Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 00584/24.8BECBR |
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Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
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Data do Acordão: | 03/07/2025 |
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Tribunal: | TAF de Coimbra |
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Relator: | TIAGO MIRANDA |
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Descritores: | PROCESSO CAUTELAR; INSTRUMENTALIDADE COM INCIDENTE PROCESSUAL DE PEDIDO DE PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVA; |
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Sumário: | I – Nada obsta, em abstracto, a que um incidente processual possa ser o processo principal de uma acção cautelar. Basta que ocorra entre o pedido cautelar e o objecto prosseguido mediante o incidente, a relação de instrumentalidade descrita no nº 1 do artigo 112º do CPTA. II – Tal é o caso de pedido cautelar de suspensão dos trabalhos de uma empreitada pública, como meio de acautelar a possibilidade da produção antecipada da prova de que determinados trabalhos já estavam executados em determinado dia. III – O CPTA contém, nos artigos 121º e 122º, um regime equivalente – mas não idêntico – ao que o CPC designa, na epígrafe do artigo 369º como “inversão do contencioso”. Tanto basta para ser inaplicável em processo nos Tribunais Administrativos este instituto do CPC. IV – Tratando-se, na prova pericial a antecipar, apenas de um quesito, é de presumir que a suspensão das obras não se tenha de prolongar por tempo tal que torne o tempo de suspensão desproporcionalmente lesivo do interesse (público) da demandada em terminar a construção do equipamento de solidariedade social, objecto do contrato. Nestes pressupostos – sempre revisíveis (artigo 124ª do CPTA) – deve prevalecer o interesse particular da Recorrente em produzir a prova antecipada, pelo que é de deferir o pedido cautelar.* * Sumário elaborado pelo relator (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
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Votação: | Unanimidade |
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Meio Processual: | Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional |
Decisão: | Conceder provimento ao recurso. |
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Aditamento: | ![]() |
Parecer Ministério Publico: | ![]() |
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Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I - Relatório [SCom01...], LDA., interpôs recurso de apelação relativamente à Sentença proferida pela Mª Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, 21 de Dezembro de 2024, que indeferiu o pedido que apresentou contra CEBES - CENTRO DE BEM ESTAR SOCIAL ..., relativamente à empreitada de “CONSTRUÇÃO DA ERPI DO CENTRO DE BEM ESTAR SOCIAL ...”, objecto do concurso publicado na II série do Diário da República, parte L, n.º 176, de 12-09-2022, sob o anúncio de procedimento n.º ...22, de “suspensão da execução da empreitada até à realização da referida perícia, com os legais efeitos e inversão do contencioso”. Rematou a sua alegação com as seguintes conclusões: «CONCLUSÕES 1. É verdade que o presente procedimento cautelar visa assegurar a realização/utilidade da perícia. 2. Porém, tal não significa que não seja dependente de uma acção principal. 3. Com efeito, na presente situação, o processo de produção antecipada de prova que tramita no TAF de Coimbra sob o número 381/24.OBECBR, com sentença transitada em julgado, que decidiu pela realização da prova pericial requerida pela A. é, para efeitos do disposto no artigo 112.°, n.° 1, e 113.°, n.° 1, do CPTA, causa principal. 4. Nesse sentido foi decidido pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no âmbito do processo n.° 22031/21.7T8LSB-A.L1-2, de 10-03-2022. 5. Ou seja, conforme foi decidido pelo Tribunal da Relação de Lisboa a presente providência cautelar pode ser instrumental face a uma produção antecipada de prova. 6. Além disso, foi o próprio Tribunal que, no âmbito da sentença proferida no processo n.° 381/24.OBECBR (cf. doc. 31, da PI), decidiu que "Sublinhe-se que, não obstante esta decisão, a Requerente é livre de, em cautelar, requerer a suspensão dos trabalhos, alegando a presunção de direito fundado, o perigo na mora e a adequação da medida face aos danos previsíveis: "Pode ser requerido um procedimento cautelar comum para preservar o estado de coisas - trabalhos realizados peia requerente - que terá de ser submetido a prova, de modo a possibilitar a produção antecipada de prova de pressupostos do direito de crédito ao pagamento dos trabalhos realizados. 7. Consequentemente, em respeito pelo princípio da confiança dos cidadãos nas decisões dos tribunais, a presente providência cautelar deve ser decretada. 8. A característica da instrumentalidade encontra-se presente no pedido apresentado pela A. e na presente acção. 9. A decisão recorrida padece de erro de julgamento de direito, por violação do disposto nos artigos 112.°, n.° 1, e 113.°, n.° 1, do CPTA, bem como dos princípios da confiança e segurança jurídicas, o que se alega para os devidos efeitos legais. 