Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00049/08.5BEPNF
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/12/2009
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Drº José Luís Paulo Escudeiro
Descritores:ENTIDADE ÂMBITO LOCAL
PROVIDENCIA CAUTELAR
COMPETÊNCIA TERRITORIAL
Sumário:I- Os processos respeitantes à prática ou omissão de normas e actos administrativos das Regiões Autónomas, das autarquias locais e demais entidades de âmbito local, das pessoas colectivas de utilidade pública e de concessionários são intentados no tribunal da área da sede da entidade demandada – Artº 20º-1 do CPTA.
II- Os pedidos dirigidos à adopção de providências cautelares são julgados pelo tribunal competente para decidir a causa principal - Artº 20º-6 do CPTA.
III- O tribunal territorialmente competente relativamente a providência cautelar de suspensão de eficácia de acto administrativo de entidade de âmbito local é o tribunal da área da sede da entidade demandada.*

* Sumário elaborado pelo Relator
Data de Entrada:11/04/2008
Recorrente:I..., S.A. e outra
Recorrido 1:A... e outra
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção do Contencioso Administrativo do TCAN.
I - RELATÓRIO
“I…, SA”, id. nos autos, na qualidade de contra-interessada, interpõe recurso jurisdicional para o TCAN da decisão do TAF de Penafiel, datada de 13.MAR.08, que, em PROVIDÊNCIA CAUTELAR DE SUSPENSÃO DE EFICÁCIA, interposta por “A…, Lda”, contra “Comissão Regional” criada nos termos da Lei 12/04, de 30.MAR, constituída no âmbito da Comunidade Urbana do Vale do Sousa, igualmente ids. nos autos, julgou o TAF de Penafiel incompetente em razão do território e territorialmente competente o TAF do Porto, formulando as seguintes conclusões:
1. É pacífico que, no âmbito do artigo 140º do CPTA, cabe recurso ordinário do Despacho da Mma. Juíza da Primeira Instância que julgou incompetente em razão do território o Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel.
2. Do mesmo passo que é pacífico o entendimento de que, nos termos do artigo 140º, terão de transpor-se para o processo administrativo, embora com alguma ressalva decorrente da sua especificidade, as regras do processo civil que distinguem a apelação do agravo, considerando-se o agravo o recurso-regra.
3. Sendo consensual hoje que o agravo cabe das decisões interlocutórias e das decisões que incidam sobre questões processuais, nos termos do que dispõe o artigo 733º do CPC (ex vi do artigo 142º número 5 do CPTA), aplicando-se de igual modo aos recursos jurisdicionais em sede de processos urgentes, ut dispõe o artigo 147º número 1 do CPTA.
4. Incontestável é, ainda, que o seu regime de subida é imediato, nos próprios autos e com efeito devolutivo, nos termos dos artigos 147º e 143º número 2 do CPTA, podendo o Tribunal a quo proferir despacho de sustentação ou de reparação, nos termos do artigo 744º do CPC.
5. Sem embargo de se reconhecer a simplicidade semântica da afirmação feita pela Comunidade Urbana do Vale do Sousa de que a Comissão Regional teria a sua sede na Direcção Regional de Economia do Norte, manda a verdade dizer que a submissão de tal asserção a um escrutínio mais rigoroso – e a que o Tribunal não se pode eximir –, inelutavelmente nos leva a concluir ser errónea e descabida tal ilação.
6. A Comissão Regional é um órgão administrativo temporário, constituído para a prática de um acto administrativo específico, concebido como um órgão integrado na Comunidade Urbana do Vale do Sousa, esta sim uma pessoa colectiva pública de natureza associativa e de âmbito territorial, que visa a prossecução de interesses comuns dos Municípios que a integram.
7. Decorre, aliás, da Lei 10/2003 que, para a prossecução dessas atribuições, as áreas metropolitanas são dotadas de serviços próprios, sem prejuízo do recurso ao apoio técnico de entidades da Administração Central, nos termos previstos para os Municípios, o que justifica, a jusante, a intervenção e coordenação de todos os procedimentos por essas entidades, como sucedeu in casu com a Direcção Regional de Economia do Norte.
