Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
| Processo: | 02940/18.1BEPRT |
| Secção: | 2ª Secção - Contencioso Tributário |
| Data do Acordão: | 04/10/2025 |
| Tribunal: | TAF do Porto |
| Relator: | ANA PATROCÍNIO |
| Descritores: | CONTRA-ORDENAÇÃO; ATENUAÇÃO ESPECIAL DA COIMA; PRESSUPOSTOS DA ADMOESTAÇÃO, PRINCÍPIO DA APLICAÇÃO RETROACTIVA DA LEI NOVA MAIS FAVORÁVEL; LEI N.º 7/2021, DE 26 DE FEVEREIRO, REMESSA À AUTORIDADE ADMINISTRATIVA; |
| Sumário: | Concluindo-se que as alterações introduzidas pela Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro, no Regime Geral das Infracções Tributárias, em sede de dispensa, redução e atenuação especial das coimas, se repercutem na decisão de aplicação e na medida da coima questionada nos autos – por imposição constitucional e legal do princípio da aplicação retroactiva da lei nova mais favorável - haverá que, oficiosamente, determinar a remessa do processo à autoridade administrativa para que esta reveja ou renove tal decisão em conformidade com essas alterações em vigor, introduzidas pela Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro.* * Sumário elaborado pela relatora (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
| Votação: | Unanimidade |
| Decisão: | Conceder provimento ao recurso. |
| Aditamento: |
| Parecer Ministério Publico: |
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| Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção de Execução Fiscal e Recursos Contraordenacionais da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte: I. Relatório A Autoridade Tributária e Aduaneira – Alfândega do Aeroporto do Porto – através da Representação da Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 26/09/2019, que, condenando numa pena de admoestação, julgou parcialmente procedente o recurso da decisão de aplicação de coima interposto por “[SCom01...], S.A.”, contribuinte n.º ...67, com domicílio fiscal na Rua ..., em ..., freguesia ..., na ..., visando a decisão do Director da Alfândega do Aeroporto do Porto que a condenou no pagamento de uma coima única, que se fixou no montante de €7.500,00, e resultou do cúmulo efectuado em relação a 10 coimas parcelares que emergiram da não apresentação das mercadorias mencionadas naquela decisão à instância aduaneira de destino. A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: “I – Nos factos dados como provados a douta sentença recorrida erra ao não dar relevância ao documento que consta dos factos provados sob o n.º 16) porquanto o mesmo se refere ao período em que as infrações foram cometidas (julho de 2017); II - O Mm.º juiz analisa erradamente a possibilidade de aplicação de coima especialmente atenuada, nos termos do artigo 32.º n.º 2 do RGIT, concluindo que se encontram reunidos os pressupostos para a mesma, quando dos autos resulta que a arguida tentou desculpabilizar-se do que denomina “lapso” e a prática da infração configura negligência grave e não um diminuto grau de culpa porquanto a infratora é uma Companhia de Aviação que se caracteriza como a maior empresa de transporte expresso do mundo, detentora de procedimentos simplificados concedidos pelas autoridades aduaneiras da UE e que já anteriormente praticou infrações idênticas. III- O Mm.º Juiz lança erradamente mão do RGCO, ao aplicar o seu artigo 51.º (admoestação) a)- O mesmo configura a aplicação da lei geral, quando não se comprova que, ao não a prever, e sim apenas a dispensa e a atenuação especial da coima, o RGIT tivesse lacuna susceptível de aplicação de legislação subsidiária. b) - Pelo que a pena de admoestação é inaplicável às infrações aduaneiras previstas e punidas pelo RGIT; c) - Ainda que o fosse, o que não se concede, seria ilegal a determinação de “notificação a Direção Geral das Contribuições e Impostos para abrir conclusão com vista a designar dia e hora para aplicação da pena de admoestação”, porquanto se trata de uma infração aduaneira e não fiscal e porque a referida Direção Geral das Contribuições e Impostos, não existe desde 1986, estando desde 2012-01- 01 fundida com a Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, na Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) d) - Sendo que no caso sub judice, por ser relacionado com infrações aduaneiras e da competência do Diretor da Alfândega do Aeroporto do Porto e não matéria fiscal, deverá ser observado o disposto no artigo 52.º do RGIT. IV - O douto Tribunal a quo desvaloriza inadmissivelmente a gravidade da infração e a culpa da infratora. V - O descaminho de dez remessas de mercadoria no espaço de um mês, por parte de um grande operador de courier, em violação do regime de trânsito da União, não pode ser qualificado como uma infração de reduzida gravidade porquanto acarreta a subtração das mesmas à fiscalização da Alfândega, e a todos os controlos que poderiam ser determinados no âmbito das competências aduaneiras de fiscalização da fronteira externa, e o não pagamento de tributos. VI – Infrações praticadas em julho de 2017 por uma grande empresa profissional do transporte de mercadorias e de declaração aduaneira, que é companhia de aviação e detentora de autorização das Alfândegas para utilizar procedimentos simplificados de desalfandegamento, trânsito e armazéns de mercadorias sob fiscalização aduaneira, e só dá conta e informa a Alfândega em 28 de março de 2018, após receber notificação da Alfândega em novembro de 2017. V(II) – O que integra uma negligência grave, inadmissível