Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00098/14.4BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/23/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Helena Canelas
Descritores:USO E PORTE DE ARMA – ATO IMPLÍCITO
Sumário:I – Das disposições conjugadas dos artigos 13º nºs 1 e 3 e 14º nº 1 alínea b) do Regime Jurídico das Armas e suas Munições (aprovado pela Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, na redação resultante das alterações introduzidas pelas Leis nº 59/2007, de 4 de setembro, nº 17/2009, de 6 de maio, nº 26/2010, de 30 de agosto, e nº 12/2011, de 27 de abril), resulta que a atribuição da licença de uso e porte de arma da classe B depende de se encontrar demonstrada a justificação para a sua concessão por razões profissionais ou por circunstâncias de defesa pessoal ou de propriedade.

II – Mostra-se correta a subsunção da situação concreta aos normativos em causa, justificadora do indeferimento do pedido, se o autor se encontrava aposentado desde 2003 e o motivo, atinente às funções de fiscal municipal, que até então exerceu, se prende com a alegação, não demonstrada, de que por efeito delas ainda tem que comparecer em tribunais, em processos que ainda não terminaram, sentindo por isso necessidade de continuar armado, e se, simultaneamente, no que respeita ao transporte de valores a que alude, a entidade demandada concluiu, fundamentadamente, após aturada averiguação e instrução, que o sistema de policiamento das autoridades públicas é bastante e suficiente, não existindo índices de criminalidade que o aconselhem ou justifiquem, nem haver risco ou circunstâncias imperiosas de defesa pessoal ou de propriedade que demandem a necessidade de o autor andar armado.

III – O ato administrativo, enquanto decisão visando produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta (cfr. artigo 120º do CPA/91), haverá de ser emitido por escrito, desde que outra forma não seja prevista por lei ou imposta pela natureza e circunstâncias do ato (cfr. artigo 122º do CPA/91) vertendo, entre as demais menções obrigatórias, o conteúdo ou o sentido da decisão e respetivo objeto, as quais devem ser enunciadas de modo a poderem determinar-se inequivocamente o seu sentido e alcance e os efeitos jurídicos do ato administrativo (cfr. artigo 123º nºs 1 e 2 do CPA/91), consubstanciando um meio direto de manifestação dessa mesma decisão (cfr. artigo 217º nº 1, 1ª parte do Código Civil).

IV – Neste contexto, ainda que possa admitir-se a possibilidade de constatação de atos implícitos, enquanto atos não abertamente declarados, sempre se exigirá nesse desiderato a univocidade de uma conduta para a produção de certos efeitos jurídicos, não expressamente declarados, porque ligados de forma necessária aos expressamente enunciados, fazendo-os depender, portanto, de um nexo incindível entre uns e outros desses efeitos.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:A.
Recorrido 1:MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

A. (devidamente identificado nos autos) autor na ação administrativa especial que instaurou em 14/01/2014 (cfr. fls. 1 SITAF) no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto em que é réu o MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA – na qual impugnou o despacho de 01/07/2013 do Diretor Nacional Adjunto - Unidade Orgânica de Operações e Segurança - da Direção Nacional da Polícia de Segurança Pública, peticionando a sua anulação bem como a condenação do réu a deferir o pedido de concessão de licença de uso e porte de arma de classe B e a pagar-lhe o montante que vier a apurar-se em virtude dos danos causados com a prática do ato impugnado – inconformado com a sentença datada de 29/12/2015 (fls. 193 SITAF) do Tribunal a quo que julgou improcedente a ação, dela interpôs o presente recurso de apelação (fls. 230 SITAF), formulando as seguintes conclusões, nos seguintes termos:

I. O acto de indeferimento impugnado nos autos é inválido, por violação de lei, a saber, do Regime Jurídico das Armas e suas Munições – Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro.
II. Do confronto do disposto nos n.os 1 e 3 do seu artigo 13, verifica-se que no primeiro se estabelece o regime substantivo da concessão da licença, com o estabelecimento dos requisitos a preencher, enquanto no segundo se fixam as formalidades procedimentais a cumprir para o efeito, resultando do elemento sistemático que o trecho final do preceito do n.º 3 («bem como a justificação da pretensão, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art. 14.º») não pode ser visto como mais um requisito substancial, a acrescer aos enunciados sob o n.º 1, antes se configurando como uma exigência procedimental, de simples prova do requisito substancial imposto pela referida norma do n.º 1.
III. Efectivamente, a disposição do art. 14-1/b é, no contexto em que se insere (de concessão da licença B1) um requisito ad substantiam; todavia, quando chamada a intervir, por simples remissão da estatuição do art. 13-3, ela degrada-se em mera exigência probatória do requisito enunciado sob o art. 13-1.
IV. Por outras palavras: a demonstração da necessidade da licença deixa de ser um conceito indeterminado (que o é, na economia do art. 14) e equivale, tão-só, à comprovação de que o requerente teve direito, durante, pelo menos, quatro anos, ao uso e porte de arma da categoria B e de que esse direito cessou por razões que não as elencadas sob o n.º 2 do mesmo artigo.
V. Em abono desta interpretação (única que não esvazia de sentido útil a disposição do art. 13-1, porque, de outro modo, o universo dos destinatários da norma aí contida não se diferenciaria dos requerentes de licença abrangidos pelo regime geral) concorre, ademais, o elemento teleológico, porquanto o risco pessoal não se extingue com a mera cessação do desempenho de funções (basta ver, aliás, e para além do mais, que ainda no presente o Recorrente é chamado a depor em processos judiciais, em virtude do envolvimento que teve, como Fiscal Municipal, em variadas situações).
VI. O acto impugnado está, por conseguinte, inquinado de violação de lei, por erradas interpretação e aplicação dos preceitos dos arts. 13-1-3 e 14-1/b da referida Lei.
VII. Ao julgar no sentido oposto, a douta sentença recorrida incorreu em erro de Direito, por ofensa desses mesmos preceitos, bem como do do art. 9.º do Cód. Civil.
VIII. Acresce que o teor do ofício de 29-Agosto-2011 (doc. 9 junto ao libelo) consubstancia um verdadeiro acto implícito de deferimento do pedido de licença apresentado pelo Recorrente, condicionado, unicamente, à satisfação da taxa de serviço e à devolução do formulário de digitalização, devidamente assinado (condições essas que, como o processo administrativo demonstra, foram cumpridas).
IX. Diferentemente do alegado pelo Recorrido, a taxa que aí se reclama não se destina a dar início ao processo (essa havia sido paga em 2007), mas, como expressamente se afirma naquele documento, é (parte complementar da) taxa para «a emissão da Licença de Uso e Porte de Arma» [sic].
X. Validamente proferido, no uso de poderes discricionários, tal acto, ao deferir pretensão deduzida pelo Administrado, tem de qualificar-se como constitutivo de direitos, pelo que só pode ser revogado «quando todos os interessados dêem a sua concordância à revogação» (art. 140, CPA).
XI. A revogação operada pelo acto impugnado é, pelo exposto, violadora dos preceitos dos arts. 2.º, 4.º, 6.º, 6.º-A e 140 do CPA, na redacção em vigor à data dos factos.
XII. Ao decidir diversamente, a douta sentença impugnada enferma de erro de Direito, por erradas interpretação e aplicação desses mesmos preceitos.
SEM PRESCINDIR:
XIII. De todo o modo, o Autor-Recorrente invocou e provou factos que sempre preencheriam o conceito indeterminado contido na estatuição do art. 14-1/b, como se tivesse requerido a licença na qualidade de cidadão comum.
XIV. Na verdade, com a alegação e demonstração (nomeadamente, pelas declarações da Senhora Directora do Departamento Municipal de Recursos Humanos, do Município de Vila Nova de Gaia, datadas de 03-Março-2010 e de 11-Julho-2011 – que não podem ser postas em causa) da necessidade de andar armado, o Recorrente acabou por provar o risco que a Lei já plenamente presume.
XV. Por outro lado, nenhum facto anterior impedia ou desaconselhava a emissão da licença; nomeadamente, ao longo de quase três décadas de porte da arma, o Recorrente nunca fez dela um uso ilegítimo ou reprovável, nem sequer houve, a esse respeito, queixa alguma.
XVI. Decorre do alegado que o Despacho impugnado viola o comando do art. 14-1/b, mesmo que se entendesse que ele deve ser interpretado no sentido em que o é na apreciação do pedido de licença formulado por um cidadão comum.
XVII. O Tribunal a quo, ao apreciar esta matéria, procedeu a uma indevida associação entre duas circunstâncias distintas e autónomas: a dos riscos pessoais em que o Recorrente continua a incorrer por causa das suas funções de fiscal municipal, apesar de estas terem cessado, e a dos riscos que corre ao prestar ajuda ao seu filho no desenvolvimento da sua actividade comercial, nomeadamente ao ser portador de avultadas quantias monetárias.
XVIII. A primeira daquelas circunstâncias é a razão fundamental da pretensão formulada, sendo a segunda um simples plus, que não pode prejudicar a primeira.
XIX. Nada se diz, na douta sentença em exame, quanto aos motivos por que o primeiro daqueles riscos, que é óbvio e inerente à natureza das coisas, não se verificaria no caso vertente – e isso, só por si, devia ter conduzido à procedência da acção, pois o único requisito em falta, segundo o Demandado-Recorrido e segundo o TAF, era o da demonstração da necessidade da licença, por motivos de defesa pessoal ou de propriedade.
XX. Por todo o exposto, a douta sentença fez erradas interpretação e aplicação do preceito do art. 14-1/b do Regime Jurídico das Armas e suas Munições.
Termina pugnando pela revogação da decisão recorrida e sua substituição por outra que julgando procedente a ação condene a entidade demanda nos termos peticionados.
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Não foram apresentadas contra-alegações (cfr. fls. 259 ss. SITAF).
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Remetidos os autos em recurso a este Tribunal Central Administrativo Norte, neste notificado, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 146º e 147º, o Digno Magistrado do Ministério Público não emitiu Parecer (cfr. fls. 280 SITAF).
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Redistribuídos (cfr. Despacho nº 1/2019 de 04/01/2019 do Exmo. Senhor Juiz Desembargador Presidente deste TCA Norte) foram os autos submetidos à Conferência para julgamento, com dispensa de vistos.
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II. DAS QUESTÕES A DECIDIR/DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC novo, ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA.

