
32) Foram inquiridas/reinquiridas as testemunhas, arroladas na defesa, «DD», Subcomissário e Comandante de Subgrupo na Subunidade Operacional da FD/UEP/PRT, «MM»,
Subcomissário da PSP aposentado, «NN», agente principal da PSP, «BB», Subintendente da PSP e Comandante da FD/UEP/COMETPOR, «OO», Comandante Distrital da PSP de Braga, «GG», Superintendente da PSP do Porto, e «CC», Subcomissário do Comando Distrital da PSP de Braga (cfr. autos de inquirição de fls. 344, 345, 346, 347, 348, 364, 365 e 366 do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
33) Em 14/03/2019 o A. foi novamente ouvido no processo disciplinar, na qualidade de arguido, tendo declarado que “confirma na íntegra a Defesa Escrita apresentada oportunamente e todos os requerimentos apresentados posteriormente” (cfr. auto de interrogatório de fls. 371 do processo administrativo).
34) Em 04/06/2019 foi elaborado, pelo instrutor do processo, o respetivo relatório final, do qual consta a indicação das diligências de prova (documental e testemunhal) realizadas nas subfases de instrução e de defesa, a análise, apreciação e resposta aos argumentos aduzidos pelo A. na sua defesa escrita, julgados improcedentes, a descrição dos factos provados (coincidentes com os da acusação) e não provados, e a apreciação jurídico-disciplinar dos factos provados, podendo aí ler-se, além do mais, as seguintes conclusões e proposta:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida][Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

(cfr. doc. de fls. 396 a 416 do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
35) Por despacho de 02/07/2019 do Comandante do Comando Metropolitano do Porto da PSP, foi ordenada a remessa dos autos disciplinares ao Gabinete de Deontologia e Disciplina da Direção Nacional da PSP, nos termos do art.º 87.º, n.º 3, in fine, do RD/PSP, remessa efetuada através de ofício de 08/07/2019 (cfr. docs. de fls. 417 e 420 do processo administrativo).
36) Através de ofício de 07/08/2019, o processo disciplinar n.º ...05... foi devolvido ao Comando Metropolitano da PSP do Porto, tendo em vista “a aferição, por parte do Senhor Instrutor, do regime disciplinar que se revele, em concreto, mais favorável ao arguido, em cumprimento do disposto no n.º 6 do artigo 6.º da Lei n.º 37/2019, de 30 de maio” (cfr. doc. de fls. 422 do processo administrativo).
37) Foi junta aos autos, em 14/02/2020, a pedido do A, a determinação, relativa ao empenhamento da UEP nos policiamentos particulares, emanada do Diretor do Departamento de Operações da PSP em 01/10/2019, da qual consta o seguinte: “(…) Encarrega-me S. Exa. o Diretor Nacional Adjunto para a Unidade Orgânica de Operações e Segurança de determinar o seguinte:
1. O policiamento de eventos de natureza desportiva, cultural, musical, recreativa ou outros, promovidos por entidades privadas, é feito em regime de serviço remunerado, por forma a não prejudicar a prestação do serviço público;
2. As Equipas de Intervenção Rápida (EIR) e outros recursos policiais que estejam em serviço público normal de escala não devem ser desviados das suas funções ou áreas de serviço, para reforço de policiamento de eventos promovidos por entidades privadas, exceto em situação de alteração inopinada da ordem pública, para apoio dos polícias ali em serviço ou quando determinado superiormente;
3. Quando, para o policiamento destes eventos, seja necessário reforço de policiamento com recurso a meios da UEP, os efetivos a empenhar devem ser considerados como em serviço remunerado, para o efeito de planeamento dos Comandos;
4. Excecionalmente, quando não for possível suprir todas as necessidades do policiamento em serviço remunerado, será pontualmente autorizado o empenho planeado de recursos que estejam em serviço normal de escala, sob proposta do Comandante do comando territorialmente competente; 5. Os serviços remunerados desempenhados pelos polícias da UEP são sempre determinados pela UEP ou pelas suas Forças Destacadas e não a título individual”
(cfr. docs. de fls. 439, 444 e 445 do processo administrativo).
38) Em 14/02/2020 foi elaborado, pelo instrutor do processo, o relatório final complementar, no qual se concluiu pela manutenção da proposta já constante do primeiro relatório final, com aplicação do RD/PSP aprovado pela Lei n.º 7/90, de 20/02, por ser o regime disciplinar mais favorável ao arguido, não obstante a entrada em vigor do novo regime aprovado pela Lei n.º 37/2019, de 30/05 (cfr. doc. de fls. 447 a 448, no verso, do processo administrativo).
39) Por despacho de 14/02/2020 do Comandante do Comando Metropolitano do Porto da PSP, foi novamente ordenada a remessa dos autos disciplinares ao Gabinete de Deontologia e Disciplina da Direção Nacional da PSP (cfr. doc. de fls. 449 do processo administrativo).
40) Em 08/04/2020, o Diretor Nacional Adjunto para a Unidade Orgânica de Operações e Segurança (UOOS) da PSP proferiu despacho, tendo por base o relatório final e o relatório complementar elaborados pelo instrutor, nos termos do qual aplicou ao A. a pena disciplinar de 150 dias de suspensão, prevista nos art.os 25.º, n.º 1, alínea e), e 46.º do RD/PSP (cfr. doc. de fls. 456 e 457 do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
41) O A. foi pessoalmente notificado do despacho que antecede no dia 28/04/2020 (cfr. doc. de fls. 461 do processo administrativo).
42) Em 18/05/2020, o A. apresentou recurso hierárquico do despacho punitivo de 08/04/2020, dirigido ao Ministro da Administração Interna (cfr. doc. de fls. 465 a 481 do processo administrativo).
43) Por despacho de 20/10/2021 do Ministro da Administração Interna, exarado na informação n.º 364BML/21, foi negado provimento ao recurso hierárquico que havia sido interposto pelo A. e foi mantida a decisão punitiva (cfr. doc. de fls. 488 a 489, no verso, do processo administrativo).
44) O A. foi pessoalmente notificado da decisão do Ministro da Administração Interna em 09/11/2021 (cfr. doc. de fls. 501 do processo administrativo).
45) O A. cumpriu a pena disciplinar de 150 dias de suspensão no período entre 10/11/2021 e 08/04/2022, com desconto dos suplementos e subsídios, bem como de um terço do vencimento que auferia à data de início do cumprimento da pena (cfr. docs. de fls. 504, no verso, 505, 506, 511, 512 e 517 do processo administrativo). 46) A petição inicial da presente ação entrou em juízo no dia 04/02/2022 (cfr. doc.
de fls. 1 do processo eletrónico). *
Factos não provados:
Não há factos que cumpra julgar não provados com interesse para a decisão da causa, de acordo com as várias soluções plausíveis de direito.
*
Os factos que foram considerados provados resultaram do exame dos documentos supra identificados, constantes dos autos e do processo administrativo junto pela entidade demandada, nos termos expressamente referidos no final de cada facto. […]”