10. O requisito do "fumus boni iuris" deve ser aferido não só quanto à "acção em que se peça o reconhecimento judicial de que os trabalhos objecto da reclamação se encontravam executados no mês de Maio de 2024 ou a condenação ao pagamento dos valores relativos ao referidos trabalhos", mas também quanto à realização da produção antecipada de prova já decretada, uma vez que, sem a possibilidade de a A. produzir tal prova, o seu direito a exercer na acção de cobrança das quantias que lhe são devidas pelo R. fica, irremediavelmente, prejudicado. 11. Quanto à produção antecipada da prova, não existe qualquer dúvida de que o direito da A. à realização de uma perícia colegial, reconhecido no âmbito do processo número 381/24.OBECBR, existe. Pelo que, desde logo o requisito do "fumus boni iuris" se verifica em relação a este direito. 12. Pelo que, mais uma vez, a decisão recorrida padece de erro de julgamento de direito, por violação do disposto nos artigos 112.°, n.° 1, e 113.°, n.° 1, do CPTA, o que se alega para os devidos efeitos legais. 13. O tribunal a quo não refere qualquer norma jurídica para sustentar a conclusão de que a inversão do contencioso não se aplica aos procedimentos cautelares previstos no CPTA, remetendo genericamente para o disposto nos artigos 112.° e seguintes do CPTA. 14. o artigo 369.°, n.° 1, do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo l.°, do CPTA, dispõe que "Mediante requerimento, o juiz, na decisão que decrete a providência, pode dispensar o requerente do ónus de propositura da acção principal se a matéria adquirida no procedimento lhe permitir formar convicção segura acerca da existência do direito acautelado e se a natureza da providência decretada for adequada a realizar a composição definitiva do litígio. ” 15. Pelo que, a decisão recorrida padece de erro de julgamento de direito, por violação do disposto no artigo 369.°, n.° 1, do Código de Processo Civil, o que se alega para os devidos efeitos legais. 16. Se existiu um decaimento do R. na acção, este também deveria ser parcialmente responsável pelas custas do processo, nos termos do disposto no artigo 527.°, n.° 1, do Código de Processo Civil, o que não ocorreu ou, quando muito, do próprio incidente de litigância de má fé, o que também não ocorreu. 17. Pelo que, a decisão proferida padece de erro de julgamento de direito, por violação do disposto no artigo 527.°, n.° 1, do Código de Processo Civil, o que se alega para os devidos efeitos legais. Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o recurso ser julgado procedente por provado e, consequentemente, revogada a sentença, proferindo-se acórdão que julgue a acção totalmente procedente, tal como e com os efeitos requeridos na Petição Inicial; Só assim se fazendo Justiça!» A Recorrida respondeu à alegação, concluindo nos seguintes termos: CONCLUSÕES: 1- A presente acção cautelar carece da característica da instrumentalidade, porquanto devia ser instrumental à acção principal que a Recorrente nunca intentou, com vista ao reconhecimento de que os trabalhos em causa se encontravam executados em Maio de 2024. 2- É aquele o direito relativamente ao qual o processo cautelar se reporta, e não um alegado direito à realização de uma perícia que, atenta a sua natureza meramente probatória, é absolutamente irrelevante. 3- O processo de produção antecipada de prova não integra o conceito de causa principal para efeitos do disposto nos arts. 112.° e 113.° CPTA, desde logo, por não ter por objecto a decisão sobre o mérito da causa, definição imposta pelo n.° 1 do art. 113.° CPTA. 4- A característica da instrumentalidade das providências cautelares é especialmente relevante no contencioso administrativo, e a configuração do requerimento inicial por referência a um incidente, e não à causa principal, frustrou a natureza necessariamente instrumental da providência cautelar face a uma acção principal, determinando a sua improcedência. 5 - Não foram violados os princípios da confiança e segurança jurídica, pois o facto de o Tribunal, no âmbito do processo n.° 381/24.0BECBR, ter afirmado a possibilidade de a Recorrente requerer a suspensão dos trabalhos não vincula o operador judicial ao deferimento do pedido cautelar, nem representa nenhuma garantia de deferimento, pelo que a Requerente teria sempre o ónus de alegar e demonstrar o preenchimento dos requisitos obrigatórios para a procedência da providência cautelar, incluindo a instrumentalidade da mesma face à causa principal, algo que não logrou fazer. 6- De igual forma, para verificação do requisito fumus boni iuris é absolutamente irrelevante a demonstração do direito de realização de uma perícia, dado que, uma vez mais, não é este direito que estará em causa na acção principal. 7- Acresce que a probabilidade da procedência da acção principal - i.e., do reconhecimento judicial de que os trabalhos objecto da reclamação se encontravam executados no mês de Maio de 2024 ou a condenação ao pagamento dos valores relativos aos referidos trabalhos - não se encontra minimamente indiciada. 8- Sem prejuízo, sempre se dirá que não se verifica o requisito periculum in mora, pressuposto do deferimento da providência cautelar, que seria, segundo alega a Recorrente, a continuação da execução dos trabalhos na empreitada em causa. 9- E não se verifica porquanto: a obra já se encontrava paralisada antes da entrada em juízo do presente processo; o prazo de execução do contrato terminou no dia 15-10-2024, não tendo sido objecto de prorrogação; a Recorrente intentou acção judicial no TAF de Coimbra com vista à resolução do contrato, revelando não ter intenção de executar a obra; também o Recorrido já resolveu o contrato, tendo tal facto sido comunicado à Recorrente; e a Recorrente tem a posse da obra, não podendo o Recorrido prosseguir com a execução da obra com outra entidade ou de qualquer forma alterar o estado da mesma. 