a um profissional, em dez infrações praticadas. VI(II) - A douta sentença do Tribunal a quo ao revogar a Decisão administrativa de aplicação de coima e substituí-la por uma admoestação, prejudica o quantum da pena imprescindível à defesa do ordenamento jurídico no caso concreto, e bem assim a necessidade de prevenção especial que configura a advertência individual ao infractor. Nestes termos e nos melhores de direito, e com o douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a Decisão Final recorrida, com as devidas consequências legais, assim se fazendo JUSTIÇA.” **** A Recorrida apresentou resposta ao recurso, tendo concluído o seguinte: “1. A sentença recorrida faz uma apreciação ajustada dos preceitos e dos princípios trabalhados pela doutrina e pela jurisprudência no que respeita à aplicabilidade da figura da atenuação especial da coima. 2. Com efeito, são dois os requisitos exigíveis para que tal possa ocorrer: 1) que o infrator reconheça a sua responsabilidade no cometimento da infração; e 2) regularize a situação tributária até à decisão do processo. 3. Ora, a Recorrida reconheceu em devido tempo, e continua a reconhecer a sua responsabilidade no cometimento das infrações que lhe são imputadas, entendendo ser manifesta essa assunção de responsabilidade nos comportamentos que levou a cabo posteriormente à sua consumação, como são o facto de ter comunicado às autoridades aduaneiras a situação de incumprimento em que se encontrava, logo que a detetou em sede de controlo interno, o facto de ter solicitado a respetiva regularização (mediante o pedido para pagamento das coimas), e o facto de ter pago todas as imposições tributárias que se apuraram em virtude das infrações praticadas. 4. Pelo que, entende que se encontram reunidos os pressupostos legalmente previstos para que a coima de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros) que lhe foi aplicada neste processo de contraordenação possa ser especialmente atenuada nos termos do n.º 2 do artigo 32.º do RGIT, não merecendo a sentença recorrida, quanto a isto, qualquer reparo. 5. Por outro lado, quanto à aplicação da pena de admoestação, prevista no n.º 1 do art. 51.º do RGCO, é de rejeitar a impossibilidade de aplicação daquela sanção às infrações aduaneiras previstas e punidas pelo RGIT, o que, de resto, foi já afirmado categoricamente pela jurisprudência mais acertada dos tribunais superiores. 6. Será, também de afastar a ideia de que a admoestação está vedada para as contraordenações qualificadas como graves pelo artigo 23.º, n.º 3 do RGIT. 7. Como supra referido, outra conclusão não pode retirar-se senão a de que o preceito em causa não restringe a aplicação da sanção de admoestação às contraordenações leves nem a veda relativamente às contraordenações graves. 8. Por fim, quanto à alegada inexistência de um diminuto grau de culpa por parte da Recorrida, importa referir que, por um lado, não foi sua intenção, em momento algum, furtar-se ao cumprimento das formalidades aduaneiras devidas e, por outro lado, logo que se apercebeu das infrações por si cometidas em sede de controlo interno, alertou as autoridades aduaneiras para a necessidade de se regularizar aquela situação, tendo pago todas as imposições devidas pela importação das mercadorias. 9. De recordar, ainda, que as infrações foram praticadas num quadro externo verdadeiramente facilitador de desconformidade ao direito, o que diminui consideravelmente a culpa da Recorrida no seu cometimento. 10. Nesses termos, deve considerar-se reduzido o grau de culpa, por se tratar de uma conduta negligente, com expresso reconhecimento pela Recorrida da sua responsabilidade e, consequente, regularização da situação. 11. Resulta, assim, que se encontram preenchidos os requisitos de que depende a aplicação da sanção de admoestação, que se reputa adequada e proporcional às circunstâncias do caso concreto, pelo que se justifica a manutenção da revogação da decisão administrativa, tal como fez notar a sentença recorrida. Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o Recurso interposto pela Recorrente ser julgado improcedente, mantendo-se em vigor, consequentemente, a decisão proferida pelo Tribunal “a quo”, com as devidas consequências legais.” **** Também o Ministério Público junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto respondeu, formulando as seguintes conclusões: “1ª – Nos autos foi proferida sentença, em que se julgou a impugnação da coima apresentada procedente, aplicando à arguida uma pena de admoestação, depois de ter sido condenada numa coima única relativa a 10 infrações parcelares pelo facto de ter introduzido irregularmente no consumo mercadoria recebida no aeroporto do Porto, sem previamente a ter apresentado à Alfândega do destino, como era seu dever. 2ª - Na sentença recorrida decidiu-se que “considerada a factualidade assente e os elementos enunciados na decisão recorrida, designadamente o pagamento da dívida aduaneira liquidada anteriormente à decisão de condenação em coima, que só ocorreu em 28/8/2018, e foi notificada por ofício da mesma data, tendo em conta que a recorrente atuou de forma negligente e a prática dos ilícitos terá sido determinada por lapso, reputa-se adequada e proporcional às circunstâncias do caso concreto, designadamente à gravidade do facto, culpa do agente e sua situação económica, a medida de admoestação, que será suficiente para afastar a Arguida, ora Recorrente, da prática de factos similares.” 