**

IIIii - DE DIREITO

Está em causa a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra que julgou não verificadas [como assim vinha sustentado pelo Autor ora Recorrente],
as invalidades que vinham imputadas ao acto impugnado [a saber, (i) nulidade insuprível do procedimento disciplinar; (ii) prescrição do procedimento disciplinar e caducidade do direito de aplicar a pena; (iii) violação de lei por erro nos pressupostos; (iv) inexistência de qualquer infração disciplinar, e (v) violação do princípio da audiência dos interessados] da autoria do Réu ora Recorrido Ministério da Administração Interna.

Constituindo os recursos jurisdicionais os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, por via dos quais os recorrentes pretendem alterar as sentenças recorridas, nas concretas matérias que os afectem e que sejam alvo da sua sindicância, é necessário e imprescindível que no âmbito das alegações de recurso os recorrentes prossigam de forma clara e objectiva as premissas do silogismo judiciário em que se apoiou a decisão recorrida, por forma a evidenciar os erros em que a mesma incorreu.

O Recorrente ancorou a sua pretensão recursiva, entre o mais, na ocorrência de erro de julgamento em matéria de direito, por ter o Tribunal a quo julgado improcedente a excepção de prescrição do procedimento disciplinar, com fundamento na verificação de uma lacuna do RD/PSP, e que por essa razão não era de aplicar o previsto no n.º 5 do artigo 178.º da LTFP, antes o disposto no artigo 121.º do Código Penal, quando de acordo com o seu entendimento [do Autor ora Recorrente], resulta do artigo 66.º desse regulamento que esse normativo é subsidiariamente aplicável, e que ainda que existisse alguma lacuna, a integração mais coerente com o sistema da mesma lacuna passava pela aplicação da LTFP, por força do disposto no n.º 3 do art.º 10.º do Código Civil [Cfr. Conclusão 3.ª das suas Alegações de recurso].

Neste conspecto, cumpre para aqui extrair a essencialidade da fundamentação aportada pelo Tribunal a quo, como segue:

Início da transcrição
“[…]
Da prescrição do procedimento disciplinar e da caducidade do direito de aplicar a pena:
_______________________________________________________________________________________________________________________________________________________
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
Alega o A. que, por força do disposto no art.º 66.º do RD/PSP, é aqui aplicável o disposto no art.º 178.º, n.º 5, da LGTFP, quanto à prescrição do procedimento disciplinar, bem como o disposto no art.º 220.º, n.º 6, da LGTFP, quanto à caducidade do direito de aplicar a pena. Entende, por isso, que, à luz dos referidos normativos, não só o procedimento disciplinar prescreveu em 08/02/2019, como também, na data em que foi aplicada a pena disciplinar (em 08/04/2020), já há muito caducara o direito de aplicar a sanção disciplinar.
O R. defende, porém, que a norma do art.º 178.º, n.º 5, da LGTFP não pode ser aplicada no caso concreto, porque o A., enquanto elemento policial da PSP, está subordinado a outro estatuto disciplinar (RD/PSP), que prevê, no n.º 1 do seu art.º 55.º, que o direito de instaurar o procedimento disciplinar prescreve passados três anos sobre a data em que a infração tiver sido cometida, sendo que o prazo de prescrição do próprio procedimento disciplinar corresponde a este prazo, acrescido de metade – ou seja, quatro anos e seis meses. Mais alega que o regime estabelecido no art.º 220.º, n.º 6, da LGTFP também não é aplicável ao pessoal com funções policiais da PSP, porque este dispõe de um regime especial, para além de que os prazos legalmente estabelecidos para a conclusão de processos de natureza disciplinar são meramente ordenadores, não derivando da sua violação a extinção da responsabilidade disciplinar.
Em primeiro lugar, atendendo à mais recente jurisprudência dos tribunais superiores (e, atualmente, a maioritária), julgamos que a razão está do lado do R. quando alega que não ocorreu a prescrição do procedimento.
Dispõe o art.º 55.º, n.º 1, do RD/PSP, sob a epígrafe “Prescrição do procedimento disciplinar”, que “o direito de instaurar procedimento disciplinar prescreve passados três anos sobre a data em que a infração tiver sido cometida”. Acrescenta o n.º 2 que se excetuam “as infrações disciplinares que constituam ilícito penal, as quais só prescrevem, nos termos e prazos estabelecidos na lei penal, se os prazos de prescrição do procedimento criminal forem superiores a três anos”. Já em matéria de interrupção e suspensão, prevêem os n.os 4 e 5 do mesmo preceito que a prescrição se considera “interrompida pela prática de ato instrutório com incidência na marcha do processo e pela notificação da acusação ao arguido” e, bem assim, que “suspende o decurso do prazo prescricional a instauração de processo de sindicância ou de mero processo de averiguações, bem como a instauração de processo de inquérito ou disciplinar em que, embora não dirigidos contra funcionário ou agente, venham a apurar-se infrações por que seja responsável”.
Em matéria de direito subsidiário e nos termos do art.º 66.º do RD/PSP, como vimos supra, “o processo disciplinar rege-se pelas normas constantes do presente Regulamento e, na sua falta ou omissão, pelas regras aplicáveis do estatuto disciplinar vigente para os funcionários e agentes da administração central e da legislação de processo penal”.
Importa, ainda, ter presente o disposto na primeira parte do n.º 3 do art.º 121.º do Código Penal (CP), segundo o qual “a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade” (sublinhado nosso).
À data da entrada em vigor do RD/PSP, previa-se no art.º 4.º do Decreto-Lei n.º 24/84, de 16/01 (ED/84) – diploma que aprovou o regime geral do estatuto disciplinar dos funcionários e agentes da Administração Central, Regional e Local, e que veio a ser revogado pela Lei n.º 58/2008, de 09/09, que, por sua vez, aprovou o Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas (ED/2008) –, que “o direito de instaurar procedimento disciplinar prescreve passados 3 anos sobre a data em que a falta houver sido cometida” (n.º 1); que “prescreverá igualmente se, conhecida a falta pelo dirigente máximo do serviço, não for instaurado o competente procedimento disciplinar no prazo de 3 meses” (n.º 2); que, “se o facto qualificado de infração disciplinar for também considerado infração penal e os prazos de prescrição do procedimento criminal forem superiores a 3 anos, aplicar-se-ão ao procedimento disciplinar os prazos estabelecidos na lei penal” (n.º 3); e que, “se antes do decurso do prazo referido no n.º 1 alguns atos instrutórios com efetiva incidência na marcha do processo tiverem lugar a respeito da infração, a prescrição conta-se desde o dia em que tiver sido praticado o último ato” (n.º 4), sendo que “suspendem nomeadamente o prazo prescricional a instauração do processo de sindicância aos serviços e do mero processo de averiguações e ainda a instauração dos processos de inquérito e disciplinar, mesmo que não tenham sido dirigidos contra o funcionário ou agente a quem a prescrição aproveite, mas nos quais venham a apurar-se faltas de que seja responsável” (n.º 5).
Resultava, por seu turno, do art.º 6.º do ED/2008 (entretanto revogado pela atual
LGTFP) que o direito de instaurar procedimento disciplinar prescrevia “passado um ano sobre a data em que a infração tenha sido cometida” (n.º 1), assim como “quando, conhecida a infração por qualquer superior hierárquico, não seja instaurado o competente procedimento disciplinar no prazo de 30 dias” (n.º 2), sendo que, nas situações em que o facto qualificado como infração disciplinar fosse também considerado infração penal, “aplicam-se ao direito de instaurar procedimento disciplinar os prazos de prescrição estabelecidos na lei penal” (n.º 3). Mais se referia no aludido normativo que “suspendem o prazo prescricional referido nos números anteriores, por um período até seis meses, a instauração de processo de sindicância aos órgãos ou serviços, bem como a de processo de inquérito ou disciplinar, mesmo que não dirigidos contra o trabalhador a quem a prescrição aproveite, quando em qualquer deles venham a apurar-se infrações por que seja responsável” (n.º 4), na certeza de que a suspensão do prazo prescricional “apenas opera quando, cumulativamente: a) os processos referidos no número anterior tenham sido instaurados nos 30 dias seguintes à suspeita da prática de factos disciplinarmente puníveis; b) o procedimento disciplinar subsequente tenha sido instaurado nos 30 dias seguintes à receção daqueles processos, para decisão, pela entidade competente; e c) à data da instauração dos processos e procedimento referidos nas alíneas anteriores, não se encontre já prescrito o direito de instaurar procedimento disciplinar” (n.º 5).
E, inovatoriamente, passou a disciplinar-se no mesmo art.º 6.º do ED/2008 que “o procedimento disciplinar prescreve decorridos 18 meses contados da data em que foi instaurado quando, nesse prazo, o arguido não tenha sido notificado da decisão final” (n.º 6), sendo que tal prescrição do procedimento disciplinar se suspendia “durante o tempo em que, por força de decisão jurisdicional ou de apreciação jurisdicional de qualquer questão, a marcha do correspondente processo não possa começar ou continuar a ter lugar” (n.º 7) e que “a prescrição volta a correr a partir do dia em que cesse a causa da suspensão” (n.º 8).
Atualmente, a questão da prescrição do procedimento disciplinar vem regulada no art.º 178.º da LGTFP, segundo o qual “a infração disciplinar prescreve no prazo de um ano sobre a respetiva prática, salvo quando consubstancie também infração penal, caso em que se sujeita aos prazos de prescrição estabelecidos na lei penal à data da prática dos factos” (n.º 1), sem descurar que “o direito de instaurar o procedimento disciplinar prescreve no prazo de 60 dias sobre o conhecimento da infração por qualquer superior hierárquico” (n.º 2). Ademais, “suspendem os prazos prescricionais referidos nos números anteriores, por um período até seis meses, a instauração de processo de sindicância aos órgãos ou serviços, ou de processo de inquérito ou disciplinar, mesmo que não dirigidos contra o trabalhador a quem a prescrição aproveite, quando em qualquer deles venham a apurar-se infrações por que seja responsável” (n.º 3), sendo certo que “a suspensão do prazo prescricional da infração disciplinar opera quando, cumulativamente: a) os processos referidos no número anterior tenham sido instaurados nos 30 dias seguintes à suspeita da prática de factos disciplinarmente puníveis; b) o procedimento disciplinar subsequente tenha sido instaurado nos 30 dias seguintes à receção daqueles processos, para decisão, pela entidade competente; c) à data da instauração dos processos e procedimento referidos nas alíneas anteriores, não se encontre já prescrito o direito de instaurar procedimento disciplinar” (n.º 4). Também aqui se prevê que “o procedimento disciplinar prescreve decorridos 18 meses, a contar da data em que foi instaurado quando, nesse prazo, o trabalhador não tenha sido notificado da decisão final” (n.º 5), prazo esse que se suspende “durante o tempo em que, por força de decisão ou de apreciação judicial de qualquer questão, a marcha do correspondente processo não possa começar ou continuar a ter lugar” (n.º 6) e voltando “a correr a partir do dia em que cesse a causa da suspensão” (n.º 7) (sublinhado nosso).
[…]
Resulta, assim, do entendimento vertido no acórdão em referência que, nos termos do art.º 55.º, n.º 1, do RD/PSP e do art.º 121.º, n.º 3, do Código Penal, o prazo de prescrição do procedimento disciplinar instaurado ao abrigo do RD/PSP, contado desde o seu início, é de 4 anos e 6 meses (prazo de 3 anos do art.º 55.º, n.º 1, do RD/PSP, acrescido de metade, ou seja, 1 ano e 6 meses), ressalvadas, claro está, as causas de interrupção e de suspensão, já que o regime substantivo de prescrição do procedimento disciplinar previsto no atual n.º 5 do art.º 178.º da LGTFP (e, anteriormente, no n.º 6 do art.º 6.º do ED/2008) não é aplicável aos procedimentos, como o que está aqui em causa, instaurados ao abrigo do RD/PSP.
Veja-se, no mesmo sentido, o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 07/07/2021, proferido no processo n.º 1402/15.3BEALM (publicado em www.dgsi.pt).
Volvendo ao caso dos autos, extrai-se da factualidade provada que o procedimento disciplinar aqui em causa foi instaurado contra o A. por despacho de 04/08/2017, proferido pelo Comandante do Comando Metropolitano do Porto da PSP, Superintendente-Chefe «FF», sendo que a alegada infração terá sido praticada em 02/08/2017 (cfr. pontos 4 e 5 dos factos provados).
Iniciou-se, portanto, em 04/08/2017 o prazo de prescrição do procedimento, o qual terminaria, sem atender a eventuais causas de suspensão e interrupção (por exemplo, a notificação da acusação ao arguido), em 04/02/2022.
Ora, considerando que a decisão disciplinar impugnada foi proferida pelo Diretor Nacional Adjunto para a Unidade Orgânica de Operações e Segurança (UOOS) da PSP em 08/04/2020 e que o A. foi da mesma pessoalmente notificado em 28/04/2020, tendo, ainda, a decisão que negou provimento ao recurso hierárquico que havia sido interposto pelo A. e que manteve aquela primeira decisão punitiva sido proferida, pelo Ministro da Administração Interna, em 20/10/2021 (cfr. pontos 40, 41 e 43 dos factos provados) – ou seja, tudo dentro do prazo de prescrição –, não ocorre qualquer ilegalidade do ato punitivo fundada na prescrição do procedimento disciplinar.
[...]“
Fim da transcrição