10- A inversão do contencioso não se aplica aos processos cautelares consagrados no CPTA, pois está prevista outra solução de conversão da decisão cautelar em decisão definitiva no art. 121.° do CPTA. Pelo que a mobilização da inversão do contencioso, concebida para o processo civil, no processo nos tribunais administrativos, havendo solução diversa consagrada no CPTA, defraudaria forçosamente a aplicação da lei processual conforme pretendida pelo legislador, uma vez que a aplicação do CPC ao processo nos tribunais administrativos é apenas supletiva, nos termos do art. 1.° do CPTA, não podendo ocorrer quando haja solução prevista neste último diploma. 11- Acresce que, ainda que a inversão do contencioso se pudesse aplicar, em geral, às providências cautelares consagradas no CPTA, a verdade é que neste caso concreto também não se poderia lançar mão de tal instituto processual, uma vez que o art. 369.°, n.° 1, do CPC apenas permite a inversão do contencioso quando a natureza da providencia adequada seja adequada a realizar a composição definitiva do litígio. 12- Como escreveu o Tribunal da Relação de Coimbra em Acórdão de 12/09/2017, no proc. 157/16.9T8LSA.C1, “A inversão do contencioso só é admissível se a tutela cautelar puder substituir a definitiva e apenas se a providência cautelar requerida (nominada ou inominada) não tiver um sentido manifestamente conservatório.”. 13- A providência cautelar peticionada é de natureza conservatória, na medida em que visa manter inalterado o estado das coisas, paralisando os trabalhos no estado em que se encontram. 14- 0 decretamento definitivo da suspensão da execução dos trabalhos da empreitada em causa nunca poderá ter qualquer sentido útil para a causa principal, cujo pedido, recorda-se, será o de reconhecimento de que os trabalhos objecto da reclamação se encontravam executados no mês de Maio de 2024. 15- De acordo com o art. 1.°, n.° 2, do Regulamento das Custas Processuais (RCP), “considera-se como processo autónomo cada acção, execução, incidente, procedimento cautelar ou recurso, corram ou não por apenso, desde que o mesmo possa dar origem a uma tributação própria." 16- Na medida em que não é devida taxa de justiça pela sua mobilização, o incidente de litigância de má-fé não deu origem a uma tributação própria. A própria Recorrente não refere a proporção do suposto decaimento do recorrido, precisamente porque não é quantificável. 17- Sendo consabido que se compreendem nas custas de parte as taxas de justiça pagas, os encargos efectivamente suportados pela parte, as remunerações pagas ao agente de execução e as despesas por este efectuadas (caso se aplique) e os honorários do mandatário e as despesas por este efectuadas (art. 533.°, n.° 2, do CPC), claro está que não poderá responsabilizar por custas o decaimento num incidente que não tem valor atribuído e pelo qual não é devida taxa de justiça. 18- Não se detecta na jurisprudência disponível para consulta um único caso em que tenha sido aplicada taxa de justiça meramente pelo pedido de condenação por litigância de má fé, ou em que o autor do pedido tenha sido responsabilizado por custas pelo simples indeferimento desse pedido. 19- Na verdade, o Tribunal apenas poderia ter determinado o pagamento de taxa de justiça ao então Requerido se o pedido fosse manifestamente infundado ou descabido - o que não ocorreu e que de qualquer modo não se concede - conforme se retira a contrario do exposto pelo Tribunal da Relação de Guimarães, em Acórdão de 04-10-2023, no proc. 3329/19.0T8VCT-A.G1, “Em tal incidente, segundo a tabela II anexa ao Regulamento das Custas Processuais, a taxa de justiça pode ser fixada entre uma a três UC. Sempre que «seja suscitada uma questão descabida no quadro da sua dinâmica»[7], o que é apurado por via da dinâmica da respectiva tramitação, deve ser objecto de tributação, com condenação em taxa de justiça.j...] Como é óbvio as partes são livres de exercer as faculdades consagradas na lei, mas se as exercem de forma manifestamente infundada, dando origem a um incidente injustificado e descabido, são responsáveis pela respectiva tributação." 20- Tendo o Recorrido, nos presentes autos, deduzido um pedido de litigância de má-fé perfeitamente legítimo e plausível, considerando a condução processual da Recorrente, aquele não é responsável pela tributação do mesmo. Importa relevar que nada foi considerado pelo Tribunal ou sequer alegado pela Recorrente em sentido contrário. Destarte, não poderá haver responsabilização do Recorrido por custas. 