8. O apoio técnico e jurídico prestado à Comissão Regional por parte da DREN não significa, porém, que aquela seja uma pertença desta última, ou que aí tenha a sua sede, uma vez que a Comissão Regional mais não é, como vimos, do que um mero órgão temporário, ad hoc, criado, concebido e gerado no âmbito territorial da Comunidade Urbana do Vale do Sousa.
9. A entidade de âmbito local não é, assim, a Comissão Regional, mas a Comunidade Urbana do Vale do Sousa, esta sim uma verdadeira instituição de carácter associativo que integra os Municípios da Região do Vale do Sousa.
10. Sendo incontornável concluir-se que a Comissão Regional só existe qua tale quando integrada no âmbito local de actuação daquela Comunidade Urbana do Vale do Sousa, pelo que sempre teria de aplicar-se o artigo 20º número 1 do CPTA, que determinaria a competência, in casu, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, por estarmos em presença de uma “entidade de âmbito local”.
11. A contrario, caso procedesse o argumento de que a Comissão estava sedeada na DREN e, como tal, integrada na Administração do Estado, nunca teria lugar a aplicação do artigo 20º número 1 do CPTA, mas sim a regra geral do seu artigo 16º, que determina a competência do Tribunal do lugar da sede do Autor/Requerente, no caso o TAF de Coimbra.
12. Em jeito de fecho da abóbada, dir-se-á que se este entendimento não fosse sufragado, então teria de aplicar-se o critério forum rei sitae do artigo 17º do CPTA, dado estar em causa um acto administrativo que cura de bens imóveis objecto mediato da relação jurídica litigiosa, pelo que competente seria o Tribunal da situação dos bens, no caso o TAF de Penafiel.
13. Conclusão, aliás, a que sempre se chegaria, dado que esta regra especial prevalece sobre a regra geral do artigo 16º, intersectando-se, no caso sub judice, com o número 1 do artigo 20º, arribando sempre ao mesmo resultado da competência do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel – e nunca, e em caso algum, do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto.
14. O Despacho em crise violou, inter alia, os artigos 17º e 20º do CPTA, pelo que se impõe a sua revogação, sem embargo de se impetrar a final a sua reparação já em primeira instância.
A Rda. “Comissão Regional” e a contra-interessada “A…, Lda.” responderam ao recurso interposto, subscrevendo as alegações de recurso apresentadas pela Rte..
O Mº Pº não emitiu pronúncia nesta instância.
Com dispensa dos vistos legais, o processo é submetido à Secção do Contencioso Administrativo para julgamento do recurso.
II - QUESTÕES A DECIDIR NO RECURSO
Constitui objecto do presente recurso jurisdicional indagar da bondade da decisão do tribunal a quo, que se julgou territorialmente incompetente para a apreciação da providência cautelar requerida.
III- FUNDAMENTAÇÃO
III-1. Matéria de facto
Compulsados os autos, mostram-se provados os seguintes factos:
a) A Rte. “A…, Lda” tem sede na Rua …, Condeixa-a-Nova;
b) A contra-interessada “I…, SA” tem sede na Rua …, V.N. de Gaia;
c) A Rda. “Comissão Regional” criada nos termos da Lei 12/04, de 30.MAR, constituída no âmbito da Comunidade Urbana do Vale do Sousa, não tem sede social, mas as suas reuniões têm lugar na Pr…, Lousada, nas instalações daquela Comunidade Urbana, local onde foi citada para os termos desta Providência cautelar – Cfr. docs. de fls. 207 e 510 e segs.; e
d) Constitui objecto da presente providência cautelar a suspensão de eficácia da deliberação da Rda. “Comissão Regional”, datada de 19.OUT.07, que aprovou o pedido de autorização de instalação de um conjunto comercial, com a designação “Penafiel …”, apresentado pela contra-interessada “I…, SA”.