Decorre da Sentença recorrida em torno da apreciação e decisão visando a ocorrência da prescrição do procedimento disciplinar, que o Tribunal a quo decidiu pela inaplicabilidade da LTFP, por se tratar o Autor ora Recorrente de um membro da PSP, e que perspectivando-se a existência de uma lacuna em torno do prazo de prescrição do procedimento disciplinar, que deveria ser de aplicar nesse domínio o Código Penal, mais concretamente o seu artigo 121.º, e que não está assim prescrito o procedimento disciplinar.

Como assim julgamos, a pretensão recursiva tem de proceder neste domínio, ainda que por termos e pressupostos não totalmente coincidentes com os que vêm sustentados pelo Recorrente sob a concussão 3.ª das suas Alegações de recurso.

Vejamos pois.

Deflui das Alegações de recurso apresentadas pelo Recorrente, o imputado erro de julgamento à decisão datada de 11 de março de 2024 [proferida pelo Tribunal a quo, por via da qual, entre o mais, foi julgada improcedente a excepção da prescrição do procedimento disciplinar], assenta essencialmente na consideração de que o Tribunal a quo deixou de aplicar uma norma para que o Regulamento Disciplinar da PSP remete [o artigo 178.º, n.º 5 da LTFP, ex vi do artigo 66.º do RD/PSP], e que aplicou uma outra norma [o artigo 121.º do Código Penal], que aquele Regulamento não manda aplicar e cuja aplicação até excluiu expressamente, pois que resulta do disposto no artigo 41.º do RD/PSP que o Código Penal só é aplicável quanto à suspensão ou demissão por efeito de pena imposta por decisão judicial.

Como assim julgamos, subjacente à pretensão recursiva do Recorrente está desde logo o seu entendimento de que o Tribunal a quo errou na interpretação e aplicação da LTFP, mais concretamente do disposto no seu artigo 178.º, n.º 5, ao não ter aplicado esta norma, e ao invés, ao ter aplicado o disposto no artigo 121.º, n.º 3 do Código Penal, tendo assim decidido pela não prescrição do procedimento disciplinar, com fundamento em não ter decorrido o prazo de 4 anos e 6 meses [e ressalvadas as causas de interrupção e suspensão]. Sustenta o Recorrente, a final, que ocorreu a prescrição do procedimento disciplinar.

Por julgarmos com relevância para a decisão a proferir, e tendo subjacente o disposto no artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil [ou seja, tendo em vista obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito], para aqui convocamos a fundamentação aportada no Acórdão proferido por este mesmo TCA Norte no Processo n.º 64/22.6BECBR-S1, datado de 03 de maio de 2024 [acessível in www.itij.pt], e no qual foi visada uma situação de facto e de direito similar àquela que ora está em apreço, pelo que aqui a damos como integralmente enunciada, conforme abaixo extractado, ressalvadas é claro, as adaptações que se mostrem necessárias, designadamente em torno da matéria de facto, como segue:

Início da transcrição:
“[…]
Na decorrência do que assim apreciou o Tribunal a quo, atenta a sucessão de regimes jurídicos em torno do Estatuto Disciplinar da PSP [ao Regulamento disciplinar aprovado pela Lei n.º 7/90, de 20 de fevereiro – que revogou o Regulamento Disciplinar aprovado pelo Decreto n.º 40118, de 06 de abril de 1955 -, sucedeu o Estatuto Disciplinar aprovado pela Lei n.º 37/2019, de 30 de maio], e tendo por pressuposto o julgamento prosseguido [em face do que assim sustentaram as partes nos seus articulados] de que o RDPSP contém um regime de prescrição do procedimento disciplinar mais favorável [de 18 meses] do que o previsto no EDPSP [de 4 anos e meio], foi julgado que a apreciação da invocada prescrição tem de ser feita dentro do quadro normativo disposto pelo RDPSP.