No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões do recurso a questão essencial a decidir é a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, com violação dos artigos 13º nºs 1 e 3 e 14º nº 1 alínea b) do Regime Jurídico das Armas e suas Munições (Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro), do artigo 9º do Código Civil, dos artigos 2.º, 4.º, 6.º, 6.º-A e 140º do CPA, em termos que, ao invés de julgar improcedente a ação a deveria ter julgado procedente.
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III. FUNDAMENTAÇÃO

A – De facto

O Tribunal a quo deu como provada a seguinte factualidade, assim vertida ipsis verbis na sentença recorrida:

1) Em 27 de fevereiro de 2002 o Diretor do Departamento de Armas e Explosivos emitiu autorização de uso e porte de arma de defesa n.º 253/02, válida até 01/12/2006, relativa à arma de calibre 7,5 mm, marca BRNO, n.º 011220 (fls. 8 do p.a. apenso ao suporte físico do processo).
2) Em 6 de dezembro de 2006 o A. formulou o pedido de renovação da licença de uso e porte de arma tipo B, o que justificou “(…) em virtude de ter exercido funções de coordenador da fiscalização municipal da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, durante trinta anos, e ainda atualmente diversas vezes ser chamado aos tribunais de várias comarcas, devido aos processos que ainda se encontram a aguardar julgamento (e) teve que enfrentar marginais e pessoas que não pretendiam cumprir a Lei, pelo que muitas dessas pessoas gostariam de fazer justiça pelas próprias mãos razão que o leva a pensar que necessita de continuar a andar armado a fim de repelir qualquer tentativa de agressão. (…) (fls. 2 e 2 verso do p.a.).
3) A acompanhar o pedido de renovação da licença de uso e porte de arma, o A. juntou declaração pessoal, sob o compromisso de honra, declarando estar em pleno uso de todos os direitos civis e políticos, juntou certificado do Registo Criminal, cópia do B.I, atestado médico, livrete de manifesto da arma n.º I765822 e a licença de autorização para uso e porte de arma de defesa referido em 1) (fls. 3 a 9 verso do p.a.).
4) Em 12 de fevereiro de 2007, o A. entregou na tesouraria da Policia de Segurança Pública do Comando do Porto a quantia de € 37,50, respeitante “a taxa de serviço de licença classe B, nos termos dos n.ºs 1º, 16º e 17º da Portaria 934/06 de 8 de Setembro” (fls. 10 do p.a.).
5) Em 6 de julho de 2009 o A. foi notificado do oficio 9363/DLL/2009 do Diretor de Departamento de Armas e Explosivos da Policia de Segurança Pública, contendo a intenção de indeferimento do pedido de renovação de licença para uso e porte de arma Modelo V-Licença B, com base no entendimento que “tendo exercido funções de coordenador da fiscalização da C.M. de Vila Nova de Gaia, durante 30 anos, não (há) norma habilitante que (o isente) de licença de uso e porte de arma” e que “por ser possuidor (da) Pistola de defesa nr. 011220. cal. 7.65 mm marca BRNO, a que corresponde o livrete manifesto nr I7682, sem a legal habilitação para o seu uso e porte (…) ficado notificado que deve proceder à entrega da arma detida (…) no prazo de 15 dias após a recepção deste ofício (…)” (fls. 11 a 12 verso do p.a.).
6) O A. pronunciou-se por escrito relativamente à intenção de indeferimento, tendo apresentado um documento com o seguinte teor:“ (…) 4. Também é um facto que na vida pessoal que exerci, tive que enfrentar situações difíceis de confronto com pessoas que não acatando o cumprimento da lei, em actos de fiscalização de mercados, estabelecimentos comerciais, edificações urbanas e outras, ainda tenho que comparecer em actos judiciais, para os quais sou notificado, sendo verdade que todos conhecemos a morosidade da justiça, o que irá prolongar-se no tempo. 5. Apesar de nunca ter tido necessidade de usar a minha arma em situações difíceis, julgo e sinto a necessidade de a usar, porque embora aposentado sinto-me ainda como órgão de autoridade, não pondo de lado o espírito de lealdade e sentido de responsabilidade que me unem aos agentes de autoridade, aos quais estou sempre pronto a prestar o meu auxílio e ajuda no cumprimento da Lei. 6.O possível indeferimento do meu pedido deixa-me apreensivo, porque compreenderá que depois de usar arma durante uma vida de trabalho e ao ser-me retirado esse direito, sinto-me despojado de algo que podia usar para a minha protecção e protecção de outras pessoas e seus bens, não encarando a vida social com a mesma naturalidade e liberdade. 7. Pelas razões expressas, venho solicitar a V. Exª que o meu pedido de Licença B, seja deferido, acrescentando ainda que tenho um filho proprietário de um comércio de venda de pneus e outros serviços de manutenção, ao qual eu presto alguns serviços graciosamente, para o ajudar a sobreviver face aos tempos difíceis de crise que se vive, (anexo documento comprovativo) tais como, sou responsável pelos pagamentos a fornecedores, recebo valores dos clientes, transporto para os bancos elevados valores, alguns milhares de euro, deslocando-me à empresa a qualquer hora, onde existem máquinas e objectos de grande valor, razão que faz acrescer a necessidade de continuar a usar a minha arma, pelo que apelo a V. Exª a melhor compreensão da minha pretensão. (…) (fls. 13 e 14 do p.a.).
7) Em 4 de fevereiro de 2010, por despacho do Diretor Nacional Adjunto da Área de Operações e Segurança da Polícia de Segurança Pública, o pedido de renovação foi indeferido porque o A. “não fez prova da cessação do direito que lhe permitiu o uso e porte de arma classe B, pelo que não se encontram reunidos os requisitos, previstos na lei 5/2007 de 23 de Fev., com a redacção dada pela Lei n.º 17/2009 de 06 de Maio (…)” (fls. 18 a 22 do p.a.).
8) O A. exerceu funções de Fiscal Municipal Coordenador no Município de Vila Nova de Gaia desde 19/03/1976 até 01/03/2003, tendo-se aposentado (fl. 62 do p.a.).
9) Em 16 de março de 2010, “tendo sido notificado do indeferimento do pedido de concessão da licença B”, o A. “nos termos dos art. 166.º e seguintes do C.P.A.”, o A. apresentou um requerimento ao Diretor Nacional da PSP “apelando” ao deferimento do “pedido da licença B” (fls. 23 a 25 do p.a.).
10) Em 7 de dezembro de 2010, por despacho do Diretor Nacional Adjunto da Unidade Orgânica de Operações e Segurança da Polícia de Segurança Pública foi indeferido o pedido de renovação da autorização para uso e porte de arma de defesa (fls. 30 a 34 do p.a.).
11) Da informação n.º 637/SAT/2010, que constitui a fundamentação ao ato referido em 10), consta o seguinte: “Por força do artigo 113.º, da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro, com as actualizações entretanto operadas, a autorização de uso e porte de arma de defesa «Modelo V» e «Modelo V-A», por extinção da mesma, transita para a licença especial aquando da sua renovação, aplicando-se as regras que a esta relativamente à caducidade e validade, bem como, no que se refere aos requisitos previstos para a sua concessão. 1. Ora a licença especial pode, nos termos do artigo 19.º da mesma lei, ser requerida pelo Presidente da República, Presidente da Assembleia da República, pelos Ministros, pelos Presidentes das Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas e pelos Presidentes dos Governos Regionais, afectação a funcionários aos seu serviço (…)Ora, e considerando que: I – O interessado é aposentado, tendo sido fiscal municipal; II –Ao interessado foi-lhe concedido o «Modelo V», actualmente já caducado; III - E que o requerimento apresentado pelo Interessado não foi subscrito por qualquer uma das entidades constantes do n.º 1, do artigo 19.º (do Decreto-Lei n.º 5/20066, de 23 de Fevereiro), dúvidas não restam que, de acordo com a aludida posição adoptada por este departamento, ao Interessado não cabe razão, devendo, por isso, ver ser indeferida a sua pretensão. Consequentemente, deve o interessado ser notificado para optar por uma das seguintes soluções: Optar por alienar a arma que possui a quem possa legalmente detê-la; Solicitar licença para a sua detenção no domicílio; Solicitar licença da classe F, sendo operada a sua inutilização; Solicitar licença de uso e porte de arma da classe B1, sendo, para o efeito, necessária frequência, com aprovação, no Curso de Formação Técnica e Cívica; Ou solicitar a licença de uso e porte de arma da classe B, se aplicável, sendo, para o efeito, fundamentado nos termos legais (fls. 30 a 33 do p.a.).
12) Em 31 de dezembro de 2010 o A. apresentou recurso hierárquico da decisão de indeferimento, em requerimento dirigido ao Diretor Nacional da Polícia de Segurança Pública (fls. 38 a 40 do p.a.).
13) No dia 21 de Abril de 2011, o Gabinete de Assuntos Jurídicos da Policia de Segurança Pública exarou o seguinte Parecer: “(…) II 12. Compulsado o processo, detectam-se algumas vicissitudes que, pela sua relevância, cabe aqui assinalar. 13. Desde logo, e não obstante o interessado ter identificado em formulário próprio que a sua pretensão se reconduzia a um pedido de licença do tipo B (cfr. Campo 1.2 do requerimento inicial), certo é que essa anotação não se simetrizou com o núcleo de motivações que, no mesmo formulário, o mesmo aduziu no campo destinado à fundamentação do pedido (vd. Campo 2 do requerimento inicial). 14. Com efeito, ao passo que o primeiro leva a concluir que a sua pretensão se reconduz a uma concessão inicial de licença do tipo B, no segundo, pela fundamentação aí lavrada, conclui-se que o interessado requer a renovação de um título preexistente (eventual transição “Modelo V” para licença especial). 15. Nenhum esclarecimento foi requerido e/ou oferecido no sentido de se delimitar com precisão o objecto do processo e, por esse efeito, proceder-se à pertinente convolação do processo. 16. A dissipação desta incerteza revestia-se de particular importância, porquanto, consoante o pedido que estivesse em causa, o segmento fáctico seria valorado de forma diversa e, na passada, a qualificação jurídica determinaria distintos efeitos, o que, por isso mesmo, justificar-se-ia, que o processo tivesse sido objecto de convolação; 17. Ora, não obstante a discrepância supra referida, a verdade é que o interessado sempre direcionou o pedido da emissão de uma licença do tipo B, como, desde logo, resulta da fase embrionária do procedimento e, outrossim, das subsequente peças processuais por aquele apresentadas, sendo certo que, ainda assim, os fundamentos utilizados para embargar a sua pretensão reconduziram-se, quase de forma estanque, à análise do regime da licença especial e, só residualmente, foi aflorado o segmento normativo atinente à licença do tipo B. 18. E na abordagem realizada ao regime do artigo 13.º, n.º 1, 2ª parte, a leitura que daí se extraiu não parece ser a mais adequada, dado que a situação concreta e individual que nestes autos se trata subsume-se, de forma clara, nessa normativização, não se mostrando, portanto, adequado inviabilizar o pedido com base na falta de prova, por parte do requerente, da cessação do direito que permitiu o uso e porte de arma por período superior a quatro anos. 19. Na circunstância, e na medida em que esta parece constituir a incerteza que embaraça o normal desenvolvimento deste tipo de processos administrativos, importará perceber se o designado “Modelo V” consubstanciava ou não a outorga de um direito aos respectivos destinatários. 20. A pertinência desta delimitação e a conclusão que dela se extraia permitirá concluir se os titulares do citado “Modelo V” se incluem naquele núcleo de indivíduos a qual se deverá admitir a invocação do artigo 13º, nº 1, 2ª parte do NRJAM. 21. Ora, tendo em linha de conta o que por direito subjectivo se entende, não nos parece que outra conclusão se possa retirar que não o facto de o preceito (art. 48º do regulamento aprovado pelo Decreto nº 37313) conferir um direito à detenção, uso e porte de arma naquele concreto quadro de solicitação. 22. Efectivamente, verificada a correspondência entre a qualidade pessoal/funcional de determinado individuo (elemento subjectivo) e o esboço abstractamente descrito na norma, sempre se dirá que o acesso ao uso e porte de arma operava automaticamente. 23. Na passada, dúvidas inexistem quanto ao facto de que a atribuição do designado “Modelo V” procedia da prévia titularidade de um direito subjectivo, balizado, claro está, ao elenco taxativamente expresso na norma ou outros que, por força de despacho ministerial, para ali fossem catapultados (como disso é exemplo a inserção, mediante Despacho Ministerial de 19/04/1976, dos guardas-noturnos nesta sede). 24. Esta conclusão nenhum alarme deve despertar, pois que, na verdade, o núcleo de entidades e /ou funcionários que o artigo 1º, nº 2 ex vi artigo 48º do regulamento aprovado pelo decreto nº 37313 corporiza são, na generalidade, os que hodiernamente se situam naquela franja a que a lei confere isenção ou dispensa. 25. Ademais, se é bem verdade que só parte desse universo de indivíduos veio a ter o direito à detenção, uso e porte de arma consagrado em sobrevenientes leis orgânicas ou estatutos profissionais, não menos verdade será concluirmos que, quanto aos demais (aqueles que não viram essa prerrogativa consagrada em qualquer norma orgânico-estatutária), o exercício do direito continuou, até à entrada em vigor do NRJAM, a ser tutelado nos termos do predito regulamento aprovado pelo Decreto-Lei nº 37313. 