3ª - Inconformada, recorre a FP alegando que a arguida cometeu as várias infrações parcelares ao longo do mês de julho de 2017, e que só liquidou a dívida aduaneira em 14/11/2017, ou seja 4 meses depois de ter sido alertada pela ATA para essas omissões, pelo que a sua conduta não é de molde a poder beneficiar da pena de admoestação. 4ª - Ora, tendo a arguida liquidado a dívida aduaneira devida, não podemos afirmar que a infração cometida tenha causado um prejuízo material, mas tão-somente de sustentabilidade e de credibilidade do sistema fiscal, na prevenção da evasão fiscal e de tudo o que isso implica para o bem-estar geral de todos os contribuintes. 5ª - É esta a regularização da dívida de que nos fala o nº 3, do art.º 75 do RGIT e é a que vem definida no nº 3, do art.º 30 do mesmo diploma, ou seja, “o cumprimento das obrigações tributárias que deram origem à infração”, e essencialmente o pagamento dos tributos em dívida, tal como defendem Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infrações Tributárias, anotadas, 4ª edição, áreas Editora, 2010, pág. 508. 6ª - A aplicação da pena de admoestação pressupõe a reduzida gravidade da infração e da culpa do agente, o que manifestamente nos parece que resulta da matéria de facto julgada como provada (cf. acórdão do STA de 10/10/2018, proferido no P. 560/18, (800/14.4BEVIS), disponível em www.dgsi.pt), pelo que o recurso deverá ser julgado improcedente. Nestes termos, deverá o recurso ser julgado improcedente, e assim se fará JUSTIÇA!” **** Tendo os autos sido remetidos ao Ministério Público, nos termos das disposições conjugadas da alínea b) do artigo 3.º, do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), do artigo 74.º, n.º 4 do Regime Geral das Infracções de Mera Ordenação Social (RGIMOS) e do n.º 1 do artigo 416.º do Código de Processo Penal (CPP), o digníssimo Magistrado junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido de dever ser negado provimento ao recurso, aderindo, na íntegra, à resposta apresentada pelo Ministério Público em primeira instância. **** Numa análise perfunctória, verificou-se que este tribunal poderia vir a conceder provimento ao recurso, revogando a decisão que condenou a arguida numa pena de admoestação. Prevenindo essa hipótese, observou-se também ser objecto do presente recurso a decisão de atenuação especial da coima. Nesse contexto, tendo em vista ponderação de questão de conhecimento oficioso, consubstanciada na eventual aplicabilidade de regime concretamente mais favorável, foram notificados todos os intervenientes processuais para se pronunciarem acerca da possível aplicabilidade a estes procedimentos de contra-ordenação da Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro, que entrou em vigor em 01/01/2022, dando nova redacção, nomeadamente, aos artigos 29.º, 30.º, 31.º, 32.º do Regime Geral das Infracções Tributárias e aditando o artigo 28º-A ao mesmo diploma. A digníssima Magistrada do Ministério Público anuiu na aplicabilidade da Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro. A Recorrente considerou não dever promover a análise, em concreto, da aplicação dessa lei. **** Dispensam-se os vistos nos termos das disposições conjugadas dos artigos 418.º, 419.º e 4.º do Código de Processo Penal e, supletivamente, do artigo 657.º, n.º 4, do Código de Processo Civil ex vi alínea b) do artigo 3.º do Regime Geral das Infracções Tributárias e n.º 4 do artigo 74.º do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social, sendo o processo submetido à conferência para julgamento. **** II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR O presente recurso segue a tramitação do recurso em processo penal, tendo em conta as especialidades que resultam do Regime Geral das Infracções de Mera Ordenação Social (RGIMOS); pelo que o objecto do recurso é delimitado pelas respectivas conclusões [cfr. artigo 412.°, n.º 1, do Código de Processo Penal (CPP) ex vi artigo 74.°, n.º 4 do RGIMOS], excepto quanto aos vícios de conhecimento oficioso. Assim, será ponderada a aplicabilidade a estes procedimentos de contra-ordenação da Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro, que entrou em vigor em 01/01/2022, dando nova redacção, nomeadamente, aos artigos 29.º, 30.º, 31.º, 32.º do Regime Geral das Infracções Tributárias e aditando o artigo 28º-A ao mesmo diploma, dado que, além do mais, está em análise no recurso a verificação dos pressupostos da atenuação especial da coima e da sua substituição por admoestação. III. Fundamentação 1. Matéria de facto No despacho prolatado em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor: “Factos Provados 1. A Arguida, ora Recorrente, introduziu no consumo, em 11/7/2017, sem a apresentar na Alfândega, a mercadoria referente à AWB809599393530, constituída por um volume com o peso de 11,93 Kg, da PP3907300090, com o valor aduaneiro de € 235,36, conforme factura nº 0707, de 7/7/2017. 2. A Arguida, ora Recorrente, introduziu no consumo, em 11/7/2017, sem a apresentar na Alfândega, a mercadoria referente à AWB81169904275, constituída por um volume com o peso de 10,80 Kg, da PP7319909000, com o valor aduaneiro de € 631,02, conforme factura nº 20170706, de 6/7/2017. 3. A Arguida, ora Recorrente, introduziu no consumo, em 13/7/2017, sem a apresentar na Alfândega, a mercadoria referente à AWB779597238785, constituída por um volume com o peso de 3,78 Kg, da PP62031100, com o valor aduaneiro de € 168,00, conforme factura s/nº, de 6/7/2017. 