Ora, à data em que foi praticado o ilícito disciplinar, em 02 de agosto de 2017, estava em vigor o RDPSP, aprovado pela Lei n.º 7/90, de 20 de fevereiro.

Conforme assim vem disposto pelos artigos 5.º, 6.º e 7.º da Lei n.º 37/2019, de 30 de maio [que aprova o Estatuto Disciplinar da PSP], e que entrou em vigor no dia 01 de julho de 2019, foi revogado aquele Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Pública, aprovado pela Lei n.º 7/90, de 20 de fevereiro, sendo que em sede da sua aplicação no tempo, dispôs o legislador, entre o mais, que o Estatuto Disciplinar apenas é imediatamente aplicável aos factos praticados, aos processos instaurados e às penas em execução na data da sua entrada em vigor quando o seu regime se revele, em concreto, mais favorável ao arguido, abrangendo as disposições do Estatuto Disciplinar relativas aos deveres funcionais, à sua violação e sancionamento, bem como ao respetivo procedimento, designadamente no que respeita à não previsão do anteriormente vigente instituto da infração diretamente constatada.

A questão está pois, para já, em decidir sobre se, sendo aplicável, em tese geral, o RDPSP, por na visão do Autor ora Recorrente ter ocorrido a prescrição do procedimento disciplinar por ter decorrido o prazo de 180 dias sem que tenha sido proferida a decisão final, se é assim aplicável, desde logo, a LTFP, e assim o disposto no seu artigo 178.º, n.º 5.

A Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas foi aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, tendo sob o seu artigo 42.º, n.º 1, alínea d), entre o mais, disposto pela revogação da Lei n.º 58/2008, de 9 de setembro [alterada pelo Decreto-Lei n.º 47/2013, de 5 de abril], pela qual foi aprovado o Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores Que Exercem Funções Públicas, sendo que pelo disposto no seu artigo 43.º, n.ºs 1 e 2, em sede de Disposição transitória, veio disposto que a legislação referente ao pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública, a que se refere o n.º 2 do artigo 2.º da LTFP, deve ser aprovada até 31 de dezembro de 2014, e que até à data de entrada em vigor da lei especial prevista no número anterior, o pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública continua a reger-se pela lei aplicável antes da entrada em vigor da LTFP.

Aquela Lei n.º 35/2014, de 20 de junho, foi alterada pelo artigo 1.º da Lei n.º 70/2017, de 14 de agosto, que entrou em vigor em 19 de agosto de 2017, que veio a dar nova redação ao seu artigo 2.º, n.º 2 [do Anexo aprovado pela Lei], mas sem que tenha alterado a essência do que já dispunha na sua versão inicial quanto ao pessoal com funções policiais da PSP, isto é, no sentido de que a presente lei não é aplicável ao pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública, cujo regime consta de lei especial.

Importa ainda salientar, que apesar de o artigo 11.º da LTFP dispor, entre o mais, que o regime disciplinar nela previsto é imediatamente aplicável aos factos praticados e aos processos instaurados na data da entrada em vigor da presente lei, quando se revele, em concreto, mais favorável ao trabalhador e melhor garanta a sua audiência e defesa, e que ao prazo de prescrição da infração disciplinar previsto no artigo 178.º na LTFP se aplica o disposto no artigo 337.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, como já vimos supra, porém, essa Lei não é aplicável ao pessoal da PSP com funções policiais.

Por outro lado, pese embora a referida legislação especial não tenha sido aprovada até ao dia 31 de dezembro de 2014 [isto é, o EDPSP, que deveria vir substituir o RDPSP], sempre tendo o legislador disposto pela inaplicabilidade da LTFP, até à entrada em vigor do EDPSP, o pessoal com funções policiais da Polícia de Segurança Pública continuaria então a reger-se pela lei aplicável antes da entrada em vigor da LTFP, ou seja, pela Lei 58/2008, de 09 de setembro, que aprovou o Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores Que Exercem Funções Públicas.

Ou seja, o legislador consagrou, expressamente, a inaplicabilidade da LTFP, entre o mais, aos procedimentos disciplinares intentados contra pessoal da PSP com funções policiais, o que é o caso do Autor ora Recorrente, por o respectivo regime constar de lei especial, o RDPSP.

Com efeito, tendo o legislador arredado de forma expressa a convocação da LTFP, não podia o Tribunal a quo ter aplicado [como assim não aplicou] o disposto no seu artigo 178.º, n.º 5.

Não sendo aplicável a LTFP, caberia avaliar da aplicabilidade da Lei n.º 58/2008, de 09 de setembro, que sob o seu artigo 6.º, n.º 6 dispunha [tempus regit actum], que o procedimento disciplinar prescreve decorridos que sejam 18 meses contados da data em que foi instaurado quando, nesse prazo, o arguido não tenha sido notificado da decisão final.

Mas como assim julgamos, também a Lei n.º 58/2008, de 09 de setembro, não é passível de ser convocada, desde logo porque em face do disposto no seu artigo 1.º [do Anexo], sob a epígrafe “Âmbito de aplicação subjectivo”, vindo disposto que o Estatuto Disciplinar é aplicável a todos os trabalhadores que exercem funções públicas, independentemente da modalidade de constituição da relação jurídica de emprego público ao abrigo da qual exercem as respectivas funções, o que poderia ser a situação do Autor, ora Recorrente, por ser Agente Principal da PSP, e assim, ser detentor de uma relação jurídica de emprego público, o que é certo, porém, é que o n.º 3 deste artigo 1.º vem a dispor pela inaplicabilidade desse Estatuto Disciplinar aos trabalhadores que possuam estatuto disciplinar especial, o que é precisamente a situação do Autor ora Recorrente, por ser quadro da PSP com funções policiais e estar ao abrigo do RDPSP.