26. Simplesmente, uns (os que dispunham agora de leis orgânicas ou estatutos profissionais para o efeito) faziam valer o direito à detenção, uso e porte de arma através de leis especiais, enquanto outros (os que não viram o direito consagrado em leis orgânicas ou estatutos profissionais) continuavam a exercê-lo nos termos da lei geral (o sobredito regulamento aprovado pelo Decreto-Lei nº 37313). 27. Em verdade, bastará atentar na estampa do corpo o artigo 48º do regulamento aprovado pelo Decreto-Lei nº 37313, na parte em que refere que “São autorizados…” para isto mesmo se concluir, i.e., pela inexistência de um direito que, após verificação da qualidade pessoal do interessado, vinculava a Administração. 28. Doutra forma, o elemento gramatical da norma teria adoptado a fórmula que é transversal a todas as licenças de uso e porte de arma, em que é adoptada a matriz “pode ser autorizado”. 29. Destarte, podemos seguramente afiançar que, pela sua natureza, a autorização “Modelo V” constituía um direito à detenção, uso e porte de arma. 30. Assim considerando, resulta evidente o preenchimento do pressuposto inserto no artigo 13º, nº 1, 2ª parte, na parte em que refere que “… a Licença B pode ser concedida ao requerente que faça prova da cessação do direito que lhe permitiu o uso e porte de arma classe B, pelo menos durante o período de quatro anos”. 31. Por fim, se certa a legitimidade dos anteriores titulares de autorização “Modelo V” solicitarem a emissão de Licença B nos termos em que vimos defender, certo também será deixarmos bem claro que, após a adequada valoração, o pedido pode vir a ser eventualmente desatendido. 32. Com efeito, o artigo 13º, nº 1 do NJRAM estabelece que a “Licença B pode ser concedida”, o que prejudica o caso para aquela situação em que estamos diante a prática de um acto predominantemente discricionário, que passará, entre outros, pela avaliação da parametrização prevista no nº 3 in fine do mesmo dispositivo (justificação da pretensão). 33. Por outro lado, e no enfiamento do supra expendido, mostrar-se-á inadequado determinar que o interessado faça prova da cessação do direito, sabendo-se, como se sabe, que tendo sido a PSP a entidade emissora do título que o outorgou (Modelo V), não fará qualquer sentido solicitar ao particular uma informação que é de conhecimento oficioso (a informação requerida consta do arquivo da própria PSP). 34. A actividade administrativa da PSP encontra-se subordinada à matriz do Código do Procedimento Administrativo, designadamente ao dever que emerge do artigo 91.º, nº 2 in fine do CPA, de onde resulta que o órgão administrativo não se encontra dispensado de procurar averiguar os factos. 35. Nesta linha de entendimento, tem-se, nos presentes autos, por verificado o elemento probatório a que alude o artigo 13.º, n.º 1 do NRJAM, sendo certo que, como se antedisse, a não concessão da licença apenas poderá ocorrer face a uma valoração negativa do parâmetro previsto no n.º 3 do citado dispositivo, i.e., o interessado não lograr justificar a pretensão, requisito que, todavia, não chegou a ser apreciado em virtude de a instrução não ter reconhecido, logo nos termos n.º 1, a prova da cessação do direito que lhe permitiu o uso e porte de arma da classe B, pelo menos durante um período de quatro anos. 36. Como tal, o acto administrativo não só se encontra devidamente fundamentado, como, além do mais, padece do vício de violação de lei, dada a incoincidência entre os efeitos de direito determinados pelo órgão recorrido e os efeitos que a norma efectivamente ordena, o que inquina o procedimento de anulabilidade, nos termos do artigo 135.º do Código de Procedimento Administrativo. III Em face do exposto, propõe-se a V. Exª: a) A revogação da decisão recorrida; b) A reformulação do processo com vista ao suprimento dos citados vícios, retroagindo-os, para o efeito, o procedimento à fase inicial da instrução (fls. 42 a 48 do p.a.).
14) Em 11 de maio de 2011 o Diretor Nacional da PSP revogou o despacho referido em 10) (fls. 48 do p.a.).
15) Em 3 de junho de 2011, o A. foi notificado do ofício nº 7751/SL/2011 contendo o teor do despacho do Diretor do Departamento de Armas e Explosivos, informando-o que, “por despacho do Director Nacional Adjunto da Unidade de Operações e Segurança …foi revogado o despacho de indeferimento tendo sido determinado a sua reformulação”, solicitando-se ao A. que esclarecesse se pretendia uma licença de uso e porte de arma classe B ou a renovação da autorização para uso e porte de arma de defesa, convidando-o a juntar Declaração dos Serviços com a data de passagem à aposentação e a justificar a sua pretensão, juntando prova dos motivos invocados, bem como os seguintes documentos: Impressos A+B; Duas fotos tipo passe; Declaração do organismo onde tenha prestado um mínimo de 4 anos de serviço com direito a uso e porte de arma da classe B e de que a cessação desse direito não tenha ocorrido por demissão, aposentação compulsiva ou aposentação por incapacidade física ou psíquicas incompatíveis; Cartão Eleitor (Prova residência); Cópia do Bilhete de Identidade; Registo Criminal de Identidade; Registo Criminal; Declaração do compromisso de honra; Atestado médico de aptidão psíquica e física; Declaração da ANSR (7,00 Euros); Prova de seguro obrigatório (100 000,00) da (s) arma (s) que já a (s) possuir (fls.49 e 49 verso do p.a.).
16) Em 13 de junho de 2011 o A. enviou os elementos documentais supra referidos para o Diretor Nacional Adjunto da Unidade de Operações e Segurança da PSP, tendo justificado a sua pretensão do seguinte modo: “Na sua vida profissional teve que enfrentar situações difíceis, tendo ainda hoje que comparecer em Tribunais, em processos que ainda não terminaram, pelo que sente necessidade de continuar armado. Sendo certo que nunca tive necessidade de usar a arma, também é certo que as pessoas com quem lidamos sabem geralmente se andamos armados ou não armados, pois aqueles que porventura não respeitam a Lei, muitas vezes, tendem a partir para a agressão pondo em causa a integridade física daqueles que os obrigam a cumpri-la, tendo inclusive recentemente sido vítimas de insultos como por exemplo, “Agora já não estás armado, já estás aposentado, já não vales nada”, por parte de dois indivíduos que não reconheci, mas que possivelmente no passado terei intervindo com eles, no sentido do cumprimento da Lei, como órgão de fiscalização. O requerente, refere ainda que, um seu filho, é proprietário de um comércio de pneus, onde lhe presta ajuda, dando apoio comercial nos movimentos financeiros para o qual está autorizado, pelo que esta é mais uma razão da necessidade de continuar a andar armado (…).” (fls. 51 a 67 do p.a.).
17) Em 12 de julho de 2011, por sua iniciativa e para uma “melhor apreciação” da sua situação, o A. enviou para o Diretor Nacional Adjunto da Unidade de Operações e Segurança da PSP uma declaração da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, uma declaração da Empresa A., Ldª, uma cópia de procuração com os poderes delegados pela mesma empresa, uma cópia de depósitos bancários e uma informação do Banco Santander Totta e cópia de participação criminal (fls. 68 a 78 do p.a.).
18) Em 18 de Agosto de 2011 foi exarada Informação/proposta sobre o pedido de Licença B formulado pelo A., o qual concluiu do seguinte modo: “ (…) 19 – O requerente encontra-se aposentado desde 2003, ou seja há 8 anos, nunca neste espaço temporal existiu qualquer tipo de ocorrência com o mesmo e da qual tenha participado oficialmente, com excepção da participação apresentada recentemente, sobre as suas comparências em tribunal devido as funções que desempenhou, e não pondo em causa qualquer tipo de informação junto no processo, não junta o requerente qualquer dado sobre processos onde tenha sido chamada a intervir recentemente. Sobre a necessidade de andar armado devido ao transporte de valores da firma onde actualmente dá apoio, é minha opinião que deverá ser averiguado, se os índices de criminalidade o aconselham ou se pelo contrário o sistema de policiamento das autoridades públicas é considerado bastante e suficiente. Pelo que é minha convicção que a profissão que exerce não é considerada de risco e as razões invocadas não justificam, de forma suficiente e inequívoca a necessidade de andar armado, nem demonstra carecer de licença por circunstâncias imperiosas de defesa pessoal ou de propriedade. Proposta. Pelo acima exposto proponho a superior decisão de V. Ex.ª, que melhor aquilatará: 1 – Que seja o requerente notificado que não pode usar e portar a defesa pistola de defesa de marca Brno, de calibre 7,65 mm com o nº 011220, conforme livrete n.º I76822 de que é proprietário, por não possuir licença habilitante para o efeito. 2 – Que para uma melhor decisão no presente processo, seja averiguado e informado a este Departamento, pelo Comando da PSP da sua área de residência, Comando Metropolitano do Porto, a necessidade de o requerente andar armado para defesa pessoal ou de propriedade (…) (fls. 79 a 82 do p.a.).
19) Em 29 de agosto de 2011, o Diretor de Departamento de Armas e Explosivos da PSP solicitou ao A. o envio de cheque no valor de €82,55 à ordem do Instituto de Gestão da Tesouraria e do Crédito Público, IP, mencionando que a quantia correspondia a uma taxa de serviço. Informou-o ainda que “para efeitos de emissão da supracitada Licença através de Sistema de Informação e Gestão de Armas e Explosivos, torna-se necessário proceder à recolha da assinatura do requerente (com caneta de feltro preta)” ou podia “dirigir-se a este Departamento a fim de proceder à referida assinatura, ou devolver o formulário em anexo, para posterior digitalização (…)” – (fls. 83 e 83 verso do p.a.).
20) Em 5 de setembro de 2011 o A. enviou os elementos supra referidos (fl. 84 do p.a.).
21) Em 16 de abril de 2012, o núcleo de armas e explosivos do Comando Metropolitano do Porto da PSP prestou informação solicitada pela Direção Nacional de Polícia de Segurança Pública, da qual consta documento de verificação de conduta cívica com o seguinte teor: “4 – Distância a Esquadra da PSP/GNR: 2 Km; Dados sociais 5 - Qual o relacionamento com a vizinhança? Bom… 7 - Qual o relacionamento com os familiares? Não foi possível apurar; 8 - É dado ao consumo de bebidas alcoólicas? Não; 9 - É dado ao consumo de bebidas alcoólicas? Não; 10 – Tem antecedentes criminais? Não; Outros dados 11 - Grau de risco? (Nenhum) 12 - Grau de ameaça? (Nenhum) 13 – Movimento de quantias monetárias: Sim; 14 – Os valores são de sua propriedade: Não; 15 – Qual o valor médio diário: mais de 1000€; 16 – Qual o nome da empresa: A. Limitada.; Juízo ampliativo 18 – Informação(…); 19 – Informação da necessidade premente de andar armado: Contactado A. acima identificado, o mesmo informou que tem várias necessidades para a posse de uma arma, devido ao facto de ter sido Fiscal da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, e ter necessidade de se deslocar a vários tribunais, inerente aos vários processos que correm termos na justiça, que lhe provoca alguma insegurança pela sua pessoa. Declarou ainda que trata de todas as transacções bancárias, transportando por vezes grandes quantias em dinheiro, da Empresa, “A. Limitada”, propriedade de seu filho J., conforme que se junta. Questionando o mesmo se teria algum comprovativo das suas notificações de comparência em Tribunal, o mesmo foi perentório em afirmar que nunca guardou as notificações ou justificações de comparência, bem como de momento não tem qualquer notificação agendada. Informou ainda que já solicitou junto do tribunal, uma declaração relativo às suas comparências, contudo foi-lhe informado que não seria viável tal procedimento em tempo útil, uma vez que teria de ser recolhida essa informação por todas as secções no qual havia comparecido (fl. 91 do p.a.).
22) No dia 24 de maio de 2012 o A. foi notificado do teor do despacho contendo a intenção de indeferir o pedido de licença de uso e porte de arma classe B, do qual consta que “A justificação da pretensão apresentada não justifica de forma suficiente e inequívoca a necessidade de andar armado, nem demonstra carecer da licença por circunstâncias imperiosas de defesa pessoal ou de propriedade, não sendo a sua actividade actual uma actividade de risco. Não veio ao processo fazer qualquer prova nos termos do n.º1 dos Art.º 14º e 13º da Lei 5/2006 de 23 de Fevereiro com a redacção dada pela Lei 12/2011 de27 de Abril e Art. 88 do CPA, da necessidade carecer da licença por razões profissionais ou por circunstância de defesa pessoal ou de propriedade. (…) - cfr. fl. 101 a 104 do p.a.).
23) O A. exerceu o direito de resposta relativamente ao despacho referido supra (fls. 113 a 117 do p.a.)
24) No dia 12 de julho de 2013 o A. foi notificado da decisão de indeferimento do seu pedido de licença de uso e porte de arma classe B (fls. 118 a 127 do p.a.).
25) Em 23 de agosto de 2012 o A. apresentou recurso hierárquico da decisão de indeferimento, em requerimento dirigido ao Diretor Nacional Adjunto da PSP (fls. 133 a 142 do p.a.).