4. A Arguida, ora Recorrente, introduziu no consumo, sem a apresentar na Alfândega, em 13/7/2017, a mercadoria referente à AWB742407170868, constituída por um volume com o peso de 14 Kg, da PP3921131090, com o valor aduaneiro de € 50,00, conforme factura s/nº, de 10/7/2017. 5. A Arguida, ora Recorrente, introduziu no consumo, em 14/7/2017, sem a apresentar na Alfândega, a mercadoria referente à AWB717847326091, constituída por um volume com o peso de 10,80 Kg, da PP8471410000, com o valor aduaneiro de € 2553,48, conforme factura com a referência nº 99604, de 11/7/2017. 6. A Arguida, ora Recorrente, introduziu no consumo, em 19/7/2017, sem a apresentar na Alfândega, a mercadoria referente à AWB811959923744, constituída por um volume com o peso de 0,45 Kg, da PP90019000, com o valor aduaneiro de € 94,63, conforme factura s/ nº, de 12/7/2017. 7. A Arguida, ora Recorrente, introduziu no consumo, em 25/7/2017, sem a apresentar na Alfândega, a mercadoria referente à AWB743821801846, constituída por um volume com o peso de 0,45 Kg, da PP8542900000, com o valor aduaneiro de € 99,13, conforme factura s/nº, de 17/7/2017. 8. A Arguida, ora Recorrente, introduziu no consumo, em 25/7/2017, sem a apresentar na Alfândega, a mercadoria referente à AWB652829697371, constituída por um volume com o peso de 1,8 Kg, da PP8302420090, com o valor aduaneiro de € 217,34, conforme factura s/ nº, de 19/7/2017. 9. A Arguida, ora Recorrente, introduziu no consumo, em 25/7/2017, sem a apresentar na Alfândega, a mercadoria referente à AWB743451957980, constituída por um volume com o peso de 10,17 Kg, da PP4821909000, com o valor aduaneiro de € 251,30, conforme factura com a referência nº 2017-0853, de 26/6/2017. 10. A Arguida, ora Recorrente, introduziu no consumo, em 25/7/2017, sem a apresentar na Alfândega, a mercadoria referente à AWB743000375010, constituída por um volume com o peso de 73,8 Kg, da PP5807101000, com o valor aduaneiro de € 3126,35, conforme factura nº WU17-060284. 11. A Arguida, ora Recorrente, dirigiu à Alfândega do Aeroporto do Porto pedidos de regularização das infracções descritas em 1/10, datados de 28/3/2018. 12. Por decisão que consta a fls. 83/88, datada de 28/8/2018, que se dá por integralmente reproduzida, foi a Recorrente condenada na coima única de € 7.500,00, pela prática dos ilícitos descritos em 1 a 10, previstos nos artigos 233º do Regulamento UE 952/2013 do Parlamento e do Conselho que estabelece o Código Aduaneiro da União, puníveis nos termos das disposições conjugadas dos artigos 108º, nº 3, alínea a), e 26º, nº 1 e 4, do Regime Geral das Infracções Tributárias. 13. A decisão condenatória mencionada em 12 foi notificada à Recorrente pelo ofício nº ...65, de 28/8/2018, que se encontra a fls. 89 e se dá por reproduzido. 14. Dá-se por reproduzido o quadro de fls. 6 do qual consta que a dívida aduaneira ascendeu ao montante global de € 7.429,45. 15. A Arguida, ora Recorrente, efectuou o pagamento da dívida aduaneira liquidada por via da factualidade descrita em 1 a 10, conforme consta da decisão final que se encontra a fls. 83/88 e se dá por reproduzida. 16. Dá-se por reproduzido o documento a fls. 127 constituído por cópia do ofício datado de 14/11/2017, dirigido pela Alfândega do Aeroporto do Porto à Arguida, sob o assunto trânsito comunitário – procedimento simplificado da via aérea – nível 2 – comunicação de irregularidades. 17. A Arguida não actuou com o cuidado a que estava obrigada, face às circunstâncias apuradas, bem sabendo que o seu comportamento era proibido e punido por lei. 18. A Arguida no ano de 2014 obteve uma facturação de USD 27.100 milhões, desconhecendo-se o lucro obtido, conforme decisão final que consta a fls. 83/88 e se dá por reproduzida. Factos não provados: Não resultaram provados quaisquer outros factos relevantes para a boa decisão da causa. * Motivação da decisão de facto A decisão da matéria de facto resultou da análise crítica da documentação junta aos autos, designadamente no auto de notícia, informações oficiais prestadas, decisão administrativa condenatória, e na factualidade vertida no recurso interposto não contrariada pelos demais intervenientes processuais.” * 2. O Direito A sentença recorrida julgou o recurso de aplicação de coima parcialmente procedente, tendo eliminado da ordem jurídica a decisão administrativa proferida pelo Director da Alfândega do Aeroporto do Porto, na parte em que fixou uma coima única, no montante de €7.5000,00, substituindo-a por uma pena de admoestação. A Recorrente não se conforma com tal decisão, defendendo que os factos apurados não permitem aplicar à situação apenas uma admoestação. Para tanto, recorda que a arguida foi condenada pela prática de 10 infracções de introdução irregular no consumo de mercadorias, que transportou em diversas datas ao longo do mês de Julho de 2017, ao abrigo do regime suspensivo do trânsito externo da União Europeia, sem que à chegada as tenha apresentado à estância aduaneira de destino (Aeroporto do Porto), a fim de as submeter aos controlos que pudessem ser determinados, processar o despacho aduaneiro e pagar as imposições legalmente devidas. É nossa convicção que o equívoco do tribunal “a quo” reside numa ponderação menos cuidadosa da factualidade apurada, dado referir-se expressamente na sentença recorrida que as infracções foram praticadas no mês de Novembro de 2017, quando os pontos 1 a 10 do probatório não deixam margem para dúvidas quanto às dez infracções terem sido praticadas em vários dias do mês de Julho de 2017. Confirmou-se, pela análise do documento referido no facto provado sob o ponto 16, que a Alfândega notificou a ... Express em 17/11/2017 (aviso de recepção assinado nesta data) para que enviasse os mapas de regularização das faltas à descarga, no prazo máximo de 15 dias, relativos aos meses de Julho, Agosto, Setembro e Outubro (carga com destino ao Porto). Perante este alerta, a arguida [SCom01...] veio informar a Alfândega - não no prazo de 15 dias concedido – mas em 28/03/2018 (quatro meses depois) – que a mercadoria das remessas que constam dos autos havia sido erradamente dada como falta à descarga, e, afinal, as remessas tinham chegado e sido entregues directamente aos destinatários. Portanto, quatro meses após receber o ofício n.