Com efeito, o Autor, enquanto Agente da PSP, goza de um estatuto disciplinar próprio, sendo que a especialidade desse estatuto advém da especialidade do exercício de funções policiais.

Neste patamar, temos assim que os regimes jurídicos a que se reportam, quer a Lei
n.º 35/2014, de 20 de junho, quer a Lei n.º 58/2008, de 09 de setembro, não poderiam ser convocados a título de direito subsidiário, na decorrência do disposto no artigo 66.º do RDPSP, porque foi o próprio legislador, que em lei posterior, assim o veio a dispor.

Coloca-se agora a questão de saber qual é então o enquadramento do disposto no artigo 66.º do RDPSP.

O RDPSP, aprovado pela Lei n.º 7/90, de 20 de fevereiro, surge na sequência da publicação do Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de janeiro [que foi revogado pela Lei n.º 58/2008, de 09 de setembro], por via do que a Assembleia da República, pela sua Lei n.º 10/83, de 13 de agosto, autorizou o governo a proceder à alteração do Estatuto Disciplinar dos Funcionários da Administração Pública Central, Regional e Local.

Percorrido o clausulado do Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de janeiro, dele não se extrai nenhuma norma de onde se retire que esse diploma, ou parte dele, não fosse aplicável ao pessoal da PSP com funções policiais.

Tratando o ED aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de janeiro, de um estatuto disciplinar transversal a todos os funcionários e agentes da Administração Central, Regional e Local, mas com exclusão daqueles que possuíssem estatuto especial [Cfr. o seu âmbito de aplicação, a que se reporta o seu artigo 1.º], mostra-se adequado e consentâneo com o espírito do legislador subjacente ao RDPSP, e até em termos de legística, a previsão de normas de direito subsidiário ao disposto no RDPSP, tendo assim vindo a ser vertido sob o artigo 66.º que, na falta ou omissão de normas no RDPSP, que devem ser aplicadas as regras do estatuto disciplinar vigente para os funcionários e agentes da Administração Central, Regional e Local, assim como da legislação de processo penal.

Ou seja, de que deve recorrer-se aquele direito, em termos subsidiários, sempre no pressuposto de se mostrar necessário, quando se constate existir uma falta ou omissão de normas no Regulamento Disciplinar da PSP.

A questão está assim, portanto, em saber se existe no RDPSP alguma falta ou omissão legislativa em torno da prescrição do procedimento disciplinar.

E como assim julgamos, a resposta tem de ser negativa.

Desde logo, é de realçar que a redação disposta no artigo 55.º do RDPSP é em tudo similar aquela que [com idêntica epígrafe], vem disposta sob o artigo 4.º do Estatuto disciplinar dos funcionários e agentes da Administração Central, Regional e Local, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de janeiro.

Como assim julgamos, o legislador do RDPSP, aprovado pela Lei n.º 7/90, de 20 de fevereiro, visava pelo disposto no seu artigo 66.º, que o Estatuto Disciplinar vigente [à data, o que foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de janeiro], fosse subsidiariamente aplicável nas faltas e omissões que fossem detectadas nesse RDPSP, não se colocando então, flagrantemente, a questão de que o procedimento disciplinar houvesse de se ter por prescrito antes de ter decorrido, pelo menos, o período de 3 anos sobre a data em que a infracção disciplinar tiver sido praticada, como assim se reportam os n.ºs 1 do artigo 55.º e 4.º daqueles diplomas, respectivamente.

Como assim decorre do disposto no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de janeiro, estavam colocados dois prazos de prescrição, a saber, (i) um prazo de 3 anos a contar do cometimento da infracção [que podia ser superior caso a infracção disciplinar fosse também tipificada e punida como ilícito criminal], e (ii) um prazo de 3 meses a contar do conhecimento da infracção disciplinar por parte do dirigente máximo do serviço.

Ou seja, tendo o legislador previsto a coexistência, em simultâneo, de um prazo normal de prescrição, de 3 anos, e de um prazo curto, de 3 meses, a prescrição do procedimento disciplinar tem-se por verificada [descontados os períodos de interrupção e/ou de suspensão] quando o primeiro desses prazos ocorrer no tempo, actuando assim com independência e autonomia relativamente à mesma infracção disciplinar,

Como refere M. Leal-Henriques, in Procedimento Disciplinar, 5.ª edição, páginas 62 e 63, o prazo prescricional, uma vez iniciado e em conformidade com o disposto no artigo 4.º, n.ºs 4 e 5, do ED aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/84 de 16 de janeiro interrompe-se “[…] quando, antes de haver decorrido na totalidade, e estiver procedimento de natureza disciplinar a correr termos, se praticar nesse processo acto instrutório que tenha incidência na sua marcha, contando-se então o prazo prescricional a partir da prática do último desses actos instrutórios e desprezando-se o prazo anteriormente decorrido. […] e suspende-se “[…] quando, antes de decorrido o prazo prescricional, e sem que o respectivo procedimento tenha sido desencadeado, vier a Administração instaurar, v.g., processo de sindicância, de meras averiguações, inquérito ou processo disciplinar.” sendo que, “O prazo prescricional só não se suspende se a Administração, desnecessariamente, mandar instaurar qualquer dos procedimentos pré-disciplinares referidos no n.º 5, quando já há falta jurídicodisciplinarmente definida, quer quanto à sua materialidade, quer quanto ao seu autor, caso em que se impõe, imediatamente, a instauração de processo disciplinar. Nessa hipótese a Administração é «castigada» por ter optado por expedientes de sentido dilatório quando dispunha já de todos os dados indispensáveis para poder instaurar desde logo procedimento disciplinar, não beneficiando assim da suspensão do prazo prescricional.”

Ora este mesmo julgamento tem de ser tirado em face do disposto no artigo 55.º do RDPSP, dada a similitude da norma quando comparada com o disposto no referido artigo 4.º do ED aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/84, de 6 de janeiro.