E consignou inexistirem factos não provados com relevância para a decisão a proferir.
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B – De direito

1. Da decisão recorrida

Na presente ação administrativa especial o recorrente impugnou o despacho de 01/07/2013 do Diretor Nacional Adjunto - Unidade Orgânica de Operações e Segurança - da Direção Nacional da Polícia de Segurança Pública, peticionando a sua anulação bem como a condenação do réu a deferir o pedido de concessão de licença de uso e porte de arma de classe B e a pagar-lhe o montante que vier a apurar-se em virtude dos danos causados com a prática do ato impugnado.
Pela sentença recorrida o Tribunal a quo julgou improcedente a ação. Decisão que tem do por base a matéria de facto que nela foi dada como provada, que não vem impugnada no presente recurso, assentou na consideração de não ter sido desacertada nem manifestamente errada a decisão tomada pela Entidade Demandada sobre a inexistência de razões profissionais ou circunstanciais de defesa pessoal ou de defesa da propriedade que justificassem a atribuição de uma licença de uso e porte de arma, tendo sido devidamente aplicado o regime legal vertido nos artigos 13º e 14º da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, e que não havia sido praticado qualquer ato administrativo implícito constitutivo de direitos na esfera do autor que tivesse sido ilegalmente revogado, nem violados quaisquer princípios de atuação administrativa.
E, perante o juízo assim formulado considerou inexistir fundamento legal para a condenação do réu a deferir o pedido do autor de concessão de licença de uso e porte de arma da classe B, pedido que julgou improcedente. Tendo, consequentemente, julgado também improcedente o pedido indemnizatório que o autor também tinha formulado, por falhar o pressuposto da ilicitude do ato de indeferimento.