º ...94 de 2017-11-14, a arguida, em resultado de um controlo interno, concluiu que a mercadoria, constante dessas dez remessas que transportou em diversos dias do mês de Julho de 2017, não faltara à descarga, mas fora irregularmente introduzida no consumo em violação do regime de trânsito externo da União Europeia. A condenação da Recorrida em pena de admoestação foi efectuada pelo tribunal recorrido com os seguintes fundamentos: “(…) Dispõe o artigo 27º, nº 1, do Regime Geral das Infracções Tributárias, “Sem prejuízo dos limites máximos fixados no artigo anterior, a coima deverá ser graduada em função da gravidade do facto, da culpa do agente, da sua situação económica e, sempre que possível, exceder o benefício económico que o agente retirou da prática da contra-ordenação.” E acrescenta o nº 2 do mesmo normativo, “Se a contra-ordenação consistir na omissão da prática de um acto devido, a coima deverá ser graduada em função do tempo decorrido desde a data em que o facto devia ter sido praticado.”. E o artigo 20º do Regime Geral da Contra-Ordenações prescreve, “A determinação da medida da coima faz-se em função da gravidade da contra-ordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contra-ordenação”. Por outro lado, o artigo 51º do Regime Geral das Contra-Ordenações, estatui “1 - Quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação. 2 – A admoestação é proferida por escrito, não podendo o facto voltar a ser apreciado como contraordenação”. Considerada a factualidade assente e os elementos enunciados na decisão recorrida, designadamente o pagamento da dívida aduaneira liquidada anteriormente à decisão de condenação em coima, que só ocorreu em 28/8/2018, e foi notificada por ofício da mesma data, tendo em conta que a Recorrente actuou de forma negligente e a prática dos ilícitos terá sido determinada por lapso, reputa-se adequada e proporcional às circunstâncias do caso concreto, designadamente à gravidade do facto, culpa do agente e sua situação económica, a medida de admoestação, que será suficiente para afastar a Arguida, ora Recorrente, da prática de factos similares. Não se desconhece a jurisprudência do Tribunal Administrativo e Fiscal do Norte vertida no Processo nº 02267/15.0BEPRT, de 22/3/2018. Contudo, entende-se ser de acolher a jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Administrativo, proferida no Processo nº 670/10 de 13/10/2010, confirmada recentemente no Acórdão desse Douto Tribunal, no Processo nº 0800/14.4BEVIS, de 10/10/2018, do qual consta, “Quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique, o tribunal pode decidir proferir uma admoestação nos termos do disposto no art. 51.º do RGCO, subsidiariamente aplicável às contra-ordenações tributárias ex vi da alínea b) do art. 3.º do RGIT. A gravidade da infracção a considerar para efeitos de indagar da possibilidade de aplicar a sanção admonitória deve ser aferida pela conjugação de todas as circunstâncias concretas do comportamento ilícito, não podendo considerar-se essa possibilidade inelutavelmente arredada pela classificação como contra-ordenação grave prevista no art. 23.º do RGIT, a qual terá como único efeito autorizar a aplicação de sanções acessórias (cfr. art. 28.º, n.º 1, do RGIT).”. Pelo exposto, revoga-se a decisão condenatória constante de fls. 83/88 e condena-se a Recorrente na pena de admoestação. (…)” O RGIT reúne num único diploma a maior parte das normas de carácter especial relativas à globalidade das infracções tributárias, abrangendo quer as aduaneiras quer as não aduaneiras – cfr. o seu artigo 1.º. Assim, estando em causa contra-ordenações e o respectivo processamento, é aplicável subsidiariamente, independentemente da natureza da infracção, o regime geral do ilícito de mera ordenação social – cfr. o seu artigo 3.º, alínea b). O Decreto-Lei n.º 224/95, de 14 de Setembro, que alterou o RGCO, introduziu no artigo 51.º deste diploma a possibilidade de ser proferida apenas uma admoestação, pela “entidade competente”, “quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique”. Sendo o RGCO de aplicação subsidiária em matéria de contra-ordenações tributárias, é de entender que esta possibilidade existe em alternativa com as previstas no artigo 32.º, uma vez que depende de requisitos diferentes e não há qualquer particularidade das contra-ordenações tributárias que imponha o seu afastamento – cfr. Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos in Regime Geral das Infracções Tributárias – Anotado, 3.