21- Assim, sempre se dirá que o Douto Tribunal a quo bem andou ao decidir como decidiu, inexistindo ou persistindo qualquer tipo de dúvida, obscuridade ou erro de julgamento que mereça a intervenção deste Venerando Tribunal. Nestes termos e nos melhores de Direito, o Recorrido está convicto de que V. Exas., Venerandos Juízes Desembargadores, apreciando objectivamente o presente recurso, subsumindo-a nos comandos legais aplicáveis, tudo no mais alto e ponderado critério, não deixarão de julgá-lo totalmente improcedente, confirmando a manutenção da decisão recorrida, Só assim se fazendo JUSTIÇA! Sem vistos prévios, atenta a natureza urgente do processo (artigo 36º nº 2 do CPTA), cumpre apreciar e decidir. II- Delimitação do objecto do recurso A - Conforme jurisprudência pacífica, o âmbito do recurso é delimitado pelo objecto das conclusões das alegações, interpretadas em função daquilo que se pretende sintetizar, isto é, o corpo das alegações Posto isto, as questões que a Recorrente pretende ver apreciadas em apelação são as seguintes: 1ª Questão A sentença recorrida errou no julgamento de direito, violando os artigos 112º nº 1 e 113 nº 1 do CPTA, ao indeferir o decretamento da providência cautelar da suspensão das obras da empreitada por, supostamente, não ocorrer o pressupondo a instrumentalidade desse pedido relativamente ao objecto de uma acção principal, pois para o efeito do pedido cautelar sub juditio o processo de produção antecipada de prova, nº 381/24.0BECBR, já objecto de sentença no sentido do deferimento, transitada em julgado, era o processo principal? 2ª Questão A sentença recorrida também errou quando se fundamentou numa alegada inexistência de fumus juris relativamente à acção em que se viesse a pedir o reconhecimento de que os trabalhos facturados já estavam realizados em Maio de 2024 ou a condenação da Requerida a pagar tais trabalhos, já que tal requisito do decretamento da providência apenas se poderia referir ao pedido de antecipação de produção de prova, já deferido com trânsito em julgado, portanto, com indiscutível fumus juris? 3ª Questão A sentença recorrida também errou quando indeferiu o pedido de “inversão do contencioso” com alegado fundamento em que tal instituto não se aplicaria nos processos cautelares do CPTA, invocando genericamente os artigos 112º e sgs deste diploma, quando na verdade a aplicabilidade resultava concretamente do artigo 369º nº 1 do CPC ex vi artigo 1º do CPTA, normas desta feita violadas? 4ª Questão A sentença recorrida também errou, violando, desta feita, o artigo 527º do CPC, quando condenou a Recorrente na totalidade das custas, apesar de a Ré ter decaído quando ao pedido de condenação da Autora, ora Recorrente como litigante de má fé? III - Apreciação do objecto do recurso A - Da sentença A sentença recorrida operou a seguinte selecção de factos “indiciariamente provados” e não provados relevantes: «1) Em 08/06/2024, a Equipa de Fiscalização remeteu à Requerente, através de mensagem de correio electrónico, o auto de medição n.° 14 referente aos trabalhos executados no mês de Maio de 2024 (cfr. documento n.° 23 junto com o requerimento inicial). 2) Em 12/06/2024, a Requerente remeteu à Equipa de Fiscalização e à Entidade Requerida, através de mensagem de correio electrónico, reclamação do auto de medição n.° 14, peticionando o seguinte: “Nestes termos, deve a presente reclamação ser deferida e, em consequência: a. Deve o auto de medição de Maio de 2024 ser corrigido, de modo a que nele conste o valor de 41.266,21 €, referente às deduções ilicitamente feitas e sem o consentimento da [SCom01...]; b. Deve o auto de medição de Maio de 2024 ser corrigido, de modo a que nele conste o valor de 108 131,56 € referente às quantidades executadas e não reconhecidas da medição feita pela Fiscalização e pelo Dono da obra. (cfr. documento n.° 24 junto com o requerimento inicial). 3) Em 13/06/2024, a Equipa de Fiscalização remeteu à Requerente mensagem de correio electrónico, com o seguinte teor: “Acusamos a recepção do Vosso email registando, no que à parte técnica diz respeito, que perante a Vossa proposta de auto n°14, verificamos que o mesmo continha trabalhos não executados. Ao fazer uma análise global de todos os autos já realizados foram feitas as respectivas correcções aos erros detectados. Dando cumprimento ao n° 1 do artigo 390 do CCP procedemos à sua correcção no auto enviado conforme email anexo. Ao verificarmos no email agora recebido que a Entidade Executante não concorda, podendo para isso fazer uma reserva de direitos se assim o entender, e para que não restem dúvidas quanto aos trabalhos efectivamente realizados à data, propomos uma medição conjunta em data a combinar, o mais breve possível. Reservamos ao direito de resposta jurídica em tempo oportuno.”. Cfr. documento n.° 25 junto com o requerimento inicial. 4) Em 13/06/2024, a Requerente respondeu à mensagem de correio electrónico referida no ponto anterior, reafirmando a sua discordância com o auto de medição n.° 14 e sugerindo que a medição conjunta se realizasse no dia seguinte (cfr. documento n.° 26 junto com o requerimento inicial). 5) Em 13/06/2024, a Equipa de Fiscalização confirmou à Requerente, através de mensagem de correio electrónico, a sua disponibilidade para efectuar a medição conjunta no dia 14/06/2024 relativamente à “totalidade dos trabalhos executados em obra, à data (cfr. documento n.° 26 junto com o requerimento inicial). 6) Em 13/06/2024, a Requerente confirmou a sua presença para medição dos trabalhos executados em Maio de 2024. (cfr. documento n.° 27 junto com o requerimento inicial). 7) Em 14/06/2024, a Requerente, a Entidade Requerida e a Equipa de Fiscalização deslocaram-se ao local onde estão a ser executados os trabalhos de construção da ERPI do Centro de Bem Estar Social ... para realização da medição conjunta, tendo a Requerente manifestado a sua concordância quanto à medição dos trabalhos realizados em Maio de 2024, recusando-se a fazer a medição da totalidade da obra (facto não controvertido). 