2. Da tese do recorrente

O recorrente invoca que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, com violação dos artigos 13º nºs 1 e 3 e 14º nº 1 alínea b) do Regime Jurídico das Armas e suas Munições (Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro), do artigo 9º do Código Civil, dos artigos 2.º, 4.º, 6.º, 6.º-A e 140º do CPA, em termos que, ao invés de julgar improcedente a ação a deveria ter julgado procedente.

Sustenta, para o efeito, reiterando a alegação que já havia feito em sede de ação, que o ato impugnado está inquinado de violação de lei, por erradas interpretação e aplicação dos preceitos dos artigos 13º nºs 1 e 3 e 14º nº 1 alínea b) da referida do Regime Jurídico das Armas e suas Munições aprovado pela Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, e que ao julgar no sentido oposto, a sentença recorrida incorreu em erro de direito, por ofensa desses mesmos preceitos, bem como do artigo 9º do Código Civil (vide conclusões I. a VII. das alegações de recurso).

Defende também que o teor do ofício de 29/08/2011 consubstancia um verdadeiro ato implícito de deferimento do pedido de licença, constitutivo de direitos, pelo que só poderia ser revogado «quando todos os interessados deem a sua concordância à revogação» (cfr. artigo 140º CPA) e que assim o ato impugnado operou uma revogação violadora dos preceitos dos artigos 2.º, 4.º, 6.º, 6.º-A e 140º do CPA, e que ao decidir diversamente, a sentença recorrida enferma de erro de direito, por erradas interpretação e aplicação desses mesmos preceitos (vide conclusões VIII. a XII. das alegações de recurso).

E sustenta por fim, que de todo o modo invocou e provou factos que sempre preencheriam o conceito indeterminado contido na estatuição do artigo 14º nº 1 alínea b), como se tivesse requerido a licença na qualidade de cidadão comum, na media em que com a alegação e demonstração (nomeadamente, pelas declarações da Senhora Diretora do Departamento Municipal de Recursos Humanos, do Município de Vila Nova de Gaia, datadas de 03/03/2010 e de 11/07/2011, que não podem ser postas em causa) da necessidade de andar armado, o recorrente acabou por provar o risco que a lei já plenamente presume; que por outro lado nenhum facto anterior impedia ou desaconselhava a emissão da licença, nomeadamente, ao longo de quase três décadas de porte da arma, o recorrente nunca fez dela um uso ilegítimo ou reprovável, nem sequer houve, a esse respeito, queixa alguma, e que, assim, o despacho impugnado viola o comando do artigo 14º nº 1 alínea b), mesmo que se entendesse que ele deve ser interpretado no sentido em que o é na apreciação do pedido de licença formulado por um cidadão comum, e que o Tribunal a quo, ao apreciar esta matéria, procedeu a uma indevida associação entre duas circunstâncias distintas e autónomas: a dos riscos pessoais em que o recorrente continua a incorrer por causa das suas funções de fiscal municipal, apesar de estas terem cessado, e a dos riscos que corre ao prestar ajuda ao seu filho no desenvolvimento da sua atividade comercial, nomeadamente ao ser portador de avultadas quantias monetárias; que a primeira daquelas circunstâncias é a razão fundamental da pretensão formulada, sendo a segunda um simples plus, que não pode prejudicar a primeira; que a sentença recorrida nada diz quanto aos motivos por que o primeiro daqueles riscos, que é óbvio e inerente à natureza das coisas, não se verificaria no caso vertente e isso, só por si, devia ter conduzido à procedência da ação, por o único requisito em falta, segundo a entidade recorrida e o Tribunal a quo, era o da demonstração da necessidade da licença, por motivos de defesa pessoal ou de propriedade, tendo a sentença recorrida feito errada interpretação e aplicação do preceito do artigo 14º nº 1 alínea b) do Regime Jurídico das Armas e suas Munições (vide conclusões XIII. a XX. das alegações de recurso).

3. Da análise e apreciação dos fundamentos do recurso

3.1 É objeto do presente recurso a sentença do Tribunal a quo que julgou improcedente a ação administrativa especial, na qual estava em causa o pedido de concessão de licença de uso e porte de arma de classe B, formulado pelo autor, e que foi indeferido por despacho de 01/07/2013 do Diretor Nacional Adjunto - Unidade Orgânica de Operações e Segurança - da Direção Nacional da Polícia de Segurança Pública.

3.2 A sentença recorrida assentou na consideração de não ter sido desacertada nem manifestamente errada a decisão tomada pela Entidade Demandada sobre a inexistência de razões profissionais ou circunstanciais de defesa pessoal ou de defesa da propriedade que justificassem a atribuição de uma licença de uso e porte de arma, tendo sido devidamente aplicado o regime legal vertido nos artigos 13º e 14º da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, e que não havia sido praticado qualquer ato administrativo implícito constitutivo de direitos na esfera do autor que tivesse sido ilegalmente revogado, nem violados quaisquer princípios de atuação administrativa.