ª Edição, Áreas Editora, página 318. Nestes termos, improcede a conclusão III das alegações de recurso. Como já fomos adiantando, as condições em que foram cometidas as infracções em apreço não se mostram devidamente apuradas nos autos, por forma a, com a segurança e certeza exigíveis, permitir a substituição da coima pela pena de admoestação. Na verdade, embora a decisão recorrida se refira ao caso vertente como tendo sido determinado por lapso, o certo é que estão em causa dez contra-ordenações praticadas num período de cerca de um mês, por uma pessoa colectiva que exerce, além das de transportadora, funções alfandegárias de forma profissional. Efectivamente, a decisão recorrida reputa a simples admoestação adequada e proporcional às circunstâncias do caso concreto, designadamente à gravidade do facto, culpa do agente e a sua situação económica. Porém, o ponto 18 do probatório parece indiciar uma situação financeira confortável. Além do mais, apesar da natureza conclusiva ínsita na matéria vertida no ponto 17 da decisão da matéria de facto, apurar-se que a arguida não actuou com o cuidado a que estava obrigada, face às circunstâncias apuradas, bem sabendo que o seu comportamento era proibido e punido por lei, acaba por ser incompatível com a decisão de aplicação da pena de admoestação. Consta dos autos que a sociedade anónima arguida é representante da Companhia Aérea ... (...) em Portugal, detentora do procedimento simplificado de trânsito - Nível 2, apontando para uma sociedade de grande dimensão (empresa de transporte aéreo de mercadorias de dimensão mundial). Não deixando de ser configurada como negligência, a actuação de uma grande empresa, profissional do transporte de mercadorias e de declaração aduaneira, tudo indica que é inclusivamente detentora de autorização das Alfândegas para utilizar procedimentos simplificados de desalfandegamento. A arguida, que tem como actividade principal “OUTRAS ACTIVIDADES POSTAIS”, conhece as normas que regem esse transporte de mercadoria e correio expresso e a sua importância ao nível do controlo e fiscalização aduaneira das mercadorias e não desconhece as suas obrigações, tanto mais que é detentora de uma autorização de procedimentos simplificados que fazem recair sobre si a obrigação de controlar as formalidades aduaneiras a que a circulação da mercadoria está sujeita e a dispensa de apresentar garantia das imposições que recaem sobre ela enquanto não adquirir o estatuto de mercadoria UE. A arguida falhou e, em consequência, impediu a Alfândega de cumprir a sua missão de fiscalização e controlo de mercadorias. Salientamos que não foi a ora Recorrida a detectar a sua falha, mas sim a Alfândega, através do ofício n.º ...94 de 2017-11-14, onde foi pedido à arguida que apresentasse os mapas de regularização das faltas à descarga, nos termos do artigo 52.º, n.º 7 AD-MT do Código Aduaneiro da União [Regulamento (UE) 2016/341 da Comissão]. A Recorrida correspondeu, mas fora do prazo de quinze dias concedido, como acima se explicitou. Nesta conformidade, na ponderação da culpa da arguida deve ponderar-se tratar-se de um profissional, que somente cumpriu, após interpelado para tal, em 28/03/2018, isto é, após oito meses da prática das infracções em Julho de 2017. Não estamos, portanto, perante uma infracção com carácter acidental, que nunca antes sucedeu, mas confrontados com repetidas infracções durante um mesmo mês [sem prejuízo de o referido ofício de alerta da Alfândega se reportar a irregularidades relativas aos meses de Julho, Agosto, Setembro e Outubro (carga com destino ao Porto) e aos meses de Junho, Julho, Agosto, Setembro e Outubro (carga com destino a Angola e Cabo Verde)]. Nestes termos, entendemos que a decisão recorrida, ao revogar parcialmente a decisão administrativa, enferma de erro de julgamento, porquanto não atinge os fins quer de prevenção geral quer de prevenção especial que estão ínsitos na doutrina dos fins das penas. Deve, por isso, ser concedido provimento ao recurso e revogada a sentença recorrida nessa parte. Sendo, portanto, de manter a coima, observa-se que a decisão recorrida ponderou ainda a possibilidade de atenuação especial da mesma ao abrigo da legislação vigente à data da infracção, tendo julgado viável tal atenuação, por se encontrarem reunidos os pressupostos para que a coima seja especialmente atenuada, ao abrigo do disposto no artigo 32.º, n.º 2 do RGIT, com a redução a metade dos limites máximo e mínimo, como previsto no artigo 18.º, n.º 3 do RGCO. A Recorrente também se insurge contra esta parte do julgamento “a quo” – cfr- conclusão II das alegações do recurso. No âmbito do presente recurso jurisdicional, foram todos os intervenientes processuais notificados para se pronunciarem acerca da possível aplicabilidade a estes procedimentos de contra-ordenação da Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro, que entrou em vigor em 01/01/2022, dando nova redacção, nomeadamente, aos artigos 29.º, 30.º, 31.º, 32.º do Regime Geral das Infracções Tributárias e aditando o artigo 28º-A ao mesmo diploma. Trata-se de lei nova, em matéria contra-ordenacional, estabelecendo um novo regime sancionatório, com alterações relevantes no que toca à dispensa, redução e atenuação das coimas aplicáveis. Para melhor ponderação desta questão de conhecimento oficioso, foram os intervenientes processuais alertados que, na determinação da coima aplicável, em caso de alteração do regime legal, há que verificar qual o regime concretamente mais favorável, considerando o disposto no n.º 4, parte final, do artigo 29.º da Constituição da República Portuguesa, no n.