Ou seja, o Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores em Funções Públicas, aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 09 de setembro não é aplicável à situação do Autor na decorrência do disposto no artigo 66.º do RDPSP, porquanto é aquele mesmo diploma que exclui do seu âmbito subjectivo de aplicação, o pessoal da PSP com funções policiais [o que é o caso do Autor ora Recorrente], e não faria sentido algum prover pela aplicação daquele diploma legal face a uma Lei aprovada cerca de 18 anos antes, que no tempo em que foi aprovada, se reportava, manifestamente, ao Estatuto Disciplinar aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de janeiro, enquanto diploma de cariz geral aplicável, regra geral, a toda a Administração Pública [Central, Regional e Local], e que em torno da prescrição do procedimento disciplinar dispunha em termos similares ao previsto no RDPSP.

Daí que sendo aplicável à situação a que se reportam os autos o RDPSP, no pressuposto em que assim vem alegado pelas partes e acolhido pelo Tribunal a quo, de que comporta um tratamento mais favorável ao arguido, e nesse pressuposto, em face do disposto no seu artigo 66.º, de que nas faltas e omissões constatadas existir nesse RDPSP que é subsidiariamente aplicável o estatuto disciplinar que rege a actuação dos funcionários da Administração Central, que em face do que já apreciamos supra, é o que foi aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 09 de setembro [em vigor desde 01 de janeiro de 2009], mas que este próprio regime jurídico exclui a sua aplicação ao pessoal da PSP com funções policiais, como assim julgamos, ainda que a título subsidiário, temos assim que o legislador deixou de querer que se provesse por essa aplicação subsidiária do ED aprovado para os funcionários da Administração Central, revogando de forma implícita o disposto nesse domínio pelo artigo 66.º do RDPSP.

Neste patamar, a mostrar-se passível de convocação o ED aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de janeiro [o que não se mostra curial, dado que foi expressamente revogado pelo artigo 5.º da Lei n.º 58/98, de 09 de setembro], na medida em que do artigo 4.º deste diploma constam previsões normativas similares às patenteadas no referido artigo 55.º do RDPSP, julgamos manifesto que o único prazo normal de prescrição que se encontrava em curso, era o mais longo, de 3 anos, iniciado em 02 de agosto de 2017 com a prática da infracção [cfr. artigo 55.º, n.º 1, parte final, do RDPSP], mas interrompido em 01 de outubro de 2018 pela notificação ao arguido [Autor ora Recorrente] da acusação contra si deduzida pelo instrutor do processo disciplinar.

Como assim julgamos, e em consonância com o disposto no artigo 9.º do Código Civil, a interpretação a tirar do n.º 1 do artigo 55.º do RDPSP [tal como assim dispunha o artigo 4.º, n.º 1 do ED aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de janeiro], cuja mesma epígrafe é atinente à prescrição do procedimento disciplinar, deve ser prosseguida em sentido lato, ou seja, não se deve reportar apenas ao direito de instaurar o procedimento disciplinar por parte da entidade administrativa, antes abrangendo todo o período temporal decorrido a partir da data da prática do facto passível de integrar o cometimento de infracção disciplinar, até à prolação da decisão final, daí devendo ser descontados os períodos de interrupção e suspensão do procedimento disciplinar.

Volvendo aos termos dos autos, tendo a infracção disciplinar cometida pelo arguido ocorrido em 02 de agosto de 2017 [Cfr. pontos 2 e 3 do probatório], iniciou-se nesta data o prazo prescricional de 3 anos a que se reporta o artigo 55.º, n.º 1 do RDPSP, o qual se interrompeu com a notificação da acusação ao arguido em 01 de outubro de 2018 [Cfr. ponto 11 do probatório], sendo que, tendo o Ministro da Administração Interna proferido a decisão final que negou provimento ao recurso hierárquico deduzido pelo arguido [necessário - Cfr. artigos 90.º a 96.º do RDPSP] em 12 de outubro de 2021 [Cfr. ponto 25 do probatório], nesta estava já cumprido o prazo prescricional de 3 anos, ou seja, esgotado o direito de ser aplicada sanção disciplinar ao arguido, por prescrição do procedimento disciplinar, atento o disposto no artigo 55.º, n.ºs 1 e 4 do RDPSP, norma esta que tendo sido violada pela decisão impugnada, faz inquinar a decisão impugnada de violação de lei, que é determinante da sua invalidade

Com efeito, e em conformidade com o disposto no artigo 198.º, n.ºs 1 e 4 do CPA, tendo o arguido sido notificado da acusação contra si deduzida no dia 01 de outubro de 2018, é com a decisão do Ministro da Administração Interna [que é a entidade competente para decidir o recurso hierárquico, datada de 12 de outubro de 2021, e apesar de proferida dentro do prazo de 30 dias após a remessa do processo para decisão], que o procedimento disciplinar vem a alcançar o seu termo final, a qual foi prolatada 11 dias após a completude do prazo prescricional de 3 anos, a que se reporta o artigo 55.º do RDPSP.

Como assim julgamos, inexiste nenhuma falta ou omissão no RDPSP que ao abrigo do seu artigo 66.º deva ser objecto de suprimento por via de recuso ao direito subsidiário que emerge quer do estatuto disciplinar dos funcionários da Administração Central, quer do Código Penal, dada a suficiência do artigo 55.º do RDPSP em ordem a regular e disciplinar, in totum, a prescrição do procedimento disciplinar.

Efectivamente, salientamos a inaplicabilidade do disposto no Código Penal, e concretamente do vertido no seu artigo 121.º, n.º 3, porque de resto, a tanto assim obsta o artigo 41.º do RDPSP, porque na situação em apreço nos autos não está em questão atinente à suspensão ou demissão por efeito de pena imposta por decisão judicial, nem infracção disciplinar que constitua também ilícito penal, e primacialmente, porque não há necessidade de convocar qualquer direito subsidiário para efeitos da apreciação da prescritibilidade do procedimento disciplinar, por ser bastante para o efeito o disposto no artigo 55.º do RDPSP.