3.3 Decisão que tendo por base a matéria de facto que nela foi dada como provada, que não vem impugnada no presente recurso, assentou na seguinte fundamentação, que se passa a transcrever:
«O A. formula pedido de atribuição de licença de uso e porte de arma classe B, à luz do art.º 13.º, n.º 1 e 19.º, n.º 2 da Lei n.º 5/20006, de 23 de fevereiro, o que lhe foi expressamente negado pela Entidade Demandada.
A Lei n.º 5/2006 de 23 de fevereiro estabelece o regime jurídico das armas e suas munições.
Nos termos do seu art.º 13º (com a epígrafe “licença B”), “sem prejuízo das situações de isenção ou dispensa, a licença B pode ser concedida ao requerente que faça prova da cessação do direito que lhe permitiu o uso e porte de arma da classe B, pelo menos durante um período de quatro anos”.
“Os pedidos de concessão de licenças de uso e porte de arma da classe B são formulados através de requerimento do qual conste o nome completo do requerente, número do bilhete de identidade, data e local de emissão, data de nascimento, profissão, estado civil, naturalidade, nacionalidade e domicílio, bem como a justificação da pretensão, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 14.º” (n.º 3).
O art.º 19º do mesmo diploma legal refere-se à “licença especial”. Nos termos do seu n.º 1 “podem ser concedidas licenças especiais para o uso e porte de arma das classes B e B1 quando solicitadas pelo Presidente da República, pelo Presidente da Assembleia da República, pelos Ministros, pelos Presidentes das Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas e pelos Presidentes dos Governos Regionais, para afectação a funcionários ao seu serviço”. “A licença especial concedida nos termos do número anterior caduca com a cessação de funções, podendo, em casos justificados, ser atribuída licença de uso e porte de arma da classe B ou B1, nos termos do disposto no artigo 13” (n.º 2).
O art.º 113º desse diploma legal refere-se à “transição para o novo regime legal”. Nos termos do seu n.º 1, “as licenças e autorizações de uso e porte de arma concedidas ao abrigo de legislação anterior são convertidas, quando da sua renovação, para as licenças agora previstas, nos seguintes termos: a) Licença de uso e porte de arma de defesa transita para licença de uso e porte de arma B1; b) Licença de uso e porte de arma de caça transita para licença de uso e porte de arma C ou D, conforme os casos; c) Licença de uso e porte de arma de recreio de cano liso transita para licença de uso e porte de arma D; d) Autorização de uso e porte de arma de defesa «modelo V» e «modelo V-A» transita para licença especial, aplicando-se as mesmas regras que a esta relativamente à caducidade e validade, bem como no que se refere aos requisitos previstos para a sua concessão; e) Para efeitos do disposto na alínea a) do n.º 3 do artigo 5.º, as referências existentes nas respectivas leis orgânicas ou estatutos profissionais a licença de uso e porte de arma de defesa entendem-se feitas para licença de uso e porte de arma de classe B”. Nos termos do n.º 2 “
Como resulta do regime legal supra transcrito, o pedido do A. estava dependente do preenchimento de várias condições sendo umas de natureza geral e outras de natureza especial, decorrente da concreta licença de arma classe B requerida.
São requisitos gerais: a apresentação de requerimento do qual conste o nome completo do requerente, número do bilhete de identidade, data e local de emissão, data de nascimento, profissão, estado civil, naturalidade, nacionalidade e domicílio, bem como a justificação da pretensão, a declaração que se encontra em pleno uso de todos os direitos civis, a demonstração das razões pelas quais carece de licença sejam razões profissionais ou de defesa pessoal ou defesa da propriedade, a idoneidade e a apresentação de certificado médico.
Quanto aos requisitos específicos, deveria o A. demonstrar a cessação do direito que lhe permitiu o uso e porte de arma da classe B, pelo menos durante um período de quatro anos.
No caso concreto, o dissidio surge apenas em torno da justificação da pretensão, entendendo o R. que o A. não demonstrou a necessidade de licença de uso e porte de arma por razões profissionais ou circunstâncias de defesa pessoal ou de propriedade.
Entende o R. que a necessidade de licença envolve uma margem de liberdade decisória para, mediante juízos de prognose técnico-valorativos, se anteciparem situações de recurso à legítima defesa.
Ao deferir ou indeferir os pedidos de concessão ou de renovação de licença de uso e porte de arma de defesa, a Administração desenvolve uma atividade vinculada à observância das condições previstas nos diplomas que regem essa matéria, embora com uma acentuada margem de discricionariedade (quanto ao juízo de apreciação e valoração dessas mesmas condições), relativamente à qual o tribunal apenas pode controlar erros e desacertos manifestos ou ostensivamente desadequados (acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 05-12-2002, processo nº 01130/02, publicado em www.dgsi.pt).
Ora, não se julga desacertada nem manifestamente errada, à luz da matéria de facto provada, o juízo expresso pelo Departamento de Armas e Explosivos da Polícia de Segurança Pública sobre a desnecessidade de uma licença de uso e porte de arma por inexistência de razões profissionais ou circunstanciais de defesa pessoal ou de defesa da propriedade e por falta de prova de retaliações presentes e de novas ofensas por causa do exercício das suas anteriores funções.
Como se evidencia na informação/proposta constante em 18 dos factos provados, o requerente encontrava-se aposentado desde 2003, ou seja há 8 anos, sem nunca nesse espaço temporal se registar qualquer tipo de ocorrência com o mesmo e da qual tenha participado oficialmente, não tendo aquele procedido à junção de relativos a processos judiciais pendentes nos quais tenha intervindo.
E retira-se de 2), 6) e 13) dos factos provados, que o A. foi vago e até contraditório a justificar a necessidade de defesa pessoal ou a defesa da sua propriedade.
É que não necessitou de utilizar a arma durante o exercício das suas funções, em mais de 30 anos, não se vislumbrando os motivos que o levam a necessitar de uma, agora que se encontra aposentado e não tem que vivenciar as tribulações comportadas pela anterior atividade.
Alega o A. que a razão para a atribuição da licença assenta na constatação do risco pessoal enfrentado durante o período de desempenho das funções de fiscal, que não desaparecem com a cessação dessas funções. É justamente por essa razão que não procede o argumento segundo o qual o A. sofre riscos com o auxílio que presta ao seu filho comerciante, por movimentar quantias monetárias avultadas, pois os riscos dessa atividade são alheios, sem qualquer nexo com os riscos derivados do exercício de funções de fiscal municipal.
Além disso, só a necessidade de defesa pessoal do A. e de defesa da sua propriedade poderiam justificar a atribuição da licença, não a necessidade de defesa de direitos de terceiros, seja ele o seu filho ou qualquer outra pessoa.
Também não procede o argumento do A., segundo o qual não é requisito de atribuição da licença de uso e porte de arma a justificação ou demonstração dessa necessidade, dependendo apenas da comprovação da titularidade de licença de uso e porte de arma da categoria B durante quatro anos.
Como se retira do dispositivo legal supra transcrito, o art. 13.º nº 3 do Decreto-Lei n.º 5/2006 remete diretamente para o art. 14.º n.º 1, al. b) do mesmo diploma, exigindo esta norma a demonstração da necessidade da licença por razões profissionais ou por circunstâncias de defesa pessoal ou de propriedade.
O ónus de justificar a pretensão da licença vigora, inclusivamente, nos casos do art. 19.º nº 2 do mesmo diploma, em que atribuída uma licença especial, vem a ocorrer a cessação de funções justificativas da licença.
Em suma, a alegação do A. não tem o mínimo de aderência ao texto legal, pois que, em todos os casos de atribuição de licença de arma da classe B, impõe-se ao requerente o ónus de justificar a necessidade de a obter.
Não alegue o A. que a existência dessa necessidade é algo de evidente, pois e desde logo a ausência de registos de incidentes relacionados com a antiga atividade profissional demonstram que não há evidência nenhuma.
Também não pode aceitar-se a alegação do A., no sentido de o ofício de 29/08/2011 comportar um ato implícito de deferimento do pedido de licença e que, sendo constitutivo de direitos, não podia ser revogado.
Para existir um ato administrativo implícito tem de ocorrer «univocidade de uma conduta para a produção de certos efeitos jurídicos, não expressamente declarados, porque ligados de forma necessária aos expressamente enunciados», e, portanto, tem de existir um «nexo incindível entre uns e outros desses efeitos» (acórdão do STA de 09-10-2002, processo 0600/02 em www.dgsi.pt).
Com efeito, como resulta em 19) dos factos provados, a PSP solicitou elementos instrutórios adicionais nomeadamente, o pagamento de € 82,55, através de cheque, o preenchimento de formulário com aposição de assinatura e o envio de fotografia tipo passe.
Todavia, como resulta da matéria factual vertida em 15), foi o A. informado no dia 3 de Junho de 2011, que o despacho de indeferimento da sua pretensão fora revogado por despacho do Diretor Nacional Adjunto da Unidade de Operações e Segurança, tendo sido determinado a reformulação do procedimento. Ou seja foi determinada a reformulação do procedimento, sendo de esperar, devendo o A. esperar, uma nova decisão, após a pertinente e necessária instrução.
Deve frisar-se, como resulta de 13), que a reformulação do procedimento apenas é imputável ao A., que foi impreciso no preenchimento do formulário/requerimento, não permitindo aos serviços perceber a sua pretensão: se pretendia uma concessão inicial de licença do tipo B ou a renovação de um título preexistente. E para essa reformulação, o A. não liquidou a taxa de serviço correspondente a essa reapreciação, como fez no dia 12 de fevereiro de 2007, ao entregar na tesouraria da Policia de Segurança Pública do Comando do Porto a quantia respeitante “a taxa de serviço de licença classe B, nos termos dos n.ºs 1º, 16º e 17º da Portaria 934/06 de 8 de Setembro” - 4) dos factos provados.
Assinale-se que, atendendo ao princípio da gratuitidade do procedimento (art. 11.º do CPA), só é possível cobrar taxas ou despesas após notificação da liquidação devida pela Administração (Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves, J. Pacheco de Amorim, Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2ª. edição, Almedina, p. 507 e 508).
Foi justamente o que fez a Entidade Demandada ao solicitar o envio de cheque no valor de € 82,55 à ordem do Instituto de Gestão da Tesouraria e do Crédito Público, IP, para reapreciar o pedido do A.
Em suma, não se divisa uma univocidade de conduta dos órgãos da PSP, consubstanciadora de um ato implícito. Pelo que não se violou o art.º 140º do CPA nem qualquer princípio de atuação administrativa (designadamente os constantes dos art.ºs 2º, 4º, 6º e 6ºA do CPA) cuja violação o A. apenas alega genericamente, sem qualquer concretização.»
(fim da transcrição)

3.4 Vejamos se colhem os erros de julgamento apontados pelo recorrente à sentença recorrida.

3.5 Antes, e para tanto, cumpre explicitar que atendendo ao contexto temporal em que foi formulado o pedido do autor e proferida a decisão administrativa que o indeferiu, a saber o despacho de 01/07/2013 do Diretor Nacional Adjunto - Unidade Orgânica de Operações e Segurança - da Direção Nacional da Polícia de Segurança Pública, impugnado na ação, o quadro normativo aplicável é o que resulta do Novo Regime Jurídico de Armas e suas Munições, aprovado pela Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, na redação resultante das alterações introduzidas pelas Leis nº 59/2007, de 4 de setembro, nº 17/2009, de 6 de maio, nº 26/2010, de 30 de agosto, e nº 12/2011, de 27 de abril (já que as alterações que foram introduzidas pelas Leis nº 50/2013, de 24 de julho e nº 50/2019, de 24 de julho, lhe são posteriores).
Neste considerando, todas as referências feitas ao Regime Jurídico de Armas e suas Munições devem ter-se por efetuadas para o regime constante da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, na redação resultante das alterações introduzidas pelas Leis nº 59/2007, de 4 de setembro, nº 17/2009, de 6 de maio, nº 26/2010, de 30 de agosto, e nº 12/2011, de 27 de abril.

3.6 O Regime Jurídico de Armas e suas Munições (Lei n.º 5/2006), estabelece o regime jurídico relativo ao fabrico, montagem, reparação, importação, exportação, transferência, armazenamento, circulação, comércio, aquisição, cedência, detenção, manifesto, guarda, segurança, uso e porte de armas, seus componentes e munições, bem como o enquadramento legal das operações especiais de prevenção criminal (cfr. artigo 1º nº 1), com ressalva das situações especiais que dela se encontram excluídas (cfr. artigo 1º nºs 2 a 5).
Na aceção nele definida, e para os seus efeitos, deve entender-se por «porte de arma» “o ato de trazer consigo uma arma branca ou uma arma municiada ou carregada ou em condições de o ser para uso imediato” e «uso de arma» “o ato de empunhar, apontar ou disparar uma arma” (cfr. artigo 2º nº 5) alíneas p) e s), respetivamente).
As armas, assim como as munições e outros acessórios, são classificadas em várias classes, a saber, nas classes A, B, B1, C, D, E, F e G, de acordo com o grau de perigosidade, o fim a que se destinam e a sua utilização (cfr. artigo 3º nº 1).
No que diz respeito às armas da classe B, isto é, as armas de fogo curtas de repetição ou semiautomáticas (cfr. artigo 3º nº 3) a sua a aquisição, a detenção, o uso e o porte de arma “…podem ser autorizados:
a) a quem, nos termos da respetiva Lei Orgânica ou estatuto profissional, possa ser atribuída ou dispensada a licença de uso e porte de arma de classe B, após verificação da situação individual; b) aos titulares da licença B; c) aos titulares de licença especial atribuída ao abrigo do n.º 1 do artigo 19.º
” (cfr. artigo 5º nº 3).
Sendo que é de acordo “…com a classificação das armas constante do artigo 3.º, os fins a que as mesmas se destinam, bem como a justificação da sua necessidade” que podem ser concedidas pelo diretor nacional da PSP as respetivas licenças de uso e porte ou detenção (cfr. artigo 12º nº 1).
E no que diz respeito à atribuição da licença B, dispõe o artigo 13º do Regime Jurídico de Armas e suas Munições (Lei n.º 5/2006), o seguinte:
“Artigo 13º
Licença B
1 - Sem prejuízo das situações de isenção ou dispensa, a licença B pode ser concedida ao requerente que faça prova da cessação do direito que lhe permitiu o uso e porte de arma da classe B, pelo menos durante um período de quatro anos.
2 - A licença não é concedida se a cessação do direito que permitiu ao requerente o uso e porte de arma ocorreu em resultado da aplicação de pena disciplinar de demissão, de aposentação compulsiva, bem como de aposentação por incapacidade psíquica ou física impeditiva do uso e porte da mesma.
3 - Os pedidos de concessão de licenças de uso e porte de arma da classe B são formulados através de requerimento do qual conste o nome completo do requerente, número do bilhete de identidade, data e local de emissão, data de nascimento, profissão, estado civil, naturalidade, nacionalidade e domicílio, bem como a justificação da pretensão, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 14.º”

Estabelecendo por sua vez a alínea b) do n.º 1 do artigo 14º, para que remete o artigo 13º nº 3, o seguinte, que a licença pode ser concedida aos requerentes que “…demonstrem carecer da licença por razões profissionais ou por circunstâncias de defesa pessoal pu de propriedade”.