º 4 do artigo 2.º do Código Penal e no n.º 2 do artigo 3.º do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social. Contudo, somente a Recorrida não emitiu qualquer pronúncia. Vejamos. Em 27 de Fevereiro entrou em vigor a Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro, que veio reforçar “as garantias dos contribuintes e a simplificação processual, alterando a Lei Geral Tributária, o Código de Procedimento e de Processo Tributário, o Regime Geral das Infracções Tributárias e outros actos legislativos”. Estando em causa nos presentes autos decisão de aplicação de coima por dez infracções ao disposto no artigo 233.º do Código Aduaneiro da União, puníveis pelo disposto no artigo 108.º, n.º 3, alínea a) e 26.º, n.º 1 e 4 do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), mostra-se relevante o RGIT ter sido objecto de recente alteração e aditamento pela Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro, que, em concreto, procedeu à alteração dos artigos 29.º, 30.º, 31.º, 32.º, 40.º, 41.º, 58.º, 70.º, 75.º, 79.º, 80.º, 83.º, 84.º, 92.º, 96.º, 97.º, 108.º e 128.º e aditamento dos artigos 28.º -A, 32.º -A e 112.º -A. Cumpre atentar às alterações impostas ao RGIT, em sede do regime de dispensa, redução e atenuação das coimas, cuja entrada em vigor ocorreu a 01 de Janeiro de 2022 (vide artigo 17.º da Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro). De entre as alterações ao RGIT, há precisamente a destacar as que directamente têm a ver com medida e aplicação da coima e sanções acessórias, entre as quais a dispensa, redução e atenuação das coimas. Estabelece-se a dispensa de coima (artigo 29.º do RGIT) quando, nos cinco anos anteriores, o agente não tenha sido condenado por decisão transitada em julgado, em processo de contra-ordenação ou de crime por infracções tributárias, ou beneficiado de dispensa ou de pagamento de coima com redução. A dispensa de coima aplica-se ainda às situações em que (i) não esteja em causa a falta de entrega da prestação tributária e (ii) o agente tenha cumprido as obrigações tributárias que deram origem à infracção. Deixa de ser expressamente exigido, nesta sede, um diminuto grau de culpa. Fica estipulada a redução do valor da coima para 12,5% ou 50% do montante mínimo legal, respectivamente, nas situações em que as coimas tenham sido pagas, a pedido do agente, e o pagamento for apresentado (i) sem que tenha sido levantado auto de notícia, recebida participação ou denúncia ou iniciado procedimento de inspecção tributária, ou (ii) até ao termo do prazo para apresentação de audição prévia no âmbito de procedimento de inspecção tributária (artigo 30.º do RGIT). Sublinhe-se que, adquirido o conhecimento da prática de infracção, se prevê a notificação do infractor informando-o de que pode, em 30 dias, regularizar a situação tributária e exercer o direito à redução de coima (artigo 28.º-A do RGIT). Com relevo, surgem ainda as alterações em sede de atenuação especial das coimas. A reformulação do regime de atenuação especial das coimas (artigo 32.º do RGIT) esclarece o momento em que o infractor – que reconhece a sua responsabilidade e regulariza a situação tributária - pode pedir a atenuação da coima: no decurso dos 30 dias concedido para a defesa e, ainda que, nas situações em que haja lugar à atenuação especial da coima, os limites máximo e mínimo da coima são reduzidos para metade, não podendo resultar um valor inferior ao que resultaria da aplicação do artigo 30.º, nem ser inferior a 25€. A entidade competente pode limitar-se a proferir uma admoestação quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique. É manifesto, desde logo, de entre as alterações, a regra de notificação para regularização e para exercício do direito à redução, que consta do artigo 28.º-A, que não existia no regime anterior. Depois, temos o artigo 29.º que passa a prever a chamada dispensa das coimas (que anteriormente estava prevista no n.º 4 do mesmo artigo e no 32.º, n.º 1 do RGIT) quando o regime anterior só permitia tal possibilidade para pessoas singulares, não abrangendo as pessoas colectivas e, mesmo em caso de reincidência o n.º 2 não afasta agora a possibilidade de mesmo assim ser aplicada a dispensa de coima, a requerer em 30 dias, desde que se verifiquem cumulativamente as seguintes circunstâncias: “a) A prática da infracção não ocasione prejuízo efectivo à receita tributária; b) Estar regularizada a falta cometida”. Mais, estarmos perante um regime mais favorável advém ainda do regime quanto à redução de coimas, pois tal como resulta do artigo 30.º, em que a redução que então no anterior regime oscilava entre 12,5%, 30% e 75% (artigo 29.º, n.º 1 da lei anterior), apresenta agora valores inferiores e, bem assim, do regime da atenuação especial das coimas agora previsto. As principais alterações, referidas, prendem-se com a objectividade que as mesmas transmitem aos regimes de dispensa, redução e atenuação de coima, exemplos disso são: (i) passar, desde logo, a estar definido que não pode ser aplicada coima quando o agente, nos cinco anos anteriores, não tenha: a) Sido condenado por decisão transitada em julgado, em processo de contra-ordenação ou de crime por infracções tributárias; b) beneficiar de dispensa ou de pagamento de coima com redução nos termos do RGIT; (ii) ser eliminado o requisito do “diminuto grau de culpa” e definido o conceito de “prejuízo efectivo”; (iii) o alargamento aos sujeitos passivos colectivos da possibilidade de dispensa de coima nas situações em que o agente, nos cinco anos anteriores, não tenha sido condenado por decisão transitada em julgado em processo de contra-ordenação ou de crime por infracções tributárias e beneficiado de dispensa ou de pagamento de coima com redução. Posto isto, não podemos olvidar que, em matéria penal, como em matéria contra-ordenacional, vigora por imperativo constitucional e legal a regra da aplicação retroactiva da lei mais favorável – cfr. artigos 29.