Termos em que, face ao que deixamos expendido supra, a pretensão recursiva do
Recorrente tem assim de proceder.”
[…]”
Fim da transcrição

Porque nos revemos nesta jurisprudência [com a qual o Ministério da Administração Interna também não dissentiu, pois que o Acórdão em referência proferido em 03 de maio de 2024 transitou em julgado], aqui a reiteramos [não desconhecendo a formação deste colectivo a jurisprudência dos Tribunais superiores que vem feita menção na Sentença recorrida], tem a pretensão recursiva do Autor ora Recorrente, no quanto é a sua essencialidade, de proceder, atenta a ocorrência da prescrição do procedimento disciplinar, questão esta cujo conhecimento impõe seja dado como ficando prejudicado o conhecimento de todas as demais questões sustentadas nas suas Alegações de recurso [cfr. 2.ª, 4.ª e 5.ª].

Ou seja, inexistindo qualquer lacuna ou omissão no RDPSP que no domínio da prescrição do procedimento disciplinar fosse determinante do recurso ao direito subsidiário [seja da LTFP, seja do Código Penal], a norma a que se reporta o artigo 55.º [do RDPSP] consagra em si o único desiderato normativo passível de aplicação tendo em vista a contagem do prazo em causa.

Efectivamente, tendo presente a matéria de facto constante do probatório [Cfr., em especial, os pontos 4, 25, 43 e 44] tendo a infracção disciplinar cometida pelo arguido ocorrido em 02 de agosto de 2017, iniciou-se nesta data o prazo prescricional de 3 anos [a que se reporta o artigo 55.º, n.º 1 do RDPSP], o qual se interrompeu com a notificação da acusação em 01 de outubro de 2018. E nessa senda, tendo o Ministro da Administração Interna [que é a entidade competente para decidir o recurso hierárquico – necessário; cfr. artigos 90.º a 96.º do RDPSP] proferido em 20 de outubro de 2021 a decisão final que negou provimento ao recurso hierárquico deduzido, nesta data estava já cumprido o prazo prescricional de 3 anos, ou seja, de lhe ser aplicada sanção disciplinar, por prescrição do respectivo procedimento, atento o disposto no artigo 55.º, n.ºs 1 e 4 do RDPSP, norma esta que tendo sido violada, faz inquinar a decisão impugnada de violação de lei, o que é determinante da sua invalidade, pois que, e em conformidade com o disposto no artigo 198.º, n.ºs 1 e 4 do CPA, é com a decisão do Ministro da Administração Interna que o procedimento disciplinar vem a alcançar o seu termo final, a qual foi prolatada 19 dias após a completude do prazo prescricional de 3 anos, a que se reporta aquele normativo.

*

E assim formulamos as seguintes CONCLUSÕES/SUMÁRIO:

Descritores: Agente da PSP; Regulamento Disciplinar da PSP; Prescrição do procedimento disciplinar.

1 - Em consonância com o disposto no artigo 9.º do Código Civil, a interpretação a tirar do n.º 1 do artigo 55.º do RDPSP [tal como assim dispõe o artigo 4.º, n.º 1 do ED aprovado pelo Decreto-Lei n.º 24/84, de 16 de janeiro], cuja mesma epígrafe é atinente à prescrição do procedimento disciplinar, deve ser prosseguida em sentido lato, ou seja, não se deve reportar apenas ao direito de instaurar o procedimento disciplinar por parte da entidade administrativa, antes abrangendo todo o período temporal decorrido a partir da data da prática do facto passível de integrar o cometimento de infracção disciplinar, até à prolação da decisão final, daí devendo ser descontados os períodos de interrupção e suspensão do procedimento disciplinar.

2 – Não existe nenhuma falta ou omissão no RDPSP aprovado pela Lei n.º 7/90, de 20 de fevereiro, que ao abrigo do seu artigo 66.º deva ser objecto de suprimento por via de recurso ao direito subsidiário que emerge quer do estatuto disciplinar dos funcionários da Administração Central, quer do Código Penal, dada a suficiência do artigo 55.º do RDPSP em ordem a regular e disciplinar, in totum, a prescrição do procedimento disciplinar.

3 - Em conformidade com o disposto no artigo 198.º, n.ºs 1 e 4 do CPA, tendo o arguido sido notificado da acusação contra si deduzida no dia 01 de outubro de 2018, é com a decisão do Ministro da Administração Interna [que é a entidade competente para decidir o recurso hierárquico, datada de 20 de outubro de 2021], que o procedimento disciplinar vem a alcançar o seu termo final, a qual foi prolatada 19 dias após a completude do prazo prescricional de 3 anos, a que se reporta o artigo
55.º do RDPSP.

4 - Inexistindo qualquer lacuna ou omissão no RDPSP que no domínio da prescrição do procedimento disciplinar fosse determinante do recurso ao direito subsidiário [seja da LTFP, seja do Código Penal], a norma a que se reporta o artigo 55.º [do RDPSP] consagra em si o único desiderato normativo passível de aplicação tendo em vista a contagem do prazo prescricional em causa.

***

IV – DECISÃO

Nestes termos, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, os juízes da Subsecção Administrativa Social da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, Acordam em conferência:
A) em CONCEDER PROVIMENTO ao recurso interposto pelo Recorrente «AA»;
B) em revogar a Sentença recorrida;
C) em julgar a acção procedente, anulando o acto impugnado por violação do disposto no artigo 55.º, n.º 1 do Regulamento Disciplinar da PSP, aprovado pela Lei
n.º 7/90, de 20 de fevereiro, com as legais consequências.

*

Custas a cargo do Recorrido – Cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.

**

Notifique.


*
Porto, 24 de janeiro de 2024.


Paulo Ferreira de Magalhães, relator
Isabel Costa
Rogério Martins, com a declaração de voto que segue: "Voto o acórdão sem prejuízo do entendimento sufragado no acórdão por mim relatado, de 20.10.2023, no processo 63/22".