3.7 Na situação dos autos, e tal como resulta do probatório, o autor, ora recorrente, que tendo sido fiscal municipal se encontrava aposentado desde 2003, e que tinha autorização de uso e porte de arma de defesa n.º 253/02, válida até 01/12/2006, relativa à arma de calibre 7,5 mm, marca BRNO, n.º 011220 concedida em 27/02/2002 pelo Diretor do Departamento de Armas e Explosivos, apresentou em 06/12/2006 pedido de renovação da licença de uso e porte de arma tipo B, o que justificou nos seguintes moldes: «(…) em virtude de ter exercido funções de coordenador da fiscalização municipal da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, durante trinta anos, e ainda atualmente diversas vezes ser chamado aos tribunais de várias comarcas, devido aos processos que ainda se encontram a aguardar julgamento (e) teve que enfrentar marginais e pessoas que não pretendiam cumprir a Lei, pelo que muitas dessas pessoas gostariam de fazer justiça pelas próprias mãos razão que o leva a pensar que necessita de continuar a andar armado a fim de repelir qualquer tentativa de agressão.» (vide pontos 1) e 2) do probatório).

Esse pedido foi inicialmente indeferido por despacho de 04/02/2010 do Diretor Nacional Adjunto da Área de Operações e Segurança da Polícia de Segurança Pública, mas em sede de recurso hierárquico esse despacho foi revogado por despacho de 11/05/2011 do Diretor Nacional da Polícia de Segurança Pública, tendo o procedimento retrocedido à fase inicial da instrução, com vista ao suprimento das questões detetadas (vide pontos 3) a 14) do probatório).

Nesse seguimento foi o autor notificado para que esclarecesse se pretendia uma licença de uso e porte de arma classe B ou a renovação da autorização para uso e porte de arma de defesa, e convidando a juntar Declaração dos Serviços com a data de passagem à aposentação e a justificar a sua pretensão, juntando prova dos motivos invocados, bem como os seguintes documentos: Impressos A+B; Duas fotos tipo passe; Declaração do organismo onde tenha prestado um mínimo de 4 anos de serviço com direito a uso e porte de arma da classe B e de que a cessação desse direito não tenha ocorrido por demissão, aposentação compulsiva ou aposentação por incapacidade física ou psíquicas incompatíveis; Cartão Eleitor (Prova residência); Cópia do Bilhete de Identidade; Registo Criminal de Identidade; Registo Criminal; Declaração do compromisso de honra; Atestado médico de aptidão psíquica e física; Declaração da ANSR (7,00 Euros); Prova de seguro obrigatório (100 000,00) da (s) arma (s) que já a (s) possuir. (vide ponto 15) do probatório). Tendo então, em 13/06/2011 enviado aqueles elementos documentais e justificado a sua pretensão do seguinte modo: «Na sua vida profissional teve que enfrentar situações difíceis, tendo ainda hoje que comparecer em Tribunais, em processos que ainda não terminaram, pelo que sente necessidade de continuar armado. Sendo certo que nunca tive necessidade de usar a arma, também é certo que as pessoas com quem lidamos sabem geralmente se andamos armados ou não armados, pois aqueles que porventura não respeitam a Lei, muitas vezes, tendem a partir para a agressão pondo em causa a integridade física daqueles que os obrigam a cumpri-la, tendo inclusive recentemente sido vítimas de insultos como por exemplo, “Agora já não estás armado, já estás aposentado, já não vales nada”, por parte de dois indivíduos que não reconheci, mas que possivelmente no passado terei intervindo com eles, no sentido do cumprimento da Lei, como órgão de fiscalização. O requerente, refere ainda que, um seu filho, é proprietário de um comércio de pneus, onde lhe presta ajuda, dando apoio comercial nos movimentos financeiros para o qual está autorizado, pelo que esta é mais uma razão da necessidade de continuar a andar armado (…).” (vide ponto 16) do probatório). E em 12/07/2011, por sua iniciativa e para uma «melhor apreciação» da sua situação, como ali referiu, enviou ao Diretor Nacional Adjunto da Unidade de Operações e Segurança da PSP uma declaração da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, uma declaração da Empresa A., Lda., uma cópia de procuração com os poderes delegados pela mesma empresa, uma cópia de depósitos bancários e uma informação do Banco Santander Totta e cópia de participação criminal (vide ponto 17) do probatório).
Tendo ainda, em fase de instrução do procedimento, sido determinada a averiguação e informação, pelo Comando da PSP da área de residência do autor, sobre a necessidade de o requerente andar armado para defesa pessoal ou de propriedade, tendo posteriormente, em 16/04/2012, sido elaborada o documento de verificação de conduta cívica com o seguinte teor: “4 – Distância a Esquadra da PSP/GNR: 2 Km; Dados sociais 5 - Qual o relacionamento com a vizinhança? Bom… 7 - Qual o relacionamento com os familiares? Não foi possível apurar; 8 - É dado ao consumo de bebidas alcoólicas? Não; 9 - É dado ao consumo de bebidas alcoólicas? Não; 10 – Tem antecedentes criminais? Não; Outros dados 11 - Grau de risco? (Nenhum) 12 - Grau de ameaça? (Nenhum) 13 – Movimento de quantias monetárias: Sim; 14 – Os valores são de sua propriedade: Não; 15 – Qual o valor médio diário: mais de 1000€; 16 – Qual o nome da empresa: A., Limitada.; Juízo ampliativo 18 – Informação(…); 19 – Informação da necessidade premente de andar armado: Contactado A. acima identificado, o mesmo informou que tem várias necessidades para a posse de uma arma, devido ao facto de ter sido Fiscal da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, e ter necessidade de se deslocar a vários tribunais, inerente aos vários processos que correm termos na justiça, que lhe provoca alguma insegurança pela sua pessoa. Declarou ainda que trata de todas as transacções bancárias, transportando por vezes grandes quantias em dinheiro, da Empresa, “A., Limitada”, propriedade de seu filho J., conforme que se junta. Questionando o mesmo se teria algum comprovativo das suas notificações de comparência em Tribunal, o mesmo foi perentório em afirmar que nunca guardou as notificações ou justificações de comparência, bem como de momento não tem qualquer notificação agendada. Informou ainda que já solicitou junto do tribunal, uma declaração relativo às suas comparências, contudo foi-lhe informado que não seria viável tal procedimento em tempo útil, uma vez que teria de ser recolhida essa informação por todas as secções no qual havia comparecido” (vide pontos 18) e 21) do probatório).
E nesse contexto foi proposto o indeferimento do pedido, de que o autor foi notificado para exercício de audiência prévia, indeferimento assente na seguinte fundamentação “A justificação da pretensão apresentada não justifica de forma suficiente e inequívoca a necessidade de andar armado, nem demonstra carecer da licença por circunstâncias imperiosas de defesa pessoal ou de propriedade, não sendo a sua actividade actual uma actividade de risco. Não veio ao processo fazer qualquer prova nos termos do n.º1 dos Art.º 14º e 13º da Lei 5/2006 de 23 de Fevereiro com a redacção dada pela Lei 12/2011 de27 de Abril e Art. 88 do CPA, da necessidade carecer da licença por razões profissionais ou por circunstância de defesa pessoal ou de propriedade.”, o que veio a ser decidido, após audiência prévia do autor, pelo despacho de 01/07/2013 do Diretor Nacional Adjunto - Unidade Orgânica de Operações e Segurança - da Direção Nacional da Polícia de Segurança Pública, objeto de impugnação na ação, que lhe foi notificado em 12/07/2013 (vide pontos 22) a 24) do probatório).


3.8 Tal como a sentença recorrida constatou, o dissídio objeto da ação emerge essencialmente em torno da justificação da pretensão formulada pelo autor, por a entidade demandada ter considerado não se encontrar demonstrar a necessidade de licença de uso e porte de arma por razões profissionais ou circunstâncias de defesa pessoal ou de propriedade. E o juízo feito na sentença, de não ser desacertada nem manifestamente errada, à luz do quadro normativo aplicável, e considerando a matéria de facto provada, o juízo expresso pelo Departamento de Armas e Explosivos da Polícia de Segurança Pública sobre a desnecessidade de uma licença de uso e porte de arma por inexistência de razões profissionais ou circunstanciais de defesa pessoal ou de defesa da propriedade e por falta de prova de retaliações presentes e de novas ofensas por causa do exercício das suas anteriores funções, mostra-se correto, devendo ser mantido. Não colhendo as conclusões I. a VII. das alegações de recurso, no sentido de a sentença recorrida incorrer em erro de julgamento, por errada interpretação e aplicação dos artigos 13º nºs 1 e 3 e 14º nº 1 alínea b) da referida do Regime Jurídico das Armas e suas Munições (Lei n.º 5/2006), e bem como do artigo 9º do Código Civil.