º, n.º 4 da CRP, 2.º, n.º 4 do Código Penal e 3.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 433/82, aplicável ex vi artigo 3.º, alínea b) do RGIT aplicável “ex vi” artigo 18.º da Lei n.º 26/2006, de 30 de Junho – daí que o facto de em causa nos autos estarem contra-ordenações praticadas em data anterior à da entrada em vigor da Lei nova não constitui obstáculo a essa aplicação se esta lei se revelar mais favorável, enquanto não ocorrer decisão com trânsito em julgado (cfr. neste sentido os acórdãos do STA de 21.10.2015 proferidos nos recursos n.ºs 719/15, 808/15, 833/15, 983/15, 1043/15 e 1059/15 e de 04.11.2015, nos recursos n.ºs 1042/15 e 1062/15 e vastíssima jurisprudência emanada pelos Tribunais Superiores em matéria penal). E é precisamente isso que sucede in casu. Com as alterações introduzidas ao RGIT, pela lei n.º 7/2021, ao dar nova redacção aos artigos do RGIT em matéria de dispensa, atenuação e redução da coima, o legislador introduziu, como já referimos, um conjunto de mudanças em sede das consequências jurídicas da infracção, no sentido de concretizar e tornar mais objectiva a aplicação daqueles regimes, ao alargar a sua aplicação às pessoas colectivas (e, estamos in casu, perante uma sociedade), ao introduzir ex novo determinados condicionalismos para funcionar o regime de redução (artigo 28º - A), aumentando os valores percentuais de redução da coima, e a possibilidade de substituição da coima por admoestação. Qualquer destas hipóteses, não previstas no regime contra-ordenacional em vigor na altura da aplicação da coima à Recorrida, a se justificar no caso em apreço, é mais favorável àquela. Perante o exposto, impõe-se, necessariamente, nova graduação da coima aplicada, que tenha agora em conta as disposições do RGIT que entraram em vigor no dia 01 de Janeiro de 2022, o que necessariamente implica uma nova decisão administrativa de aplicação da coima, nomeadamente com cumprimento da imposição do artigo 28.º - A e verificação de determinados condicionalismos, havendo que apurar da regularização da situação tributária, o seu momento temporal, ocorrência ou não de situações anteriores de aplicação de coimas para aferir da reincidência e, perante tais elementos, proceder à atenuação/redução da coima ou mesmo dispensa, a verificarem-se os pressupostos legais da sua aplicação, o que implica uma reapreciação para aplicação do novo regime – cfr., neste sentido, Acórdão deste TCA Norte, de 06/10/2022, proferido no âmbito do processo n.º 361/16.0BEAVR. Pelas razões expostas, a decisão administrativa de aplicação da coima sindicada nos presentes autos, referente a infracções praticadas em diversas datas do ano de 2017, não se pode manter, desde logo, porque haverá que graduar a coima aplicada, atendendo aos novos regimes de redução, dispensa e atenuação da pena e, eventualmente, retirar as legais consequências dos mesmos, o que apenas poderá ser feito de modo adequado e eficiente pelos próprios serviços da autoridade administrativa, que não por este tribunal ad quem, a quem não cabe substituir-se à Administração nas decisões de aplicação de coimas, antes escrutinar se tais decisões são conformes à Lei e ao Direito. A decisão de aplicação de coima que está na origem dos presentes autos foi tomada em momento anterior ao da entrada em vigor da nova Lei (01/01/2022), mas esta repercute-se inelutavelmente nela, como supra demonstrado, impedindo que possa subsistir nos termos em que foi proferida. Impõe-se, em consequência, a baixa dos autos à Autoridade Administrativa para que esta tenha a oportunidade de a rever ou renovar, em conformidade com o novo quadro legal, o que se determina. Conclusão/Sumário Concluindo-se que as alterações introduzidas pela Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro, no Regime Geral das Infracções Tributárias, em sede de dispensa, redução e atenuação especial das coimas, se repercutem na decisão de aplicação e na medida da coima questionada nos autos – por imposição constitucional e legal do princípio da aplicação retroactiva da lei nova mais favorável - haverá que, oficiosamente, determinar a remessa do processo à autoridade administrativa para que esta reveja ou renove tal decisão em conformidade com essas alterações em vigor, introduzidas pela Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro. IV. Decisão Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de Execução Fiscal e de Recursos Contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e determinar a remessa do procedimento contra-ordenacional à autoridade administrativa – Alfândega do Aeroporto do Porto, para que reveja ou renove a decisão de aplicação de coima, em conformidade com as alterações em vigor introduzidas pela Lei n.º 7/2021, de 26 de Fevereiro. Sem custas, por delas estar isento o Ministério Público [cfr. artigo 4.º, n.º 1, alínea a) do Regulamento das Custas Processuais]. Porto, 10 de Abril de 2025 Ana Patrocínio Maria do Rosário Pais Cláudia Almeida |