8) Em 14/06/2024, a Requerente remeteu mensagem de correio electrónico à Entidade Requerida com o seguinte teor: “Exmos. Senhores, Apesar de nos termos deslocado hoje à obra, à hora combinada, para realização das medições dos trabalhos executados em Maio de 2024, constatámos a V/ recusa em realizar as referidas medições, pretendendo, ao invés, realizara medição da obra toda. Ora, as medições anteriores constam dos respectivos autos de medição e não há nada na lei aplicável que permita ao Dono da obra repetir medições anteriores em substituição da medição mensal. Se houver correcções a fazer, sejam estas reflectidas no último auto de medição da obra, nos termos da lei. Deparamo-nos assim com uma recusa expressa do Dono da obra em realizar a medição conjunta dos trabalhos executados em Maio de 2024, apesar de saber que as quantidades que constam do auto n.° 14, elaborado e remetido por V. Exas., não correspondem à verdade dos trabalhos executados em Maio. Não se poderá assim dizer que a [SCom01...] não tentou colaborar com V. Exas. na confirmação das medições em falta. Em face do exposto, os trabalhos encontram-se suspensos e apresentaremos a respectiva queixa crime junto do Ministério Público para tratamento penal do teor do auto de medição n.° 14 remetido por V. Exas., concretamente, as quantidades executadas em Maio de 2024, já confirmadas pelos subempreiteiros e demais testemunhas a indicar. [..” Cfr. documento n.° 27 junto com o requerimento inicial. 9) No dia 20/06/2024, a Requerente remeteu à Entidade Requerida a factura n.° ...30, no valor de € 108.131,56, acrescido de IVA (cfr. documento n.° 28 junto com o requerimento inicial). 10) A Entidade Requerida devolveu a factura referida no ponto anterior à Requerente, por a mesma não ter sido emitida de acordo com o valor apurado no auto de medição n.° 14 (cfr. documento n.° 3 junto com a oposição). 11) Em 27/06/2024, a Entidade Requerida remeteu à Requerente, através de mensagem de correio electrónico, a decisão de indeferimento da reclamação apresentada em 12/06/2024, na qual consta, entre o mais, que “o valor a pagar constante do Auto de Medição n.° 14 reflecte com exactidão a conta corrente daquilo que é a actual (e verdadeira) situação dos trabalhos efectivamente executados”, bem como que “inexiste qualquer fundamento legítimo para a invocada suspensão dos trabalhos, encontrando-se assim a decorrer o prazo contratual de execução da empreitada” (cfr. documentos n.°s 4 e 5 juntos com a oposição). 12) A Requerente intentou contra a Entidade Requerida incidente processual de produção antecipada de prova com pedido cautelar, neste Tribunal, o qual corre termos sob o n.° 381/24.0BECBR, no qual peticionou a realização de uma perícia com o seguinte objecto “Quais os trabalhos executados na empreitada até ao mês de Maio de 2024, em quantidade e valor?” (cfr. documento n.° 29 junto com o requerimento inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido). 13) Em 12/07/2024, foi proferido despacho no processo n.° 381/24.0BECBR, no qual se decidiu o seguinte: “Pelo exposto, o Tribunal ordena o seguinte: a. Levantamento do efeito suspensivo da execução da obra; b. Realização da prova pericial por colégio de peritos”. Cfr. documento n.° 31 junto com o requerimento inicial. 14) Em 17/09/2024, foi admitido o recurso interposto pela Entidade Requerida do despacho proferido em 17/07/2024 no processo n.° 381/24.0BECBR, que indeferiu o pedido de declaração de nulidade do segmento da sentença em que o Tribunal decidiu nomear dois dos três peritos a integrar a perícia colegial (cfr. documentos de fls. 929 a 955 do SITAF). 15) Em 13/09/2024, a Autora intentou acção contra a Entidade Requerida, que corre termos neste Tribunal, sob o n.° 540/24.6BECBR, na qual peticionou: “Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exa. doutamente suprirá, deve a presente acção ser julgada procedente por provada e: (i) Ser reconhecida a legalidade das suspensões da empreitada por parte da A., por factos imputáveis ao R; (ii) Ser decretada a resolução do contrato celebrado entre a A. e o R; (iii) Ser o R. condenado a indemnizar a A. pelos danos emergentes e lucros cessantes decorrentes da resolução contratual e da suspensão dos trabalhos, que serão objecto de liquidação posterior, nos termos do disposto nos artigos 569°, do Código Civil, e 556.°, al. b), do Código de Processo Civil.” (cfr. documento junto a fls. 1043 a 1501 do SITAF, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido). 16) Em 25/11/2024, a Entidade Requerida remeteu à Requerente, através de carta registada, ofício sob o assunto «Contrato de empreitada de obras públicas “Construção de ERPI do Centro de Bem Estar Social ...” | Resolução sancionatória» (cfr. documentos juntos a fls. 1507 a 1513 do SITAF). IV.2. Factos não provados Inexistem factos indiciariamente não provados com relevo para a decisão a proferir.» Cumpre antes de mais notar que a recorrente não se insurge contra a selecção de factos relevantes provados e não provados. Designadamente, não reclama de qualquer omissão. Assim é nesta selecção que nos moveremos na discussão das questões supra enunciadas. 