3.9 É que das disposições conjugadas dos artigos 13º nºs 1 e 3 e 14º nº 1 alínea b) do Regime Jurídico das Armas e suas Munições (Lei n.º 5/2006), supra percorrido, resulta que a atribuição da licença de uso e porte de arma da classe B sempre depende de se encontrar demonstrada a justificação para a sua concessão por razões profissionais ou por circunstâncias de defesa pessoal ou de propriedade.
O que a sentença recorrida teve presente, e bem. Sendo correta a interpretação que fez destes normativos.
3.9 Por outro lado, mostra-se também correta a subsunção da situação concreta aos normativos em causa, se o autor se encontrava aposentado desde 2003 e o motivo, atinente às funções de fiscal municipal, que até então exerceu, se prende com alegação, não demonstrada, de que por efeito delas ainda tem que comparecer em tribunais, em processos que ainda não terminaram, sentindo por isso necessidade de continuar armado, e se, simultaneamente, no que respeita ao transporte de valores a que alude, a entidade demandada concluiu, fundamentadamente, após aturada averiguação e instrução, que o sistema de policiamento das autoridades públicas é bastante e suficiente, não existindo índices de criminalidade que o aconselhem ou justifiquem, nem haver risco ou circunstâncias imperiosas de defesa pessoal ou de propriedade que demandem a necessidade de o autor andar armado.

3.10 Não se verificando erro nos pressupostos em que a entidade demandada fundou a impugnada decisão de indeferimento, foi também correto o ajuizamento feito pela sentença recorrida.

3.11 O que que se vem dizendo também conduz à improcedência das conclusões XIII. a XX. das alegações de recurso, se não é de perspetivar qualquer erro de interpretação ou subsunção da situação de facto aos normativos em causa, e as circunstâncias não apontam no sentido da necessidade de o autor deter licença de uso e porte de arma como pretende.

3.12 E também não colhe o recurso no que tange ao juízo feito na sentença recorrida a respeito da invocação de ato implícito.

3.13 A este respeito o recorrente sustentou que o teor do ofício de 29/08/2011 consubstancia um verdadeiro ato implícito de deferimento do pedido de licença, constitutivo de direitos, pelo que só poderia ser revogado «quando todos os interessados deem a sua concordância à revogação» (cfr. artigo 140º CPA) e que assim o ato impugnado operou uma revogação violadora dos preceitos dos artigos 2.º, 4.º, 6.º, 6.º-A e 140º do CPA, e que ao decidir diversamente, a sentença recorrida enferma de erro de direito, por erradas interpretação e aplicação desses mesmos preceitos.

3.13 A sentença recorrida, socorrendo-se do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 09/10/2002, Proc. nº 0600/02, que citou, começou por precisar que para existir um ato administrativo implícito tem que ocorrer univocidade de uma conduta para a produção de certos efeitos jurídicos, não expressamente declarados, porque ligados de forma necessária aos expressamente enunciados, e, portanto, tem de existir um nexo incindível entre uns e outros desses efeitos.

3.14 E assim é, na medida em que o ato administrativo, enquanto decisão visando produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta (cfr. artigo 120º do CPA/91), haverá de ser emitido por escrito, desde que outra forma não seja prevista por lei ou imposta pela natureza e circunstâncias do ato (cfr. artigo 122º do CPA/91) vertendo, entre as demais menções obrigatórias, o conteúdo ou o sentido da decisão e respetivo objeto, as quais devem ser enunciadas de modo a poderem determinar-se inequivocamente o seu sentido e alcance e os efeitos jurídicos do ato administrativo (cfr. artigo 123º nºs 1 e 2 do CPA/91), consubstanciando um meio direto de manifestação dessa mesma decisão (cfr. artigo 217º nº 1, 1ª parte do Código Civil).

3.15 E neste contexto, se nem a doutrina nem a jurisprudência excluem a possibilidade de constatação de atos implícitos, enquanto atos não abertamente declarados, sempre exigem nesse desiderato a univocidade de uma conduta para a produção de certos efeitos jurídicos, não expressamente declarados, porque ligados de forma necessária aos expressamente enunciados, fazendo-os depender, portanto, de um nexo incindível entre uns e outros desses efeitos.
Veja-se, a tal respeito e nesse sentido, os seguintes acórdãos do STA, todos disponíveis in, www.dgsi.pt/jsta:
- acórdão de 23/05/2002, Proc. 0311/02, onde se lê o seguinte: «Ora, não se pondo em dúvida a admissibilidade, na esteira, aliás, do preceituado no art. 217º do Cód. Civil do acto administrativo implícito dedutível dos factos que com toda a probabilidade o revelem, a verdade é também que toda a Jurisprudência deste STA (Cf., i.a., acs. de 6-3-80 –rec. 13.259 , de 2-4-81 – rec. 13.541, relatados pelo Cons. Dr. Rui Pestana; de 12-3-91 – rec. 23.701, relatado pelo Cons. Dr. Dimas de Lacerda e a que poderemos fazer acrescer os acs. de 17-3-88 – rec. 19.900; de 28-2-89 – rec. 25392; de 22-11-94 – rec. 33.494; de 20-10-99 – rec.36.357.) proclama que o acto implícito terá que assentar na univocidade de uma conduta parta a produção de efeitos jurídicos, não expressamente declarados, porque ligados de forma necessária aos expressamente enunciados e, portanto, no nexo incindível entre uns e outros desses efeitos»;
- acórdão de 19/06/2002, Proc. nº 047787, em que se sumariou: «(…) III – Só pode entender-se existir um ato administrativo implícito quando ocorrer univocidade de uma conduta para a produção de certos efeitos jurídicos, não expressamente declarados, porque ligados de forma necessária aos expressamente enunciados, e, portanto, quando existir um nexo incindível entre uns e outros desses efeitos»;
- acórdão de 10/01/2005, Proc. nº 0511/04, em que se sumariou: «I – Só pode entender-se existir um ato administrativo implícito quando ocorrer univocidade de uma conduta para a produção de certos efeitos jurídicos, não expressamente declarados, porque ligados de forma necessária aos expressamente enunciados, e, portanto, quando existir um nexo incindível entre uns e outros desses efeitos. (…)»;
- acórdão de 27/11/2013, Proc. nº 1018/10, que remetendo para Sérvulo Correia, in, “Noções de Direito Administrativo”, Editora Danúbio, Lisboa, 1980, volume I, 1982, pág. 292 quando explicita que o ato implícito “(…) requer sempre uma exteriorização sob a forma de declaração de vontade exprimindo diretamente um certo conteúdo o qual, por seu turno, pressupõe necessariamente a existência de mais uma vontade do mesmo órgão dirigida a um outro conteúdo que não vem expresso na declaração…”, sumariou que «(…) III – O ato implícito requere sempre uma exteriorização sob a forma de declaração de vontade exprimindo diretamente um certo conteúdo o qual, por seu turno, pressupõe necessariamente a existência de mais uma vontade do mesmo órgão dirigida a um outro conteúdo que não vem expresso na declaração».

3.16 Neste enquadramento não pode concluir-se que o identificado ofício de 29/08/2011 (o vertido no ponto 19) do probatório) consubstancie um ato implícito de deferimento do pedido de licença, constitutivo de direitos, pelas razões que foram consideradas na sentença recorrida. Caindo, consequentemente, a invocação de que o despacho de indeferimento, de 01/07/2013, impugnado na ação, tenha operado uma revogação ilegal, nos termos do artigo 140º do CPA/91, de um anterior ato constitutivo de direitos.

3.17 É que, como a sentença recorrida não deixou de constatar, e como já supra se explicitou, o pedido do autor havia sido inicialmente indeferido por despacho de 04/02/2010 do Diretor Nacional Adjunto da Área de Operações e Segurança da Polícia de Segurança Pública, mas em sede de recurso hierárquico esse despacho foi revogado por despacho de 11/05/2011 do Diretor Nacional da Polícia de Segurança Pública, tendo o procedimento retrocedido à fase inicial da instrução, com vista ao suprimento das questões detetadas, tendo nesse seguimento sido o autor notificado para que esclarecesse se pretendia uma licença de uso e porte de arma classe B ou a renovação da autorização para uso e porte de arma de defesa, e convidando a juntar Declaração dos Serviços com a data de passagem à aposentação e a justificar a sua pretensão, juntando prova dos motivos invocados, bem como os documentos ali identificados, o que o autor veio a fazer em 13/06/2011.
Emergindo o ofício de 29/08/2011 (vertido no ponto 19) do probatório) no âmbito da reapreciação do pedido, e precisamente por efeito da respetiva reformulação.

3.18 Pelo que não pode extrair-se desse identificado ofício de 29/08/2011 um ato administrativo implícito de deferimento da pretensão do autor.

3.19 E se assim, é, foi correto, também neste aspeto, o julgamento feito na sentença recorrida, não colhendo as conclusões VIII. a XII. das alegações de recurso.

3.20 Aqui chegados, e por tudo o supra visto, não colhendo os erros de julgamento apontados à sentença recorrida, deve a mesma ser confirmada. O que se decide.
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IV. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
*
Custas pelo Recorrente – artigo 527º nºs 1 e 2 do CPC novo (aprovado pela Lei nº 41/2013) e artigos 7º e 12º nº 2 do RCP (artigo 8º da Lei nº 7/2012, de 13 de fevereiro) e 189º nº 2 do CPTA.
*
Notifique.
*
D.N.
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Porto, 23 de abril de 2021


M. Helena Canelas (relatora)
Isabel Costa (1ª adjunta)
Rogério Martins (2º adjunto)