II-2. Matéria de direito
Como atrás se deixou dito, constitui objecto do presente recurso jurisdicional indagar da bondade da decisão do tribunal a quo, que se julgou territorialmente incompetente para a apreciação da providência cautelar requerida.
A competência dos tribunais administrativos, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de outra matéria - Cfr. artº 13º do CPTA.
Trata-se de um pressuposto processual de conhecimento oficioso, quer se trate de incompetência absoluta (em razão da matéria ou da hierarquia) quer se trate de incompetência relativa (em razão do território), possuindo a sua apreciação prioridade sobre qualquer outro pressuposto ou questão prévia.
Em matéria de competência territorial dispõem os artºs 16º, 20º e 22º do CPTA, do modo seguinte:
Artigo 16.º
(Regra geral)
Sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes e das soluções que resultam da distribuição das competências em função da hierarquia, os processos, em primeira instância, são intentados no tribunal da residência habitual ou da sede do autor ou da maioria dos autores.
Artigo 20.º
(Outras regras de competência territorial)
1 – Os processos respeitantes à prática ou omissão de normas e actos administrativos das Regiões Autónomas, das autarquias locais e demais entidades de âmbito local, das pessoas colectivas de utilidade pública e de concessionários são intentados no tribunal da área da sede da entidade demandada.
2 – Os processos respeitantes à prática ou omissão de normas e actos administrativos dos governadores civis e assembleias distritais são intentados no tribunal da área na qual se encontram sedeados estes órgãos.
3 – O contencioso eleitoral é da competência do tribunal da área da sede do órgão cuja eleição se impugna.
4 – O conhecimento dos pedidos de intimação para prestação de informações, consulta de documentos e passagem de certidões é da competência do tribunal da área da sede da autoridade requerida.
5 – Os demais processos de intimação são intentados no tribunal da área onde deva ter lugar o comportamento ou a omissão pretendidos.
6 – Os pedidos dirigidos à adopção de providências cautelares são julgados pelo tribunal competente para decidir a causa principal.
7 – Os pedidos de produção antecipada de prova são deduzidos no tribunal em que a prova tenha de ser efectuada ou da área em que se situe o tribunal de comarca a que a diligência deva ser deprecada.
Artigo 22.º
(Competência supletiva)
Quando não seja possível determinar a competência territorial por aplicação dos artigos anteriores, é competente o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa.
Ora, no caso dos autos, estamos perante uma providência cautelar de suspensão de eficácia de acto administrativo de entidade de âmbito local, mais propriamente da “Comissão Regional” criada nos termos da Lei 12/04, de 30.MAR, constituída no âmbito da Comunidade Urbana do Vale do Sousa, a qual embora não possua sede social reúne na Pr…., Lousada, nas instalações desta Comunidade Urbana.
Não possuindo sede social, uma vez que as suas reuniões decorrem naquela morada, parece dever considerar-se esta como sendo a sua sede de facto.
Ao processo dos autos, parece também corresponder a regra de competência territorial definida pelos nºs 1 e 6 do artº 20º do CPTA.
Assim sendo, como o tribunal territorialmente competente para a presente providência cautelar é o tribunal da área da sede da entidade demandada, e como a sua sede de facto se situa na área do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, será este o tribunal territorialmente competente para conhecer destes autos.
Procedem, este modo, as conclusões de recurso, impondo-se, em consequência, a revogação da decisão impugnada.

IV- DECISÃO
Termos em que acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo do TCAN em decidir o seguinte:
a) Conceder provimento ao recurso jurisdicional e, em consequência, revogar a decisão recorrida;
b) Julgar territorialmente competente para apreciar o Processo Cautelar o Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel; e
c) Ordenar a baixa dos autos, ao tribunal a quo, em ordem ao prosseguimento dos seus ulteriores termos.
Sem custas.
Porto, 12 de Fevereiro de 2009
Ass. José Luís Paulo Escudeiro
Ass. Maria do Céu Dias Rosa das Neves
Ass. Carlos Luís Medeiros de Carvalho