1ª Questão A sentença recorrida errou no julgamento de direito, violando os artigos 112º nº 1 e 113 nº 1 do CPTA, ao indeferir o decretamento da providência cautelar da suspensão das obras da empreitada por, supostamente, não ocorrer o pressuposto da instrumentalidade desse pedido relativamente ao objecto de uma acção principal, pois para o efeito do pedido cautelar sub juditio o processo de produção antecipada de prova, nº 381/24.0BECBR, já objecto de sentença no sentido do deferimento, transitada em julgado, é o processo principal? A recorrente alega que tal foi o que se decidiu no acórdão de 10/03/2022 no processo nº 22031/21.7T8LSB-AL1-2 do TRLisboa e que também foi isso o que se explicitou na sentença proferida pelo juiz titular do sobredito processo nº 381/24, como fundamento do aí decidido, quando nele se disse que “Sublinhe-se que, não obstante esta decisão, a Requerente é livre de, em cautelar, requerer a suspensão dos trabalhos, alegando a presunção de direito fundado, o perigo na mora e a adequação da medida face aos danos previsíveis: "Pode ser requerido um procedimento cautelar comum para preservar o estado de coisas - trabalhos realizados peia requerente - que terá de ser submetido a prova, de modo a possibilitar a produção antecipada de prova de pressupostos do direito de crédito ao pagamento dos trabalhos realizado, pelo que se impunha à Mª Juiz a qua secundar tal entendimento, em respeito pelo Princípio da confiança doa cidadãos nos tribunais. Vejamos a fundamentação da sentença recorrida, na parte que para aqui mais releva: «A Requerente alega que a pretensão principal a que estes autos serão instrumentais será, além da cobrança dos valores correspondentes aos trabalhos que executou e não medidos pela Entidade Requerida, cuja acção ainda não foi intentada, a realização da medição aos trabalhos da empreitada, requerida em sede de produção antecipada da prova e já decretada por este tribunal, no âmbito do processo n.° 381/24.0BECBR. No contencioso administrativo, a produção antecipada de prova vem prevista no artigo 134.° do CPTA, a propósito das “disposições particulares” dos processos cautelares, consagrando o seguinte: “1 - Havendo justo receio de vir a tomar-se impossível ou muito difícil o depoimento de certas pessoas ou a verificação de certos factos por meio de prova pericial ou por inspecção, pode o depoimento, o arbitramento ou a inspecção realizar-se antes de intentado o processo. 2- O requerimento, a apresentar com tantos duplicados quantas as pessoas a citar ou notificar, deve justificar sumariamente a necessidade da antecipação de prova, mencionar com precisão os factos sobre que esta há de recair, especificar os meios de prova a produzir, identificar as pessoas que hão de ser ouvidas, se for caso disso, e indicar, com a possível concretização, o pedido e os fundamentos da causa a propor, bem como a pessoa ou o órgão em relação aos quais se pretende fazer uso da prova. 3 - A pessoa ou o órgão referido é notificado para intervir nos actos de preparação e produção de prova ou para deduzir oposição no prazo de três dias. 4 - Quando a notificação não possa ser feita a tempo de, com grande probabilidade, se realizar a diligência requerida, a pessoa ou o órgão são notificados da realização da diligência, tendo a faculdade de requerer, no prazo de sete dias, a sua repetição, se esta for possível. 5 - Se a causa principal vier a correr noutro tribunal, para aí é remetido o apenso, ficando o juiz da acção com exclusiva competência para os termos subsequentes à remessa. 6- O disposto nos nºs l a 4 é aplicável, com as necessárias adaptações, aos pedidos de antecipação de prova em processo já intentado”. Como referem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Cadilha, em anotação ao artigo 134.° do CPTA, “1. É controvertida a natureza da produção antecipada de prova, prevista neste artigo 134.°. Tradicionalmente enquadrada no elenco das providências cautelares - como ainda hoje sucede, por exemplo, nos Códigos de Processo Civil francês e italiano -, sempre foram reconhecidas as suas especificidades, que hoje levam boa parte da doutrina - e levaram, aliás, o nosso CPC - a autonomizá-la como um incidente processual (cfr. artigos 419.° e 420. ° do CPC). Na verdade, a produção antecipada de prova visa evitar que a mora processual impeça ou dificulte a produção, no momento próprio do andamento do processo, de certos meios de prova e, nesta dimensão, é um instrumento dirigido a acorrer ao periculum in mora. Porém, a produção antecipada de prova, pela natureza específica da situação típica de perigo a que visa dar resposta, não tem por objecto estabelecer uma regulação provisória para o litígio, em ordem a assegurar a justa composição dos interesses nele envolvidos durante a pendência do processo principal, mas desempenha uma função completamente diferente, que é a de recolher elementos de prova que vão ficar adquiridos para o processo principal, como se a prova tivesse sido produzida nesse processo. Por este motivo, a produção antecipada de prova não partilha com as (demais) providências cautelares a característica da provisoriedade, não lhe sendo, designadamente, aplicável o regime de caducidade do artigo 123°; e não depende do preenchimento dos pressupostos do artigo 120°, mas dos pressupostos específicos estabelecidos neste artigo 134°. [...]” (Cfr. Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Cadilha, “COMENTÁRIO AO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS”, 5a Edição, Almedina, 2021, págs. 1110 e 1111). Ora, compulsados os autos conclui-se que o presente processo cautelar não é instrumental/dependente de uma acção principal, cuja utilidade visa assegurar (no caso, da acção que a Requerente alega que intentará com vista ao reconhecimento judicial de que os trabalhos objecto da reclamação se encontravam executados no mês de Maio de 2024), mas sim do incidente processual de produção antecipada de prova deduzido pela Requerente contra a Entidade Requerida, que corre termos neste Tribunal sob n.° 381/24.0BECBR, no qual peticionou a realização de uma perícia com o seguinte objecto “Quais os trabalhos executados na empreitada até ao mês de Maio de 2024, em quantidade e valor?’’ (cfr. facto indiciariamente provado 12)). Dito de outro modo, o presente processo cautelar visa assegurar a realização/utilidade da perícia determinada no âmbito do referido incidente processual (cfr. facto indiciariamente provado 13), pelo que falta ao presente processo cautelar a característica da instrumentalidade face a uma acção principal, como se impõe por força do disposto nos artigos 112.°, n.° 1, e 113.°, n.° 1, do CPTA, e, como tal, o mesmo forçosamente terá de ser julgado improcedente.» Sem deixarmos de reconhecer a plausibilidade, de um ponto de vista técnico-jurídico da solução adoptada pela Mmª Juiz a qua para a raridade jurídica que em primeira mão lhe cumpriu apreciar, não a secundamos. Na verdade, esta solução jurídica deixa sem meio processual de tutela efectiva um direito subjectivo, designadamente o direito da parte a produzir todas as provas legalmente admissíveis e uteis para a sustentação da solução por si preconizada para um litigio. Este direito, indisponível, embora não esteja formal e especificamente consagrado em Lei, está subjacente aos dispositivos dos artigos 341º a 348º do CC, onde avulta o artigo 345º, proibindo a sua limitação convencional, e nos artigos 410º a 420º do CPC, onde avulta o artigo 419º – antecipação da prova – e o seu objecto é condição do respeito por um direito fundamental, da ordem dos direitos liberdades e garantias, consagrado em geral no artigo 20º nº 5 da Constituição e em especial, para as relações jus-administrativas, no nº 5 do artigo 268º da mesma Constituição: o direito dos cidadãos ao acesso a uma tutela judicial efectiva dos seus direitos e interesses legalmente protegido. Com efeito, é a essa lacuna de tutela a que se chegará se aquele que alega que, prosseguindo os trabalhos da empreitada, o pedido objecto do incidente processual de produção antecipada de prova se tornará impossível ou desproporcionalmente dispendioso, não puder recorrer à tutela cautelar para prevenir a consumação dessa impossibilidade ou dessa grande dispendiosidade. Por isso é que o julgamento da Mª Juiz a qua, por muito linear e evidente que possa parecer, não pode vingar. Ora, a Mª Juiz a qua parte de um pressuposto que não é uma fatalidade, a saber, o de que a tutela cautelar só está concebida, no CPTA, para as acções, não também para os incidentes processuais, quando é certo que nem mesmo a literalidade da lei sugere tal. Nos termos do nº 1 do artigo 112º do CPTA, “Quem possua legitimidade para intentar um processo junto dos tribunais administrativos pode solicitar a adopção da providência ou das providências cautelares, antecipatórias ou conservatórias, que se mostrem adequadas a assegurar a utilidade da sentença a proferir nesse processo”. Como se vê, o Legislador não fala de acção, nem de acção principal, fala, sim, de “processo” precisamente um conceito abrangente de acções e incidentes. O próprio termo sentença é usada na lei processual para designar as decisões finais de muito incidentes processuais. Tanto bastaria para concluirmos que um incidente pode ser, no CPTA, o processo principal de uma acção cautelar. Mas, se houvesse dúvidas, sempre a interpretação de que o Legislador teria querido que a tutela cautelar fosse garantida apenas ao objecto das acções, teria que ser afastada, por desconforme com o respeito pelo sobredito direito liberdade e garantia. Enfim, a Recorrente tem razão, o pedido cautelar é instrumental de outro processo e o processo principal dessa relação é o incidente de pedido produção antecipada de prova nº 381/24.0BECBR. Não se pense, entretanto, que proferida que foi a sentença desse incidente, já nada há a garantir. Na verdade, se já há sentença transitada na parte em que se ordena a produção antecipada de prova, o certo é que nada obsta a que, entretanto, as obras prossigam, obstaculizando mais e mais a produção de prova sobre a s obras realizadas em Maio de 2024. Pelo exposto, é positiva a resposta à Primeira questão. 2ª Questão A sentença recorrida também errou quando se fundamentou numa alegada inexistência de fumus juris relativamente à acção em que se viesse a pedir o reconhecimento de que os trabalhos facturados já estavam realizados em Maio de 2024 ou a condenação da Requerida a pagar tais trabalhos, já que tal requisito do decretamento da providência apenas se poderia referir ao pedido de antecipação de produção de prova, já deferido com trânsito em julgado, portanto, com indiscutível fumus juris? Atenta a resposta à questão anterior, a desta outra já só pode ser positiva. Se o processo principal é o pedido de produção antecipada de prova, e se o direito a produzir provas (que não sejam ilegais) é uma manifestação do direito liberdade e garantia à tutela judicial efectiva; e se a sentença do processo de pedido de produção antecipada de prova transitou em julgado nessa parte, o direito a acautelar mediante o pedido cautelar sub judices só pode exalar o perfume do bom direito. 3ª Questão A sentença recorrida também errou quando indeferiu o pedido de “inversão do contencioso” com alegado fundamento em que tal instituto não se aplicaria nos processos cautelares do CPTA, invocando genericamente os artigos 112º e sgs deste diploma, quando na verdade a aplicabilidade resultava concretamente do artigo 369º nº 1 do CPC ex vi artigo 1º do CPTA, normas desta feita violadas? Aqui não vemos por que tenha errado a Mª Juiz a qua, nem a Recorrente se esforçou minimamente por o demonstrar. É certo que o CPTA remete para o CPC, mas remete para este diploma, evidentemente, na medida em que não houver regime próprio. Ora, o CPTA contém, nos artigos 121º e 122º, um regime equivalente – mas não idêntico – ao que o CPC designa, na epígrafe do artigo 369º como “inversão do contencioso”. Tanto basta para ser inaplicável o regime do CPC. É negativa, portanto, a resposta a esta 3ª questão. 4ª Questão A sentença recorrida também errou, violando, desta feita, o artigo 527º do CPC, quando condenou a Recorrente na totalidade das custas, apesar de a Ré ter decaído quando ao pedido de condenação da Autora, ora Recorrente como litigante de má fé? Esta questão resulta prejudicada pela procedência do recuso implicada na resposta positivava à primeira questão supra e pela procedência do pedido cautelar que infra se decidirá. Com efeito, havendo que rever a condenação em custa em primeira instância, em conformidade com a nova sorte da lide, deixa de ter qualquer utilidade discutir a condenação em custas operada na primeira instância. Conclusão da apreciação do recurso Consequência lógica das respostas positivas às 1ª e 2ª questões é, desde logo, a procedência do recurso. Julgamento da acção cautelar (artigo 149º nº 2 do CPTA) Da procedência do recurso decorre a necessidade de se apreciar o remanescente do objecto da acção na medida que o mesmo não foi julgado, em virtude de ter ficado prejudicado por o fundamento da putativa improcedência da acção cautelar ter residido na falta do pressuposto processual que seria a relação de instrumentalidade do pedido cautelar com uma qualquer acção. Não se mostra necessário produzir prova nem, consequentemente, abrir novo contraditório, pelo que se nos impõe julgar de imediato e sem mais a acção. Julguemos, então: Quanto aos pressupostos em geral do decretamento de toda e qualquer providência cautelar de natureza conservatória, como é a sub juditio, remetemo-nos para o escorreito discurso da sentença recorrida nesta matéria. Concretamente: Face ao que respondemos à segunda questão do recurso, está claro que existe fumus juris, ex abundante. O periculum in mora também ocorre, atento, entre o mais, o facto provado 16, que nos permite concluir que a Demandada resolveu sancionatoriamente (nos termos do CCP) o contrato de empreitada, propondo-se prosseguir com as obras a todo o momento, mediante novo contrato com outro empreiteiro, com o que a prova antecipada poderá vir a carecer de objecto possível. Falta sopesar e confrontar os interesses públicos e privados em presença (artigo 120º nº 2 do CPTA). Ora: A decisão do processo principal tem como objecto a produção antecipada de prova pericial com apenas um quesito. A realização dessa prova pericial integrará, por natureza, um trabalho de campo e a elaboração de um relatório para o qual já não será necessário, em princípio, manter as obras suspensas. Tratando-se apenas da produção de um quesito, é de presumir que a suspensão das obras não se tenha de prolongar por tempo tal que torne o tempo de suspensão desproporcionalmente lesivo do interesse (público) da demandada em terminar a construção do equipamento de solidariedade social, objecto do contrato. Nestes pressupostos – sempre revisíveis, note-se (artigo 124ª do CPTA) – julgamos que deve prevalecer o interesse particular da Recorrente em produzir a prova antecipada que se propõe fazer. Conclusão Como assim, é de decretar, a providência pedida. Porém, atento o objecto da relação de instrumentalidade aqui reconhecida e o princípio da proporcionalidade, na vertente de necessidade das medidas cautelares (cf. artigo 120º nº 3 do CPTA) julgamos dever ser-lhe aposto um termo resolutivo, no sentido de a suspensão dos trabalhos em obra haver de cessar, não com a emissão nem com a notificação do relatório pericial final às partes, nem no momento em que já não puder haver reclamação nem nova perícia, mas sim no momento em que os peritos fizerem saber ao Tribunal, no processo principal (n.° 381/24.0BECBR) não carecerem ou já não carecerem da suspensão dos trabalhos da empreitada, para se pronunciarem. Custas Considerando o seu decaimento total, as custas ficam a cargo da Recorrida, quer na acção, quer no recurso: artigo 527º do CPC. Dispositivo Assim, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal em dar provimento ao recurso e em julgar procedente a presente acção cautelar, indo a demandada intimada a suspender quaisquer trabalhos em curso na obra objecto da empreitada acima identificada, até ao momento em que o colégio de peritos comunicar, no processo n.° 381/24.0BECBR, não carecer ou já não carecer da suspensão dos trabalhos para se pronunciar sobre o objecto da perícia. Custas, em ambas as instâncias, pela Recorrente. Porto, 7/3/2025 Tiago Afonso Lopes de Miranda Ricardo Jorge Pinho Mourinho de Oliveira e Sousa Maria Clara Alves Ambrósio |